ELEIÇÕES ARGENTINAS

Esquerda ‘trotskizante’ é refém da democracia burguesa

As recentes eleições presidenciais argentinas revelaram o profundo grau de integração política das correntes que se reivindicam do trotskismo com o regime democratizante e, em particular, com a corrida oportunista a cargos do parlamento, em detrimento de uma autêntica publicidade revolucionária diante do processo eleitoral.

O MST, Movimento Socialista dos Trabalhadores, poderia ficar com o título de campeão do cretinismo parlamentar, como afirmava Lenin, se não fosse a forte concorrência do Partido Obrero e, correndo na raia de fora, o PTS, que tomou emprestado do PT brasileiro seu slogan eleitoral.

Voltando ao MST (que recentemente sofreu a cisão de Luiz Zamora, seu ex-parlamentar e principal figura pública da organização), este integrou, juntamente com o PC argentino, a coligação denominada "Esquerda Unida" (EU), encabeçada por uma figura da política burguesa, Patrícia Walsh. A própria Patrícia reivindicava ser uma personalidade "suprapartidária", bem "acima" da pequenez dos agrupamentos que compunham a "Esquerda Unida", uma reedição piorada da candidatura burguesa de Nestor Vicente pela EU em 89. Em entrevista ao periódico do MST, Patrícia Walsh afirma que pretende construir uma "esquerda democrática, uma esquerda forte e pluralista" para "instrumentar um modelo econômico alternativo e com medidas paliativas em emergência, como um subsídio ao desemprego" (Alternativa Socialista, nº 266).

Como se pode abstrair das palavras da própria candidata que encabeçou as listas da Esquerda Unida, esta coligação entre uma das alas do morenismo e o stalinismo argentino, não passa de uma frente política com um programa abertamente burguês. O curioso é que a atual seção da LIT na Argentina, a Frente de Luta Socialista, FLS, que dizia defender uma candidatura presidencial "com um perfil operário, e combativo" (Opinião Socialista nº 86) acabou embarcando com malas e bagagens em uma candidatura burguesa e programaticamente reformista, como a de Patrícia Walsh. Como prova do seu oportunismo deslavado, o artigo da FLS, publicado pelo PSTU não comenta, em nem uma linha sequer, o programa da Esquerda Unida, justificando sua entrada política nesta coligação, com o fato de ter "permitido a possibilidade de um crescimento nas fileiras da LIT na Argentina" (idem). A absoluta falta de princípios políticos, neste caso, é justificada pela possibilidade de um "crescimento". Este mesmo caminho, o chamado atalho revisionista, já trilhou o MAS (Movimento ao Socialismo), que acabou se espatifando. Parece que a direção da LIT não consegue aprender com suas próprias tragédias, talvez seja pelo fato das forças centrífugas da democracia burguesa serem bem mais fortes do que seu esquálido programa centrista.

Por sua vez, o Partido Obrero relançou à presidência seu eterno candidato Jorge Altamira, em uma frenética campanha que previa transformar o PO na maior força política da esquerda argentina. Seu principal mote eleitoral se resumia a chamar "votar al Partido Obrero", abandonando o menor resquício de propaganda revolucionária e comunista, que deveria nortear um genuíno partido trotskista. O resultado prático de seu delírio eleitoral foi um forte retrocesso na votação obtida pelo próprio PO em relação às eleições passadas de 97, cerca de 35 mil votos, além de não terem conquistado o título de "campeão de votos" da esquerda reformista, ficando atrás inclusive do Partido Humanista, além da própria Esquerda Unida. Para Altamira, o "erro" do PO teria sido subestimar a conjuntura política, não fazendo aceno a qualquer autocrítica da defesa do programa democrático-burguês "radical" levantado pelo PO nas eleições, que não mencionou uma única vez sequer a revolução socialista ou a necessidade da construção de organismos de poder do proletariado. Seguindo a mesma estratégia política, a principal tarefa para o PO agora seria "las eleciones del ano que viene en la capital" (Prensa Obrera, nº 647), ignorando completamente a necessidade de preparar a resistência do movimento operário aos planos de arrocho e desemprego levados a cabo pelo "social-democrata" De la Rúa e a Frepaso, marionetes do imperialismo ianque.

