INTERNACIONAL

Zaire

Avança o levante popular contra Mobutu

Artigo extraído do JLO nº 18 (março/97)

A tomada da estratégica cidade de Kisangani, terceira mais importante do país, pela frente de oposição guerrilheira em meados de março, colocou o Zaire no cenário mundial, como palco de um grande levante popular. A guerrilha vem avançando rapidamente rumo a capital Kinshasa e já domina grande parte do país diante da completa crise do governo do ditador Mobutu Sese Seko, recebendo, a cada território conquistado, amplo apoio de massas. As populações das cidades, hoje controladas pela guerrilha, estavam sofrendo nas mãos do exército oficial zairense, composto por mercenários fiéis a Mobutu, uma profunda repressão, com torturas e prisões em massa, cujo objetivo era evitar revoltas espontâneas e uma adesão massiva às forças rebeldes. O apoio à guerrilha é uma resposta dos explorados a opressão desferida pelo exército assassino do títere do imperialismo e uma prova indiscutível de sua disposição de lutar contra a secular exploração capitalista perpetrada na região.

Dirigida pela Aliança das Forças Democráticas para a Libertação do Congo-Zaire — AFDL, a ofensiva guerrilheira começou em outubro, conquistando as cidades de Goma, Shabunda, Walikale e Bukavu, capital da importante província do Kivu do Sul, quando houve um forte enfrentamento com as forças oficiais, onde apesar do bombardeio à cidade, que deixou mais de 40 mortos, a guerrilha saiu-se vitoriosa. Com a conquista de Kisangani, a AFDL já domina 20% do país e está colocada objetivamente a tarefa de tomar o poder.

Caracterizada como uma frente guerrilha de oposição, a AFDL é composta pelas seguintes organizações: Aliança Democrática dos Povos (ADP); Movimento Revolucionário pela Libertação do Zaire; Congresso Nacional da Resistência e o Partido Revolucionário do Povo (PRP), que é dirigido pelo coordenador-chefe da Aliança, Laurent Kabila. Além dessas organizações, a frente é composta por milhares de guerrilheiros provenientes de um contingente de 500 mil trabalhadores que foram obrigados a fugir da região industrial de Shaba, diante da perseguição e brutal repressão do governo à greve geral de 1992.

Fragilizado, o governo do ditador Mobutu agoniza em meio a uma crise institucional que se instalou no país, atingindo, inclusive, setores sob seu controle, como o parlamento que, à revelia do próprio governo, destituiu o primeiro-ministro Leon Kengo Wa Dondo, em uma manobra para tentar apresentá-lo como único reponsável pela derrota em Kisangani e pelo caos instalado no país. Essa artimanha tinha como objetivo desviar a atenção das massas exploradas das reais causas da crise do governo e de suas humilhantes derrotas diante do ascenso guerrilheiro.

O imperialismo e sua imprensa, que a princípio apresentaram a crise do Zaire como sendo uma mera guerra étnica entre tutsis e hutus, como pretexto para uma possível intervencão militar da ONU, cinicamente chamada de ‘ação humanitária’ para proteger refugiados, no momento, também trabalha com a hipótese de apoiar a constituição de um governo de coalizão entre a AFDL de Kabila e figuras políticas de sua estrita confiança como Étienne Tshisekedi, líder da União para Democracia e Progresso Social (UDPS), como um recurso extremo para não perder o controle da situação.

Em consequência da opressão exercida ao longo da história pela exploração colonial capitalista, a qual leva inevitavelmente ao saque da economia nacional e ao aprofundamento da miséria, o proletariado e as camadas exploradas do Zaire se levantam contra o governo do sanguinário e fiel representante do imperialismo, Mobutu. O atual levante popular no Zaire, dirigido pela AFDL, representa uma resposta objetiva das massas a essa realidade, onde uma sanguinária ditadura foi imposta há mais de 30 anos pelo imperialismo como uma medida preventiva diante do avanço das lutas dos explorados zairenses e do próprio continente africano desde a década de 60, influenciadas pela etapa aberta pelo ascenso das lutas anti-coloniais.

