LUTA NO CAMPO

A Revolução Agrária é parte do programa da revolução social no Brasil

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, que ganhou grande repercussão nos anos 90, surge impulsionado pela conservadora modernização capitalista que dominou a agricultura brasileira nas décadas de 60 e 70 e aguçou os conflitos agrários, mantendo a arcaica estrutura do grande latifúndio e explorando ainda mais o trabalhador rural, principalmente nos estados de São Paulo e no Sul do país, onde nasceu o embrião do movimento. Sua origem está diretamente vinculada à ascensão de um sindicalismo combativo em contraposição ao velho peleguismo, ao avanço da influência da igreja no movimento dos trabalhadores rurais, devido o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), além da própria fundação do PT em 1980.

Apesar da radicalização de algumas ações do MST, a sua direção defende um programa essencialmente nacional-desenvolvimentista, cuja concepção reformista está muito clara no editorial da revista Sem Terra, de setembro/98, que apresenta a reforma agrária como uma causa "de todos os brasileiros e brasileiras", e defende "construir uma nação livre, rica e justa. Uma nação de cidadãos, sem excluídos". Contrapondo a necessidade de "um projeto nacional efetivamente novo", "ao modelo econômico adotado pelo capital internacional e aplicado no Brasil pelo governo Fernando Henrique Cardoso" (Revista Sem Terra, jul-ago-set/98).

Mas são as ações práticas do MST que delatam sua perspectiva nacionalista. A defesa de ocupações somente em terras improdutivas, respeitando os limites impostos à reforma agrária pela Constituição brasileira, prova que efetivamente a direção do MST nega-se a promover uma ruptura com a institucionalidade burguesa, mantendo ilusões no apodrecido regime capitalista, buscando apenas retocá-lo.

É preciso apoiar vigorosamente as mobilizações e lutas dos sem-terra e do MST, mas para que sejamos realmente vitoriosos, para que conquistemos um país livre do jugo imperialista, onde os interesses do proletariado e do campesinato pobre se transformem em poder político, onde as massas tenham emprego e plenas condições de vida é necessário não "mudar o modelo econômico" de neoliberal para nacional-desenvolvimentista como prega a direção do MST — duas variantes políticas do mesmo capitalismo decadente — mas expropriar a burguesia e seus aliados, através do levante revolucionário das massas da cidade e do campo, construindo um Estado operário, um passo na luta pelo socialismo.

Para "mudar os rumos da economia" é preciso derrubar nas ruas o governo FHC e, através da insurreição proletária, impor um governo operário e camponês, onde o Estado expresse, através da democracia operária, os interesses dos trabalhadores.

O "Programa de Emergência" proposto pela direção do MST, propõe suspender a dívida externa e controlar o capital especulativo, barrar as privatizações das empresas estatais estratégicas, eliminar os incentivos fiscais às grandes empresas e confiscar o ganho dos especuladores para, com esses recursos, "implementar um programa de investimentos, no apoio à pequena e média empresa, na construção de casas populares, na reforma agrária, no apoio à produção agrícola familiar, na garantia de escolas e atendimento de saúde para gerar empregos e criar um mercado interno de massas" (MST – Um projeto popular para o Brasil).

Todas essas medidas são justas, mas extremamente limitadas, e acabam por patrocinar a ilusão de que é possível um país atrasado e subordinado à opressão imperialista, como o Brasil, construir uma alternativa à recolonização nos marcos de um capitalismo nacional, soberano, fortalecido com "um mercado interno de massas". Essa é uma utopia reacionária que já levou os trabalhadores a inúmeras derrotas na América Latina!

Para defender as mínimas reivindicações operárias e camponesas, atender os interesses mais elementares das massas, é preciso enfrentar a burguesia, os grandes grupos econômicos, as FFAA e o imperialismo com um programa de ruptura com o capital, pois os interesses das classes na sociedade capitalista são antagônicos e irreconciliáveis. Um real programa operário e camponês deve defender, para tirar as massas da miséria: a reforma agrária com o confisco do latifúndio produtivo para dar terra aos camponeses pobres; todo apoio às ocupações, a nacionalização da terra; garantir terra aos sem-terra e posseiros bem como a propriedade dos pequenos produtores; a ruptura com o FMI e o desconhecimento de todos os títulos dos agiotas financeiros, com a expropriação das fábricas, terras e bancos sob o controle operário.

Esse programa somente poderá ser aplicado rompendo com a democracia capitalista e suas instituições (parlamento, justiça), levando a cabo essas medidas através de organismos de poder e organização dos trabalhadores da cidade e do campo, em uma autêntica democracia de conselhos de operários e camponeses.

Por isso mesmo, para punir os assassinos dos companheiros de Eldorado dos Carajás e as vítimas de outros massacres, é necessário constituir tribunais do movimento operário, camponês e popular que julguem os assassinos e façam justiça aos nossos irmãos que tombaram na luta. Para defender-se das chacinas da PM e dos ataques dos jagunços e do braço armado do latifúndio é necessário construir milícias camponesas e comitês de autodefesa. Acreditar que a justiça dos patrões e latifundiários possa, em um "novo julgamento justo", colocar atrás das grades os PM’s e o governador Almir Gabriel (PSDB), mandante do massacre, é semear desmoralização entre as fileiras dos lutadores sem-terra.

