A SUI GENERIS ‘ESTABILIDADE’ POLÍTICA NO BRASIL Na Argentina, os trabalhadores protagonizam a ação direta contra o regime; no Brasil, a frente popular encabeça a integração do movimento operário ao Estado burguês, levando-o à profunda paralisia política Seguindo o rastilho de pólvora de massas detonado pela crise capitalista na América Latina, caiu na Argentina o governo De la Rúa, que eleito sob a fachada de uma coalizão de centro-esquerda (UCR-Frepaso, uma versão portenha do PSB de Garotinho), seguiu fielmente a política pró-imperialista do seu antecessor Menem, levando o país a um colapso social sem precedentes na história recente. Apesar do caráter mafioso (peronista) de grande parte das direções do movimento operário, como a CGT (oficial-Daer) e a CGT (Moyano) e a orientação social-democrata frepasista da CTA, a ação direta do movimento de massas passou por cima da verdadeira camisa-de-força de suas direções e alçou-se ao papel de protagonista do cenário político. Ganhando as ruas com métodos radicalizados de luta, como o corte de estradas, os piquetes e inclusive a autodefesa armada frente à repressão estatal, os trabalhadores tomaram as ruas das principais cidades do país, forçando a renúncia de De la Rúa e seguidamente de Rodriguez Saá, uma rápida tentativa de estabelecer um governo com algumas características de frente popular. A ascensão do núcleo duro do peronismo ao poder (Duhalde, De la Sota, Ruckauf) não estancará a crise política que tem base estrutural no modo de produção capitalista, e não só no "modelo econômico" como tenta fazer crer a esquerda reformista. A revolução socialista não começou na Argentina, ao contrário de algumas teses ufanistas do pseudo-trotskismo (que se utilizam de caracterizações bombásticas para encobrir suas políticas ultra-oportunistas), mas o Estado burguês está abalado, o regime político está completamente esgotado frente às massas. A tarefa neste momento é a construção de organismos de poder da classe operária, para pôr de pé o proletariado como principal agente do processo político pré-revolucionário que se inicia na Argentina. Sem a construção de uma alternativa revolucionária de poder, a profunda crise política do regime pode ser fechada através de um amplo pacto de governabilidade, para evitar a derrubada violenta do Estado capitalista e não somente a substituição dentro dos marcos institucionais do governo de turno. A vanguarda da luta de classes na América Latina deslocou-se rapidamente para a Argentina, mas não amaineceu a ebulição em outros países irmãos, como no Chile, Peru, Colômbia, Equador, Bolívia, Venezuela, El Salvador, só para relacionar os principais focos de instabilidade. No Chile, o governo social-democrata de Lagos revela-se tão pinochetista quanto seus antecessores. As recentes greves operárias e levantamentos dos Mapuches (nacionalidade indígena oprimida), reprimidos com métodos de guerra civil dão a dimensão que o país está às vésperas de uma revolta popular com dimensões imprevisíveis. Já o Peru, após a queda de Fujimori, teve conjunturalmente sua crise política debelada, com a eleição de Toledo (uma válvula democratizante utilizada pelo imperialismo) que se desgasta velozmente frente ao movimento operário, enfrentando inclusive os primeiros protestos "callereros" (de massas). No Equador, a insurreição proletária e indígena que derrubou Jamil Mahuad encontra-se num impasse temporário devido à cooptação do movimento indígena pelo novo governo de Gustavo Noboa. O nacionalismo burguês senil de Chávez na Venezuela está acossado tanto pela direita pró-ianque; que não aceita os acenos demagógicos do presidente coronel, como pelo movimento operário, que vê frustradas todas as expectativas de conquistas sociais pela via do governo burguês de Chávez, que em nada rompeu com a cartilha do FMI e tampouco aponta qualquer perspectiva independente ao poderoso proletariado venezuelano. O quadro político tende a uma rápida decomposição da chamada "República Bolivariana" e a entrada do país em uma situação