Rússia O caos da restauração capitalista Artigo extraído do JLO nº 27 (maio/98) A Rússia atravessa hoje uma crise de proporções gigantescas, devido a obstáculos que se acumulam gradativamente desde que o Estado passou a ter uma orientação voltada estrategicamente para a implantação do capitalismo, a criação de uma burguesia nativa, a acumulação privada e a destruição das conquistas mantidas, até então, pelo Estado operário da ex-URSS. O enorme déficit orçamentário é um problema crônico que o capitalismo russo vem enfrentando, por causa de uma insignificante arrecadação e constantes fraudes fiscais, além dos altos gastos estatais para evitar uma turbulência social incontrolável. No ano passado, "apenas 5 milhões dos 147 milhões de russos pagaram seus impostos, em parte porque o conceito de pagar impostos é estranho a uma população que, em sua maioria, cresceu sob o controle soviético, mas principalmente em função da escassez de dinheiro, que faz com que milhões de pessoas não estejam recebendo os salários a que têm direito e levou algumas empresas a pagar seus funcionários com produtos" (Folha de São Paulo, 19/07/98). A Bolsa de Valores da Rússia é uma das expressões mais críticas das dificuldades encontradas pela restauração capitalista. As quedas constantes, devido à insegurança internacional de que o Estado possa pagar a maior parte de sua dívida externa (que é de curto prazo, sendo cerca de US$ 30 bilhões até o final do ano), colocam a Rússia como o centro de uma possível fuga em massa do capital especulativo, assim como ocorreu no México e nos chamados "tigres asiáticos". Por sua vez, a crise financeira pressiona que se inicie uma forte desvalorização do rublo, moeda locaal, o que poderia desatar um novo processo hiperinflacionário no país. A estabilidade fictícia da moeda faz com que esta desapareça do mercado, pois não há quem confie em seu valor, e o governo acaba contribuindo com esta escassez ao atrasar o pagamento do funcionalismo, tornando comum a prática do escambo nas relações de compra e venda de mercadorias inclusive entre as grandes empresas e para o pagamento de salários das empresas privadas, sendo o rublo substituído por produtos. Dessa forma, há uma diminuição drástica do consumo, o que segura a estabilidade fictícia do rublo, mas gera uma pauperização da maioria absoluta dos trabalhadores, que passam a protagonizar manifestações e greves espalhadas por todo o país. Diante da importância política da Rússia no cenário internacional, herança de quando ainda mantinha-se como um Estado operário, e do iminente colapso de sua economia, o que geraria uma grande explosividade social que impulsionaria uma crise de proporções mundiais, o FMI, o Banco Mundial (Bird) e o Japão liberaram um empréstimo total de US$ 22,6 bilhões para socorrê-la, que serão pagos gradativamente e "condicionados à aceitação das exigências do Banco Mundial e a um corte do déficit público, que foi de 6,8% do PIB (Produto Interno Bruto) em 1997 e deve cair para 5,6% este ano e 2,8% em 1999." (FSP, 14/07/98). Somente com a garantia da liberação destes recursos internacionais, o mercado financeiro do país pôde viver alguns poucos dias de calmaria. No pacote de medidas anticrise enviado pelo governo para a Duma, câmara baixa do parlamento, dominada pela oposição, algumas medidas exigidas pelo FMI foram rejeitadas, mas acabaram entrando em vigor através de decretos presidenciais baixados por Yeltsin. Permanecem, no entanto, as mazelas introduzidas pelo capitalismo. As reservas cambiais estavam na faixa de US$ 15,1 bilhões em 10 de julho, o que deve ajudar a cobrir parte das dívidas de curto prazo, mas levará o país à beira de um precipício, deixando-o completamente sem recursos para superar a crise iminente. Em outubro do ano passado, para enfrentar a crise desencadeada com o crash das Bolsas dos "tigres asiáticos", a Rússia possuía US$ 23 bilhões. Hoje, as reservas são reduzidas e a arrecadação é praticamente nula, em conseqüência da imensa queda do nível de vida da população e sua recusa em pagar impostos, além das fraudes fiscais das grandes empresas privadas dominadas por máfias, e da privatização das grandes estatais encontrar-se em dificuldades, devido à instabilidade da economia, como no caso da Rosneft, companhia de petróleo estatal que foi a leilão, mas não apareceram interessados. Segundo dados do Comitê de Estudos Estatísticos da Rússia, "o