Polêmica

Em defesa do Programa de Transição e da IV Internacional*

Artigo extraído do JLO nº 24 (janeiro/98)

O documento a seguir é uma resposta da CBQI à Corrente Leninista Internacional (CLI), do qual fazem parte o Voce Operaia (VO), da Itália, e o Revolutionär Kommunistische Liga (RKL), da Áustria, que reivindicou de nossa corrente uma posição política acerca do seu Manifesto fundacional para dar início a uma jornada de discussões políticas conosco no Brasil e Argentina. A CLI e a CBQI vêm intercambiando publicações desde o ano passado e, sendo instada a manifestar nossa opinião sobre os documentos da CLI, vimos aclarar nossas diferenças políticas.
Para tanto, resolvemos por tornar público esta resposta com a finalidade de esclarecer as profundas divergências entre as nossas correntes, acreditando que a delimitação programática com as organizações que se reivindicam revolucionárias é parte indispensável na luta por forjar um genuíno programa revolucionário.

 

* OBS.: Este texto elaborado pela LBI recebeu duras críticas do PBCI por
considerá-lo ofensivo a Voce Operaia, organização abertamente antitrotskista,
sendo um dos primeiros elementos do processo de cisão da CBQI

 

Polêmica com a CLI: Em defesa do Programa de Transição e da IV Internacional

Os acontecimentos da luta de classes nos últimos anos têm sido uma verdadeira prova de fogo para a esquerda mundial. A onda de reação ideológica e de ataques às condições de vida das massas em todo o planeta, que se produziu após a restauração capitalista na URSS e no Leste europeu, feriu mortalmente não só os cadáveres stalinistas, mas também a imensa maioria de organizações que se reclamam trotskistas. Muitas das quais tomaram objetivamente lado da contra-revolução imperialista, quando se tratava da defesa da URSS, da RDA e dos sérvios, quando estes eram violentamente bombardeados pela OTAN na Guerra dos Bálcãs.

Como uma lei inexorável da história marxista, nos períodos de derrotas também existem aqueles que, horrorizados diante dos reveses e traições, acabam por culpar os mestres pelos desvios dos epígonos, tendem a abandonar a tradição revolucionária e rejeitam a continuidade do pensamento revolucionário em busca do que tentam apresentar como "novas verdades". Acreditamos que este é o caso da CLI. Oriunda de correntes que se auto-proclamavam trotskistas até meados da década atual, a CLI apresenta-se, a partir de sua fundação em agosto de 1996, rompida formalmente com o trotskismo, definindo-se, agora, exclusivamente como leninista. Declaram que o motivo desta desilusão foram as posições catastróficas do movimento trotskista diante da derrubada da URSS e da guerra civil iugoslava. Abandonaram a luta por reconstruir a IV Internacional para reivindicar a formação de um outro reagrupamento em torno de um "novo centro de gravidade". Sustentam que a "conseqüência mais visível da derrota do movimento comunista é que hoje em dia a crise da humanidade não se reduz à crise da direção proletária.

Agora já não se trata somente de reconstruir uma direção do proletariado; trata-se, melhor dizendo, de reconstruir ao redor de novos centros de gravidade um movimento proletário internacional, de refundar sobre bases modernas e científicas um movimento comunista mundial, um partido a altura de seus deveres históricos" (O caráter do período, Soviet, 01, 12/96).

Crise de Direção ou do Proletariado?

Sobre os "novos centros de gravidade" e quais seriam estas bases modernas sobre as quais a CLI funda sua política, trataremos mais adiante. Por enquanto, dedicaremos atenção sobre as razões apresentadas pela CLI para a crise da humanidade. Se a crise não recai sobre as pérfidas e corrompidas direções do proletariado, de quem seria então a culpa? Do proletariado? A partir de um entendimento completamente falso da relação classe, partido e direção, a CLI retira a responsabilidade da crise da humanidade dos ombros das direções traidoras e descarrega sobre os ombros das próprias massas. "Parece que foi provado na prática a impossibilidade da emancipação do proletariado. O objetivo de várias gerações de milhões e milhões de lutadores proletários resultou em nada. A classe operária tem perdido o motivo, o motor de sua luta. As massas proletárias passam pela desmoralização mais profunda. Tem perdido toda a perspectiva de como escapar da miséria e da putrefação da sociedade capitalista"(A Crise do Movimento Operário, Soviet, 01). Aqui se percebe com toda a clareza a agonia prematura que acometeu a CLI logo em sua fundação, renunciando à luta contra as direções traidoras e fazendo uma conclusão desesperada: a impossibilidade da revolução proletária. Descrentes do potencial revolucionário do proletariado, a CLI trata de procurar um substitutivo, passando a alegar que "a classe operária em certo sentido tornou-se um fator conservador", e "paradoxalmente, os camponeses se transformaram na força motriz da revolução proletária" (idem).

