Espanha

Defender o ETA contra o terrorismo de Estado

Artigo extraído do JLO nº 21 (julho/97)

No dia 10 de julho militantes do ETA (Pátria Basca e Liberdade — Euskadi ta Askatusuna, em basco) seqüestraram o vereador basco do PP (Partido Popular, governista), Miguel Angel Blanco. Como resgate, exigiam a transferência de 500 militantes presos, espalhados por todo o país espanhol, para o País Basco. Deram um prazo de 48 horas para o governo atender suas reivindicações, caso contrário, o refém seria executado. O desenlace destes fatos, que foi a morte do vereador, provocou a formação de uma frente ampla burguesa que congregou sindicatos, partidos políticos, intelectuais etc., a reação por parte da grande imprensa e um endurecimento da repressão contra o povo basco, defendida pelo governo espanhol que, por sua vez, atravessava uma profunda crise de ordem política e econômica.

Um Governo de Crise Permanente

O seqüestro orquestrado pelo ETA apresenta semelhanças com a espetacular ação do MRTA no Peru — pelo fato de ambos os grupos defenderem melhores tratamentos aos seus presos políticos, o governo estar passando por uma séria crise política e por utilizarem métodos militares isolados das massas para exigir que suas reivindicações fossem atendidas.

Da mesma forma que Fujimori, o governo do Primeiro Ministro José Maria Aznar vinha se defrontando com uma intensa crise política. Conseqüência de uma taxa de desemprego estrutural de 24,5% (dado de 1994), a maior de toda a União Européia, os escândalos de corrupção abertos na gestão Felipe Gonzalez e o recrudescimento do nacionalismo basco.

Vale lembrar, no ano passado, nas eleições gerais, o PP não obteve a maioria absoluta, tendo que conformar um governo de coalizão com os direitistas Convergência e União Catalã e o Partido Nacionalista Basco. Para tanto, por um lado, foi obrigado a realizar concessões políticas e fiscais aos governos regionais; por outro, paradoxalmente, sendo defensor de um governo forte e centralizado, estimulou tendências autonomistas dos regionalistas mais moderados: "...ironicamente, o caráter nacionalista do novo governo empurrou para uma plataforma radicalmente autonomista que favoreceu os regionalistas mais moderados..." (O Estado de São Paulo, 27/07)

Neste contexto, o governo vinha enfrentando diversas greves operárias e, entre as protagonistas, estiveram as greves mineiras das regiões de Astúrias, Aragón e Léon. Lutavam ferozmente para impedir que as minas fossem fechadas e/ou privatizadas, como produto dos acordos de Maastricht (fim dos subsídios públicos à mineração e ulterior privatização das que restarem). As mobilizações mineiras provocaram fricções no seio do PP, as quais obrigaram o governo a negociar diretamente com os sindicatos o fim da greve, deixando o governo bastante desgastado, após este episódio.

Para agravar ainda mais a crise política do regime, no início de 1997, aconteceu uma massiva greve dos caminhoneiros, paralisando praticamente todo o país.

A Burguesia à Frente das Manifestações

Logo em seguida à descoberta da morte do vereador basco, os meios de comunicações, aliados aos apelos do governo, promoveram uma autêntica encenação de comoção nacional, disparando apelos emotivos e "indignados" contra os militantes do ETA. Um jornal espanhol chegou a empregar expressões coloquiais baixas: "filhos de uma cadela" (Diario 16, 13/7).

Com ampla divulgação e cobertura da televisão espanhola, milhões de pessoas foram empurradas às ruas a protestar contra a morte do referido e obscuro vereador. O governo desenfreou grande campanha em favor da manifestação, tanto é verdade que estavam encabeçando a passeata membros dos governos provinciais, o Primeiro Ministro José Maria Aznar e o ex-premiê Felipe González! O governo autônomo de Madri também convocou uma manifestação na Plaza de Colón. Refrães reacionários tais como "liberdade sem ira", "Bascos sim, ETA não", "paz, unidade e liberdade" foram gritados pelos manifestantes (FSP, 15/7).

Aqui no Brasil, os acintes da reação burguesa não ficaram atrás: "a história da Espanha contemporânea torna mais do que condenáveis os atentados praticados seguidamente pela organização separatista basca ETA... Tais atos só podem ser qualificados de demenciais..." (Folha de São Paulo, 15/7).