PIB (Produto Interno Bruto) diminuiu 0,5% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 1997 como efeito da crise do país" e o que é pior: "o desemprego atingiu 8,3 milhões de pessoas em junho, o equivalente a 11,5% da população economicamente ativa" (FSP, 18/07/98). Para um Estado que conviveu com o pleno emprego quando existia a ex-URSS, a situação é caótica! E parece impossível diminuir o déficit orçamentário da Rússia no momento em que há uma queda em seu PIB. Dessa forma, os empréstimos conseguidos e a emissão de títulos da dívida externa com valor em dólar e o vencimento entre 7 e 20 anos para substituir parte das dívidas de curto prazo só servem para tentar empurrar mais para a frente a bancarrota completa do Estado capitalista russo, o que não está muito distante. A própria Bolsa de Valores, após pequena calmaria passada com a liberação de uma parte do empréstimo do FMI, no valor de US$ 4,8 bilhões dos US$ 22,6 bilhões do pacote de ajuda externa, já caiu até 9% no dia 27 de julho em sua quinta queda consecutiva, indicando a completa insegurança do capital financeiro diante da situação de caos instalada na economia russa, o que poderá impedir a liberação das outras parcelas do empréstimo, ou mesmo gerar em um curto prazo uma fuga em massa do capital estrangeiro e um crash na Bolsa de Valores com repercussão em todo o mundo. O fim do Estado operário soviético Com a restauração capitalista, a Rússia submerge em uma imensa crise que faz o país retroceder economicamente à condição de uma semicolônia do imperialismo, uma virada brusca para um país que chegou a ser a segunda economia mundial na época em que existia o Estado operário soviético, que proporcionava para a sua população: pleno emprego, saúde, educação, etc; apesar do estrangulamento da economia burocratizada, por conta da política stalinista de "socialismo em um só país" que pregava a convivência pacífica com o imperialismo. O desastre completo da economia russa é fruto da contra-revolução capitalista iniciada a partir de 1991, com a vitória de Yeltsin sobre os golpistas do Comitê de Emergência em agosto, quando ocorre uma mudança qualitativa no caráter do Estado, que deixa de ser um Estado operário degenerado, dominado por uma casta parasitária que usurpou o poder político do proletariado, e passa a ser um Estado capitalista. A partir de então, todo o aparato da superestrutura estatal está voltado para a defesa da propriedade privada, a extensão do trabalho assalariado e a quebra de todas as conquistas obtidas pelo proletariado com a Revolução de 1917. A ala da burocracia abertamente capitalista que assume o poder já havia rompido anteriormente com o Partido Comunista, aliando-se diretamente ao imperialismo para promover o início da restauração capitalista. Antes de Yeltsin subir ao poder já existiam concessões ao capitalismo, é verdade, mas estavam voltadas estrategicamente para garantir um fôlego a mais de existência ao Estado operário e com isso manter as benesses da burocracia. Não passavam, contudo, de medidas torpes que aceleravam o estrangulamento do Estado operário. Na era Yeltsin, no entanto, constitui-se um Estado em que seus aparelhos ideológicos, as instituições jurídicas, políticas e repressivas estão voltadas para garantir o avanço da contra-revolução capitalista. Logicamente, após décadas de existência do Estado operário, sua quebra não poderia ser feita meramente através de decreto, como num passe de mágica, mas ao contrário, encontra-se resistência e muitas dificuldades para implementar um novo modo de produção, o que vem sendo feito gradativamente, usando-se da propaganda contra o antigo regime burocrático, da violência estatal e gangsteril paramilitar, que vem caracterizando este processo contra-revolucionário. Há, no primeiro período, um conflito entre a economia e o Estado, apesar disto, este assume um caráter burguês porque o determinante é a orientação estatal no sentido de desenvolver e reproduzir as relações capitalistas de produção. No Programa de Transição, Trotsky afirma que "A União Soviética (URSS) saiu da Revolução de Outubro como um Estado operário.". Esta afirmação é correta porque o partido bolchevique, que dirigiu a Revolução e assumiu o controle do Estado, tinha como estratégia a implementação da ditadura do proletariado: a expropriação da burguesia, a socialização dos meios de produção, a planificação da economia, o controle