Uma história de opressão e exploração colonial

Situado na África centro-ocidental, o território que hoje constitui o Zaire já foi de propriedade pessoal do Rei da Bélgica, Leopoldo II, que o recebeu na Conferência de Berlim em 1885, quando o continente africano foi partilhado entre as potências imperialistas européias. A região foi mantida nessa condição até 1908, tornando-se então uma colônia da Bélgica com o nome de Congo-Belga.

Em 1959, após décadas de exploração colonial, eclodiu um forte movimento nacionalista liderado por Patrice Lumumba. O ascenso da luta de libertação nacional fez explodir uma série de levantes que ameaçavam o domínio belga no país. Temendo a revolta popular, o governo da Bélgica resolveu negociar uma ‘independência’, garantindo as propriedades e os bens das empresas estrangeiras e, portanto, a continuidade da exploração colonial no Congo. A ‘independência’ do Zaire, apesar das gigantes mobilizações populares protagonizadas na época, foi um processo negociado entre a Bélgica, o imperialismo francês e o frente-populista Movimento Nacional Congolês (MNC) de Patrice Lumumba, onde se esteve garantida a todo momento a absoluta subserviência do país aos grandes monopólios com a intocabilidade da propriedade privada. Todo esse processo de garantias feitas por Lumumba e a história de férreo domínio do imperialismo sobre o Zaire, terceiro maior país da África com uma população de 42 milhões, reside no fato de ali estarem localizadas imensas reservas minerais, sendo este o primeiro produtor mundial de cobalto, o segundo em diamantes industriais, ter em seu território a maior reserva de gás natural do mundo, além de enormes jazidas de cobre, ouro e prata.

Como prova desse acordo, em 30 de junho de 1960, foi constituído um governo de coalizão entre o Partido Abako, do presidente Joseph Kasavubu e o MNC do primeiro-ministro Patrice Lumumba. Apesar de todas as garantias dadas aos capitalistas pelo governo Kasavubu-Lumumba, quatro dias após a formação do gabinete, Moisés Tshombe, chefe do Partido Conakat e governador da província de Katanga (atual Shaba), onde estão concentradas imensas reservas de ouro, cobre e estanho, promoveu a separação daquela província através de uma rebelião apoiada por tropas mercenárias belgas e financiada por grupos econômicos internacionais interessados na rapina das riquezas minerais do país, entre os quais estava a União Mineira do Alto Katanga, multinacional sediada em Bruxelas. Os conglomerados minerais belgas e franceses, temendo qualquer tipo de nacionalização diante do ascenso popular que pressionava o governo, optam por romper o acordo e tornar a região autônoma.

A política de frente popular de Patrice Lumumba leva-o a reivindicar a intervenção do imperialismo para solucionar o conflito, ao invés de se apoiar na enorme disposição de luta das massas. Atendendo ao pedido de intervenção do governo, a ONU enviou tropas belgas, que na prática assumiram a tarefa de proteger as forças reacionárias sediadas em Katanga contra a possibilidade dessas forças serem varridas do Congo por uma insurreição popular. O chamado de Lumumba à intervenção da ONU representou ainda mais o reforço dos grupos imperialistas e colocou em marcha uma ofensiva militar contra o próprio MNC.

A ofensiva imperialista obrigou Lumumba a recorrer a URSS, que enviou aviões, técnicos, armas e munições. Apesar disso, toda a política de Lumumba e do estalinismo estava baseada em buscar uma saída negociada para a crise através de um chamado para que se cessassem os enfrentamentos, fortalecendo e ampliando o governo de coalizão nacional. O resultado dessa orientação representou um duro golpe sobre as aspirações dos explorados do Zaire em se livrar do jugo imperialista e acabou desembocando na destituição de Patrice Lumumba através de um golpe de estado em setembro de 1960, dirigido pelo próprio presidente Joseph Kasavubu que nomeou o então coronel Mobutu como chefe do estado maior do Exército. Mobutu iniciou uma perseguição implacável contra o movimento operário do Zaire, particularmente aos militantes do MNC, chegando ao ponto do próprio Lumumba ser seqüestrado por agentes da CIA e do exército belga, sendo torturado e entregue às forças mercenárias de Katanga, quando foi brutalmente assassinado.

