A POLÍTICA SOCIAL-DEMOCRATA DO MST

A ‘onguinização’ do MST: resultado de sua trajetória de conciliação e pacificação no campo

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) desperta entre intelectuais e a esquerda "socialista" nacional e mundial, uma grande simpatia. No atual período em que todas as lutas de massas no Brasil estão completamente paralisadas pelo nefasto papel desempenhado pela frente popular (PT, PCdoB, PSB) de cooptar o movimento operário à institucionalidade burguesa, as ações do MST, como as ocupações de terra, se destacam. Para o conjunto do ativismo classista, o MST é tido como uma referência de luta e de enfrentamento contra o latifúndio e o governo Fernando Henrique Cardoso. Porém, será que a estratégia do MST é de ruptura com o capitalismo e destruição do Estado burguês?

A crítica marxista ao papel desempenhado pelo MST é parte indissociável das bases objetivas e subjetivas na luta pela revolução agrária no Brasil, ainda mais quando as aparentes ações radicais do MST encobrem uma política a serviço de impedir que o campesinato pobre intervenha na potencial guerra civil no campo com um programa revolucionário.

MST SURGE SOB AS RÉDEAS DA IGREJA CATÓLICA

A gênese do MST acontece como contraponto político à influência do sindicalismo laico (como das antigas Ligas Camponesas). Nasce sob o vigoroso controle da Igreja católica.

Após o golpe militar de 1964, o movimento camponês, a exemplo do que ocorrera nas cidades com o movimento sindical, foi desarticulado sob brutal repressão. Fora apanhado sem forças para reagir, em razão de sua integração política ao governo João Goulart, deposto pelos militares. Anos depois, na Igreja católica, que inicialmente apoiara ardorosamente o Golpe militar combatendo o "perigo do comunismo ateu", houve um pequeno setor da hierarquia eclesiástica conhecido como "progressista", que passa a comandar a Igreja "de baixo" e, por causa disto, começa a exercer significativa influência sobre os camponeses, graças à organização das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), distribuídas pelas mais remotas regiões interioranas do país. As CEB’s, foram os locais onde os trabalhadores rurais encontraram a possibilidade de se organizar e lutar por seus direitos, face à virulência da repressão contra o movimento sindical urbano e camponês. A Igreja as tolerava porque respeitavam a hierarquia católica, ao mesmo tempo que combatiam ideologicamente o avanço de Ligas Camponesas laicas e formava dirigentes camponeses obedientes à orientação eclesiástica. Em meados dos anos setenta foi organizada a Comissão Pastoral da Terra (CPT), um germe do que seria o futuro MST. João Pedro Stédile, principal dirigente do MST, foi militante da CPT até 1982.

As primeiras ações do MST se deram no sul do país, a partir de 1978, quando cerca de 100 famílias ocuparam a fazenda Macali, em Ronda Alta, Rio Grande do Sul. Várias outras ocupações iam acontecendo, terminando por se expandir para o resto do país, seguindo a efervescência do movimento operário devido as greves que eclodiam no ABC paulista com o fim do "Milagre" brasileiro.

Embora em muitas regiões ainda prevaleçam relações de produção semifeudais (arado puxado por bois, solo carpido com enxadas, sistema de meia e parceria, etc.) e escravistas, típicas de um país atrasado como o Brasil, marcado pelo desenvolvimento capitalista desigual e combinado, foi a partir do modelo econômico implantado pelo regime militar que a agricultura se desenvolveu em níveis plenamente capitalistas, formando as bases materiais para a revolução agrária.

AS BASES OBJETIVAS PARA A REVOLUÇÃO AGRÁRIA

Com o esgotamento do ciclo nacional-desenvolvimentista aberto com Vargas, subseqüentemente substituiu-o, em 1964, o modelo implantado pela ditadura militar. Foi através dos incentivos fiscais e dos projetos de "colonização" e agropecuária do Centro-Oeste e Norte que se implantaram as agroindústrias. Mas a partir da década de 70 é que o governo militar promove uma rápida industrialização na agricultura, valendo-se de concessões de privilégios ao grande capital monopolista nacional e estrangeiro. Como resultado, há uma concentração de terras como nunca houvera antes. Os antigos camponeses, donos de uma pequena parcela de terra cultivada pelo arado de tração animal, foram expropriados em sua maioria pelos grandes capitalistas. Forma-se, assim, um exército de mão-de-obra barata para trabalhar na grande propriedade rural. Era a formação do proletariado rural.

O latifúndio está inteiramente concentrado nas mãos de transnacionais, banqueiros, industriais e grandes comerciantes. As relações de produção estão determinadas pelos interesses dos grandes monopólios industriais e financeiros, com os quais a maior parte da produção agrícola está vinculada. São eles que determinam como será a produção, a distribuição e a venda dos produtos. As multinacionais como a Parmalat, Cirius, Gessy Lever dominam o setor da produção agrícola; a Nestlé, a Fleischmann Royal e a Parmalat controlam o setor pecuário. A terra, portanto, tornou-se um meio de produção inteiramente dominado pela burguesia.

