Polêmica

PTS tenta encabeçar um novo reagrupamento centrista internacional

O Partido dos Trabalhadores pelo Socialismo, PTS, uma cisão do MAS argentino do final da década de 80, lan-çou recentemente um chamado à conformação de um Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional.

Esse Comitê teria o objetivo de "ser uma via de exploração para a possível confluência com outras correntes ou indivíduos que se reivindiquem do trotskismo principista e que coincidam com o método de discussão e com aspectos substanciais das posições aqui defendidas"(Projeto de Manifesto Programático para Avançar na Reconstrução da IV Internacional- PTS, Pág.6) "para delimitar os reformistas e centristas dos revolucionários diante dos principais acontecimentos da luta de classes do período, que são um obstáculo para a reconstrução da IV Internacional" (Idem, pág. 32).

O PTS, através desse chamado, estaria tentando delimitar-se de todos os reagrupamentos centristas abundantes no último período como, por exemplo, o encabeçado pela Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) ao lançar seus 21 pontos por uma "Internacional Operária", um amálgama para dissolver suas seções nacionais com grupos não trotskistas; ou ainda, o saco de gatos impulsionado pelo Partido Obrero argentino que, após uma hibernação nacional-trotskista de décadas, lança-se tragicomicamente à tarefa de refundar "imediatamente" a IV Internacional, incluindo neste projeto inclusive aqueles que estão dentro da Refundação Comunista, partido que até dias atrás apoiava o governo imperialista da Itália de Romano Prodi. Nesse mesmo terreno dos falsos acordos para "avançar" na reconstrução da IV, encaixa-se também a aproximação entre a UIT de Luiz Zamora e o CIO, do antigo The Militant, hoje Partido Socialista inglês.

Por considerar o chamado do PTS uma importante iniciativa para se debater seriamente a necessidade de construção, sobre bases principistas, de um nova tendência quarta-internacionalista, como uma alternativa revolucionária ao centrismo e ao reformismo, a Liga Bolchevique Internacionalista acredita que é uma obrigação militante colaborar com nossa opinião sobre esse processo em curso, expondo nosso ponto de vista sobre as limitações e os equívocos da plataforma político-programática e do método de construção do Comitê de Enlace proposto pelo PTS.

Reproduzindo a diplomacia dos centristas

A articulação que o PTS tenta encabeçar buscou inicialmente agrupar a Liga por uma Internacional Comunista Revolucionária (LICR), o POR argentino, em processo de ruptura com o caudilho boliviano Guillermo Lora, e o Grupo de Trabalhadores Revolucionários (GTR), conformado por militantes que romperam à esquerda com o MAS em 1993.

Apesar do projeto de Comitê do PTS apresentar-se como um instrumento de luta por um novo reagrupamento principista, mais à esquerda do que os encabeçados pelas correntes tradicionais do chamado trotskismo, o método de sua construção sofre, desde a sua convocatória, dos mesmos desvios que o PTS critica em seus adversários centristas: substitui a delimitação programática por acordos diplomáticos, que acabam por negar as pretensas convergências anunciadas diante da própria política dos diversos grupos frente aos principais acontecimentos da luta de classes.

Sem desejar reconhecer a própria realidade, marcada por uma brutal ofensiva ideológica, política e militar do imperialismo em nível mundial a partir da liquidação dos Estados operários burocratizados, todos os agrupamentos que saudaram a queda da URSS como uma revolução política, seja ela triunfante ou abortada, aprofundaram ainda mais seu viéis oportunista, deixando de lado qualquer discussão de princípios e um balanço das trajetórias de seus novos aliados para proclamarem fusões bombásticas, na ânsia de justificar perante sua base militante que esses reagrupamentos são frutos de um ascenso revolucionário que marcaria a etapa atual.

O PTS, ao caracterizar que "As revoluções de 89 a 91 no Leste e na URSS, constituem um fenômeno progressivo, quer dizer, foram um golpe pela esquerda e não pela direita no stalinismo e, indistintamente, no imperialismo" (Caderno de Tribuna dos Trabalhadores, nº 1, 1995), acaba também por contagiar-se pelo mesmo impressionismo pequeno-burguês dos centristas, que se reflete na tentativa de construção oportunista de sua própria Internacional.

Isso se torna mais evidente quando indica, como um dos melhores exemplos de gênese de um reagrupamento principista, o processo de ruptura de correntes internas de Lutte Ouvrière e do SU, declarando que seu chamado a conformação do Comitê de Enlace também está dirigido "aquelas correntes que estão em plena evolução, como por exemplo os camaradas de Voz dos Trabalhadores na França (recentemente expulsos de Lutte Ouvrière); ou a Tendência Revolucionária da LCR francesa, que questiona a política abertamente liquidacionista de Krivine e Bensaid" (Projeto de Manifesto Programático para Avançar na Reconstrução da IV Internacional, pág. 34).

Não por acaso, o processo de reagrupamento encabeçado por Voz dos Trabalhadores (VdT), elogiado pelo PTS como um marco de sua evolução, que inclui o ingresso em VdT da LST, antiga seção francesa da LIT, hoje ligada ao MAS, é saudado também entusiasticamente com um exemplo clássico de um "reagrupamento de revolucionários", sem qualquer fronteira programática, pelo próprio MAS, que, expulso da LIT, caminha a passos largos por romper com o trotskismo e o leninismo.

Como pode o PTS chamar para conformar um reagrupamento trotskista principista uma corrente como Voz dos Trabalhadores, quando na Argentina critica o MAS de oportunista por aplicar a mesma fórmula defendida por VdT: "Temos que criar um pólo que reúna todos os revolucionários... A reunião de todos os revolucionários em uma organização comum deve ser realizada no mais breve espaço de tempo. Neste marco, que logo seria muito mais amplo que a simples adição de grupos atuais, não excluiría e nem censuraria ninguém. Ao contrário, cada qual poderia expor suas posições, suas diferenças e seus desacordos com os outros" (Resposta de VdT a LST, França – Las Luchas e el Reagrupamiento de los Revolucionarios, pág. 19, Editora Antídoto)

Mesmo caracterizando que a política do MAS significa que "por trás deste palavreado do gosto de qualquer foro acadêmico, o que se vê é um projeto de um ‘agrupamento internacional’ onde convivam centristas, capituladores e revolucionários. Uma unidade sem princípios, tal como propunham os mencheviques antes da Primeira Guerra, ‘unidade’ que Lenin combateu por ser liquidadora e contra a qual se construiu o bolchevismo" (La Verdad Obrera, nº 35, pág. 14), crítica que mantém toda sua vigência para a própria VdT, o PTS acaba propondo em menor grau a mesma fórmula e apresenta centristas como correntes principistas aptas a conformar seu Comitê de Enlace, como é o caso concreto de VdT.

Esse elogio do MAS e do PTS a VdT não é uma coincidência aleatória. Parte de uma análise comum dessas três organizações de que a queda do stalinismo fortaleceu uma tendência de reorganização revolucionária, desprezando assim o tremendo retrocesso na consciência na vanguarda mundial e a derrota sofrida pela classe desde a contra-revolução em curso iniciada com a queda do Muro de Berlim, como declara Voz dos Trabalhadores em uma pérola de anti-defensismo: "Nós gostaríamos de sublinhar que o colapso do stalinismo, o qual assistimos a partir de 1989 e que se expressa no fim da URSS e dos partidos stalinistas, como o PCF, abre novas possibilidades de desenvolvimento do movimento operário, este desenvolvimento, este renascimento não poderá fazer-se espontaneamente, ele será obra das opções voluntárias e conscientes dos trabalhadores e intelectuais" (Resposta de VdT a LST, França — Las Luchas e el Reagrupamiento de los Revolucionarios, pág. 31, Editora Antídoto)

Caracterizando que há uma tendência a reagrupamentos revolucionários principistas em nível mundial desde 89, com rupturas à esquerda nos troncos "trotskistas" tradicionais (SU, Lutte Ouvrière, Lorismo), o PTS pretende a todo custo embarcar nessa maré revolucionária, que denomina de uma "contra-ofensiva de massas que abriu um período de crise do domínio imperialista": "A visão que defendemos dos acontecimentos de 1989, nos permitiu observar não uma etapa contra-revolucionária que se abria, mas sim uma etapa de crescente resistência das massas que começavam a libertar sua espontaneidade em revoltas, motins, guerras nacionais e inclusive insurreições locais, onde a subjetividade do proletariado (quer dizer, sua consciência e suas organizações de luta), em agudíssima crise, iniciava um processo de recomposição lenta e tortuosa" (Projeto de Manifesto Programático para avançar na Reconstrução da IV Internacional, pág.11).