A retirada das tropas da ONU do Congo só ocorreu quando Moisés Tshombe assumiu o cargo de primeiro-ministro com o apoio dos EUA e da Bélgica. Em 1965, o próprio general Mobutu, após destituir Tshombe, derrubou Kasavubu e impôs um regime ditatorial apoiado pelos EUA, com o objetivo de derrotar todos os focos de guerrilha existentes no país, os quais tinham a influência chinesa, soviética e cubana. A implantação de regimes ditatoriais representou um recurso do imperialismo norte-americano e francês para barrar o ascenso revolucionário no continente africano que, na década de 60, tinha em Angola e Moçambique amplas possibilidades de vitória. Propriamente no Zaire, Mobutu foi encarregado pelo imperialismo de aplastar imediatamente uma imensa ofensiva dirigida por Pierre Mulete, de orientação chinesa, que chegou a controlar 25% do território do Congo. O ditador do Zaire é assim um títere imposto pelas potências imperialistas para preservar os interresses dos grandes conglomerados siderúrgicos, esmagando, através de milhares de assassinatos e torturas, a vanguarda de esquerda do país. A repressão ao movimento de massas é profunda. Em 1977, o regime de Mobutu esmaga uma rebelião em Shaba com o apoio direto do imperialismo francês. Todos os líderes da oposição são presos e forçados a se exilar. Milhares de ativistas são mortos.

Na década de 80, o aprofundamento da crise capitalista mundial e suas desastrosas consequências sobre os países coloniais e semi-coloniais evidenciavam os primeiros sinais de crise do regime: aumento galopante da dívida externa, crescimento da inflação, déficit comercial que em 1992 chegou ao patamar de US$ 17 milhões. O Zaire não foge à regra do conjunto da África, apresentado cinicamente como ‘continente perdido’ pela imprensa imperialista, sendo assolado pela fome em massa e epidemias da época medieval.

Paralelamente a crise econômica crescem as manifestações de descontentamento popular duramente reprimidas pela ditadura, como o massacre aos estudantes da Universidade de Lubumbashi, em maio de 1990 e a repressão à greve geral de 1992 contra o assassinato de 17 ativistas pela guarda presidencial. A isso se soma um profundo ataque aos trabalhadores estatais como em 1995, quando o governo demite 300 mil funcionários públicos, provocando uma greve de grandes proporções exigindo a saída de Mobutu.

A crise do regime acelera-se com o surgimento de uma oposição burguesa ao governo de Mobutu que procura se alçar junto ao imperialismo como uma alternativa de confiança, de fachada civil ao regime militar. Seu principal líder, Étienne Tshisekedi, é nomeado em 1991 primeiro ministro, sendo em seguida destituído por se recusar a prestar juramento de fidelidade a Mobutu. Isso demonstra as disputas dentro da própria classe dominante do Zaire pelo posto de melhor gerente da política de opressão imperialista sobre as massas do país. Como representante civil da burguesia nacional e diante do avanço da crise do governo, Étienne é novamante chamado a assumir o cargo, mas a instabilidade chega a um nível insustentável e provoca novamente sua queda, acusado por Mobutu de ser responsável pelo levante militar de janeiro de 1993, quando o governo tentou pagar seu exército de mercenários com moedas sem valor de compra. A crise do regime leva à queda vários primeiros-ministros sendo a última vítima Leon Kengo Wa Dondo, responsabilizado pela derrota de Kisangani em meio a um profundo ascenso da frente guerrilheira que dominando a terceira maior cidade do país, avança rumo a capital Kinshasa.