do comércio exterior, a garantia do pleno emprego, saúde, moradia, educação e, fundamentalmente, a expansão mundial da revolução (porque isoladamente o Estado operário não sobreviveria) como uma tarefa obrigatória para se alcançar o socialismo. No entanto, em termos econômicos, esta mudança não ocorreu logo após a Revolução de Outubro, o próprio Trotsky, no texto "A Natureza de Classe da URSS", de 1933, ao rebater aqueles que têm a ditadura do proletariado como norma idealista, escreve sobre o conflito existente nos primeiros anos da revolução: "Não só até a paz de Brest-Litovsk, senão até o outono de 1918, o conteúdo social da revolução limitava-se a uma reforma agrária pequeno-burguesa e ao controle operário da produção. Isto significa que, na prática, a revolução não havia superado os limites da sociedade burguesa. Durante esta primeira etapa, os sovietes de soldados governavam ombro a ombro com os sovietes operários, e freqüentemente os deixaram de lado. Somente no outono de 1918, a primeira onda de soldados e camponeses retrocedeu um pouco aos limites naturais e os operários tomaram a dianteira com a nacionalização dos meios de produção. Só a partir desse momento é que se pode falar da instauração de uma verdadeira ditadura do proletariado; e mesmo assim, com muitas reservas. Naqueles primeiros anos, a ditadura ficou limitada aos limites geográficos do velho principado de Moscou e se viu obrigada a travar uma guerra de três anos em todo o raio de Moscou até a periferia. Ou seja, até 1921, precisamente até a NEP, o que houve foi uma luta para implantar a ditadura do proletariado em escala nacional. E se, como pensam os filisteus pseudo-marxistas, a ditadura desapareceu com o começo da NEP, então se pode dizer que nunca existiu.". Seria uma contradição as afirmações de Trotsky: "A União Soviética (URSS) saiu da Revolução de Outubro como um Estado operário" e "até o outono de 1918... a revolução não havia superado os limites da sociedade burguesa"? Claro que não, o que Trotsky explicita é o conflito entre a economia existente e a estratégia política dominante do Estado, deixando claro que esta última foi determinante para caracterizar a URSS como um Estado operário logo após a Revolução de Outubro. Da mesma forma, caracterizamos que, apesar do conflito existente entre a economia e o Estado, a partir de 1991, a Rússia torna-se capitalista porque, desde então, o setor que domina o Estado busca estrategicamente garantir a destruição da estrutura econômica e social herdada da ex-URSS, abrindo caminho para a acumulação capitalista e a propriedade privada. Com a liquidação dos Estados operários do Leste europeu e da ex-URSS, o imperialismo intensifica uma ofensiva mundial contra as massas trabalhadoras. Através da propaganda de que "o socialismo morreu" consegue colocar na defensiva ideológica todo o movimento operário, cujas direções passam de malas e bagagens para a social-democracia. Aumenta a dependência das semicolônias, através das privatizações e da destruição de seus parques industriais. Ataca as conquistas históricas dos trabalhadores, inclusive na Europa e Estados Unidos, procurando obter os superlucros que os capitalistas sempre almejam, arrancando os direitos garantidos no período que existiam os Estados operários para barrar o ascenso da classe operária destes países e evitar o avanço dos movimentos revolucionários. Além disso, o imperialismo norte-americano apresenta-se, desde a queda do Muro de Berlim, como uma polícia mundial: a invasão do Panamá, a Guerra do Golfo, os conflitos na ex-Yugoslávia são alguns exemplos desta ofensiva militar. E, nos ex-Estados operários, a situação é ainda pior, com o retrocesso capitalista provocando guerras, fome, prostituição, desemprego e miséria. A restauração da barbárie capitalista na EX-URSS Apesar da Rússia ter passado à condição de Estado capitalista, controlado pela camarilha yeltsinista desde após o contragolpe de agosto de 1991, há muitas dificuldades na reintrodução do velho regime de exploração, encontrando grande resistência por parte do proletariado. Além disso, toda a organização da economia deveria ser refeita. As disputas interburocráticas favoreceram o setor da burocracia que pretendia tornar-se dona dos meios de produção. No entanto, para isso ocorrer, foi necessário organizar-se em grupos mafiosos para iniciar um processo de "acumulação primitiva" de capital, através