Apavorada diante de suas próprias conclusões, VO e a RKL largam o trotskismo e junto com ele todas as ferramentas utilizadas pelo marxismo em sua análise do papel das classes sociais, e transformam um problema político (a falência das atuais direções em apresentar uma saída revolucionária para a crise capitalista) em um problema sociológico (a falência do proletariado como classe). Esta crise acaba tragando a CLI para a maré revisionista de intelectuais e novos esquerdistas, que afirmam não ter mais o proletariado o papel de protagonista e dirigente da nação oprimida, sendo substituído por outro sujeito histórico. No caso, pelo campesinato. Há quase dois séculos, os fundadores do socialismo científico justificaram porque o campesinato é incapaz de levar adiante uma revolução social, e a história provou que o campesinato, como herança do processo produtivo medieval, é incapaz de criar seu próprio governo, oscilando sempre entre tomar o lado da burguesia ou do proletariado.

As revoluções nos países atrasados (Rússia, parte da Ásia, etc.), onde a questão agrária constituía fator determinante, e onde o proletariado não passava de uma pequena quantidade numérica em relação ao campesinato (na Rússia de 17, eram 4 milhões de proletários entre 100 milhões de camponeses. Na China de 49, os trabalhadores urbanos representavam apenas 11% de toda a população do país), tiveram inexoravelmente que resolver a questão agrária através da aplicação de um programa anticapitalista, ultrapassando as demandas camponesas de reforma agrária, uma tarefa da revolução burguesa, por um programa de coletivização do campo, de expropriação da burguesia e destruição da máquina estatal capitalista, ou seja, um programa proletário. Na verdade, o que ocorreu nas revoluções posteriores a que foi dirigida pelo Partido Bolchevique foi que, sem modificar o seu caráter geral reacionário, contra-revolucionário, as direções pequeno-burguesas stalinistas, dispostas a pactuar com a burguesia nacional, foram obrigadas a expropriar a burguesia, empurradas pela intensidade da luta de classes, pela crise de poder das classes dominantes e seu boicote ao chamado da frente popular proposto pelo stalinismo.

A CLI transforma uma exceção histórica, as revoluções que o stalinismo não conseguiu trair, em regra. A expropriação da burguesia na Ásia e nos Bálcãs não ocorreu pela política do stalinismo, em suas versões maoísta ou titoísta, mas apesar desta política. Apesar da orientação dos PC’s ser a ilusão reacionária da "convivência pacífica" com a burguesia, os stalinistas chineses, vietnamitas, cambojanos, norte-coreanos (assim como já ocorrera com o PC da Iugoslávia entre 1942 e 43) se viram impossibilitados de levar adiante esta política, pela combinação de fatores, com a negativa da burguesia nacional em conformar um governo de coalizão, boicotando a frente popular; a intensificação da luta antiimperialista, a dupla cadeia de exploração montada pelo imperialismo, em conjunto com a burguesia nacional, que arruinava por completo uma grande parcela dos camponeses pobres, completamente despossuídos, mesmo de pequenas propriedades, e obrigando-os a tomar uma posição resoluta pelo enfrentamento anti-capitalista, alistando-se nos exércitos revolucionários, etc.

