EX-ZAIRE

Nenhuma confiança em Kabila. Avançar na luta antiimperialista!

Artigo extraído do JLO nº 20 (junho/97)

A derrota da ditadura de Mobutu pelas tro-pas rebeldes da AFDL, lideradas por Laurent Kabila, representou, sem sombra de dúvidas, uma vitória para as massas exploradas. A derrubada de uma ditadura sanguinária de 32 anos no terceiro maior país da África poderá servir de exemplo para a luta das massas africanas contra as outras ditaduras no continente, como as da Nigéria, Sudão, Togo e Kenya.

Entretanto, o apoio recebido do imperialismo norte-americano e das burguesias africanas pela direção da guerrilha no correr do levante popular indicam que a vitória de Kabila nem de longe abre a possibilidade da resolução dos problemas de opressão nacional e exploração colonial no Zaire.

A partilha interimperialista da África Central

A ascensão da guerrilha foi impulsionada pelo interesse do imperialismo ianque em desbancar a herança colonial francesa no Zaire e imensamente facilitada pela situação de decomposição política do regime, marcada pela crescente insatisfação popular. A derrota do regime de Mobutu representou, antes de tudo, mais uma perda de posição do imperialismo francês na África Central.

Como lamentou Françóis Léotard, membro do governo Chirac "a dança dos acontecimentos provocou um fracasso triplo para a França: taticamente, porque Kabila foi apoiado pelos EUA e por países africanos de língua inglesa; moralmente porque a França deu a impressão de apoiar o ‘desacreditado’ Mobutu até o fim; e geopoliticamente porque o Zaire era um elemento essencial para a presença francesa no continente" (Gazeta Mercantil, 10/04/97). Kabila dá claros sinais de adaptação aos novos senhores: "já disse que tornará o inglês idioma oficial junto com o francês" (OESP, 18/05/97).

O fato é que há algum tempo o domínio francês já apresentava claros sinais de decadência, frente a outros centros imperialistas: "no ano passado, o comércio francês com o Zaire foi de US$ 71 milhões, o terceiro de seu nível, e muito atrás do da Bélgica e dos EUA." (idem) Neste mesmo período o Zaire exportou US$123 milhões, só em petróleo bruto e mais US$ 84 milhões em diamantes para os EUA.

Em segundo lugar, nenhum setor imperialista se dispunha a brigar pela permanência de Mobutu. A própria pilhagem imperialista estava sendo prejudicada com a desorganização da economia, nas mãos da ditadura sanguinária. "As exportações de cobre, que em 1982 foram 450 mil toneladas cúbicas, no ano passado totalizaram apenas 38 mil toneladas. A produção de cobalto, metal utilizado para endurecer o aço, também sofreu com a negligência do governo e a pilhagem. As exportações de cobalto que totalizaram 16 mil toneladas em 1982 cairam para 4 mil toneladas ano passado" (idem). Não é por acaso que a riqueza pessoal de Mobutu se confundia com o PIB do país. Com tantos prejuízos, qualquer capitalista exige a imediata substiuição de um gerente por outro. A troca de Mobutu por outro que reorganizasse a pilhagem imperialista era vital para a sobrevivência dos lucros das grandes companhias americanas.

Quando impôs sua ditadura no Zaire, em 1965, Mobutu contava com o apoio da França, dos EUA e da Bélgica, com o objetivo de deter o ascenso revolucionário que acompanhou as lutas de libertação nacional dos países africanos. Dessa forma, o regime de Mobutu deveria combater os focos de guerrilha apoiado pela União Soviética, Cuba e China, não apenas dentro do território do Zaire, mas também em países vizinhos como Angola.

Com o fim desta ameaça imediata, devido a queda de todo o Leste Europeu e da URSS, Mobutu deixou de ter importância política estratégica para o imperialismo norte-americano, passando a ser apoiado exclusivamente pela França como herança do domínio colonial.

O que Representou a Queda de Mobutu

Durante 32 anos Mobutu construiu uma cleptocracia, um governo baseado no roubo, em que os recursos do Estado eram desviados para constituir uma imensa riqueza nas mãos do ditador, gerando uma profunda desorganização e paralisia das atividades econômicas. Esta situação fez desse governo um entrave aos interesses imperialistas em obter o lucro máximo com a sangria de riquezas do Zaire, já que as estruturas centralizadoras do Estado estavam completamente carcomidas.

Paralelamente à profunda corrupção, atingindo todas as instâncias do governo, crescia a insatisfação popular com um regime que promovia a mais absoluta miséria das massas e reprimia violentamente as manifestações de descontentamento dos explorados.