A essência da modernização capitalista no campo é a transformação da grande propriedade rural em grandes empresas capitalistas, cujo crescimento desenvolve o trabalho assalariado e a monstruosa concentração de terras, levando o antigo camponês e sua família à miséria.

Surgem por todo o país milhões de camponeses sem-terra, o que potencia uma profunda polarização social.

A SITUAÇÃO EXPLOSIVA NO CAMPO E O PACIFISMO DO MST

A grande massa de milhões de famintos produzidas pela "moderna" indústria no campo, ao lado de uma minoria absoluta de grandes proprietários de terras são os elementos objetivos que impulsionam a crescente polarização social em praticamente todas as regiões do país, abarcando desde as mais atrasadas (Norte e Nordeste) até as mais desenvolvidas (Sudeste e Sul).

Neste caldo de cultura de explosividade é que o MST se desenvolve. Por volta de 1979, começa a se valer do método da ocupação de terras. Num primeiro momento, chega a surpreender os grandes latifundiários, que logo tratam de responder com extrema violência às ações dos sem-terra. Criam bandos paramilitares e armam seus jagunços para enfrentar os sem- terra à bala. Em 1989, a fundação da União Democrática Ruralista potencia o clima de guerra civil instaurado no campo.

O III Congresso do MST, em 1995, pode ser considerado como a ante-sala de sua "onguinização", pois cristaliza-se o seu projeto nacional-desenvolvimentista (industrialização do interior do país, criação de um forte mercado consumidor, distribuição de renda etc.).

A evolução programática do MST se manifesta metodológica e politicamente nas ocupações de terra. As ocupações obedecem uma lógica bem formulada por sua direção: "a cada realização de uma ocupação de terra, cria-se uma fonte geradora de experiências que suscitarão novos sujeitos, que não existiriam sem esta ação. Ao conceber a ocupação como fato, estes sujeitos recriam continuamente sua história. Não concebê-la é não ser concebido. Com a ocupação, cria-se a condição nova para o enfrentamento. Na realização da ocupação, os sem-terra sem, ainda, conquistarem a terra, conquistam o fato: a possibilidade da negociação" (sic!). (MST on line). Deste modo, as ocupações têm o objetivo de pressionar o governo para que desaproprie o latifundiário — com gordas indenizações, muito acima do valor de mercado. A tática de pressão vem sempre seguida de tréguas, porque o recuo é uma forma de demonstrar "boa vontade" de negociar.

Esta lógica circunscreve-se ao programa social-democrata do MST: defesa da "suspensão da dívida externa", controle por parte do Estado do capital especulativo, criação de um imposto especial para os ganhos especulativos. Nada estranho ao que propõem atualmente as ONGs para os "países em desenvolvimento", como a Taxa Tobin, o perdão das dívidas externas, reforma agrária sem conflito etc. Nada mais reacionário, pois não predica qualquer rompimento com as arcaicas estruturas fundiárias do país.

A aparente "radicalidade" do MST consegue seduzir intelectuais pequeno-burgueses e grande parte da esquerda, impotentes perante a paralisia imposta pela frente popular no movimento operário. Ocupar para negociar, este é o objetivo do MST. De viés, demonstra que este é um caminho de derrotas e desmoralização para as sofridas massas camponesas ao limitar à legalidade a luta por suas conquistas e à utopia reacionária acerca da exeqüibilidade de um capitalismo "alternativo".

Como resultado do férreo controle da Igreja católica sobre o movimento, aliado às pressões da frente popular (encabeçada pelo PT), o pacifismo se tornou a tônica do MST. Atua dentro dos limites que lhe concede o regime capitalista, de respeito à Constituição e de não se confrontar com o latifúndio "produtivo" das grandes empresas rurais e agroindústrias. A ocupação de terra é precedida de acordos com o INCRA e os latifundiários para que as almejadas "terras improdutivas" sem qualquer valor no mercado sejam sobrevalorizadas a título de indenização estatal. Às vezes, os trabalhadores, cansados desta rotina, rompem com o legalismo do MST (Corumbiara e Eldorado dos Carajás).

O caráter social-democrata do MST se materializa na sua campanha em defesa do "limite máximo" para a propriedade rural. É a "Campanha pela Emenda à Constituição" em que a "sociedade civil vai exercer seu poder de pressão" sobre os governantes para que façam "valer a lei magna desta nação" (João Pedro Stédile, MST On Line). Aqui ficam bem explícitas as reais intenções do MST, ou seja, ser um instrumento de pressão a governantes, integrado ao regime político.

O PAPEL POLÍTICO DO MST AO SE ‘ONGUINIZAR’

Durante a última ação coordenada do MST, há quase dois anos, de ocupação de prédios públicos, um dos principais dirigentes do movimento resumiu a que interesses se subordina: nas palavras de Gilmar Mauro, "a disposição de todos os manifestantes do MST é sair mandando o cacete... A situação no campo é explosiva e estamos segurando" (O Estado de S.Paulo, 4/5/2000).