dos saques, contrabando, seqüestros e apropriação das antigas empresas estatais por meio da violência. O nascente Estado capitalista russo torna-se cúmplice deste seguimento e favorece a pilhagem promovida pelas máfias. Todos os benefícios sociais da ex-URSS, ou seja, saúde, moradia, educação, etc. estavam vinculados ao emprego. Ao mesmo tempo que algumas empresas públicas eram expropriadas para as mãos do capital privado, o Estado editava leis para beneficiar a burguesia nascente e os grupos mafiosos organizados, como a instituição do fim do pleno emprego, devido a necessidade de criar-se um exército de reserva, o que fez com que fossem iniciados processos de demissões, que levavam da noite para o dia famílias inteiras à condição de miseráveis e mendigos, a fim de transformá-los em mão-de-obra barata em um futuro breve. A partir de meados de 1992 é que começa a avançar as privatizações, de forma que em 1994, segundo as autoridades russas, o setor privado era responsável por 62% do PIB. Hoje, de acordo com entrevista dada à Newsweek de 16 de fevereiro de 1998 por Anatoly Chubais, ex-vice-primeiro-ministro russo, "setenta e cinco por cento do PIB está sendo gerado pelo setor privado". Para dar início às privatizações, o Estado procurou forjá-las para que não fossem uma ruptura completa com as antigas relações de propriedade e produção, buscando evitar a revolta cada vez maior do proletariado. Desta forma, propagandeou a necessidade de transformar as empresas estatais em empresas coletivas, cuja propriedade fosse do "povo". Por isso, várias empresas estatais foram transformadas em sociedades por ações, cujos pacotes majoritários foram divididos entre os trabalhadores e a burocracia dirigente destas empresas, favorecendo inicialmente os coletivos trabalhistas, que podiam decidir como seria o método de privatização da sua empresa. No entanto, com a crise galopante, ficou fácil para as grandes máfias e o capital estrangeiro adquirir gradativamente estas ações, vendidas a preço de banana por trabalhadores completamente desesperados ante a miséria capitalista recém instalada. E nos próprios coletivos trabalhistas há uma tendência à diminuição da parte dos trabalhadores em benefício da direção das empresas. Mesmo privatizadas, há dificuldades de introduzir nas empresas as relações de trabalho e de modo de produção capitalistas. Para aumentar a produtividade, procurou-se dar incentivos aos trabalhadores. Mesmo assim, geraram-se vários atritos, devido às diferenciações salariais apresentadas, o que não era aceito pela maioria dos trabalhadores. No entanto, com o aumento da crise e o medo do desemprego, conseguiu-se impor nos últimos três anos um certo avanço na implementação de uma disciplina capitalista dentro destas empresas. No campo, a resistência para a introdução de novas formas de produção é ainda maior. Na atualidade, a maioria absoluta da produção continua sendo das grandes fazendas coletivas, não havendo uma grande procura pela propriedade privada da terra. A economia russa encontra-se hoje nas mãos dos chefões das grandes máfias, que apresentam-se como empresários respeitáveis. São mais de 1.300 organizações do crime organizado espalhadas pela federação russa. De acordo com o Instituto de Estudos Estratégicos de Londres, cerca de 80% das empresas na Rússia pagam entre 10 e 20% de seus lucros às diversas organizações mafiosas para se "protegerem". Um estudo desenvolvido pela Academia de Ciências da Rússia constatou que o crime organizado controla 40% da economia, mais de dois terços das instituições comerciais, 500 bancos e 50% da rede imobiliária comercial de Moscou. O Estado conservou em suas mãos alguns ramos da economia, particularmente os que exigem grandes investimentos, como o sistema financeiro, que serve para subsidiar a incipiente burguesia, formada graças ao capital das grandes máfias. Ao mesmo tempo, esta burguesia mafiosa recusa-se a investir no fortalecimento do Estado, procurando organizar até mesmo o seu próprio exército particular, visto que a extorsão e a apropriação violenta continuam sendo uma das principais fontes de acumulação primitiva. A desordem absoluta da economia gerou vários conflitos internos e o governo necessitou contrair empréstimos internacionais a curto prazo para garantir certa estabilidade e manter os subsídios ao capital privado. Foi graças a estes empréstimos que o presidente Boris Yeltsin