A queda da URSS e do Muro de Berlim golpeou pela esquerda o imperialismo?

O PTS caracteriza que na etapa atual as massas estão em um processo de generalizada ofensiva, que a classe operária avança de forma revolucionária. A queda da URSS e do Muro teriam favorecido o debilitamento do imperialismo, o que se demonstrou com as suas divisões, como ocorreu recentemente com relação à intervenção armada sobre o Iraque. "Longe de ter permitido o surgimento de uma nova ordem mundial, a queda do stalinismo abriu uma crise de domínio imperialista" (Projeto de Manifesto Programático para Avançar na Reconstrução da IV Internacional, pág. 11). "A queda do aparato stalinista mundial permitiu a libertação da espontaneidade das massas. 1989 generalizou um processo de revoltas em nível mundial, questão que não pôde ser definitiva pelo triunfo imperialista na guerra do Golfo em 1991... Esta contra-ofensiva, e não o processo de restauração capitalista em curso nos ex-estados operários deformados e degenerados, é que começa a marcar a situação política mundial desde 95 até agora" (Idem).

A análise do PTS é completamente falsa. A liquidação dos Estados operários foi um duro golpe contra as massas em nível mundial, que ficaram confusas e desarmadas frente à restauração capitalista em países onde a burguesia tinha sido expropriada. Não só o stalinismo, mas inclusive os partidos que festejaram a restauração como um grande triunfo das massas, como a LIT e o MAS, foram literalmente ao debacle, porque a ofensiva imperialista colocou o movimento de massas e sua vanguarda em franca defensividade.

Para o movimento operário, carente de direção revolucionária, abriu-se uma etapa, desde 1989, de reação ideológica capitalista em escala mundial, quando a burguesia recuperou para si o poder no que foi a principal conquista histórica da humanidade: os Estados operários, mesmo deformados e degenerados, no Leste Europeu e na URSS.

Isso não significa dizer necessariamente que há um refluxo na luta de classes. A crise de decomposição do sistema capitalista, aprofundada agora pelo crash mundial, segue arrastando as massas ao desemprego e à miséria e, a todo momento, os explorados se vêem obrigados a lutar duramente por suas reivindicações. Nessas lutas (Coréia do Sul, Indonésia, Argentina, Equador, Albânia, Peru), desafiam o próprio Estado e suas instituições, enfrentam a repressão e levam adiante duros combates.

Atualmente, é possível constatar um ascenso de luta das massas nos países atrasados contra a recolonização (Ásia), no Leste Europeu e na ex-URSS em oposição à contra-revolução capitalista e nos países avançados contra os ataques às suas conquistas (França, UPS e GM norte-americanas). Mas este ascenso está marcado pela falta de referêncial ideológico, da defesa do socialismo e expressa-se em uma enorme defasagem entre as ações práticas dos explorados contra os capitalistas e seu nível de consciência.

As lutas de massas hoje são uma batalha de vida e morte pela manutenção de suas conquistas ante a fúria dos capitalistas em liquidá-las. São lutas defensivas e marcantemente econômicas, não tendendo "a lutas políticas de massas e, em seus pontos culminantes, a greve geral política" (Ibidem, pág. 12), como analisa o PTS. O maior exemplo disso foram as próprias jornadas de lutas na França em 1995, onde os trabalhadores franceses paralisaram o país, provocando enormes perdas aos capitalistas, obrigaram o governo a retroceder e puseram em xeque o tratado de Maastricht. No entanto, diferente do Maio Francês de 1968, não foi levantada, sequer deformadamente, a questão do poder.

Essa contradição entre a radicalidade das lutas e o nível de consciência dos explorados está ligada à ausência de uma direção revolucionária. A guinada abertamente pró-imperialista das frentes populares em nível mundial, além do giro a direita da social-democracia são elementos dessa situação.

A espectativa coletiva das massas em destruir o capitalismo e marchar para uma sociedade sem classes foi debilitada com a queda da URSS e não o contrário, como defende o PTS. Obviamente, essa perspectiva somente se fortalecerá pela persistente intervenção dos revolucionários no movimento de massas e diante de alguma vitória qualitativa da classe operária em escala mundial que modifique a atual correlação de forças entre as classes, no momento, em favor do capital.

Compreender a combinação, em muitos casos, de ascenso nas lutas e reação ideológica é central para guiar a intervenção dos revolucionários. O PTS enfatiza as ações práticas das massas e omite o nível de consciência que acompanha essas ações, ignorando que este é substancialmente inferior ao das lutas anteriores à queda da URSS, como sintetiza: "Independente do nível de consciência do movimento de massas e das ilusões pró-capitalistas que tinha, foi a primeira resposta massiva de enfrentamento das massas aos objetivos restauracionistas da burocracia" (Projeto de Manifesto Programático para avançar na reconstrução da IV Internacional, pág. 27). Essa análise é exitista e objetivista porque defende que a classe operária avança de forma revolucionária, independente do retrocesso em sua vanguarda (refluxo da militância de esquerda, fragmentação dos partidos do campo da classe operária, confusão ideológica democratizante, defesa da ética e das "novas vanguardas", etc).

É antimarxista pensar que o triunfo da contra-revolução, ou seja, a restauração capitalista nos antigos Estados operários, com as massas profundamente influenciadas por ilusões pró-capitalistas à época, derrubando o aparato stalinista e colocando em seu lugar uma nova direção burguesa à frente do Estado, possa representar um salto positivo na luta pela revolução mundial.

Apresentá-la dessa forma só se justifica pelo fato de caracaterizar-se a queda dos Estados operários burocratizados não como uma contra-revolução, mas como um tipo de revolução política, que mesmo tendo sido abortada pelas forças restauracionistas, foi um passo progressivo para as massas, posição bastante próxima a das correntes abertamente pró-imperialistas, como a LIT e o Altamirismo, que saudaram a ascensão de Yeltsin, durante o contragolpe de agosto de 1991, como uma ‘vitória revolucionária dos trabalhadores’.

Essas correntes "trotskistas" que se adaptaram à democracia burguesa, defendem que uma vitória dos liberais burgueses dentro de um Estado operário é uma vitória da democracia contra o stalinismo totalitário. Desta forma, consideram a ascensão dos representantes burgueses um acontecimento progressivo e revolucionário.

Ao também considerar que o stalinismo era o inimigo central no Leste e na URSS, o PTS justifica sua política de fazer frentes únicas com os partidos burgueses e agentes diretos do imperialismo no interior dos Estados operários em defesa das liberdades democráticas das massas.

No capitalismo, a democracia burguesa permite certa liberdade aos trabalhadores e suas organizações operárias e esses direitos são uma conquista das massas na sua luta para derrotar o próprio capital. Por essa razão, os revolucionários são os melhores defensores dos direitos democráticos e os combatentes de primeira linha contra as ditaduras fascistas.

Em um Estado operário dirigido pelo stalinismo esse critério é completamente diferente. Uma ditadura fascista é, em sua essência, distinta por sua natureza de classe de um regime burocrático stalinista. A casta stalinista, por mais que se assemelhe das feições fascistas, continua sendo uma excrescência da classe operária. O stalinismo usurpou da classe operária o controle direto e democrático da sociedade soviética, exercido mediante os conselhos operários eleitos, mas isso, por si só, não altera o caráter de classe do Estado.

Na luta contra as ditaduras pró-imperialistas nas semicolônias, os revolucionários podem, muitas vezes, estar na mesma barricada dos democratas burgueses. Em um Estado operário burocratizado não se pode ter a mesma política. As ditaduras stalinistas em um Estado operário não são nossas inimigas de classe, são inimigas dentro da própria classe operária a serem derrotadas pela revolução política. Combatemos mortalmente os stalinistas, porém, para derrotar o imperialismo e avançar na revolução mundial, preferimos infinitamente uma ditadura stalinista que mantém o Estado operário, do que uma democracia burguesa que restaure o capitalismo.

O restabelecimento da democracia burguesa tem por base a liquidação do Estado operário e de suas relações sociais de produção, com a ascensão à direção do Estado de forças restauracionistas e anticomunistas que levam adiante a reintrodução da propriedade privada e acabam por privar os trabalhadores dos maiores direitos democráticos já conquistados, como o pleno emprego, a habitação subsidiada, a socialização da terra, a previdência social pública, saúde e educação gratuitas.