Mesmo no Brasil ou México, onde a luta no campo ganhou um novo impulso nos últimos anos, por mais que movimentos com base eminentemente camponesa, como o MST ou o EZLN, tenham conseguido atrair a simpatia dos setores urbanos, particularmente das classes médias, estes elementos são incapazes de deslocar o conjunto dos trabalhadores para o enfrentamento de todos os explorados contra a classe dos capitalistas, não apenas pela política de suas direções conciliadoras, como também pela questão objetiva do campesinato, a partir de consígnias como a da reforma agrária, não ter a influência econômica ou política, como tem potencialmente o proletariado, para acaudilhar a nação oprimida.

Forças Produtivas

Outro desdobramento da falsa premissa de que a crise da humanidade já não se reduz à crise da direção revolucionária é que se a tarefa central do momento não é travar uma luta intransigente contra as atuais direções para construir uma nova direção proletária internacionalista e revolucionária, isto importa em dizer também que o período atual não necessita todavia desta direção e, portanto, as condições objetivas para a revolução socialista ainda não amadureceram. Ou seja, não vivemos mais sobre aquelas condições que deram origem à III e à IV Internacionais: o estancamento das forças produtivas e a reação imperialista.

A CLI chega ao absurdo de tentar rejuvenescer o capitalismo, sustentando "que só na última metade do século, a burguesia concluiu sua revolução, realizando os objetivos de 1789" (Manifesto fundacional da CLI). Chegando às raias da loucura, pois até os tecnocratas mais comprometidos com o sistema reconhecem o monopolismo desenfreado dos últimos 50 anos, a CLI sustenta que "o capitalismo tem retardado momentaneamente seu debacle, distribuindo a propriedade" (idem). Não. As forças produtivas não apenas deixaram de crescer como vêm sendo devastadas pela barbárie capitalista que concentra cada vez mais poderes e forças destrutivas nas mãos de um punhado cada vez menor de parasitas das riquezas do planeta. E isto tem sido assim, de forma intensamente violenta na última metade do século, pela política traidora do stalinismo e da social democracia de desviarem todas as lutas dos explorados para sangrentas derrotas e pela impotência do centrismo pseudotrotskista em apresentar uma política revolucionária independente destas direções apodrecidas. Entre estes centristas impotentes, incluem-se os que covardemente desertaram do trotskismo para seguir capitulando às versões alternativas do stalinismo, como a própria CLI.

Trata-se de uma covarde deserção não somente do trotskismo, mas também do leninismo e da da perda de todo o senso da realidade. Trata-se da negação de que a época atual é a época do imperialismo, descrita por Lenin, a fase mais reacionária do domínio capitalista sobre a humanidade, de decadência da sociedade burguesa, onde as condições econômicas para uma nova sociedade não só já amadureceram, mas tendem a apodrecer. Quando todas as mazelas provocadas pela degeneração da sociedade capitalista são descarregadas violentamente sobre o proletariado, por mais que resista com todas suas forças à ditadura capitalista, não encontra uma direção revolucionária que o acompanhe na luta até as últimas conseqüências contra o seu inimigo de classe.

A CLI refuta também o Programa de Transição, considerando-se que "foi fundado sobre esquemas que se mostraram abstratos e superados pelos acontecimentos reais" (Declaração constitutiva da CLI). Os argumentos para esta acusação não poderiam ser piores. Ao mesmo tempo, revelam quão ausente da vida real está o pensamento de seus autores. Neles não encontramos nada mais do que apologia ao desenvolvimento do capitalismo no pós-guerra. Argumentam que "Trotsky fundava o programa sobre uma base catastrofista e escatológica, segundo a qual o capitalismo já havia chegado ao seu ponto final sem poder desenvolver mais as forças produtivas, mas apenas retrocedê-las" (Manifesto...). Para os autores do Manifesto, o capitalismo encontra-se em franco desenvolvimento, e não só isso, estaríamos diante de uma etapa progressista, onde não apenas a burguesia completou os objetivos propostos pela Revolução Francesa, como também o capital foi capaz de regenerar-se, evitando seu debacle distribuindo a propriedade. Isto num período onde as grandes corporações de especuladores internacionais dominam a economia mundial para além de qualquer governo ou fronteira. Quem lê todas estas premissas um pouco ausentes da realidade, postuladas pela CLI, tem a sensação de que foram elaboradas, por quem não possui qualquer noção do que se passa na luta de classes hoje.