A ação isolada do ETA levou a que o governo, antes imerso em profunda crise, desencadeasse uma grande ofensiva sobre os nacionalistas e suas manifestações autonomistas e que, de viés, pode atingir a classe operária espanhola.

Terrorismo de Estado e a Política Burguesa do ETA

Os militantes do HB (Herri Batasuna — União do Povo, em basco — organismo político-legal do ETA) sofreu uma série de ataques após a execução do vereador, sem contar que, em fevereiro deste ano, um militante do ETA fora torturado e enforcado na prisão pela polícia espanhola.

Esta é uma realidade que a imprensa trata de omitir, a qual se materializa nos constantes assassinatos cometidos por grupos paramilitares de cunho antiterrorista (conhecidos como GAL: Grupos Antiterrorismo de Libertação), sustentados pelo governo Felipe González, pela polícia e pelo Exército. Assassinaram covarde e brutalmente uma centena de pessoas (maioria bascos e colaboradores do ETA), durante o governo "socialista" de González (1982-1996). A respeito disso, González reconheceu despudoradamente que nessas ações contra o terrorismo foram cometidos excessos e "...aconteceram sem seu conhecimento..." como "...herança da ditadura Francisco Franco e à ‘frágil’ democracia, possibilitando as ações extremistas" (FSP, 18/7).

A instauração de um verdadeiro estado de terror branco, desde a queda de Franco, onde o Estado "democrático" é o principal articulador, elimina de vez a hipótese de que a culpa pela "onda terrorista" seja do ETA.

Além do mais, tendo como desenrolar a possibilidade dos parlamentares e prefeitos eleitos por esta organização serem cassados pela frente burguesa e pela repressão que se avizinha, e o HB ser colocado na ilegalidade, abre-se um período de aguda caça às bruxas. O deputado do parlamento basco, Tasio Ekizia, dirigente do HB, salientou que "na manhã seguinte ao seqüestro... pediu que o governo fizesse um gesto para salvar a vida de Blanco. O que se pedia era o respeito às normas legais e aos direitos mínimos dos presos" (FSP, 26/7), completamente iludidos com a possibilidade de que o governo atendesse suas apelações.

As contradições políticas do ETA são imensas: ao mesmo tempo em que enfrenta o imperialismo espanhol, ao seqüestrar e executar um membro ativo do mesmo, suas reivindicações não ultrapassam os limites da política burguesa ‘radical’. Em primeiro lugar, pela completa ausência de uma estratégia revolucionária para o movimento de massas basco, que tem no ETA uma referência, não colocando o método da luta de classes (greves operárias, manifestações, células revolucionárias por locais de trabalho etc.) como elemento central na luta contra o imperialismo espanhol. Ainda assim, em San Sebastián, uma das mais importantes cidades bascas, ao norte da Espanha, 18 mil pessoas saíram às ruas em apoio ao ETA, em que pese a minimização e o desprezo da imprensa burguesa: diz o jornal espanhol que "... a primeira manifestação do HB desde o assassinato pelo ETA de Miguel Ángel Blanco, foi um retumbante e total fracasso, da mesma forma tem sido suas convocatórias de greve geral graças à maioria democrática da sociedade basca" (ABC, 28/7).

"Alternativa Democrática"

Em segundo lugar, os limites estão manifestos nas próprias reivindicações: refere-se apenas aos presos políticos, não visa à mobilização da classe operária, não contempla um plano de lutas que se contraponha aos ataques do PP à economia espanhola e sua ação está freqüentemente deslocada do movimento real de massas e da classe operária. "Nós nos comprometemos a defender a soberania para nosso povo, recuperando o euskaria [idioma basco]..., recuperando a unidade político-territorial e conseguindo que o Estado reconheça o direito à autodeterminação", disse Tasio Erkizia em entrevista (FSP, 20/7) . Sua estratégia é realizar os devaneios de uma "Alternativa Democrática para a solução do conflito político entre bascos e o Estado espanhol" (ABC, 28/7), que culmine, como já vem sendo almejado, numa proposta de cessar fogo como vem sendo articulada na Irlanda do Norte com o Sinn Fein.