Essa divisão entre as várias alas burguesas no Zaire e a própria crise da ditadura estão diretamente relacionadas a atual etapa aberta com a queda da URSS e dos Estados operários do Leste Europeu que aprofundou as disputas inter-imperialistas. Quando Mobutu foi imposto pelo imperialismo americano e francês em 1964, ele representava um instrumento comum de combate destes países contra o ascenso revolucionário na região e o possível controle de parte da África pela burocracia soviética e chinesa. Agora, com a queda da URSS e a vigência de uma etapa de defensividade ideológica e política do movimento operário mundial, os diversos blocos imperialistas, buscando resguardar da melhor maneira possível os interesses de seus grupos econômicos, entraram em conflito e encontram-se divididos em meio a uma solução para a crise no Zaire. Os EUA e a Inglaterra apontam em uma saída negociada, através de um governo de coalizão que estabeleça compromissos diretos com seus governos, enquanto a França está interessada, a priori, em manter Mobutu, que até o momento cumpriu a função de defender e resguardar os interesses dos capitalistas franceses na região. A possibilidade de uma intervenção da ONU, a variante francesa para a solução do conflito, está porém cada dia mais distante, diante do quadro de absoluta fragilidade do governo de Mobutu e conseqüentemente da falta de garantias para manter em pé a ordem capitalista no país.

A Política Criminosa da AFD

A situação de decomposição do regime, a fragilidade política da oposição burguesa institucional por já ter participado do governo e o crescente descontentamento popular favoreceram a ascensão dos grupos de guerrilha, identificados pela população como a única força política que não apóia o governo de Mobutu. Os enfrentamentos militares entre a AFDL e o exército de Mobutu não significam, entretanto, que a guerrilha se proponha a romper com o imperialismo e sua secular opressão colonial sobre o Zaire.

A AFDL, como uma frente de oposição pequeno-burguesa de orientação guerrilheira, utiliza-se de métodos da luta armada para defender um programa que situa-se nos marcos do capitalismo, ou seja, contrário aos interesses do proletariado e em oposição a um autêntico programa revolucionário de ruptura com o capitalismo. Durante a reunião extraordinária da Organização para a Unidade Africana, em Lomé, no Togo, Bizima Karaha, membro da delegação da Aliança e assessor de Laurent Kabila, declarou: "Lutamos pela democracia, a liberdade, o respeito aos direitos humanos, a unidade e prosperidade do país e pelo fim das artimanhas que têm sido utilizadas durante mais de 30 anos"(Jornal espanhol El País, 28/03).Trata-se de uma declaração de intenções que busca tranqüilizar os grupos econômicos internacionais instalados no país de que seus interesses permanecerão intocáveis, já que sob o véu de frases genéricas não se coloca, em nenhum momento, questões fundamentais como a abolição da propriedade privada, a nacionalização das minas e das terras, a dissolução do exército assassino da ditadura e o controle operário das fábricas.

Toda a fraseologia em torno da ‘liberdade, democracia e prosperidade’ estão absolutamente desprovidas de um caráter de classe e de uma linha que possa servir como um eixo de intervenção das massas para o combate aos seus exploradores nacionais e estrangeiros. Kabila, dirigente da AFDL, procura anunciar aos capitalistas que, apesar de suas aproximações com a burocracia estalinista no passado, não há nenhum vestígio, sequer formal, de uma orientação socialista em seu programa. Ao mesmo tempo, a guerrillha não se delimita, em momento algum, com a União para a Democracia e Progresso Social (UDPS) de Étienne Tshisekedi, força que sustentou o governo durante vários anos, deixando de portas abertas a possibilidade de uma futura composição. Ao contrário do que aponta o programa da guerrilha, a luta pelos direitos democráticos das massas só é conseqüente quando é parte de uma plataforma anti-capitalista, como defendia León Trotsky: "Nos países coloniais e semi-coloniais, a luta pelas tarefas mais elementares, como a independência nacional e a democracia burguesa é combinada com a luta socialista contra o imperialismo mundial. Nessa luta, as palavras-de-ordem democráticas, as reivindicações transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas em épocas históricas distintas, mas decorrem uma das outras" (Programa de Transição).