A posição das correntes centristas em trocar a defesa dos Estados operários pelas garantias de liberdades democráticas é ainda mais criminoso quando se sabe que essa democracia nas semicolônias, como a Rússia hoje, é completamente falsa. Nos novos Estados burgueses, a face democrática da restauração é o assassinato dos dirigentes operários pelas máfias, a fraude aberta nas chamadas "eleições livres" e a constante ameça de golpes fascistas para disciplinar a classe operária. A política do PTS em considerar a democracia burguesa mais progressiva que o totalitarismo stalinista é um ângulo que segue os anseios da classe média, da pequena-burguesia, classe social onde o PTS tem majoritariamente sua base militante.

Em um Estado operário degenerado, apesar do stalinismo significar uma correia de transmissão dos interesses da burugesia em seu interior, o inimigo principal continua sendo o imperialismo e a contra-revolução interna. Ao contrário desse critério defensista, a maioria das correntes centristas consideram que a vitória da democracia burguesa nos Estados operários burocratizados é um avanço pela introdução de liberdades políticas para as massas. Esquecem que quando se trata de um Estado operário burocratizado, onde a burguesia foi expropriada e as conquistas materiais dos trabalhadores foram arrancadas pela revolução, a vigência da genuína democracia proletária (e mesmo das mais elementares liberdades) só é possível pela revolução política dirigida por um partido revolucionário e não pela ascensão de uma força restauracionista que, em nome da defesa dessas liberdades democráticas, coloca ao chão todas as imensas conquistas proletárias, em um processo contra-revolucionário.

Não se pode defender a democracia em geral, sem um caráter de classe. Em um Estado operário é necessário opor-se à introdução da democracia parlamentar ("eleições livres", parlamento, multiplicidade de partidos, voto secreto, direito geral de livre organização), através da democracia proletária. Isso significa não virar as costas para os anseios democráticos dos trabalhadores. Ao contrário, é preciso um programa para evitar que a burguesia os capitalize, através da luta por fortalecer e revitalizar os conselhos operários eleitos diretamente pelas massas, exigir o controle direto das decisões do Estado pelos sovietes, liberdade plena de organização e expressão apenas para os partidos soviéticos e,fundamentalmente, lutar pela construção de um genuíno partido revolucionário.

A luta pela democracia soviética é diametralmente oposta à implantação da democracia burguesa. Essa luta significa defender a revogabilidade dos mandatos, expulsar a burocraica dos sovietes, combater a desigualdade social, a opressão política, a diplomacia secreta, a legalização dos partidos não soviéticos e a proliferação dos agentes restauracionistas no Estado operário.

O pior ataque contra as liberdades democráticas dos trabalhadores é retirar-lhes o emprego, a comida, a habitação. Hoje, na antiga URSS e no Leste, milhares de trabalhadores não recebem sequer os salários há vários meses. Tudo isso foi produto da recomposição da democracia burguesa, do capitalismo. Em compensação, com o fim dessas liberdades garantidas anteriormente no Estado operário, os capitalistas permitem aos trabalhadores escolher nas urnas o próximo carrasco restauracionista na presidência.

A instalação da democracia burguesa nos antigos Estados operários é um retrocesso histórico em relação a qualquer forma de ditadura do proletariado. Não há, portanto, nada de progressivo na queda do stalinismo nos antigos Estados operários, nem em nível de sua consciência, e muito menos, em termos de conquistas para as massas.

Por acaso, a queda do Estado operário cubano nas mãos do imperialismo não representaria hoje um enorme revés no nível de consciência das massas no mundo e, especialmente, da América Latina? Ou sua restauração capitalista também representaria um "golpe à esquerda no imperialismo"?

Por outro lado, a divisão do imperialismo que, segundo o PTS, seria consquência da queda da URSS que o teria debilitado, ao contrário, aponta para uma disputa cada vez mais violenta dos diversos blocos econômicos (EUA, União Européia, Japão) em um marco de ofensiva geral sobre as massas. Se as disputas interimperialistas se tornaram mais acirradas e os dividem em determinados momentos da luta de classes, isso reflete a disputa pela partilha dos novos mercados, como no Leste europeu, ou por controlar economicamente as colônias e semicolônias, como a América do Sul, África e Oriente Médio.

A Rússia de Yeltsin ainda como um Estado Operário

O PTS caracteriza ainda hoje a Rússia como um Estado operário: "Não o definimos como um Estado burguês em formação, não pela sua superestrutura ou pela política que defende nos últimos anos, mas sim que tentamos dar conta, nesta situação transitória, da existência temporal de um conflito entre a superestrutura e a formação econômico-social, conflito temporal agudizado pela crise econômica e política do imperialismo mundial e pelo fato das massas destes países não terem sido liquidadas como fator histórico independente. Este é o fundamento que nos mantenhamos em nossa definição de Estados operários em decomposição" (Estratégia Internacional, revista do PTS, nº 8). Dessa mesma tese, comungam o PO argentino e o próprio POR boliviano de Guillermo Lora que, após 7 anos do início da contra-revolução, segue caracterizando "que ainda prevalece o Estado operário deformado na Rússia e a tarefa da revolução política ainda se mantém" (Em Defesa da Revolução Russa, Ed. Massas, pág. 52).

A Rússia não é mais um Estado operário "em decomposição" porque em 1991 a fração de Yeltsin, através de um golpe contra-revolucionário, se alçou à condição de representante direta do imperialismo para destruir a URSS, ascendendo ao poder com a tarefa de estabelecer as bases jurídicas e econômicas para o nascimento de uma burguesia nativa e para soerguer um Estado burguês. A partir desse momento, toda a superestrutura jurídica, ideológica, política e repressiva na Rússia é capitalista.

Para os trotskistas, todo Estado operário controlado pela burocracia stalinista, onde esta leva ao completo esgotamento as forças produtivas nos marcos das fronteiras nacionais, com uma política de coexistência pacífica com o imperialismo é, em certa medida, um Estado operário em "decomposição". A URSS e a própria China encontraram-se respectivamente nesta condição não a partir da Perestroika ou da ascensão de Deng Xiaoping, com a adoção de medidas de mercado, como quer o PTS, mas já desde a década de 30 com a política criminosa do "socialismo em um só país", encabeçada por Stálin, ou mesmo sob a direção de Mao Tsé-tung, quando da revolução chinesa.

O debacle econômico dos antigos Estados operários foi produto da planificação burocrática da economia, que trouxe no seu seio os germes de sua própria destruição. O stalinismo foi incapaz de estabelecer entre os diversos países onde a burguesia foi expropriada uma divisão internacional do trabalho que suprisse as necessidades econômicas (bens, produtos, matérias primas, tecnologias) dos antigos Estados operários e superasse as pressões dos monopólios capitalistas.

O stalinismo reproduzia em cada Estado operário, na esfera econômica, a política do "socialismo em um só país", com cada casta ditando burocraticamente o que e quanto se iria produzir e distribuir, sem formar um sistema econômico comum, que pudesse fortalecer suas bases produtivas para superar a divisão internacional do trabalho, imposta pelo capitalismo.

Essa política aprofundava as desproporções em todos os ramos da economia e debilitava de conjunto os antigos Estados operários, já que os interesses e os objetivos econômicos nacionais de cada burocracia se chocavam abertamente com as necessidades globais dos Estados operários e das massas. Isso tinha como conseqüência o desperdício abundante de recursos humanos e materiais e, frente à permanente da falta de produtos, cada Estado operário acabava dependendo intensamente da produção capitalista e do endividamento externo para suprir as demandas de consumo, o que solapava acentuadamente as bases de existência destes Estados operários. Essa série de fatores aumentava a dependência econômica ao capitalismo, preparando objetivamente as condições para a restauração capitalista, como sinalizava Trotsky: "o crescimento da produção de um lado, o surgimento de novas exigências e desproporções por outro, ampliam a necessidade de uma ligação com a economia mundial. O programa da ‘independência’, quer dizer, do caráter de uma economia soviética baseando-se em si mesma, revela cada vez mais seu caráter utópico e reacionário" (O Fracasso do Plano Qüinqüenal).

Por outro lado, não é a adoção de medidas de mercado em si pela burocracia que colocam em decomposição o Estado operário e o fazem retornar gradualmente ao capitalismo. Se fosse assim, Lenin e Trotsky seriam os ideólogos da restauração capitalista ao defenderem em 1921 a NEP, uma política de concessões às empresas capitalistas para investirem na URSS, inclusive em setores estratégicos, como a exploração de petróleo.

Na verdade, qualquer Estado operário, para não se "decompor" em uma economia mundial capitalista, terá que adotar, em função do cerco econômico internacional, determinadas medidas de mercado para garantir sua sobrevivência. O que os trotskistas combatem a fundo é a estratégia da burocracia stalinista que, enquanto faz essas concessões, aniquila a existência dos sovietes e da democracia proletária, instrumentos que colocariam essas medidas sob o controle operário e segue com sua política de "socialismo em um só país" e de colaboração de classes em escala mundial, sabotando a revolução. Desta forma, as concessões feitas pela burocracia não são uma continuação da luta de classes sobre outra forma para fortalecer a luta pelo socialismo, como defendia Lenin, mas constituem um fim em si mesmo que termina provocando objetivamente uma restauração aberta, independente da vontade inicial da casta burocrática.