Outro representante do arco trotskizante argentino é o Partido dos Trabalhadores pelo Socialismo, PTS, que costuma apresentar-se como uma organização mais à esquerda dos tradicionais troncos do trotskismo revisionista argentino (MAS, PO, MST). Nestas eleições, o PTS defendeu sua fórmula clássica de unidade eleitoral de todas as forças que se reclamam do trotskismo, tentando repetir sua aliança com o MAS em 95, quando chegou a propugnar a fusão organizativa entre as duas organizações, rejeitada pelo MAS. Como as demais correntes não lhe deram resposta, o PTS apresentou como candidato à presidência José Montes, operário do estaleiro Rio Santiago, em Buenos Aires, com o seguinte slogan "político": "trabalhador vote trabalhadores", o que lhes rendeu uma boa votação, cerca de 40 mil votos. Este lema eleitoral é uma cópia do utilizado pelo PT brasileiro quando debutou em suas primeiras aparições eleitorais. Atualmente, o PT abandonou completamente este slogan, levando com que a chamada esquerda petista e o próprio PSTU defenda sistematicamente a volta às origens do PT como um "ungüento" à sua completa direitização. Parece-nos que o PTS argentino busca repetir a trajetória política do PT que iniciou sua vida política com slogans do tipo centrista "trabalhador vota em trabalhador", carentes de qualquer conteúdo revolucionário ou até mesmo anticapitalista, para acabar com colocações abertamente burguesas, como as que se apresenta hoje nas eleições parlamentares. Se para o PT, que teve como origem, na sua formação, o movimento sindical antiburocrático, setores da igreja católica e a esquerda não stalinista, lançar slogans centristas nas eleições há quase duas décadas atrás era produto de sua indefinição marxista e revolucionária, para o PTS, reeditá-los hoje significa uma opção clara pela social-democracia de "esquerda", que procura mostrar-se "classista", mas bem longe da revolução socialista e de um programa revolucionário. O PT brasileiro é um exemplo vivo do fracasso dessa via, na qual o PTS apenas engatinha. Aliás, os "primos" do PTS, os morenistas do Brasil, são os que mais reivindicam a refundação de um novo PT das "origens". Parece que esse sonho também é muito acalentado entre a esquerda pseudo-trotskista argentina, ou seja, fundar um partido centrista na Argentina com as mesmas características originais do PT brasileiro. Cabe alertar que o lambertismo já abraçou essa mesma idéia na França, dissolvendo sua organização política em um apêndice de "esquerda" da social-democracia européia.

Outros grupos centristas, como o liderado pelo ex-parlamentar Luiz Zamora e o MAS, giraram abruptamente do mais grosseiro oportunismo eleitoralista para o abstencionismo eleitoral, sem realizar a menor autocrítica. Revelam que suas guinadas, longe de significarem uma ruptura de princípios com suas políticas anteriores são a expressão de suas desilusões com suas próprias possibilidades eleitorais, ou seja, como têm poucas chances de eleger um parlamentar, melhor então nem participar das eleições e continuar praticando seu sindicalismo rasteiro, ou no caso do MAS, seu diletantismo academicista antitrotskista.

Utilizar as eleições burguesas como uma grande tribuna do programa revolucionário e comunista, independente de se ter ou não um registro jurídico e até mesmo candidatos oficiais, é uma tarefa elementar para a construção de um autêntico partido da classe operária. Nesta prova do ABC do marxismo, os pseudo-trotskistas argentinos foram reprovados, exatamente por ignorarem os princípios básicos de uma política leninista frente ao parlamento burguês.



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