No Manifesto fundacional da CLI nada consta sobre a questão da defesa dos Estados operários burocratizados ainda existentes (China, Cuba, Coréia do Norte ou Vietnã), nada consta acerca da posição da corrente em relação às direções atuais do movimento operário, nada consta sobre a luta pelas reivindicações imediatas do proletariado e como ligá-las à luta pelo poder, a questão dos salários, as greves, sindicatos, a aliança operário e camponesa, o governo operário e camponês, das mulheres, da juventude, armamento do proletariado, nada, absolutamente nenhuma consideração sobre qualquer uma destas questões. Talvez tudo isto deve ter sido considerado abstrato demais para fazer parte do Manifesto fundacional da CLI.

Por sua vez, entre as pérolas do programa da CLI que se dispõe a superar "as abstrações" do Programa de Transição está, por exemplo, uma Resolução sobre o Oriente Médio que omite nada mais, nada menos, a principal consígnia transicional para a luta de libertação das massas, ou seja, a luta pela destruição do Estado genocida e racista de Israel, principal enclave imperialista no Oriente Médio.

Renúncia ao ABC do Leninismo

VO e RKL provam na prática que não é possível abandonar o trotskismo sem fazer o mesmo com o marxismo revolucionário. Os que tanto se proclamam leninistas não conseguem aplicar sequer o ABC do leninismo. Renunciar à crítica aos aliados circunstanciais é capitular politicamente a eles e transformar a frente única num agrupamento sem princípios que de nada serve à educação revolucionária da vanguarda e das massas, camuflando, ao contrário de desmascarar perante o proletariado todos aqueles que falsamente se apresentam como marxistas revolucionários. Renunciar a criticar o método foquista ou a política stalinista é subordinar o partido aos interesses políticos de agrupamentos pequeno-burgueses que utilizam métodos e orientações estranhas aos do proletariado revolucionário.

Por mais valentes e destemidos que sejam os militantes do MRTA ou do EPR, que se batem violentamente com o imperialismo, ao contrário de muitos que se autoproclamam comunistas revolucionários que não fazem mais do que sacar declarações pela internet e preferem enfrentar o monstro por trás de suas escrivaninhas, a política democratizante e frente populista, oposta ao método da insurreição proletária destes agrupamentos, condena-os a sangrentos massacres. Embora toda nossa solidariedade esteja pelos que lutam de todas as formas possíveis contra o monstro imperialista, não podemos, em nome de nossas simpatias e emoções, sacrificar a nossa crítica ao foquismo sob pena de levar as massas ao caminho errado, caminho que quase invariavelmente tem levado à derrota.

Não podemos substituir a crítica por tímidos conselhos como estes: "sabemos que não basta a ação guerrilheira para derrubar o Estado capitalista. É necessário que entre no campo da história as massas exploradas, conscientes de seus interesses de classe, decididas a lutar com todas as suas conseqüências. No entanto, a ação guerrilheira foi importante, como uma luz estreita no caminho da revolta violenta contra o Estado burguês. Ao mesmo tempo, a ação do MRTA colocou a ditadura em uma profunda crise..."(Resolução da CLI sobre a ocupação da embaixada japonesa pelo MRTA). Sabemos que mesmo quando se tratam de ações exitosas, a confusão que o ato foquista cria na classe dominante tem vida curta, não chegando sequer a abalar seus mecanismos de dominação. Possibilitou até que Fujimori substituísse os quadros dirigentes do Estado, em poder do MRTA, por outros crápulas de plantão, no decorrer da crise na embaixada, para que a máquina de opressão continuasse intacta e em funcionamento.

Por outro lado, a confusão que o método foquista cria nas fileiras da classe operária é ainda mais profunda que a causada à classe capitalista, principalmente sob uma violenta ditadura civil que torna mais sugestivo os atos de vingança e desespero pessoais na massa oprimida. A revolta violenta isolada de um pequeno grupo traz a ilusão de que é possível substituir a revolta violenta organizada da classe. Se o proletariado pode continuar atomizado e num simples golpe de força de um punhado de bravos combatentes "colocar a ditadura numa profunda crise", para que correr o risco de fazer reuniões clandestinas e organizar a classe de maneira conspirativa contra a ditadura? A ação isolada e os métodos de alguns vingadores não serve de exemplo para a massa, que necessita utilizar os métodos da ação direta.