O PTS caracteriza como o início de uma revolução política (posteriormente abortada) o contragolpe que selou o retorno do capitalismo à URSS, dizendo que a Rússia continua como um Estado operário burocratizado porque, apesar de Yeltsin ser representante de uma ala abertamente capitalista, não se processou por completo a restauração.

Essa tese já foi combatida por Trotsky ao explicar que "se uma contra-revolução burguesa tivesse êxito na URSS, o novo governo teria que se basear por algum tempo em uma economia nacionalizada. Porém, o que significa esse tipo de conflito temporal entre a economia e o Estado. Significa uma revolução ou uma contra-revolução. A vitória de uma classe sobre outra significa a reconstrução da economia de acordo com os interesses dos triunfadores" (Nem Estado operário, nem Estado burguês?). Para os marxistas, em períodos de revolução e contra-revolução, marcados pela contradição entre a economia e o Estado, o determinante para caracterizar o caráter de classe do Estado é sua orientação política, que na Rússia é abertamente burguesa.

O que distingue um Estado operário de um burguês é o tipo de relações de produção que este defende. Um Estado operário, por mais degenerado que seja, se baseia na ruptura com a acumulação privada e com o desenvolvimento de uma classe burguesa, proprietária dos meios de produção.

De fato, podemos constatar que a restauração capitalista ainda não está completamente consolidada na Rússia, mas de forma alguma isso significa dizer que a contra-revolução não está à cabeça do Estado e que este ainda se mantém como um instrumento de proteção das relações operárias de produção, ou seja, como um Estado operário.

A mudança do regime em um Estado operário burocratizado implica em uma mudança do caráter de classe do próprio Estado, ou seja, qualquer aplastamento da burocracia stalinista que não seja pela via da revolução política equivale a uma contra-revolução burguesa, porque esta orienta-se ao retorno ao capitalismo.

Essa transformação contra-revolucionária na superestrutura jurídica, ideológica, militar e política do antigo Estado operário não significa que se processe automaticamente uma alteração na estrutura econômica e social, o que levaria anos para ser concluída pelas particularidades de uma economia antes estatizada, onde seus ramos produtivos e sociais estão profundamente ligados, fruto de décadas de planificação e pelo grau de relação que o desmantelamento dessas estruturas têm com um ataque direto ao proletariado. Essa mudança nas relações de produção não é uma tarefa fácil e linear, que se consuma da noite para o dia. Apesar disso, já em 1995, apenas 4 anos após a dissolução da URSS, o setor privado produzia 55% do PIB, segundo o Banco Europeu de Reconstrução de Desenvolvimento, e a contra-revolução já havia destruido imensas conquistas como educação e saúde gratuitas, pleno emprego e aluguéis subsidiados pelo Estado. A prostituição e a mendicância avançam na Rússia a níveis piores do que após a crise que precedeu a I Guerra Mundial.

As empresas, antes estatais, muitas delas controladas provisoriamente por cooperativas ou coletivos trabalhistas, são a faceta demagógica das privatizações. Com o passar dos anos, as ações dessas empresas estão sendo transferidas para as máfias ou diretamente para o capital internacional. Essas novas empresas privadas obedecem unicamente à anarquia da produção e do mercado, não estão subordinadas a qualquer tipo de planejamento, que deixou de existir, mesmo que burocraticamente.

Mesmo que a partir de 1991 a orientação do Estado se coloque em defesa da propriedade privada e da extensão do trabalho assalariado, essa transformação não implicou que se instaurasse imediatamente um modo de produção capitalista sujeito às suas leis de acumulação normais. O que existe na Rússia hoje é a apropriação e o enriquecimento por meio do roubo e da violência mafiosa. É um processo de "acumulação primitiva" capitalista em que um grupo social se torna dono dos meios de produção e de troca por meio da rapina brutal.

As dificuldades na alteração das relações de produção se dão justamente pelo caráter violento da acumulação primitiva na Rússia e pela permanente instabilidade que atingem o antigo Estado operário. Ao mesmo tempo que o Estado ainda mantém toda uma rede de subsídios, herdados dos trabalhadores da antiga URSS, para impedir uma revolta de massas contra o novo poder capitalista, esse mesmo Estado é uma estrutura muito débil porque não tem como fonte de renda para cumprir suas míninas funções de impulsionador da economia capitalista, os impostos sobre a classe média e a burguesia nascente formada pelas máfias. Essa realidade faz com que o Estado russo seja financiado permanentemente pelos empréstimos internacionais, avançando em um ciclo vicioso de crises sistemáticas.

O maior exemplo disso é a manutenção do próprio exército que consome milhões de dólares mensais, mas não pode ser desmantelado e reduzido aos 20% de seu atual efetivo, como deseja o FMI, porque isso causaria uma rebelião entre as tropas, um elemento a mais de crise.

Ë justamente por esse cenário de crise social e política que os investimentos estrangeiros diretos estão paralisados, apesar do próprio FMI exigir o estabelecimento de uma legislação clara que permita o desenvolvimento de um verdadeiro mercado de capitais. Novamente, o PTS semeia confusão ao caracterizar que a redução desses investimentos é mais um elemento que justifica a tese da ainda existência de um Estado operário na Rússia. Os capitalistas não estão dispostos a investir em um ambiente de risco até que a situação se estabilize, por isso, nas eleições presidenciais passadas, sondaram Ziuganov para saber até que ponto o PCFR seria um elemento de estabilidade do regime, caso ascendesse ao poder. A pressão dos monopólios também se faz através da obstacularização dos empréstimos via o FMI e BM para que se possa melhor reorganizar o aparelho tributário do Estado e a organização do controle das empresas privatizadas. Assim, pela própria instabilidade mundial e, mais particularmente, da Rússia, o capital internacional optou provisoriamente por não se apropriar diretamente de determinados setores da economia, como está demonstrado no caso da companhia petrolífera russa, preferindo uma associação com as máfias para controlar outros ramos produtivos de lucratividade mais imediata.

A recente integração do PCFR ao governo Yeltsin, com o apoio dos "neo-comunistas" à indicação de Primakov, representa a tentativa de um acordo de unidade nacional, incentivado pelo imperialismo, para garantir a mínima estabilidade política à restauração capitalista, cabendo ao PCFR a tarefa de conter a latente revolta popular das massas. Esse fenômeno corresponde a uma política frentepopulista aberta para barrar a bancarrota de um Estado burguês em crise, com um regime político profundamente enfraquecido.

Por outro lado, o fato das máfias controlarem o país em um processo de acumulação primitiva não clássico, com a ascensão de uma débil classe dominante autóctone, não é um elemento que comprove que o Estado operário continuaria dirigido por uma burocracia "restauracionista", como declarara o PTS: "Não podemos chamar a nascente burguesia russa, enriquecida mediante o saque e a depredação dos ativos do Estado, e que é incapaz de assegurar a consolidação e reprodução de um novo regime de produção social, como uma classe social burguesa dominante consolidada" (Estratégia Internacional, nº 8). A realidade descrita pelo PTS reflete as contradições de um Estado burguês em construção, onde a estrutura produtiva e social da antiga URSS, mesmo sendo quebrada e substituída por outra, capitalista, levará décadas para se ‘consolidar’, sendo sistematicamente colocada em xeque pelo movimento de massas que deseja reaver suas conquistas históricas.

O fato da classe dominante russa ser formada por uma parcela dos antigos burocratas em unidade com as máfias revela à face mais corrupta do processo de restauração capitalista e do próprio desmantelamento do antigo Estado operário. São esses setores que buscam consolidar-se enquanto burguesia nativa em ascensão.

A análise do PTS é que, fruto da política pró-capitalista da burocracia, a Rússia e, inclusive, a China devem ser agora caracterizados como "Estados operários em decomposição". Essa nova realidade imporia que, "diferente do Programa de Transição que defendia uma revolução política na URSS, programa que logo foi ampliado pelo trotskismo ao conjunto dos Estados operários, nascidos deformados imediatamente o pós-guerra, é necessário atualizar o programa do trotskismo... É que o avanço da restauração — liquidação da economia planificada, assim como do monopólio do comércio exterior que a mesma implica — coloca que é necessário readequar o programa, incorporando tarefas da revolução social" (Projeto de Manifesto Programático para Avançar na Reconstrução da IV Internacional, pág.28).

