Crise na Rússia PCFR entra no governo e evita bancarrota de Yeltsin Artigo extraído do JLO nº 30 (setembro/98) Novos acontecimentos turbulentos vieram a agitar o caos restauracionista vivido pela Rússia nos últimos meses. Incapaz de pagar as dívidas que estavam vencendo em curto prazo, o governo Yeltsin anunciou uma moratória de parte de sua dívida externa, acompanhada da decisão de desvalorizar o rublo, moeda local. Tais medidas deixaram o mercado financeiro ainda mais tenso, causando no país uma fuga em massa do capital especulativo mundial. Com a desvalorização imediata do rublo em cerca de 30% também houve uma corrida aos bancos para trocar rublos por dólar, o que causou uma desvalorização galopante da moeda, chegando a quase 70% de seu valor nos primeiros dias de setembro. Em meio à efervescência da crise econômica, Yeltsin resolve demitir o primeiro-ministro Serguei Kirienko, empossado apenas há quatro meses, e todo o gabinete russo, no dia 23 de agosto, apenas uma semana após o anúncio das medidas econômicas que levaram ao colapso as bolsas de valores de todo o mundo. Kirienko, um mero desconhecido ao assumir o cargo de premiê da Rússia, tornou-se uma figura política em ascensão, mas como não conseguiu evitar o agravamento da crise na economia russa, Yeltsin aparentemente aproveitou-se do momento para cortar suas asas na política. O problema é que em seu lugar propôs o retorno de Viktor Tchernomirdin, ocupante do cargo de primeiro-ministro desde dezembro de 92 até março deste ano, quando foi demitido e substituído justamente por Serguei Kirienko. A maior derrota de Yeltsin Tchernomirdin foi escolhido por Yeltsin para tentar um acordo de governabilidade com os "neocomunistas" adeptos da economia de mercado do PCFR, que possuem com seus aliados a maioria absoluta na Duma, a Câmara Baixa do parlamento russo. Apesar de certo trânsito entre os liberais e os "neocomunistas" do PCFR, o milionário ex-diretor e agora grande acionista da Gazprom (que detém o monopólio do gás russo) era associado pela população às máfias que ajudou a proliferar por todo o país, além de ter realizado o processo de privatização que acabou por transferir grandes monopólios estatais para as mãos da burguesia corrupta recém formada no Estado, passando esta a ditar o ritmo da economia do país. Esta péssima imagem frente as massas, associada ao fato de que era um candidato declarado para concorrer às eleições presidenciais no ano 2000 (o que poderia atrapalhar os planos eleitorais de Guennadi Ziuganov, líder do PCFR, caso o governo de coalizão liderado por ele desse um novo fôlego à economia russa), impediu o apoio da oposição ao seu nome, que por duas vezes foi rejeitado no parlamento. Enquanto isso, a economia russa explodia com a tensão crescente, chegando o Banco Central, no dia 2 de setembro, a congelar os depósitos dos seis maiores bancos privados do país por dois meses. "O confisco, anunciado na noite de quarta-feira, bloqueia as contas de pessoas físicas dos maiores bancos de depósitos — Inkombank, Most Bank, Mosbiznesbank, Menatep, Promstroybank e SBS-Agro. A maioria deles tem problemas de liquidez" (Folha de São Paulo, 04/09/98). Esta medida atinge milhões de pessoas. "Somente no Inkombank, são 500 mil contas, com um valor estimado em US$ 1 bilhão" (idem). O anúncio do confisco derrubou a já combalida Bolsa russa e gerou um descontentamento ainda maior com o governo, tornando-o cada vez mais refém da oposição "neocomunista" do PCFR que dirige o movimento operário no país. Um estudo realizado por Andrei Illarionov, presidente do Instituto de Análises Econômicas e autor da previsão de que o país decretaria a moratória, publicado pelo jornal Nezavisimaya Gazeta, de alto prestígio nos meios financeiros, chegou à conclusão de que a "Rússia entrará em bancarrota no máximo até o final do ano e, portanto, não terá como pagar sua dívida externa, avaliada em cerca de US$ 130 bilhões" (FSP, 04/09/98). Enquanto isso, os preços subiram 43,3% só na primeira metade de setembro, quando em julho a inflação havia sido de 0,2%. O capitalismo russo em completa bancarrota é a resposta negativa da história da luta de classes àqueles que propagandeavam a "morte do socialismo" e que o capitalismo seria o "fim da história". Mesmo com a crise galopante, Yeltsin poderia ainda ter insistido em uma terceira votação do nome de Tchernomirdin, assim como fez com Kirienko e, caso seu nome não fosse aprovado, tinha poderes para dissolver a Duma e convocar novas eleições parlamentares. Mas não quis correr o risco e voltou atrás, sofrendo a sua maior derrota desde que assumiu o governo. Desmoralizado, teve de indicar um nome sugerido pela oposição, o único remanescente da era soviética no governo Yeltsin, Ievguêni Primakov, que fora assessor especial para assuntos internacionais de Gorbachev, tornando-se, na era Yeltsin, chefe do Serviço de Inteligência Externa (SVR, sigla em russo), um dos substitutos da KGB, desde o ano de 91 até janeiro de 96, quando torna-se Ministro das Relações Exteriores, cargo que ocupava até ser indicado como primeiro-ministro. PCFR, coalisão ou oposição? O nome de Primakov foi muito bem recebido pelo PCFR. "‘O bom senso prevaleceu no país’, afirmou Guennadi Ziuganov, líder da bancada neocomunista, a maior na Duma. ‘Creio que ele (Primakov) terá um sólido apoio dos