Neste sentido, o governo basco vem exortando há algum tempo uma saída do tipo que o Sinn Fein (organismo político do IRA, equivalente ao HB) na Irlanda do Norte. O Sinn Fein, respondendo às pressões britânicas, distribuiu comunicado à imprensa afirmando "queremos uma paz permanente e, portanto, estamos preparados para aumentar a procura por um acordo de paz democrático por meio de negociações políticas reais e inclusivas" (Folha de São Paulo, 20/7). Nestes termos, o ETA, assim como todas as organizações foquistas, estão cavando a própria cova, não apenas por suas ações militares isoladas das massas, mas principalmente por seu imaginário democrático em negociar saídas podres com os regimes burgueses tipo a "Alternativa Democrática" confiada a seus algozes patronais.

Os revolucionários colocam-se incondicionalmente ao lado do ETA, pois esta organização enfrentou o Estado terrorista que executa ativistas que lutam pela soberania nacional basca e contra o imperialismo espanhol. Agora, vem sofrendo as conseqüências deste confronto, uma brutal repressão desencadeada pelo governo, cuja finalidade é prender todo e qualquer manifestante que se posicione a favor do ETA. As medidas anti-terror foram defendidas, em projeto de lei que estabelece um novo Código Penal, pelo ministro do Interior Jaime Mayor Oreja: a) modificação do código penal, segundo a qual simpatizantes do ETA poderiam sofrer penas de dez a vinte anos de prisão; b) uma inelutável intervenção policial e c) reforço dos sistemas de informação, de acordo com o jornal espanhol El País (01/08). Para os ativistas revolucionários, nestas circunstâncias, qualquer ataque patronal ao ETA, equivale a uma ameaça às mobilizações bascas e às próprias mobilizações operárias futuras contra o governo.

Nacionalismo e Unidade Socialista da Classe Operária

Os ativistas revolucionários apóiam o direito à separação, apesar de seu claro conteúdo burguês, porque a autodeterminação dos povos é uma tarefa democrática que a burguesia espanhola se mostrou incapaz de solucionar. Tarefa essa recai para as mãos da classe operária como uma reivindicação transitória — assim como a luta pela reforma agrária no Brasil. O papel dos marxistas revolucionários não é advogar em prol da separação por princípio, mas, de acordo com as tarefas que impõem a revolução proletária, a unidade socialista de toda a Europa, conseguida por seus métodos de luta (greves, ocupações de fábricas, barricadas, manifestações nas embaixadas espanholas do mundo inteiro em apoio ao ETA etc.).

O velho bolchevique Lenin explica desta forma o problema das nacionalidades: "os reacionários se opõem à liberdade de divórcio; dizem que deve ser ‘tratada com cuidado’, e em voz alta declaram que significa ‘a desintegração da família’. Acusar os que apóiam a liberdade de autodeterminação, quer dizer, o direito à secessão, de animar o separatismo, é tão tonto e hipócrita, como acusar aos que advogam pela liberdade de divórcio de animar a destruição dos laços familiares. Assim como na sociedade burguesa os defensores do privilégio e da corrupção, sobre os que repousa o matrimônio burguês, se opõem à liberdade de divórcio; no Estado capitalista, o repúdio do direito à autodeterminação, quer dizer, o direito das nações à secessão, não significa outra coisa que a defesa dos privilégios da nação dominante e os métodos policiais de administração, em detrimento dos métodos democráticos" (O direito das nações à autodeterminação)

Devemos combater incondicionalmente o governo espanhol que, permeado por profunda crise, agora passa à ofensiva, pois a burguesia está exigindo um Estado de exceção que esmague as manifestações futuras dos trabalhadores. Esta, portanto, deve ser a perspectiva que aponte um caminho de embate contra o governo e seus planos de fome, completamente subordinado à utopia reacionária da unificação européia.

Porque somente a classe operária organizada e dirigida por um partido revolucionário pode se colocar na condição de solver o problema das nacionalidades oprimidas e tomar para si as tarefas que a burguesia é incapaz de realizar em sua plenitude. Tarefa possível através da formação da república socialista de todas as nações da Europa.

Pela libertação das nações oprimidas;
Liberdade de secessão de todas as nações oprimidas;
Igualdade completa de direitos para todas as nações;
Fusão dos operários de todas as nações; pela unidade socialista de toda Europa;
Apoio incondicional aos militantes do ETA contra o terror de Estado.


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