pré-revolucionária. Também é bastante acirrado o cenário colombiano, a guerrilha comandada pelas FARC e ELN tenta desesperadamente reeditar os acordos de paz com o governo Pastrana, na tentativa de evitar a eclosão e a extensão da luta armada para outras regiões do país. As FARC tentam fazer da "zona desmilitarizada" sob seu controle uma espécie de "coexistência pacífica" em nível nacional com a burguesia colombiana, mas a realidade caminha no sentido oposto, já que o movimento operário dos principais centros urbanos (Bogotá, Cali, etc.) saiu às ruas colocando claramente a necessidade de pôr fim ao bastardo Pastrana, títere do imperialismo que pretende com sua ofensiva mundial, através de uma intervenção armada, instalar bases militares em toda a região amazônica. Como qualquer um pode constatar, mesmo os mais céticos, a situação da luta de classes na América Latina é bastante explosiva, estando à beira de um transborde revolucionário, que só ainda não aconteceu em razão da ausência de um forte partido revolucionário que tenha a capacidade de conduzir as massas à tomada do poder político, pondo fim ao chamado ciclo "democrático" em todo o continente. Este ciclo ou "circo democrático burguês" instaurado em toda a América Latina, substituindo os regimes militares, aumentou dramaticamente os níveis de miséria, desemprego e subtração das conquistas históricas do proletariado latino-americano. Somente a luta por um novo modo de produção socialista pode significar um passo progressivo à atual barbárie capitalista vivenciada pelos povos latino-americanos. BRASIL, O "PARAÍSO" DA ESTABILIDADE POLÍTICA PARA A BURGUESIA E A FRENTE POPULAR, E UM INFERNO MISERÁVEL PARA AS MASSAS PROLETÁRIAS Mas existe uma aparente "ilha da fantasia" no conturbado oceano de crises na América Latina, este "paraíso" chama-se Brasil. Nem mesmo o completo colapso econômico do país vizinho, a Argentina, foi capaz de arranhar o quadro de tranqüilidade, ou melhor dizendo, "trégua social" que atravessa o regime político democratizante comandado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, FHC. O "segredo" de tanta estabilidade política nos quase oito anos do governo FHC, que "apenas" foi "afetado" pelos banqueiros internacionais com as crises cambiais e os sucessivos ataques especulativos, é a trégua dada pela frente popular, uma coalizão que inclui o PT, a CUT, partidos burgueses tradicionais como o PDT, PSB, ex-stalinistas convertidos à social-democracia — PCdoB, e até mesmo os pseudotrotskistas do PSTU (LIT) que não se cansam de sua política de "exigências" inócuas à frente popular. A desvinculação do colapso argentino da economia brasileira surpreendeu até mesmo os mais otimistas analistas do mercado financeiro que esperavam, alguma turbulência nos negócios da bolsa de valores e na relação cambial dólar-real. Ao contrário, houve uma valorização do real frente ao dólar e os índices do Ibovespa bateram todos os recordes nos últimos dois meses. Para entender este inesperado "fenômeno" econômico é preciso ir mais além dos limites de uma interpretação econômico-financeira como fazem os tecnocratas do governo FHC, e abstrair as lições da atual etapa da luta de classes no Brasil. A burocracia sindical cutista, tanto sua ala esquerda (ASS, MTS-PSTU), como sua ala direita (Articulação, CSC-PCdoB), tenta substituir a luta de massas e a ação direta dos trabalhadores pela luta de camarilhas, disputando o botim das fartas verbas sindicais, em grande parte oriundas do Estado burguês, nos congressos nacionais sindicais realizados como verdadeiros fóruns de turismo sindical, corrompendo a maioria dos ativistas de vanguarda das diversas categorias de trabalhadores que integram os sindicatos cutistas. As cifras manipuladas pela direção da CUT, atingem a casa de quase um bilhão de reais, o que dá a verdadeira dimensão da corrupção instalada no movimento sindical brasileiro. A CUT participa no Brasil dos conselhos gestores do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador, gerenciador do Fundo de Garantia-FGTS) e