O foquismo hoje no Peru é um imenso desperdício de forças preciosíssimas num período onde a classe está inteiramente atomizada e sua vanguarda esfacelada e desmoralizada. É fruto de um profundo desespero de setores da esquerda democratizante que abandonaram há muito tempo a intervenção nos sindicatos, universidades, parlamento e a luta de classes nas cidades. Lamentavelmente, estas operações desesperadas, completamente divorciadas das massas, acabam quase sempre por resultar no sacrifício de bons militantes como Cerpa Cartolini. A CLI não apenas se negou a fazer uma crítica conseqüente, revolucionária, ao foquismo do MRTA, como enveredou por alimentar as ilusões no poder das ações de pequenos grupos isolados das massas peruanas contra a ditadura Fujimori.

Pior ainda é que além de não criticar o método equivocado do MRTA, a CLI silencia sobre sua estratégia. O objetivo do comando guerrilheiro consistia em convencer a burguesia peruana a um grande "acordo nacional" pela democratização do país. Inclusive admitiam a possibilidade de uma cooperação financeira com o imperialismo de acordo com os programas de ajuste do FMI.

O objetivo do MRTA nunca fora expropriar os capitalistas, mas sim "reformar" o sistema. Os próprios tupacamaristas já haviam se definido como "uma guerrilha dialogante, sempre estivemos abertos ao diálogo, inclusive com a polícia e os soldados" (Voz Rebelde, 01/1997). Precisamente em busca do "diálogo" com seus algozes, o comando guerrilheiro deu mostras extremadas de humanitarismo, libertando logo nos primeiros dias de ocupação, o General Rivas, chefe do Estado Maior da Polícia Peruana, assassino reconhecido de vários militantes de esquerda. A política que a CLI camufla ao não criticar as ilusões democratizantes do foquismo tupacamarista, foi justamente o que cegou os olhos dos guerrilheiros. As ilusões de acordo com o regime burguês e de confiança nos negociadores patronais (o clero, cruz vermelha, diplomatas), cavaram a cova dos tupacamaristas, como foi reconhecido por um dirigente da guerrilha: "cometemos o erro de confiar em Fujimori. Esse foi nosso maior erro político. Nós confiamos tanto que acreditamos que poderíamos arrancar-lhes concessões" (Clarín, 28/04/97).

Com o Exército Popular Revolucionário mexicano (EPR) não é diferente. Voce Operaia assume as declarações deste grupo nas páginas de sua imprensa ,acriticamente, sem delimitação programática. O EPR é um típico agrupamento frente populista armado com a surrada estratégia maoísta de cercar as cidades a partir da guerrilha rural, como agem praticamente todas as guerrilhas latino-americanas, sendo oposto a politizar e mobilizar os explorados urbanos para a tomada do poder, em particular o proletariado, a única classe capaz de destruir as bases fundamentais da sociedade capitalista. A estratégia do EPR é substituir a ação direta das massas pela ação militar do foco guerrilheiro, que por detrás da fraseologia socialista e revolucionária, está o objetivo de pactuar com setores da burguesia mexicana opostas ao "neoliberalismo" para uma saída nos marcos da democracia burguesa, e sob a benção da frente popular constituir uma "República Popular Democrática Revolucionária", como aludem seus dirigentes. As declarações da direção eperista não negam sua política de conciliação de classes frente populista: "Se um projeto econômico beneficiar ao povo não vamos afetá-lo... Existem empresários no México que devem seguir trabalhando no país. Não estamos contra os investimentos no país, estes devem trazer benefícios para as maiorias" (Ambito Financiero, 18/09/96). O EPR não passa portanto da ala esquerda do desmoralizado zapatismo do EZLN e da pequena burguesia democratizante agrupada no PRD. Isto os revolucionários marxistas não podem esquivar-se de dizer, pois é a única forma conseqüente de ganhar os combatentes antiimperialistas que falsamente identificam o EPR como uma alternativa revolucionária às traições do EZLN.