O PTS argumenta que a tarefa hoje na Rússia seria a de uma revolução social e política porque a restauração não se deu por completo. O Estado não seria dirigido por uma nova classe burguesa, mas por uma burocracia restauracionista, cujas camarilhas (através do saque e roubo tentam ficar com os ativos) impedem que o Estado atue como protetor dos negócios da protoburguesia e do imperialismo.

A tese de que ainda está parcialmente vigente a tarefa de uma revolução política na Rússia está a serviço de encobrir que não houve uma contra-revolução burguesa na antiga pátria dos sovietes e, portanto, não ocorrendo uma mudança no caráter do Estado, a queda do "stalinismo autoritário", mesmo que por uma força restauracionista, porém democrática, foi progressiva e, esse "avanço" seria o fator de maior peso no cenário mundial a partir de 89. Mas se isso é assim para o PTS, não o é para Trotsky: "O inevitável colapso do regime político stalinista levará ao estabelecimento da democracia soviética só em caso de que a liquidação do bonapartismo seja produto da ação consciente da vanguarda proletária. Em qualquer outro caso, em lugar do stalinismo, só o pode ocupar a contra-revolução capitalista-fascista" (O Estado operário, termidor e bonapartismo, 1935). Por isso, não há do que se falar em uma revolução política para regenerar o Estado operário. Na Rússia e no conjunto do Leste europeu, a tarefa atual é forjar um partido revolucionário que lute pela revolução social, que exproprie a nova burguesia e o imperialismo, reconstruindo novos Estados operários.

Não se pode reconstruir a IV Internacional com os que
dizem que o Programa de Transição não tem vigência

Apesar de criticar o agonizante MAS por defender um reagrupamento de revolucionários sem princípios, a fórmula do PTS de um "reagrupamento dos trotskistas principistas" não chega a ser muito diferente, e sua expressão concreta é a relação que mantém com a LICR.

Na convocatória à conformação do Comitê de Enlace, o PTS reafirma a vigência política da principal tese do Programa de Transição em que Trotsky defende que a crise histórica da humanidade se reduz à crise da direção revolucionária do proletariado. O PTS esquece de dizer que a LICR, em seu principal documento fundacional, o Manifesto Trotskista, rompe com essa premissa, criticando-a de reducionista, argumentando que hoje a realidade enumeraria outros elementos determinantes como sendo superiores à ausência de direção revolucionária que Trotsky não teria sido capaz de identificar, o mesmo que fala qualquer intelectual reformista.

Nesse caminho "principista", a LICR que o PTS chama como principal organização que o ajudaria a impulsionar a reconstrução a IV Internacional, nega-se taxativamente a abraçar tal tarefa em nome de construir uma "Internacional leninista-trotskista", a V Internacional, o que é justo, já que para a LICR as próprias premissas teóricas apontadas pelo velho dirigente do Exército Vermelho no Programa de Transição estariam ultrapassadas e a Quarta faliu desde os anos quarenta, não sendo mais tarefa dos revolucionários reconstruí-la sobre bases principistas. Como unir os trotskistas para reconstruir a IV com aqueles que sequer se colocam por essa tarefa?

Essa corrente que o PTS caracteriza como principista, tratando de não fazer nenhuma delimitação pública com sua política, adotou posições abertamente pró-imperialistas e reacionárias no último período.

Workers Power, seção inglesa da LICR, chamou a votar no pró-imperialista Partido Trabalhista de Tony Blair e apóia candidatos burgueses mesmo quando estes concorrem contra candidaturas ligadas aos sindicatos, enquanto na Espanha nega-se a defender o ETA e os nacionalistas bascos diante da perseguição criminosa desferida pelo Estado franquista, emblocando-se com a opinião pública pequeno-burguesa que considera-o um movimento fascista.

No mesmo caminho, quando o imperialismo ianque ameaçou invadir o Haiti para impor sua marionete democrática contra o general Cedrás que, objetivamente rompia com as ordens de Washington, a LICR, em nome da democracia, negou-se a se colocar no campo da nação oprimida (mesmo sob um regime ditatorial) adotando uma posição derrotista, que praticamente significa assistir a agressão da nação oprimida pelos marines ianques.

Na guerra na ex-Iugoslávia, onde tanto o PTS e a LICR tomaram o campo da Bósnia, aliando-se à principal ponta de lança do imperialismo na região, em busca de restaurar o capitalismo sobre os escombros do antigo Estado operário, a LICR chegou ao extremo de se negar a exigir o fim dos bombardeios da OTAN sobre os sérvios, o maior ataque aéreo desde a guerra do Golfo em 1991, que deixou milhares de mortos e foi mais além em sua posição pró-imperialista, reivindicando armas à ONU para reforçar as posições militares bósnias no ataque à Sérvia e aos sérvios-bósnios.

O PTS, crítico sistemático do Partido Obrero pelo seu eleitoralismo frenético que estabeleceu uma vigorosa polêmica com esse partido com relação ao Haiti, pela capitulação do PO ao imperialismo, quando este defendeu a imposição de Aristides no cargo pelo imperialismo ianque, assim como denuncia a LIT pela suas permanentes capitulações ao imperialismo, não usa o mesmo método com seus aliados e cala-se completamente, optando pelo silêncio para preservar suas relações políticas.

Unidade principista no abstrato

O outro agrupamento com quem o PTS busca estabelecer uma frente comum para a construção do Comitê de Enlace é o POR argentino, que está em ruptura com Guillermo Lora, um processo progressivo na medida que questiona alguns dos graves desvios políticos de Lora, como o seu nacionalismo travestido do conceito de "excepcionalidade boliviana". Com o POR argentino, a relação do PTS está atualmente estabelecida organicamente através da formação de um Comitê Paritário, como anuncia o La Verdad Obrera nº 39. Aqui, o diplomatismo está presente mais no POR do que no próprio PTS, que não poderia simplesmente esconder as críticas históricas à trajetória do lorismo, que reivindica, inclusive, do próprio Moreno. A própria ata do Comitê Paritário já demonstra o conteúdo abstrato dessa unidade, tendo logo no início do texto que a apresenta a seguinte declaração: "os acordos alcançados têm um caráter geral e abstrato, produto da existência de diferenças programáticas importantes"(La Verdad Obrera, nº 39).

O POR argentino utiliza-se do fato de que está em uma luta política contra Lora, reivindicando, inclusive, a não dissolução do também Comitê de Enlace constituído anteriormente pela corrente guiada pelo POR boliviano (CERCI), para em nome dessa suposta limitação desferir críticas pontuais a Lora, sem entrar em uma única polêmica com as próprias posições políticas do PTS, como por exemplo, o balanço que este partido faz das traições do POR boliviano, via a aplicação da tática de Frente Única Antiimperialista (FUA), à heróica luta das massas do altiplano nos últimos 50 anos, trajetória que o POR argentino continua a caracterizar como revolucionária.

As posições do POR, que sem maiores discussões já subscreveu a ata de formação de um Comitê Paritário, pois segundo seus dirigentes: "As melhores tradições do marxismo-leninismo, isto é, do trotskismo, se expressam hoje em múltiplas frações e cisões dos grandes troncos do revisionismo. Nós, como o PTS, somos um dos tantos pedaços desses troncos. Expressamos reservas revolucionárias, apesar da nossa imaturidade e nossos erros, especialmente porque a história nos forjou fora de todo compromisso com a burguesia e seu Estado. Conformar um "Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional" com os múltiplos pedaços que expressam ditas reservas revolucionárias é a tarefa da hora" (Estratégia Internacional, nº 8), contrastando a olhos vistos com a própria avaliação anterior que o POR faz do mesmo PTS,(que não mudou nem sua política, nem seu programa) ao sentenciar que "as frações que romperam com o MAS (por exemplo o PTS), não é que não são capazes - reconhecemos que é um trabalho difícil e largo - mas sim nem sequer se colocaram pela revisão crítica de sua própria história, não podendo assim, superar o estágio de fração centrista de um partido centrista" (PST, MAS, Convergência Socialista, LIT: que é, de onde vem, aonde vai o morenismo?, Ed. Massas, grifo nosso).

Como um partido centrista, como é (ou era?) o PTS, segundo o próprio POR, que sequer se coloca pela revisão crítica de sua própria história, ou seja, de seu programa e de sua política, pode transformar-se de uma hora para outra em uma corrente revolucionária, herdeira das melhores tradições do marxismo-leninismo?