A aplicação prática do programa da AFDL significa somente a realização de eleições nas áreas controladas pela guerrilha, onde até agora nenhuma expropriação aos grandes capitalistas foi realizada, nenhuma fábrica, mina ou grande propriedade agrícola foi colocada sob o controle dos trabalhadores. O comando da guerrilha não fez um único chamado às centrais sindicais e ao conjunto do movimento operário a deflagrarem uma greve geral, principalmente na região industrial de Shaba, para pôr abaixo Mobutu e seu regime. A própria ofensiva militar da guerrilha não está assentada no armamento em massa da população já que a AFDL não organizou milícias nas cidades e, muito menos, convocou organismos de poder como conselhos populares, a exemplo dos sovietes, através dos quais os operários e camponeses possam assumir o controle político e econômico das regiões conquistadas como um embrião de duplo poder, passo fundamental para assumir a direção do Estado.

A estratégia política da guerrilha não é tomar o poder e aplastar a ditadura, através de um amplo levante popular que coloque abaixo as instituicões de regime, mas a conquista do maior número de cidades possíveis mantendo intactas as bases sociais do capitalismo — propriedade privada das terras, bancos, minas, fábricas e meios de comunicação, assim como as relações burguesas de produção — para ter melhores condições de barganha nas negociações posteriores com a oposição burguesa para um possível governo de coalizão nacional.

O programa da AFDL é de uma transição pactuada oriunda de uma ditadura sanguinária, que se tornou absolutamente insustentável, para um governo de fachada democrática entre Kabila, Tshisekedi e setores do próprio governo, mantendo intactas todas as instituições da atual ditadura de Mobutu. Essa orientação visa selar um grande acordo nacional reacionário às costas das massas e, em nenhum momento, coloca na ordem do dia a tomada do poder pelos trabalhadores e o rompimento com o imperialismo. Esta alternativa, inclusive, segundo declarações da ONU e dos grandes jornais burgueses dos EUA, é praticamente a mesma do imperialismo americano e inglês, que orientou sua política na região em apoio a um governo de salvação nacional ao estilo Mandela-Frederich De Klerk, que no caso da África do Sul garantiu a manutenção das instituições do Apartheid, ao assegurar a burguesia de minoria branca o completo controle dos meios de produção, base sobre a qual se ergeu o regime de segregação racial com a miséria absoluta da maioria negra. Com a recente nomeação de Étienne Tshisetiedi para o cargo de primeiro-ministro, pouco antes do fechamento desta edição de LO, Mobutu presta talvez seu último serviço ao imperialismo, chamando os vários segmentos da oposição burguesa e a própria guerrilha para compor um governo de salvação nacional.

No caso do Zaire, esse governo de unidade nacional, teria como objetivo estratégico dar estabilidade política ao país, o que no momento o ditador Mobutu parece incapaz de realizá-lo, visando garantir a mínima unidade ao país, que assegure a exploração capitalista e o retorno da ordem burguesa, extremamente abalada pelo ascenso das massas. Cinicamente, o mesmo imperialismo que alimenta as tensões e os enfrentamentos entre tutsis e hutus em Ruanda, Burundi e no próprio Zaire, agora prega um governo de unidade nacional do qual guerrilha é peça fundamental.

A política de conciliação de classe no atual momento tende a levar a conformação de um governo de frente popular, cujo papel histórico é o de bloquear o ascenso revolucionário das massas trabalhadoras, pavimentando o caminho para que a burguesia possa organizar sua reação, a qual se dará com forte repressão ao movimento operário, estudantil e camponês e até mesmo sobre os representantes de ‘esquerda’ no governo a exemplo do que ocorreu em 1961 com Patrice Lumumba. Desse ponto de vista, o governo de coalizão que Kabila tenta negociar no Zaire é um governo reacionário, uma verdadeira traição ao proletariado, que deve rechachá-lo, rompendo com a política de conciliação através de um programa revolucionário.