Stalin vs Trotsky

Não por acaso, parte do mesmo tipo de raciocínio, negar-se a criticar os desvios foquistas do MRTA e criticar Trotsky por não ter feito um complô para assassinar Stálin. "Em poucas palavras, nossa posição é a seguinte: havia sido necessário matar o stalinismo no berço. Provavelmente Stálin inclusive, mesmo com todos os riscos que este, como todos os atos históricos, implicava" (Stálin e Trotsky, as razões da derrota, Voce Operaia, 10/96, em Soviet nº2). Hoje, após a destruição da URSS, 80 anos depois daqueles dias cruciais para a Revolução de Outubro, é fácil para um filisteu afirmar que valia a pena liquidar com o primeiro Estado Operário do planeta, sitiado a partir de uma luta de camarilha, quando todas as condições objetivas se mostravam desfavoráveis à tomada do poder pela oposição de esquerda.

Somente os filisteus metidos a voluntaristas se metem a utilizar esse método, os revolucionários comprometidos com as conquistas de outubro não podem se dar ao luxo de jogar dados com a sorte da revolução.

A única forma de vencer a burocracia era liquidá-la como casta, tarefa que não podia ser levada adiante por um punhado de homens salvadores da revolução, mas unicamente a classe operária acaudilhada pelo setor revolucionário sobrevivente no Partido Bolchevique. Ao contrário, os autores do Manifesto voltam as costas para o único programa capaz de guiar o proletariado para a conquista do poder político, o programa trotskista, capaz de restabelecer o curso da revolução em direção ao socialismo. Voltam as costas para o proletariado e capitulam aos coveiros de revoluções em versões titoísta ou foquistas.

Iugoslávia

O seguidismo da CLI aos modelos alternativos do stalinismo frentepopulista na América Latina não é diferente na Iugoslávia, onde a CLI apóia sem qualquer crítica o titoísmo. Para a CLI "o exército guerrilheiro de Tito conseguiu escapar da mordaça imperialismo-stalinismo, transformando a guerra de libertação em guerra de classe anticapitalista. Contrariamente à Liga Comunista Iugoslava, os demais partidos comunistas europeus executavam docilmente as diretivas de Moscou"(Manifesto da CLI). Tentando maquiar o stalinismo dos Bálcãs, a CLI omite que Tito foi obrigado a escapar da mordaça imperialismo-stalinismo não porque fosse revolucionário, mas pela negativa das tropas tchetniks, fiéis ao rei Pedro, em empreender ações comuns e realizar acordos com as forças guerrilheiras de Tito, pelo impulso da revolução agrária e a criação de um exército regular revolucionário que centralizasse a luta de resistência das distintas regiões iugoslavas, pelo apoio material de Moscou aos tchetniks opostos a Tito.

Além disso, também serviram muito de lição para o PC iugoslavo as experiências recentes desastrosas dos comunistas na Itália, França e mais violentamente na Grécia que seguiram a política contra-revolucionária de Moscou. A verdade é que a burocracia titoísta e sua versão de socialismo "autogestionário" deu início à ruína do Estado operário iugoslavo, já no início da década de 80, alimentando as ilusões de autonomia e o nacionalismo das camarilhas regionais e endividando o país junto ao FMI, submetendo-o aos planos de ajuste do capital financeiro mundial.

Hoje e durante toda a Guerra dos Bálcãs, a CLI deposita suas esperanças no nacionalismo sérvio como principal defensor da continuidade do Estado operário iugoslavo, capitulando ao chauvinismo servo-tchetniks e suas limpezas étnicas contra as demais nacionalidades Bálcãs. Por seu antitrotskismo, a CLI não compreende o duplo papel da burocracia (expropriação política do proletariado e defesa do Estado operário como fonte de seu parasitismo). E como diria Trotsky, quem não entende isso, não entende nada sobre a questão. Por isso, a CLI alimenta ilusões de que os velhos titoístas e os nacionalistas servos poderiam travar uma luta conseqüente contra a restauração capitalista. Uma vez alijados do poder, os velhos titoístas não têm outro motivo, além da demagogia, porque defender as bases sociais do extinto Estado operário iugoslavo.