do BNDES (Banco de Desenvolvimento Social, a versão nacional do BIRD). Ambos conselhos, nos quais a CUT tem assento, movimentam juntos mais de 80 bilhões de dólares. Não precisa ser muito esperto para saber que qualquer migalha caída destes organismos do Estado capitalista é um verdadeiro banquete para a burocracia cutista, completamente integrada e corrompida pelo regime democratizante. Para o governo FHC, a trégua oferecida pela frente popular é utilizada para atacar as conquistas operárias como o recente decreto que elimina na prática a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), além do brutal arrocho salarial sofrido pelas principais categorias assalariadas. Na realidade, FHC sente-se fortalecido com o respaldo dado pela frente popular, para representar oficialmente os interesses econômicos do imperialismo no nosso continente, mostrando o cenário de estabilidade nacional, como produto do "acerto" de seu receituário "austero" de déficit zero, provocando cada vez mais o empobrecimento da população trabalhadora brasileira. Como contraponto à sua política pró-imperialista do "Consenso de Washington", o governo realiza a chamada "integração social" com as políticas compensatórias de corte social-democrata tupiniquin, contando com a colaboração direta da oposição burguesa encabeçada pela frente popular. Como exemplo, poderíamos citar a realização das farsas de "orçamentos participativos" levados a cabo tanto pelos governos do PT, como por partidos burgueses considerados "neoliberais" (PSDB, PFL, PMDB), política "social" recomendada hoje até pelo Banco Mundial, assim como os imponentes recursos destinados aos programas de "requalificação da força de trabalho" geridos em parceria pelas centrais sindicais (CUT, Força Sindical) e Ministério do Trabalho. A frente popular no Brasil já exerce de fato e de direito um co-governo com FHC, assumindo a chefia de várias administrações estaduais e municipais, sob a mesma lógica capitalista de austeridade fiscal e déficit zero. Além desta fatia do poder em suas mãos, sonham com a eleição presidencial de seu eterno candidato Lula. A cada eleição, o PT e a CUT empenham todos os seus esforços em conter completamente qualquer possibilidade de desestabilização do quadro político nacional, leia-se represar as tendências de luta dos explorados, que venham prejudicar a imagem, de político responsável e competente para gerir o Estado, de Lula e dos outros candidatos majoritários do PT e seus aliados da oposição burguesa. A burguesia brasileira manobra estrategicamente o fato das aspirações presidenciais do PT ser uma possibilidade real. Primeiro, convocando o PT a assumir a função de um pré-governo, ou co-governo, repartindo a aplicação do "ajuste" ditado pelo FMI nas costas dos trabalhadores, pela via do parlamento. A recente aprovação do orçamento federal, aprovado consensualmente entre o governo e a oposição burguesa, para o exercício de 2002, que regulamenta um salário mínimo miserável em 200 reais é uma prova cabal do que afirmamos. Em segundo lugar, utilizando a paralisia do movimento de massas, dirigido pela frente popular, apresenta o Brasil como um país sem "riscos" para atrair créditos financeiros internacionais que são utilizados tanto para retardar a quebra total do Estado, como para o enriquecimento nababesco das oligarquias financeiras e industriais nacionais. O resultado é a contração de uma dívida pública e privada nacional e internacional que supera a marca de um trilhão de dólares (o Brasil só fica atrás de países imperialistas, como os EUA, Japão e Comunidade Européia, em termos de dívida financeira). Com um botim tão "gordo" assim não há porque "brigar" e em torno desta falsa "fartura" foi celebrado o pacto social brasileiro entre o governo FHC e a oposição burguesa (frente popular). O enorme prestígio político do PT e da CUT, que são produtos de um autêntico ascenso do movimento operário nos anos 70, lhes confere a autoridade sobre o movimento operário para celebrar um pacto com a burguesia nacional pelas costas