Todos esses fatores que contribuíram para a queda de Mobutu somaram-se ainda, à fragilidade do Exército. Um bando de mercenários que apesar de estarem sempre de prontidão a massacrar os trabalhadores, desertavam ao menor sinal de enfrentamento em que estivessem em desvantagem em relação a guerrilha, promovendo saques nas cidades antes de abandoná-las em fuga desesperada. O descontrole sobre o aparato repressivo é um produto da superexploração das economias atrasadas, atingindo inclusive instituições fundamentais para a preservação do regime, ameaçando a própria estabilidade da exploração.

Como destacamos no JLO nº18, motins militares eram frequentes no Zaire, como o levante das tropas em janeiro de 1993, quando Mobutu tentou pagar o seu exército de mercenários com moedas podres, sem valor de compra. "Motins militares se tornaram um problema generalizado na África, agravados pelos programas do FMI e do Banco Mundial visando restringir ou reduzir as folhas de pagamento governamentais, inclusive para os militares"(GM, 10/4). A desenfreada exploração imperialista devora as estruturas sobre as quais se assenta.

O Caráter da Vitória da AFDL

Financiada pelos Estados Unidos através dos governos de Ruanda, Uganda, Burundi e Angola, a AFDL de Kabila, em sua escalada contra Mobutu, símbolo da opressão e repressão do povo do Zaire por mais de 30 anos, recebeu apoio massivo tanto dos setores explorados como também dos setores da burguesia zairense insatisfeitos com a estagnação econômica e com a centralização de poderes unicamente na figura do ditador.

O novo governo de Kabila, assentado em um dos países mais ricos do mundo em reservas minerais de cobre, cobalto, ouro, diamante e petróleo iniciou a renegociação dos contratos de exploração das companhias mineradoras. Tal renegociação teve como objetivo permitir que as companhias norte-americanas tomassem parte na exploração dos recursos minerais do país, através de valiosas concessões.

Empresas tradicionais na exploração mineral no Zaire, como a sul-africana De Beers Consolidates Mines, uma das líderes do setor de diamantes veêm suas posições ameaçadas como deixou bem claro o ministro das finanças do novo governo, Mwama Nanga Mawampanga. "É um monopólio e nesse país, nós não queremos mais monopólios. Se eles não quiserem aceitar isso, terão que decidir o que fazer. Nós não toleraremos um comportamento monopolista neste país" (Gazeta Mercantil, 15/04/97). Isso porque a De Beers detém 20% das ações da empresa belga Sebeka que, por sua vez, é proprietária de 20% da mina de Miba. O governo zairense controla 80% da mina de Miba e pressiona a De Beers para negociar em melhor condição com outras empresas imperialistas americanas e canadenses.

Longe de expressar uma preocupação de estabelecer uma livre-concorrência, ou muito menos combater o monopólio capitalista, este discurso representa na verdade os anseios das grandes corporações norte-americanas em substituir os atuais monopólios. "Antes mesmo de chegar a Kinshasa, Kabila está entregando valiosas concessões de mineração a companhias internacionais (supostamente as que ajudaram a financiá-lo) com a liberdade de um Papai Noel" (O Estado de São Paulo, 18/05/97).

Enquanto discursa contra o monopólio de velhos exploradores ligados a Mobutu, o Papai Noel zairense traz a felicidade para velhos exploradores ianques e novos exploradores amigos seus. Já está garantido para o próximo ano, após uma concorrência entre 14 companhias, que a empresa Consolidated Eurocan Ventures de capital canadense controlará 55% das reservas de cobre e cobalto das mais importantes minas do país. "A companhia petrolífera Chevron, sediada em São Francisco, é a principal investidora no país africano. Outra companhia canadense, a Banro Resource, opera na mineração de ouro e estanho na região oriental do Zaire, área parcialmente dominada pelos rebeldes, noticiou (como já noticiava) a rádio estatal zairense em fevereiro" (Gazeta Mercantil 10/04/97).

A gigantesca dívida externa do Zaire US$ 10,9 bilhões (em 1992) garante a imensa vantagem americana na troca desigual entre metrópole e colônia. Enquanto os EUA importam 207 milhões de dólares somente em petróleo e diamantes do Zaire, este último teve como principais exportações americanas em 1996, US$109 milhões em trigo, equipamentos de escavação e roupas usadas. Somente em roupas usadas foram US$ 15 milhões, segundo os números do Departamento do Comércio americano.

Outro fator que expressa o início da dominação do capital norte-americano no Zaire foi a adoção por parte do governo Kabila do idioma inglês como língua oficial ao lado do francês. Essa medida visa não apenas facilitar as transações comerciais das companhias americanas, mas também possibilitar a extensão de seu domínio ideológico e cultural.

As vinculações de Kabila ao regime capitalista colocam-no em completa oposição aos interesses dos explorados zairenses, o que já se manifesta embrionariamente através do descontentamento de setores da população logo nas primeiras semanas de seu governo, propiciando que parte da oposição burguesa, como Etennie Tshisekedi, passasse a canalizar a insatisfação da população em manifestações de protestos e greves contra o governo.