Os que se negam a denunciar a história de traições do stalinismo dos Bálcãs e estabelecem frentes sem princípios com seus restos geriátricos, não fazem mais do que jogar terra nos olhos das massas sérvias. Aqui se percebe claramente que a CLI acaba alimentando as mesmas ilusões na burocracia titoísta de que já comungavam os pseudotrotskistas do Comitê Internacional, acreditando que, por Tito não depender do Kremlin e formalmente ter rompido com suas orientações, não teria as mesmas características degenerativas comuns ao restante dos stalinistas. Tito, como muitos outros stalinistas, agindo sob condições excepcionais, foi levado a ir além de onde queria na sua linha de ruptura com a burguesia.

A CLI e o Pseudotrotskismo

Acreditamos que a trilha antitrotskista da CLI não apenas significa uma ruptura com o trotskismo, mas com o marxismo de conjunto, em função do impressionismo centrista das organizações que compõem a CLI, que seguem sua jornada cada vez mais à direita, de mãos dadas com os restos geriátricos do stalinismo (e titoísmo, o que de fato dá no mesmo) na Europa, como também com os frentepopulistas (stalinistas-maoístas) de fuzil na América Latina e Sri Lanka.

Trata-se de uma desilusão típica do impressionismo pequeno burguês, que acomete dezenas de correntes centristas toda vez que o proletariado sofre uma derrota. Este é o caminho do pablismo, nada mais, nada menos que a pedra angular da degeneração da IV Internacional desde seu II Congresso em 1948. O caminho de substituir a ação direta do proletariado e a construção do partido revolucionário por agrupamentos oportunistas com os stalinistas de todos os matizes. O que a CLI faz é reeditar com rompantes "modernos" a mesma política oportunista utilizada por Pablo, ao reivindicar o caráter revolucionário do stalinismo; ou do Comitê Internacional, ao reivindicar o caráter não-stalinista e revolucionário de Mao e Tito; ou do SWP norte-americano em relação a Castro; de Healy com a burguesia nacionalista árabe, etc. Se os fenômenos históricos acontecem por assim dizer duas vezes, a primeira como tragédia e a segunda como farsa, não temos palavras para descrever o que nos apresenta a CLI sob o título de "novos fundamentos teóricos".

Apesar das várias citações autoproclamatórias, como quem acaba de descobrir a pólvora, a CLI está longe de possuir a originalidade que alega, definindo-se como único fenômeno no gênero no cenário mundial. Talvez seja o último, o mais recente, não o único. "Nos declaramos uma corrente política porque não vemos outras forças em escala mundial que compartilhem nossas conclusões e premissas" (Declaração Constitutiva da CLI, Soviet, 01). Ledo engano, a história do centrismo desiludido está repleta de exemplos de agrupamentos que, em suas épocas, partiram das mesmas premissas e chegaram às mesmas conclusões, trata-se do mesmo filme e dos mesmos personagens, com atores diferentes.

Na sua linha de ruptura com o legado de Trotsky, Mandel já havia apresentado as mesmas premissas que a CLI diz ter descoberto. Uma de suas primeiras "grandes" (e equivocadas) descobertas foi de que o boom capitalista no pós-guerra seria uma prova irrefutável do erro de Trotsky ao caracterizar que as "forças produtivas deixaram de crescer". Levado pela propaganda que o capitalismo faz de si mesmo, Mandel apresentava como crescimento das forças produtivas unicamente o que para a burguesia importava desenvolver-se: a técnica e o acúmulo de capital (que obtiveram um relativo surto de desenvolvimento sobre a base da indústria da guerra e da pilhagem dos povos atrasados com a recolonização de parte do planeta pelo imperialismo ianque).

Para os marxistas, não se pode falar em forças produtivas sem levar em conta a principal força produtiva, a força de trabalho, ou seja, o proletariado, que viu suas condições de vida deteriorar-se numa velocidade sem precedentes nas últimas décadas. Mas as extremas semelhanças entre a corrente de VO e RKL com os pseudotrotskistas com quem tentam delimitar-se, não param por aí. Nos anos 60, o SU de Mandel também lançou-se atrás do guerrilheirismo pequeno-burguês. Isto mostra apenas que a política dos pseudo-trotskistas é de fato o avesso do trotskismo. Por outro lado, e o que não significa nenhuma virtude para a CLI, comprova-se também que sua política corresponde à forma mais degradada do pseudotrotskismo, a versão dos anos 90, marcada pela deserção do centrismo pós-URSS.