deputados’" (FSP, 11/09/98). O acordo com o PCFR foi previamente fechado e Primakov não teve dificuldades em ser eleito na Duma, obtendo 317 votos a favor, 63 contra e 15 abstenções, tendo recebido o apoio dos yeltsinistas, da oposição liberal e dos chamados "neocomunistas" do PCFR, cada vez mais próximos do nacionalismo burguês. Em troca da aprovação de Primakov, o PCFR abocanhou dois cargos fundamentais no novo governo, o de vice-premiê responsável pela política econômica, ocupado por Yuri Maslyukov, e o de presidente do Banco Central, por Viktor Gerashchenko. Organizando o gabinete para um governo de "unidade nacional", Primakov tentará abafar a crise apoiando-se na desorientação do movimento operário, cuja direção vem servindo de anteparo para salvar o regime de exploração e miséria instalado na Rússia a partir de 91. "Mineiros acampados ao lado da ‘Casa Branca’, prédio onde fica o gabinete do premiê, disseram ontem que vão dar ‘um voto de confiança’ a Primakov. O seu protesto, no entanto, não deve terminar" (FSP, 11/09/98). O PCFR irá participar do governo com um pé atrás. Não indicará mais nomes para o ministério de Primakov e manterá o "dia nacional de protesto" marcado para 7 de outubro, que servirá para reivindicar a renúncia de Yeltsin. Dessa forma, tentará descaradamente ainda posar de oposição e, caso o gabinete de Primakov fracasse, a culpa recairá sobre Yeltsin que concentra os poderes nas mãos do presidente. Agora, Primakov terá de convencer ao FMI e outras instituições financeiras a garantirem a manutenção do empréstimo de US$ 22,6 bilhões aprovado em junho, dos quais US$ 5 bilhões já foram enviados, ficando condicionada a continuidade de novas remessas à realização de reformas econômicas no país. Mas terá de sair-se melhor do que nas primeiras negociações realizadas no dia 16 de setembro na Rússia, quando os enviados do FMI saíram sem sinalizar a liberação da segunda parcela do empréstimo. "O negociador russo, o vice-premiê Aleksander Chokhin afirmou ontem que a possibilidade de receber uma segunda parte do empréstimo dos organismos é pequena a curto prazo e depende da realização de reformas econômicas pelo novo governo" (FSP, 17/09/98). A crise em que se encontra mergulhado o Estado russo só faz avançar. Em menos de um mês, as reservas cambiais caíram de US$ 17 bilhões para apenas US$ 12 bilhões, permanecendo a impotência na arrecadação de impostos do Estado. A produção industrial teve uma retração em junho de 2,5% e, para completar, a produção agrícola sofreu enormes perdas, em função de fatores climáticos adversos (secas e tempestades) espalhados por seu território. Além disso, hoje, a Rússia possui cerca de 3 milhões de meninos de rua, quase 6 milhões de pessoas vivem na miséria absoluta e o desemprego continua crescendo, já atingindo mais de 12 milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, o Estado russo já deve cerca de US$ 9 bilhões a categorias como médicos, professores, mineiros e militares. Esta situação caótica vai transformando o país em um verdadeiro barril de pólvora, que poderá explodir a qualquer momento, bastando o contato com uma faísca para explodir com todo o governo, inclusive o PCFR, caso não tome o cuidado de escapar antes. Construir um autêntico Partido Revolucionário A Rússia vivencia hoje um verdadeiro caos, com a degradação cada vez maior das condições de vida de sua população. O capitalismo é isso: fome, desemprego, prostituição, miséria, drogas, máfias, corrupção... E com a colaboração explícita do PCFR com o novo gabinete, poderá surgir como única opção para os explorados, desorientados com a traição de Ziuganov e Cia., o general Lebed (governador da província de Kranoiarsk na Sibéria e terceiro colocado nas últimas eleições presidenciais) e os militares, que poderão impor, sob a promessa de organizar a "bagunça" em que se encontra o país. Um golpe militar pinochetista que liquidaria através da força a mínima resistência operária e, com mãos de ferro, organizará o novo regime de exploração, aumentando cada vez mais a fome e a miséria, jogando sobre as costas dos trabalhadores o ônus da crise. A atual posição ultra-oportunista do PCFR de ser meio governo, meio oposição, certamente não o isentará do completo naufrágio do novo gabinete, com a ampliação que se avizinha deste cenário caótico. O único caminho para sair da barbárie capitalista é voltar à URSS, eliminando-se, contudo, a burocracia que degenerou o Estado operário soviético, transformando-o em um instrumento de violência burocrática contra a classe operária e de sabotagem da economia nacional, devido a estratégia desta burocracia dirigente de defender a convivência pacífica com o imperialismo e o "socialismo em um só país". Para isso, é fundamental a construção de um verdadeiro partido revolucionário que, se espelhando no Partido Bolchevique de Lenin e Trotsky, consiga conquistar a confiança do proletariado, tornando-se sua direção no próximo período, capaz de orientá-lo para a única saída da exploração que hoje sofre: a tomada revolucionária do poder, a expropriação da burguesia recém formada e de todos os monopólios multinacionais instalados no país e a formação de um governo operário e camponês, cuja estratégia seja a expansão mundial da revolução e a construção do socialismo. |
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