A posição adotada pelo POR argentino encaixa-se como uma luva na própria política que diz se delimitar de forma principista ao denunciar aqueles que "se movem como diplomatas, capazes de ‘se esquecer’ de velhas posições e trajetórias, em troca de preservar uma relação ‘conveniente’. Tem para isso muita importância a geografia, de modo que o conveniente não é acordo político real, mas a relação com algum grupo em alguma região do planeta onde ‘não haja sua sucursal’"(Estratégia Internacional, revista do PTS, nº 8).

Já que o próprio PTS anuncia em sua convocatória ao Comitê que a unidade se dará com os que coincidam com aspectos substanciais de seu programa, como então subscrever uma convocatória à formação de um Comitê para Reconstruir a IV Internacional, ou mesmo de um Comitê Paritário para tal fim, quando até o momento não se colocou em discussão entre os grupos nenhuma questão central da luta de classes no último período e encontram-se entre as "diferenças programáticas importantes" temas de primeira grandeza, como o balanço da queda da URSS e do Leste, caracterização da etapa e das lutas, Frente Única Antiimperialista, Oriente Médio, Frente Popular, concepção de partido? Essa conduta do POR é ainda mais grave quando sabemos que muitas de suas posições políticas e programáticas (Leste, FUA, caracterização da etapa, partido) chocam-se abertamente com as caraterizações expostas pelo PTS em seu Manifesto e não tendo acordo também com relação ao balanço da Quarta Internacional, mais particularmente, sobre o papel do POR boliviano neste balanço.

Não se pode construir uma unidade principista no abstrato. Como dizia Trotsky a verdade é sempre concreta e, concretamente, a política do POR e do PTS são distintas, mas a despeito de reivindicarem "as melhores tradições do marxismo-leninismo", POR e PTS preferem fazer acordos abstratos, avessos a essas "tradições" e que na prática são falsos. A unidade entre os revolucionários só se conquista através de acordos políticos reais, por meio de um duro e rico balanço da política e da trajetória de seus possíveis aliados, para que a homogeneidade obtida seja de fato provada na intervenção concreta na luta de classes, forjando-se como um instrumento genuíno que sirva para avançar pela reconstrução da IV, o que definitivamente não é o método aplicado pelo POR e o PTS.

O POR argentino denuncia os acordos diplomáticos em geral, inclusive entre organizações que ‘convenientemente’ estão em continentes diferentes, mas não pontuou qualquer crítica mais séria acerca da relação do PTS argentino com a LICR inglesa, uma corrente que além de ter posições políticas muitas vezes opostas a do PTS e abertamente pró-imperialistas, sequer se coloca pela reconstrução da Quarta Internacional. Não seria esse um exemplo dos que "se esquecem das velhas posições e trajetórias em troca de preservar uma relação conveniente"?

É difícil determinar a base de aproximação entre o PTS e o POR porque justamente não é possível precisar as divergências e acordos entre essas organizações, que são apenas pontuadas muito genericamente na ata de formação do Comitê Paritário, a não ser a grande convergência de que ambas organizações seriam, no abstrato, exemplos de reservas revolucionárias.

Outra crítica central ausente na ata do Comitê Paritário e nos artigos escritos pelo POR argentino após sua ruptura com Guillermo Lora diz respeito à concepção de partido pequeno-burguesa até a medula que este patrocina na Bolívia e nas suas seções satélites.

Uma genuína concepção leninista de partido significa a defesa de uma organização de caráter conspirativo, um partido de combate que combina a luta legal e ilegal, com claras fronteiras militantes, disciplinado de cima para baixo. Essa concepção requer um partido de quadros comunistas que se opõe a ter na ética burguesa o parâmetro para suas ações, com um núcleo dirigente de militantes profissionais dedicados à revolução e à construção da organização. Foram essas bases político-organizativas que possibilitaram o Partido Bolchevique dirigir a Revolução de Outubro e pelas quais Lenin lutou na ruptura com os mencheviques em 1903 e contra os anarquistas.

Em oposição aberta a esses conceitos fundamentais de organização, o lorismo condena a concepção leninista de partido de revolucionários profissionais, proclamando que o POR não tem militantes profissionalizados pelo partido, além de desprezar o modelo de hierarquia partidária e centralismo democrático herdada do bolchevismo: "o mais comum é que num partido que se considere revolucionário a linha política seja imposta de cima para baixo; isso é um defeito porque a linha política dever ser elaborada da discussão amplamente democrática.... A experiência histórica nos ensina que a degeneração do partido tem suas raízes na divisão entre dirigentes que pensam e militantes que obedecem. Neste caso, o centralismo democrático se transforma em centralismo burocrático, se degenera. É isto que ocorre nos partidos comunistas" (Folheto sobre construção partidária, Ponto 7 - A Estrutura do Partido, pág. 31. Ed. Massas). Essa concepção democratista faz com que os seguidores de Lora defendam que as formalidades estatutárias em um partido são superiores em importância à própria discussão política, esta sim, o verdadeiro termômetro para detectar os desvios pequeno-burgueses e as capitulações políticas. Por isso, apontam a concepção autoritária de partido do stalinismo (talvez para eles herdadas do leninismo) como o germe central das degenerações burocráticas e não sua política contra-revolucionária. Não é possível discutir regime leninista de partido no abstrato, como faz o lorismo, por fora da política e do programa marxista.

Apesar de toda essa eloqüência democrática pequeno-burguesa do lorismo, comum ao mais feroz antileninista, que pinta o partido revolucionário como uma masmorra autoritária; ironicamente, o próprio Guillermo Lora expulsa e persegue os militantes que divergem de suas excentricidades, dentre elas o fato dele ter publicações próprias, de caráter pessoal não controladas pelo partido, e que embora sejam vendidas pelo conjunto dos militantes do POR boliviano, tem seus dividendos repassados exclusivamente para o caudilho "não profissionalizado"! Em luta contra essa concepção de não haver profissionais pagos no partido, Trotsky escreveu: "Falando em termos aproximados, não menos que a terça parte dos membros do Comitê Central devem ser profissionais do partido, mantendo-se pelo pagamento a custo do partido e em completa disposição do partido" (Carta do Comitê Executivo da Internacional Comunista ao Partido Comunista Francês, junho de 1921).

O febril combate ao leninismo encobre outro desvio grave do lorismo: o caudilhismo político. Por isso, é de se admirar que ainda tenham a ousadia de afirmar que: "em nenhum caso, o militante pode se degradar à condição de instrumento do dirigente" (Folheto sobre construção partidária, Ponto 7 - A Estrutura do Partido, pág. 31, Ed.Massas).

Esses pequeno-burgueses esquerdistas patrocinam a idéia, travestida com uma fraseologia revolucionária, que o papel da vanguarda bolchevique, do partido dirigente deve ser eliminado e substituído por uma estrutura onde não haja divisão de tarefas entre direção e militantes, ou seja, o reino da plena individualidade militante e da democracia universal dentro do partido. Trotsky, polemizando com um pequeno-burguês, Burnham, ex-militante do SWP norte-americano, afirmava: "você, desta mesma forma, busca uma democracia partidária ideal, que assegure para sempre e para todos a possibilidade de dizer e de fazer qualquer coisa que brote da cabeça e salve o partido da degeneração burocrática. Você esquece de um detalhe, ou seja, que o partido não é um campo para a afirmação da livre individualidade, mas um instrumento da revolução proletária; que somente uma revolução vitoriosa pode evitar não só a degeneração do partido, mas do próprio proletariado e de toda a civilização moderna. Você não vê que a nossa seção norte-americana não está doente por excesso de centralismo — nos fará rir o fato de mencionar isso — mas porque foi contagiada por um monstruoso abuso e desfiguração da democracia, por parte de elementos pequeno-burgueses" (Em Defesa do Marxismo).

O lorismo transpõe o seu democratismo partidário para a esfera sindical e defende a concepção de que o partido não deve controlar os sindicatos e fazer dessas organizações de luta das massas um instrumento de sua política revolucionária, porque isso seria burocrático. Por isso, como uma questão de princípio, os poristas defendem que as organizações sindicais devem ser regidas sempre pelo critério de proporcionalidade na composição de sua direção, o que de fato significa que o partido revolucionário deve sempre permitir que as correntes frente populistas, stalinistas e até a direita tenham espaço político nas direções das entidades para combater, em melhor estado, a política revolucionária.

Uma dura delimitação contra a verdadeira sífilis anti-bolchevique que contamina a militância porista, tarefa que adquire toda uma responsabilidade especial para o próprio POR argentino que está em ruptura com o lorismo, é muito mais importante que colocações abstratas em defesa do leninismo, como estão contidas na ata do Comitê Paritário. De pouco valem as profissões de fé ao leninismo, que podem ser subscritas por qualquer um, se na prática adota-se concepções antibolcheviques de partido, em respeito à individualidade pequeno-burguesa dos militantes e às suas aspirações sociais, como é regra em todos os agrupamentos que cultuam messianicamente o lorismo. Se a defesa do leninismo não está colada a um combate prático por suas concepções organizativas e políticas, podem ser convenientemente utilizadas pelos seus mais tenazes adversários, como demonstra a fraseologia ortodoxa, "leninista", que utiliza o PSTU, um partido apêndice dos sindicatos, na polêmica travada contra o revisionismo do MAS, para justificar a expulsão deste da LIT.