dos trabalhadores, e este, apesar da profunda crise econômica e social que assola o país, ainda não ter sido rompido pela ação direta dos explorados, como ocorreu na Argentina. O caráter supostamente "operário" do PT marca um diferencial político com todas as outras direções do movimento operário na América Latina, que oscilam do mafiosismo (CGT, peronistas, PRD mexicano) ao nacionalismo burguês social-democrata (Chávez, Lagos), permeando o radicalismo pequeno-burguês (FMLN, FSLN, indigenistas do Equador e Bolívia, etc.). Esta grande autoridade de uma organização surgida do movimento operário, apesar de hoje defender abertamente uma política burguesa e antioperária no discurso e na prática, catapulta o PT a controlar quase a totalidade do movimento operário e uma fatia considerável do Estado burguês (governos locais e parlamento), canalizando as aspirações das massas para o terreno institucional com a eleição de um futuro governo de seu principal dirigente político: Lula. É muito improvável que a burguesia brasileira venha a quebrar esse pacto de co-governabilidade, permitindo a eleição de Lula nas próximas eleições presidencias. A frente popular em um quadro de relativa estabilidade política, é muito mais útil chefiando a oposição burguesa do que administrando diretamente o governo central, o que poderia causar excessivas expectativas e rápidas frustrações nos trabalhadores. A tendência hegemônica é que se mantenha esse pacto social, pelo menos até as eleições de 2006. O PT, além de obter o segundo lugar nas próximas eleições presidenciais, deve ampliar sua bancada parlamentar e os governos estaduais sob seu controle. FORJAR A CONSTRUÇÃO DO PARTIDO REVOLUCIONÁRIO NO EMBATE CONCRETO À POLÍTICA DA FRENTE POPULAR A tarefa fundamental nesta etapa da luta de classes no Brasil é implodir o pacto entre o governo e a frente popular para dar vazão à latente revolta das massas contida pela política frente populista das direções. Nesta luta de denúncia vigorosa do caráter de colaboração de classes e contra-revolucionário da frente popular e seus aliados de esquerda, PSTU e a corrente "O Trabalho" (lambertistas), o embrião do partido revolucionário vai forjando sua construção, sob o fogo cerrado das pressões democratizantes, estabelecendo o contraditório entre a situação explosiva e a ação direta das massas na América Latina e a "ilha da fantasia" da apodrecida "estabilidade democrática" brasileira, que repousa exclusivamente na camisa-de-força imposta ao proletariado pela frente popular. Superar a profunda paralisia política do movimento operário começa por romper com os inócuos "calendários" de "dias nacionais de (sem) luta" estabelecidos pela direção da CUT e sistematicamente embelezados pelo PSTU e "O Trabalho", como sendo a realização de greves gerais, ou pelo menos atos massivos de protestos em todo o país, o que nunca ocorre. Organizar um verdadeiro plano de lutas, unificando as diversas categorias em movimento, rumo a uma autêntica greve geral ativa e de massas é o passo inicial de todo setor sindical ou organização de esquerda que se reivindique classista e revolucionária. Outra questão fundamental é a superação do corporativismo vigente na maioria dos sindicatos cutistas, que tem levado ao rebaixamento das reivindicações a um patamar de puro economicismo, favorecendo a derrota política de importantes greves como a do funcionalismo federal recentemente. É necessário estabelecer uma rigorosa delimitação política e programática com as atuais direções sindicais e políticas do movimento de massas no Brasil, que sob uma roupagem de "marxistas" e "socialistas" traficam uma política de integração ao Estado burguês (na verdade sonham em comandá-lo) muito mais nefasta do que direções tradicionais, notadamente burguesas, do movimento operário latino-americano, justamente porque semeiam a ilusão e a confusão nas massas da "via eleitoral, gradual e pacífica", bloqueando sua ação direta e embotando sua consciência de classe. |
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