Em compensação, os grandes latifundiários se preparam profissionalmente para iniciar uma autêntica guerra civil no campo. Formam quartéis privados, com bandos paramilitares assalariados, treinamento etc. A UDR organiza leilões de gado como forma "legal" para arrecadar fundos para a compra de armas, a maioria das quais entra no país via contrabando. Por isso, as baixas humanas são quase que exclusivamente do lado dos camponeses pobres, cujas únicas armas são seus instrumentos de trabalho (foices e enxadas).

A dependência financeira em relação ao Estado capitalista é mais um dos aspectos políticos de que o MST tende a cada vez mais se converter em uma ONG. A começar pelas verbas que recebe da social-democracia européia, a principal mantenedora das ONGs — cuja razão de existência é disseminar os interesses econômicos do imperialismo europeu na América Latina, através de um "capitalismo alternativo" e "humanizado", valendo-se das "brechas" deixadas pelo imperialismo ianque (a miséria, a fome, o desemprego etc.). Atualmente, o móvel do MST é forçar a compra de terras improdutivas com ágio por parte do Estado. O MST se integra cada vez mais a campanhas ecológicas das ONGs contra os alimentos geneticamente modificados (os transgênicos), contra o uso de agrotóxicos (indústria dominada pelo imperialismo norte-americano), organização do Fórum Social Mundial etc.

Até mesmo o trunfo do MST, as cooperativas, atuam dentro dos limites do regime capitalista, à margem do latifúndio e sua razão de existir é o lucro. Os chamados "Programas de Emergência" do MST estão voltados para estimular as pequenas e médias empresas, a construção de casas populares, a geração de empregos, enfim, criar um "mercado interno de massas". Trata-se de uma política abertamente pró-burguesa que só pode conduzir os trabalhadores a um beco-sem-saída.

Contudo, esses interesses "ocultos" demonstram que a atuação política do MST cumpre um papel preciso, o de impedir que exploda uma guerra civil no campo, atuando como válvula de escape ao crescente descontentamento de suas bases. Difunde seu pacifismo de "novo tipo" — enfrentamento com o latifúndio sem que a estrutura fundiária seja atingida, a exemplo do "novo internacionalismo" das ONGs: manifestações de Seattle, Gênova etc., sem que exista uma direção revolucionária para dar seqüência e organicidade às lutas. As ONGs têm como objetivo pressionar os representantes do grande capital para que este adote práticas "alternativas" ao neoliberalismo. São ao mesmo tempo, lobbistas das grandes corporações capitalistas (que as patrocinam!) e visam ao apaziguamento dos países onde existam conflitos sociais agudos, como os do continente latino-americano.

SÓ O PROLETARIADO E O CAMPESINATO POBRE, ORGANIZADO NO PARTIDO REVOLUCIONÁRIO, PODE PÔR FIM AO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA!

A reforma agrária nos limites do regime capitalista jamais vai solucionar os graves problemas por que passam os camponeses sem terra. Nem mesmo o atendimento às suas reivindicações pontuais colocará a termo o sistema de opressão e exploração. É necessário um programa que tenha como ponto nevrálgico a expropriação revolucionária da propriedade privada dos meios de produção. A aspiração pela terra não poderá ser resolvida nos marcos da legalidade democrático-burguesa, tampouco com o pacifismo "onguinizado" das direções do MST.

A principal contradição existente no campo é entre uma burguesia dona dos meios de produção de um lado; de outro, o proletariado rural e os camponeses pobres indefesos, cujo elemento subjetivo, ou seja, as direções do MST, está completamente integrado à institucionalidade. A negação de organizar os comitês de autodefesa, as milícias camponesas para impedir que os massacres de trabalhadores rurais sejam perpetuados pela fúria assassina da UDR e da repressão estatal, é produto do processo de "ongui-nização" do MST, ou seja, de sua política social-democrata. A criação destes organismos de autodefesa significa confronto em campo aberto contra os latifundiários e seus bandos armados.

Reforma agrária (garantia de terra para os sem-terra historicamente marginalizados pela burguesia) e revolução agrária (expropriação da agroindústria, nacionalização e coletivização das terras) são consignas que se completam como parte do processo transitório de expropriação da burguesia, tarefas as quais só poderão ser realizadas sob a direção do partido revolucionário, arrastando atrás de si o campesinato. Para isto é necessária a superação das atuais direções conciliadoras da frente popular e do pseudo-radicalismo do MST. Tornar a luta pela reforma agrária independente da política de desapropriações acordadas entre o tripé MST/INCRA/latifúndio é um pré-requisito para dar-se início à revolução agrária. Somente com a revolução proletária e o socialismo é que as reivindicações históricas do campesinato e do proletariado poderão ser atendidas.


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