É urgente superar o atual programa da direção do MST e levantar uma orientação classista e revolucionária para os milhões de sem-terra e camponeses pobres que esperam um passo concreto e de luta para derrubar FHC e seus aliados no campo.

CONFISCAR O LATIFÚNDIO PRODUTIVO

A reivindicação histórica de reforma agrária defendida para garantir terra aos sem-terra é uma reivindicação justa, porque consagra o acesso à propriedade aos trabalhadores, historicamente excluídos pela burguesia e pelo latifúndio de terem um pedaço de terra para manter suas famílias e garantir suas mais elementares condições de vida. Apesar da classe operária se colocar pela abolição completa da propriedade privada, ela apóia integralmente a reivindicação dos camponeses pobres por terra contra a classe capitalista latifundiária, que também é sua inimiga histórica, estimulando a sua associação em cooperativas ou a incorporação em fazendas coletivas estatais.

A perspectiva da luta pela reforma agrária no Brasil produziu polêmicas bastante acirradas dos anos 20 aos 60, que giravam em torno da existência ou não de relações de produção feudais no campo. O PCB defendia a tese do feudalismo, considerando que a luta pela reforma agrária contribuiria na perspectiva de uma revolução democrática e antiimperialista. Buscava assim justificar suas alianças espúrias com a burguesia nacional, características do stalinismo em todo o mundo.

Combatendo esta política traidora de alianças com a burguesia nacional, sócia menor do imperialismo e incapaz de encampar as tarefas democráticas burguesas já realizadas nos países desenvolvidos, surgiram os primeiros trotskistas brasileiros. Analisando o desenvolvimento desigual, caracterizaram o Brasil como um país capitalista, sendo a luta pela reforma agrária uma alavanca importante na luta por uma revolução socialista, sem que para isso fosse necessário passar por uma etapa capitalista "democrática" ou "desenvolvimentista", impondo-se, ao contrário, a necessidade da implementação das teses da Revolução Permanente, pois somente a direção do proletariado poderia resolver os problemas democráticos do país, através de uma revolução proletária, antiimperialista e anticapitalista, com a implantação da ditadura do proletariado rumo ao socialismo.

Claro que persistem ainda resquícios de relações semifeudais no campo; os meeiros, os agregados, os colonos que, em troca de usufruir de um pedaço de terra, dividem sua produção ou trabalham gratuitamente durante um certo período, para o latifundiário dono de suas terras, são exemplos destes resquícios. No entanto, esse tipo de exploração está voltada para atender os interesses capitalistas dos latifundiários e das relações mercantis que estes desenvolvem.

Dar terra aos camponeses é uma tarefa democrática incapaz de ser realizada pelo capitalismo decadente e, como essa medida altera as relações sociais no campo, os enfrentamentos entre os sem-terra e o latifúndio assumem características revolucionárias em um país atrasado como o Brasil.

A estrutura fundiária brasileira é extremamente concentrada: 0,9% dos estabelecimentos agrícolas (52.513) possuem 43,8% (164.813.520 ha.) da área total (381.662.861 ha.); ou seja, menos de 1% dos estabelecimentos agrícolas concentram uma área superior à soma dos territórios da França, Alemanha, Espanha, Suíça e Áustria! Apenas 9,8% controlam 78,9% (301.890.108 ha.) desta área. Ao mesmo tempo, 52,9% dos estabelecimentos controlam apenas 2,7% da área agrícola total, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, de 1996.

Em essência, a luta pela reforma agrária radical é um choque entre a estrutura latifundiária e reacionária existente no país e a defesa da pequena e média propriedade camponesa, um embate que enfraquece o Estado semicolonial, que assenta sua dominação em uma aliança entre a oligarquia agrária e a burguesia industrial.

O MST reivindica a reforma agrária apenas em terras improdutivas e acaba bloqueando a luta dos sem-terra em terras devolutas e muitas vezes sem solo agricultável. A política do MST gera até mesmo o comércio rentável das desapropriações, levando os latifundiários a receberem um valor muito superior por suas terras, pago pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a título de indenização, em função das ocupações coordenadas pelo MST em suas propriedades devolutas. Até mesmo terras em processo de desertificação recebem altíssimas indenizações do INCRA. Essa política busca estabelecer um acordo com os governos de plantão para impor uma reforma agrária sem abalar a estrutura fundiária.

Ao contrário dessa política de colaboração de classes, a resposta proletária à questão da terra é a expropriação geral e revolucionária dos latifundiários sem indenização, através de milícias camponesas, pelo fim do monopólio privado da terra e a sua nacionalização, garantindo terra aos sem-terra e posseiros, bem como a propriedade dos pequenos proprietários rurais, assegurando-lhes assistência técnica, crédito subsidiado ou negativo e a comercialização da produção.