A orientação burguesa da AFDL se manifesta nos excessos de zelo para a propriedade privada, não sendo capaz nem mesmo de expropriar os bens de Mobutu, produto de décadas de expoliação da economia do país e maior que a própria dívida externa do país, uma das mais firmes promessas de Kabila à população do Zaire às vésperas da tomada do poder.

No futuro político do Zaire com o atual governo, não se vislumbra o avanço das reivindicações de caráter democrático e a ruptura com o jugo imperialista. O novo regime se opõe a consígnias tais como a reforma agrária, nacionalização das multinacionais e o direito de auto-determinação das diversas etnias. Ao contrário, fala em modernização do país aos moldes da cartilha do Banco Mundial e do FMI.

As tarefas dos Explorados no Zaire. Avançar a Revolução Permanente

Num país colonial coabitado por mais de 200 grupos étnicos, recém saído de uma sangrenta ditadura de mais de três décadas a serviço do imperialismo, a luta pelas tarefas democráticas como a reforma agrária, garantia de autonomia nacional a todos os povos e etnias tem uma importância decisiva para a mobilização das massas oprimidas, como o primeiro passo para despertar a iniciativa política e a consciência revolucionária do proletariado. Neste momento, é preciso avançar num processo de revolução permanente, combinando a luta contra os restos da ditadura Mobutu com a luta anti-imperialista. "Nos países coloniais e semi-coloniais, a luta pelas tarefas mais elementares como a independência nacional é combinada com a luta socialista contra o imperialismo mundial. Nessa luta, as palavras de ordem democráticas, as reivindicações transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas em épocas históricas distintas, mas decorrem uma das outras" (Programa de Transição, León Trotsky).

A brava luta dos explorados do Zaire em varrer com a sanguinária ditadura de Mobutu precisa agora dar um novo passo adiante. As ligações do governo de Kabila com o imperialismo norte-americano representam uma ameaça à vitória que as massas tiveram ao derrotar a ditadura. A tarefa central desse momento é impor ao novo governo as reais exigências que moveram os milhões de zairenses, dentro das diversas etnias, a mobilizarem-se contra a miséria secular que estão submetidos. Para tal, é necessário que todas as organizações dos explorados do Zaire que lutaram contra a ditadura — comandos de guerrilha, grupos tribais, comitês de minas, centros estudantis — mantenham-se na oposição e completa independência política do novo governo e da oposição burguesa. NENHUMA CONFIANÇA NO GOVERNO PRÓ-IMPERIALISTA DE KABILA. Nenhuma organização camponesa ou operária deve emprestar seu prestígio junto as massas fazendo parte do novo gabinete de Kabila. Pelo contrário, devem convocar um Congresso Nacional Operário e Popular, para discutir um programa de exigências ao governo, que concentre o conjunto das reivindicações operárias, democráticas e antiimperialistas. Esse Congresso, representando um organismo soberano de poder paralelo das massas precisa levantar como centro de suas consígnias: 1) anulação de todos os tratados feitos pelo governo Mobutu ou pelo novo governo com empresas multinacionais; 2) Não pagamento da dívida externa; 3) expropriação das grandes fortunas, incluída obviamente a de Mobutu e seus asseclas e dos bancos com estatização do sistema financeiro; 4) controle operário das minas, ferrovias e fábricas; 5) reforma agrária com expropriação do latifúndio e distribuição de terras, maquinários agrícolas e empréstimo com créditos negativos para os camponeses pobres; 5) liberdade de organização, de imprensa, de associação política e sindical; 6) não ao desarmamento da população, formação de milícias operárias e camponesas.

Ao mesmo tempo é preciso romper com o jogo que o imperialismo alimenta, através das burguesias de Ruanda, Burundi e Uganda, de incentivar as guerras entre os diversos grupos étnicos, principalmente de hutus, para impor o controle dos mercados no continente africano, através da luta por garantir para todos os povos e etnias que hoje habitam o Zaire sua autonomia nacional. Direito a que escolham livremente o melhor o caminho de como exercê-la, sendo essa medida uma alavanca fundamental na luta estratégica pela Federação Socialista dos Estados Africanos.

A defesa conseqüente dessas consígnias democráticas e revolucionárias, principalmente a da autonomia nacional para todas as etnias e a reforma agrária levantadas em um Congresso Nacional do movimento operário e camponês são capazes de unir o conjunto do proletariado negro do Zaire e do continente africano varrendo, em definitivo, os fantoches da dominação imperialista e sua opressão colonial.


NÚMERO ATUAL NÚMEROS ANTERIORES PÁGINA INICIAL


1