conseguiu se reeleger em 96, com a ajuda de uma enorme fraude eleitoral contra o Partido Comunista da Federação Russa (PCFR) de Guennadi Ziuganov. Hoje, porém, a impossibilidade financeira de pagar tais empréstimos é um dos fatores principais no agigantamento do caos econômico da Rússia. O PCFR prepara-se para ser gerente do falido Estado burguês russo A quebra gradual das conquistas históricas do proletariado soviético foi gerando uma revolta cada vez maior contra a situação de miséria em que se encontra grande parte dos trabalhadores russos. O ódio contra os capitalistas apoiadores de Yeltsin vem crescendo cada vez mais. No entanto, sem um partido revolucionário de massas capaz de orientar esta revolta, o movimento operário acabou por apoiar-se novamente nos velhos stalinistas que ainda permaneceram no PCUS e no PCR (fração fundada em 90 contra o rumo dado ao país pelas medidas de Gorbachev), e, tendo ficado de fora da repartição dos tesouros do antigo estado operário, fundaram em 1992 o PCFR em busca de retomar as benesses que possuíam na ex-URSS. A consolidação do PCFR na Rússia se deu porque os trabalhadores ainda nutrem muitas ilusões de que estes velhos stalinistas cada vez mais ligados à social democracia possam fazer com que o país volte a ser o que era antes, quando ainda existia o estado operário soviético. É por isso que nas últimas eleições presidenciais, em 96, Ziuganov, líder do PCFR, conseguiu 43% dos votos e, hoje, o seu partido é o maior da Rússia, publicando cerca de 300 jornais e revistas, possuindo uma bancada, junto com seus aliados, de cerca de 200 deputados, de um total de 450 cadeiras, além de controlar 45 dos 89 governos regionais do país. Sem que Yeltsin possa concorrer nas próximas eleições presidenciais a serem realizadas no ano 2000, de acordo com a legislação russa, fato que seus apoiadores tentarão driblar, Ziuganov lidera as pesquisas de intenções de voto, com 21% na sondagem realizada até o início de junho pela rede de TV russa NTV, seguido pelo general Alexander Lebed, que possui 14% das intenções de votos, tendo sido o terceiro colocado na eleição de 96, quando obteve 15% dos votos. Ziuganov não esconde o papel desempenhado hoje pelo PCFR, que prepara-se para administrar a massa falida do estado burguês russo: "Ao contrário do PC da URSS, reconhecemos todas as formas de propriedade, estatal e privada. Também defendemos o diálogo com nossos adversários políticos, dentro dos limites da lei. Somos contra a confrontação, seja com o Ocidente ou o Oriente." (FSP, 08/06). A defesa da propriedade privada e do diálogo, inclusive com seus adversários capitalistas, demonstra a política "responsável" de reformas democráticas que Ziuganov pretende realizar, sem mexer com a essência do capitalismo implantado na Rússia, apenas buscando um novo modelo. Na verdade, o PCFR coloca-se a disposição para ser o melhor gerente do Estado capitalista em crise, com a vantagem de controlar o movimento operário. Sua estratégia é tentar organizar o Estado burguês e tirá-lo do caos em que está submerso. Em busca de salvar o capitalismo, o líder do PCFR defende que este não existe na Rússia, e sim "um regime de feudalismo primário de natureza mafiosa. Existem vários tipos de capitalismo, como o sueco, que é bastante civilizado. Agora, existe também o capitalismo colombiano" (idem). A questão, portanto, para Ziuganov, seria simplesmente garantir um modelo "civilizado" de capitalismo e todos os problemas seriam resolvidos! Nada mais falso. A social democracia na Rússia, por mais seguidora das leis e democrática que fosse, tenderia rapidamente ao fracasso, porque é impossível para um país dependente, como é a Rússia ou o Brasil hoje, garantir condições dignas de vida para o seu proletariado, quando são expoliados constantemente pelo imperialismo. Entretanto, para o líder do PCFR: "O presidente, de acordo com a Constituição, se compromete a garantir os direitos humanos na Rússia. Mas ele não garante nem o seu comportamento pessoal!" (idem). Ou seja, vende a ilusão de que o problema é ser a Rússia dirigida por um bêbado; bastando assumir um presidente sério, que siga à risca a Constituição burguesa adotada pelo Estado capitalista russo, para fazer avançar o país rumo a um capitalismo mais "justo e democrático"! Diante do crescente descontentamento vivido pelo proletariado russo, Ziuganov explicita: "A indústria está paralisada, há