EXPROPRIAR os capitalistas no campo: lutar pela revolução agrária!

No Brasil, além da reforma agrária radical com expropriação do latifúndio está colocada na ordem do dia a tarefa da revolução agrária no campo.

Depois do golpe militar de 1964, e principalmente no chamado "milagre econômico" (1969-1973), quando várias multinacionais se instalaram em nosso território, o governo distribuiu crédito e empréstimos para grandes grupos econômicos formarem modernas empresas na agricultura e exportarem para os países imperialistas.

Ocorreu, em muitos casos, a transformação em termos econômicos e técnicos da grande propriedade rural em modernas empresas capitalistas e não a repartição da propriedade rural através da reforma agrária.

O capitalismo, ao se desenvolver na agricultura, pouco a pouco vai passando para as mãos da burguesia financeira, dos bancos, dos industriais, dos grandes comerciantes e da burguesia agrária, as terras que antes eram pertencentes tanto aos latifundiários como aos camponeses pobres, apesar da maior parte do território nacional ainda estar nas mãos do latifúndio. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, enquanto levou novas máquinas e técnicas para o campo, também colocou em relevo um novo proletariado agrícola — o "bóia-fria" — que vive em condições subumanas, sendo superexplorado por seus patrões, como no corte da cana para as grandes usinas de cana-de-açúcar, responsáveis pela fabricação do álcool.

As mais produtivas propriedades rurais brasileiras estão hoje nas mãos de grandes monopólios industriais e financeiros. Apenas 46 grandes grupos econômicos controlam sozinhos 20 milhões de hectares. Quase toda a produção agrícola é dominada por grandes empresas agroindustriais pertencentes em maior parte aos grandes monopólios nacionais e estrangeiros. 80% dos alimentos consumidos no Brasil, com exceção das verduras e legumes, passaram por algum processo agroindustrial.

Se geograficamente a agroindústria representa pouco no que diz respeito à ocupação do solo, do ponto de vista da produção e do PIB é o setor que alavanca a economia agrária nacional.

Os grandes monopólios e bancos controlam a produção agrária. Por exemplo, a produção de tomates é controlada por 4 grandes monopólios: Arisco, Gessy Lever, Parmalat e Círuis. O Grupo Votorantim é o maior produtor brasileiro de laranjas e a Parmalat, Nestlê e Royal controlam o rebanho, da produção até a comercialização da pecuária leiteira no Brasil.

Nestes casos, onde há o desenvolvimento capitalista da agricultura no campo, a tarefa revolucionária dos camponeses pobres e do proletariado rural é expropriar as grandes empresas agroindustriais, sem indenização, convertendo-as em propriedade coletiva sob a direção dos trabalhadores e não repartindo as terras em pequenas propriedades, o que acabaria com sua alta produtividade. Em síntese, é preciso levar a cabo a revolução agrária, como parte da luta pela revolução socialista.

O melhor exemplo da justeza dessa política é, se levarmos em conta o caso da mega-usina de produção de celulose de propriedade do ex-banco Bamerindus no Paraná (hoje controlada pelo governo em função das dívidas do banco com a União), onde milhares de hectares são tomados por pinheiros para a produção de papel. Pequenas propriedades com pinheiros de nada serviriam aos camponeses pobres se distribuídas em minifúndios. O latifúndio com pinheiros só tem serventia para ser processada a madeira na indústria de celulose, controlada pelos próprios trabalhadores. Esta é uma tarefa que está na ordem do dia e que a direção do MST no Paraná se recusa a abraçar.

A enorme mecanização que vem ocorrendo no campo, o emprego e o uso crescente do trabalho assalariado, o domínio sobre a quase totalidade da produção agrícola e da pecuária de grandes monopólios financeiros, industriais e bancários, a posse de terra nas mãos da burguesia não deixam dúvidas sobre o predomínio do capitalismo na agricultura brasileira e, conseqüentemente, de que a principal contradição no campo hoje é entre uma burguesia dona dos meios de produção e, de outro lado, o proletariado rural e os camponeses pobres.

A luta pela terra em um país atrasado, com um desenvolvimento desigual e combinado, onde convivem, lado a lado, a mais recente tecnologia de ponta na produção agrária desenvolvida por grandes empresas capitalistas com a agricultura de subsistência, justificam plenamente essas duas consígnias — reforma agrária e revolução agrária — tarefas que se completam. Como dizia Trotsky: "Os problemas centrais desses países coloniais e semicoloniais são: a revolução agrária, isto é, a liquidação da herança feudal, e a independência nacional, isto é, a derrubada do jugo imperialista. Estas duas tarefas estão estreitamente ligadas uma à outra" (Trotsky, Programa de Transição).

Expropriar a burguesia agroindustrial e os latifundiários é tarefa colocada para o proletariado rural e os lutadores classistas sem-terra, que devem ter a certeza que só a sua ação direta guiada por um programa e um partido revolucionário, efetivando a aliança operária e camponesa, pode derrotar o poder capitalista no campo e na cidade.



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