Não é difícil imaginar que este tipo de pensamento impressionista se proliferou às centenas nos círculos esquerdistas também na época em que a social democracia votou pelos créditos de guerra e a favor da carnificina imperialista, em 1914, e os internacionalistas revolucionários ficaram reduzidos a escassas dezenas de militantes. Mas, os verdadeiros comunistas que nada têm em comum nem com os traidores social-democratas, nem com os impressionistas pequeno-burgueses, souberam muito bem se preparar para a próxima etapa histórica, mesmo em meio a traição histórica da social-democracia, sem abandonar a rica experiência de continuidade do pensamento revolucionário dos anos anteriores, nem tentando apresentar como "novas fundações teóricas" surradas fórmulas políticas já desmascaradas anteriormente pelo pensamento marxista revolucionário.

A vergonhosa deserção do trotskismo da CLI é a renúncia ao marxismo de nossa época enriquecido pela experiência daqueles que combateram a degeneração burocrática do primeiro estado operário, à traição da revolução européia pela política das frentes populares, à luta contra o fascismo e à luta antiimperialista nas semi-colônias, ou seja, todos os principais elementos da época atual. Abandonando essa experiência uma organização não é nada, perde-se sem saber encontrar o fio condutor transicional que pode transformar uma situação não revolucionária numa situação revolucionária, o que ensina o Programa de Transição e hoje mais do que nunca mantém sua plena vigência.

Nós da CBQI acreditamos que os genuínos internacionalistas revolucionários se encontram novamente diante de uma situação semelhante aos poucos comunistas reunidos em Zimenrwald, com a convicção de que é necessário avançar contra a corrente, não se deixando sugestionar pelo refluxo geral. Como diria o fundador do Exército Vermelho, "se as desfavoráveis correlação de forças não nos permitem conservar as antigas posições políticas, ainda assim temos o dever de conservar as posições ideológicas, pois a experiência tão cara do passado tem se concentrado nelas. Ante aos olhos dos mentecaptos, tal política aparece como ‘sectária’. Na realidade não faz mais do que preparar o gigantesco salto adiante impulsionada pela onda ascendente do novo período histórico" (Bolchevismo e Stalinismo).

Fazendo um balanço de sua trajetória no movimento trotskista, as correntes constituintes da CLI declaram que "após vinte anos de experiência direta e apaixonada no movimento" tiveram um resultado "substancialmente estéril". A partir de então, abandonaram formalmente o trotskismo, abandonaram na prática o marxismo, se ataram acriticamente a agrupamentos pequeno-burgueses democratizantes e frentepopulistas com a mesma política de capitulação ao stalinismo, que levou aos sucessores de Trotsky a arruinarem a IV Internacional a partir de seu II Congresso, e tem o caradurismo de condenar o proletariado por "passar por sua desmoralização mais profunda" e por "ter perdido toda a perspectiva".

Nem bem a CLI concluía seu manifesto, o proletariado em todas as partes do mundo começava a recuperar-se do impacto inicial das recentes derrotas no leste e começava a levantar-se massivamente na França, Argentina, Coréia do Sul, Albânia, mostrando, na prática, o que tinha perdido qualquer perspectiva era o manifesto da CLI, incapaz de compreender o momento atual que está marcado pela contradição entre o ascenso das lutas e a reação ideológica. O ascenso atual prova irrefutavelmente que o problema todo é o elemento subjetivo, a falta da fusão da teoria revolucionária com as massas combatentes, condição que sem a qual não existe movimento revolucionário. A política de VO e RKL aponta justamente para o caminho oposto à construção de qualquer perspectiva, aponta para o abstencionismo nas lutas atuais, incapazes de jogar um papel ativo na superação da defasagem entre o amadurecimento das condições objetivas para a revolução socialista e a carência de organização e consciência da classe operária. Isto torna a CLI um peso morto e imprestável apegado às saias dos cadáveres stalinistas.

Janeiro de 1998

Corrente Bolchevique pela IV Internacional


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