O caráter da burocracia stalinista

Diferente do POR argentino, o Grupo de Trabalhadores Revolucionários (GTR) tem o mérito de ter pontuado previamente seus acordos e diferenças com as posições do PTS. Esse fato, por si só, já possibilita uma análise concreta das posições políticas do GTR, rompendo assim com a diplomacia centrista e ajudando a construir uma genuína unidade principista.

O GTR analisa como uma contra-revolução a queda da URSS e do Leste europeu, assim como caracteriza as lutas como defensivas diante de uma etapa de ofensiva do imperialismo em nível mundial: "Parece-nos incorreto dizer que há uma crise de domínio imperialista. Mais incorreto é atribuir esta crise à queda do stalinismo, o qual teria deixado o imperialismo sem mediações confiáveis. A queda do stalinismo pelo triunfo da contra-revolução não pode ser vista como um golpe à esquerda que debilita o imperialismo. Ao contrário, fortaleceu-o... O que está acontecendo é o agravamento da competição interimperialista que abre "brechas nas alturas" pelo aprofundamento da crise econômica mundial" (Documento do GTR - Resposta ao Projeto de Manifesto Programático apresentado pela Direção Nacional do PTS-LVO).

Apesar de grande parte de suas críticas ao PTS serem corretas, o GTR não consegue abstrair que as caracterizações desse partido acerca de que se abriu uma nova etapa mundial pré-revolucionária a partir da queda do Muro de Berlim e que a liquidação dos Estados operários foi o início de uma revolução política refletem-se em posições políticas concretas, ou seja, em posições pró-imperialistas na arena da luta de classes. Ao apresentar como progressiva a queda da URSS, o PTS negou-se a colocar-se pela sua defesa incondicional frente à contra-revolução burguesa comandada por Yeltsin e, por isso mesmo, privilegia reagrupamentos com grupos que trilharam o mesmo caminho, chegando alguns deles, como a LICR, a durante a guerra na ex-Iugoslávia aplaudir o bombardeio da OTAN sobre os sérvios.

Por outro lado, ao caracterizar a URSS ainda como um Estado operário, levantando como tarefa a revolução social e política nesses países em revisão ao Programa de Transição, o PTS desvia-se do próprio legado de Trotsky e, por isso, não é de se admirar que deseje reconstruir a IV Internacional com gente que abomina tal idéia.

Do ponto de vista do próprio programa levantado pelo GTR com relação ao Leste e à URSS há uma confusão que se não discutida a fundo trará conseqüências danosas na adoção das posições políticas.

O GTR afirma em polêmica com o PTS, que "Enquanto nós entendemos que uma ala da burocracia restauracionista triunfou apoiada na mobilização democrática pró-capitalista das massas, contra a ala bonarpartista também restauracionista, o PTS entende que a queda do regime de partido único foi um triunfo da revolução política que logo foi desviada pela ‘contra-revolução democrática’. Como é possível que um triunfo da contra-revolução - o avanço da restauração capitalista - debilite o domínio imperialista, e que a queda do ‘aparato stalinista’ para ser suplantado pelo ‘aparato burguês’ possa ter resultados benéficos para a revolução ao ponto de abrir uma nova etapa pré-revolucionária mundial?" (Resposta do GTR ao projeto de Manifesto Programático apresentado pela Direção Nacional do PTS-LVO).

O centro da questão é saber como somente em 1991 surgiu um "aparato burguês" em contraposição ao antigo "aparato stalinista", se para o GTR as duas alas que se enfrentaram em agosto de 1991 eram restauracionistas, ou seja, tinham como programa liquidar com o Estado operário e reconstruir um Estado burguês. Por que já não existia um "aparato burguês" desde por exemplo os anos 30, como dizem os ‘novos’ teóricos do MAS e mesmo o SWP de Tony Cliff, se todas as alas da burocracia são restauracionistas conscientemente e impulsionam o retorno ao capitalismo deliberadamente?

Concordamos com o GTR que se processou uma contra-revolução na URSS. Mas isso ocorreu simplesmente porque no enfrentamento entre a "ala da burocracia restauracionista dirigida por Yeltsin" e "a ala bonapartista também restauracionista" triunfou a primeira, apoiada na mobilização democrática pró-capitalista? E se vencesse a segunda ala, também restauracionista, segundo o GTR, haveria se dado início em 1991 a uma contra-revolução social burguesa, ou continuaria existindo o "aparato stalinista", mais precisamente, o Estado operário burocratizado?

Pela análise do GTR, de que existiria um bloco restauracionista comum com apenas diferenças de métodos, teríamos que afirmar que a burocracia stalinista não é mais uma casta social parasitária, que não mais retira seus privilégios e sua própria sobrevivência do Estado operário e, por tudo isso, estaria lutando deliberadamente para liquidar com sua fonte de existência. A definição de Trotsky do papel da burocracia em um Estado operário é clara: "A burocracia soviética expropriou politicamente o proletariado para defender com seus métodos as conquistas sociais deste... A burocracia não criou uma base social própria correspondente à sua dominação. Está forçada a defender a propriedade do Estado, fonte de seu poder e de seus privilégios. Por este aspecto de sua atividade, ela continua sendo um instrumento da ditadura do proletariado" (Leon Trotsky, A Revolução Traída).

Não é correto afirmar que as duas alas eram restauracionistas e estavam pela liquidação do Estado operário. Uma delas estava pela manutenção do "aparato stalinista" contra o surgimento de um novo "aparato burguês" porque via que nessa mudança contra-revolucionária do caráter de classe do Estado ela seria varrida, situação que se encontram hoje os mais de 200 mil ex-burocratas que se organizam em torno do PCFR de Ziuganov.

Os objetivos do golpe do Comitê de Emergência eram impedir o processo de desintegração da URSS, preservando os seus privilégios de casta via a manutenção do Estado Operário, reafirmando para isso aos capitalistas a política de introdução de medidas de mercado. Esses objetivos não representavam a defesa da restauração capitalista da URSS, mas a continuidade do controle do Estado pelo stalinismo, sendo as concessões capitalistas um caminho obrigatório, segundo a ótica do stalinismo, para oxigenar a economia, já que os burocratas estavam brutalmente pressionados pelo desabastecimento e as deformações nos ramos produtivos.

Só existe um Estado burguês na Rússia hoje porque uma direção abertamente restauracionista, Yeltsin, derrotou a burocracia stalinista, que não tinha o mesmo programa deste. O nascimento de um novo Estado burguês necessitou a liquidação do stalinismo, que enquanto estava no poder, se orientava por obrigação na manutenção burocratizada do Estado operário, como explica Trotsky: "As relações burguesas se desenvolvem automaticamente, diferente das relações socialistas que necessitam do guia e da força do Estado Operário. Por esse motivo... a ascensão de um governo burguês ou pequeno-burguês na Rússia, conduziria infalivelmente à liquidação do princípio da planificação e, imediatamente também ao restabelecimento da propriedade privada. Diferente do capitalismo, o socialismo não se edificará automaticamente, mas sim conscientemente. A marcha para o socialismo é inseparável do poder estatal que deseja o socialismo ou está obrigado a desejá-lo... A sorte da URSS como Estado socialista depende do regime político que venha a suceder o bonapartismo stalinista" (Leon Trotsky, O Estado Operário, termidor e bonapartismo, grifo nosso).

Uma coisa é dizer que a política de coexistência pacífica e do "socialismo em um só país" debilita o Estado operário e acaba conduzindo, com suas medidas objetivamente ao seu estrangulamento, favorecendo de fato a restauração capitalista. Outra coisa é afirmar que a burocracia, de conjunto, impulsiona deliberadamente a restauração e quer liquidar sua fonte de existência para se tornar classe, assegurando essa nova posição social para 1% de seus sócios e deixando 99% deles a ver navios.