mais famintos do que gente satisfeita, a paciência da população se esgota. Cerca de 90% da população sabe que a atual situação é insustentável. Evitar desordem já não dependeria de Lebed ou de Ziuganov. Uma coalizão de centro-esquerda talvez pudesse evitar essa situação caótica" (FSP, 08/06). O papel hoje do PCFR é de tentar manter a ordem vigente, garantindo que as mobilizações operárias não ultrapassem os limites capitalistas. Mas com o avanço do desemprego, que já atinge 11,5% da população economicamente ativa, o aumento do número de categorias que estão com seus salários atrasados, a crise financeira generalizada, com a queda constante das Bolsas de Valores e a ameaça de uma grande desvalorização do rublo e de um novo processo hiperinflacionário, começa a generalizar-se as mobilizações operárias contra o governo. Diante do prenúncio da tempestade, Ziuganov defende um acordo com o próprio Yeltsin para possibilitar a instauração de um governo de unidade nacional sem Yeltsin, tentando manter a ordem vigente: "precisamos de uma união entre neocomunistas, forças populares e patrióticas, sindicatos e o capital com orientação nacional. Quero, com essa expressão, não diferenciar a origem do capital, mas sua aplicação. Quero o capital disposto a trabalhar com a Rússia e não pronto para fugir" (FSP, 08/06). Ziuganov defende a aliança inclusive com o capital estrangeiro, pois não "diferencia a origem do capital", o importante é que seja aplicado em investimentos internos (sic!)! É absolutamente transparente a estratégia frente-populista do PCFR, que busca aliar-se à burguesia para formar um governo de "unidade nacional" para tentar salvar o Estado capitalista russo, ou seja, garantir a perpetuidade da exploração dos trabalhadores em benefício dos grandes capitalistas. O PCFR levará o movimento operário russo a um beco sem saída. É tarefa fundamental a propaganda revolucionária para que os trabalhadores superem todas as suas ilusões neste partido, cuja estratégia visa garantir para si a retomada das benesses perdidas com o fim do Estado operário, através da reorganização do regime de exploração capitalista, apresentando-se como o seu melhor gestor. Partidos como o PBCI da Argentina, ao apoiarem Ziuganov, só ajudam a confundir a consciência das massas, alimentando as ilusões de que o PCFR possa dirigir a volta à URSS. NENHUMA ILUSÃO POLÍTICA NO PCFR Com o avanço da crise russa, o general Alexander Lebed, que apoiou Yeltsin no segundo turno das eleições de 96 e hoje é governador da Província de Krasnoiarsk na Sibéria, começa a bombardear o governo, buscando aparecer como oposição. Em uma carta dirigida ao primeiro-ministro da Rússia, Serguei Kirienko, Lebed afirma: "Nós, povo de Krasnoiarsk, ainda não somos ricos, mas em troca de status nuclear, nós vamos, se você quiser, gerir a unidade (nuclear), transformando a região numa dor de cabeça para a comunidade internacional, ao lado de Índia e Paquistão", continuando em tom ameaçador, "Os oficiais estão famintos, os oficiais estão muito furiosos" (FSP, 25/07/98). As ameaças de assumir o controle da unidade de mísseis nucleares ocorreu porque os militares não recebem salários há cinco meses e a situação é desesperadora. Lebed, em busca do apoio dos militares, faz demagogia e ameaça o governo, caso não pague os salários. Desta forma, busca também estar à cabeça de qualquer revolta militar que venha a ocorrer contra o governo Yeltsin. A possibilidade de um golpe militar e de tentativas pinochetistas para garantir o andamento da implementação do capitalismo na Rússia é uma saída vislumbrada pela burguesia nascente, apesar de ser uma tarefa difícil, devido a grande dispersão das forças armadas, havendo um total de dezessete forças armadas "oficiais" do Estado, encontrando-se bastante fragilizadas, o que vem fazendo prosperar um grande número de exércitos privados, vinculados às máfias. Os trabalhadores russos, que iniciam mobilizações espalhadas por todo o país, devem ultrapassar suas atuais direções e perder as ilusões nos velhos burocratas do PCFR, recordando o passado recente, onde estes burocratas eram os responsáveis pelo isolamento e estrangulamento da economia russa, e observando o papel de anteparo do governo Yeltsin que desempenham hoje, impedindo que o movimento saia dos limites impostos pelo atual regime de exploração e miséria. |
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