O GTR afirma por outro lado que "enquanto que sob Gorbachev a burocracia avançava na restauração capitalista, mas não conseguira liquidar a planificação econômica central da economia e o monopólio do comercio exterior, depois da ascensão de Yeltsin se produz um salto de qualidade no processo de restauração, com uma legislação que abertamente permite a propriedade privada e a liquidação da planificação centralizada estatal" (Resposta do GTR ao projeto de Manifesto Programático apresentado pela Direção Nacional do PTS-LVO). Como e por que houve esse salto de qualidade se a "burocracia" de Yeltsin seria, segundo o GTR, tão restauracionista quanto a dirigida por Gorbachev ou por Yanaiev? Na verdade, Yeltsin rompeu com o aparato do PCUS, formando a Plataforma Democrática, e se alçou como representante direto do imperialismo no interior da URSS. Diferente do Comitê de Emergência, ele tinha como programa restaurar o capitalismo, enfrentando para isso as alas da burocracia que resistiam a esse objetivo na luta por manter seus privilégios. Por isso, é incoerente o GTR dizer que só quando Yeltsin ganhou a batalha contra o Comitê de Emergência mudou o caráter de classe do Estado para burguês, já que se aponta todas as alas da burocracia como restauracionistas. Para ser conseqüente nesse raciocínio, deve-se afirmar com todas as letras que a URSS era um Estado capitalista desde quando a burocracia não se orientava mais a preservar a seu modo o Estado operário, ‘teoria’ incapaz de explicar essa ‘mudança’ no caráter da burocracia. O próprio texto do GTR reconhece implicitamente que a "ala bonarpartista restauracionista da burocracia" protegia, a sua maneira, a existência da URSS: "Não se pode omitir que a contra-revolução burguesa tem o poder do Estado e que tal estado, que já não "protege" as relações operárias de produção, seja um Estado burguês" (Idem). Quem "protegeria" o Estado operário sitiado pelo imperialismo mundial antes da ascensão de Yeltsin? A "ala bonapartista restauracionista da burocracia"? Mas ela também não estava orientada a restaurar o capitalismo na URSS, com a única diferença que com métodos totalitários?

O stalinismo, como Trotsky determina, continuava mesmo deformadamente sendo um instrumento da ditadura do proletariado na URSS até 1991 e tinha no Comitê de Emergência seus legítimos representantes. Para os trotskistas, fazer um combate mortal ao stalinismo, como coveiro da revolução, não significa fechar os olhos para as bases de existência material da burocracia.

Yeltsin hoje não é mais o representante de uma ala da burocracia, mas um agente direto do imperialismo e da burguesia nativa na URSS, a serviço de reconstruir o Estado burguês. Estão extintas hoje na Rússia as bases econômicas coletivizadas e planificadas, mesmo que burocraticamente, para manter a existência de uma burocracia tal como Trotsky definiu na Revolução Traída. Daí ser absurda a tese do PTS de revisar o Programa de Transição em nome de uma revolução social e política nesse inexistente "Estado operário em decomposição". O governo de Yeltsin tem as mesmas características de um governo burguês pró-imperialista nas semicolônias, como Fernando Henrique Cardoso no Brasil ou Carlos Menen na Argentina.

Por essa confusão acerca do caráter da burocracia, o documento do GTR coloca no mesmo saco a China entre os antigos Estados operários onde se processou a restauração: "Como pode abrir uma etapa pré-revolucionária mundial o triunfo da restauração na Alemanha (o país mais importante da Europa Ocidental), na China, na URSS e no restante do Leste europeu?" (Idem). De fato, da mesma forma que não se pode dizer que a queda dos antigos Estados operários abriu uma etapa pré-revolucionária mundial, como faz o PTS, também não se pode colocar a China no meio desses antigos Estados, como faz o GTR.

A China continua a ser um Estado operário burocratizado. Desde a revolução chinesa em 1949, o governo stalinista da República Popular da China (RCP) leva adiante uma política criminosa de coexistência pacífica e de socialismo em um só país. O fato de Deng Xiaoping ter adotado medidas de mercado não fez com que o Estado chinês transitasse gradualmente de operário para burguês. Se assim o fosse, Cuba já o seria, porque sua Constituição tem leis mais abertamente capitalistas que as da China, como por exemplo em defesa da repatriação dos lucros das multinacionais. Talvez por considerar a China já capitalista e por Fidel adotar a mesma política de medidas de mercado da burocracia chinesa, o GTR declara, em uma dúvida brutal, que "possivelmente, Cuba continue sendo um Estado operário" (Documento do GTR - Resposta ao Projeto de Manifesto Programático apresentado pela Direção Nacional do PTS-LVO, grifo nosso).

O que dizer então da Coréia do Norte que até o momento não adotou nenhuma medida de mercado? Seria a burocracia norte-coreana revolucionária por conta disso e o país por ela controlado um Estado operário são, como o era a URSS de Lenin e Trotsky? Não! A burocracia norte-coreana e a chinesa são dois lados de uma mesma moeda. O que determina o caráter de classe do Estado chinês é que a sua existência está baseada em relações socializadas de produção, na expropriação da burguesia como classe, no controle estatal dos principais ramos da economia, mesmo de forma burocrática.

O nascimento de um Estado burguês na China necessitaria uma liquidação das imensas conquistas operárias que ainda estão de pé e a instauração de um caos capitalista igual ou pior do que na Rússia, o que de fato é a maior preocupação da ala mais ligada ao imperialismo, dirigida por Zhu Honghi.

O mais grave é que, ao GTR defender que já se processou na China a restauração capitalista, sem inclusive identificar nem quando nem como ocorreu essa transição, está entregando sem luta o maior Estado operário do planeta e as imensas conquistas que ainda desfrutam o proletariado chinês.

Na China, a população trabalhadora ainda desfruta de imensos avanços no plano da saúde, educação, moradia e emprego. Fala-se que os operários chineses ganham entre 30 e 60 dólares mas não se pronuncia uma única palavra que lá o aluguel custa 3 dólares, o bilhete de metrô 6 centavos, a educação e a saúde são integralmente gratuitas.

O fato das conquistas ainda estarem de pé (mesmo sendo solapadas pelo stalinismo), o Estado controlar a coluna vertebral da economia, a burocracia seguir como casta, sem direito de herança e sem ser dona dos meios de produção, como seria de se presumir em qualquer Estado capitalista, não deixa nenhuma margem para dúvidas que a China ainda é um Estado operário deformado.

Novamente não se pode confundir as medidas de mercado torpemente adotadas pela burocracia e a ausência completa da democracia proletária com restauração capitalista, porque assim teríamos que dizer que a URSS era capitalista desde Stálin ou ainda desde a NEP de Lenin.

A política trotskista na China continua sendo a de construir um partido revolucionário no Estado operário, para defender as conquistas da revolução e aplastar, via uma revolução política a burocracia, sem vacilar de estar na linha de frente da luta contra a contra-revolução burguesa interna e externa. Se não for assim, de nada serviria as lições que tiramos diante do caos capitalista que assola a Rússia hoje e da defesa que temos que fazer de Cuba ante a ofensiva imperialista sobre a ilha.

Avançar na discussão principista pela reconstrução da IV Internacional

A delimitação programática que a Liga Bolchevique Internacionalista faz com o programa e o método de construção do Comitê de Enlace convocado pelo PTS, assim como com as organizações que estão de alguma forma envolvidas nesse processo é o único método correto e principista de discussão, se buscamos realmente marchar no caminho da reconstrução da IV Internacional.

De forma nenhuma nos abstemos de travar um debate honesto diante de qualquer iniciativa que se proponha a reconstruir o partido de Trotsky, dar vida aos seus ensinamentos programáticos. Porém, justamente para que fruto dessas discussões, se forje uma alternativa principista e ortodoxa frente aos acordos diplomáticos do centrismo que campeiam o horizonte da vanguarda proletária, é que nos achamos na obrigação de declarar nossas diferenças com o método e a plataforma política do Comitê proposto pelo PTS, sem nenhum desvio sectário ou autoproclamatório. Pelo contrário, a LBI propõe a todas as correntes que se reivindicam do trotskismo ortodoxo uma pauta de discussões que aborde, de forma leal, as polêmicas e divergências mais candentes da luta de classes e o início imediato do debate para avançar o resgate do genuíno trotskismo, refletindo os acordos existentes na intervenção concreta na luta das massas e quiçá em uma organização revolucionária internacional comum.

Compreendemos que a melhor forma de materializar essa discussão principista é debatendo os temas programáticos históricos que dividem as correntes que se reivindicam trotskistas, aliando a essa discussão um balanço das posições políticas desses grupos diante dos principais fatos da luta de classes do último período, particularmente após a queda dos Estados operários burocratizados. Para colaborar com esse esforço de clarificar as posições genuínas do trotskismo para a vanguarda proletária, apresentamos nas páginas de Marxismo Revolucionário os pontos programáticos que a LBI considera fundamentais na discussão sobre a construção de uma nova tendência quarta-internacionalista.


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