O imperialismo, ao mesmo tempo, não descarta completamente uma intervenção militar da ONU e propõe um ‘plano de paz’ que, a partir de um acordo entre todas as forças envolvidas no conflito, se garanta o "imediato fim da luta, reafirmação da integridade terrirorial do país proteção aos refugiados e convocação de uma conferência internacional para resolver o conflito"(OESP, 27/03), ou seja, um acerto entre o imperialismo francês e americano sobre os destinos do país. Setores da própria oposição burguesa a Mobutu chegam a reivindicar essa intervenção como parte de um plano para assegurar a viabilidade de um futuro governo de coalizão, o que representa uma posição reacionária que já mostrou sua verdadeira face na época de Lumumba.

Abaixo as saídas Imperialistas para a crise!
Por um Governo Operário e Camponês no Zaire!

As mobilizações dos explorados no Zaire estarão fadadas a derrota se continuarem subordinadas a orientação pequeno-burguesa e democratizante da AFDL, seja pela estratégia política de formação de um governo de coalizão, o qual objeta, invariavelmente, abrir caminho para a reação burguesa, seja pelo seu programa não levantar em um só momento a necessidade da tomada do poder pelos trabalhadores. Por isso, a questão chave do desfecho da crise no Zaire é justamente saber se ela se resolverá por meio de uma saída controlada pelo imperialismo ou por um alternativa de poder para os explorados.

Apesar de toda a linha política da guerrilha estar orientada a buscar uma saída pactuada para a crise, a atual instabilidade econômica e política no Zaire configura uma realidade que pode não se subordinar aos objetivos da AFDL e do próprio imperialismo. O amplo apoio recebido pelos rebeldes nas cidades, o clima de mobilização nos principais centros industriais e mineradores, aliado a divisão da classe dominante nativa e a própria indefinição entre o imperialismo norte-americano e francês acerca da forma como resolver o conflito, podem fazer com que a guerrilha vá além do seu objetivo de simplesmente afastar Mobutu. Essa possibilidade pode se delinear na medida que os enfrentamentos entre a AFDL e o exército de Mobutu são cada vez mais intensos, acarretando seguidas vitórias da guerrilha, o que tem gerado iniciativas políticas espontâneas das massas no sentido de colocar abaixo não só a ditadura de Mobutu, mas o próprio regime de exploração capitalista no país. Não é por acaso que nas grandes concentrações de massas ao entrar nas cidades, pressionado pelas multidões, Kabila venha defendendo que a guerrilha tome o poder e avance até a capital para destituir Mobutu, enquanto as delegações da AFDL negociam com o imperialismo e a oposição burguesa um saída constitucional. Esse fenômeno se deve ao fato de "sob a influência de circunstâncias excepcionais (guerra, derrota, quebra financeira, ofensiva revolucionária das massas), os partidos pequeno-burgueses, inclusive os estalinistas, possam ir mais além do que queiram, no caminho da ruptura com a burguesia"(Programa de Transição, León Trotsky).

A vitória militar da guerrilha sobre o governo constitui-se, independente dos objetivos políticos de sua direção, num golpe sobre a dominação imperialista na região e na própria classe dominante do Zaire, na medida em que coloca em pé de guerra o conjunto dos explorados do país — mineiros, camponeses, operários industriais — e, conseqüentemente, acende nestes setores o germe da luta pela revolução social.

Nesse sentido, o conjunto dos explorados da África, seja de origem tutsi ou hutu, os sindicatos e o movimento operário internacional deve colocar-se incondicionalmente pela vitória militar da AFDL, ou seja, do seu lado militar contra todo e qualquer ataque dos mercenários assassinos de Mobutu e das tropas imperialistas, pela vitória de suas ações militares contra o governo. Essa política também está direcionada a rechaçar qualquer tipo de intervenção da ONU na região, seja militar ou como ‘mediadora’. A ONU é um instrumento do imperialismo contra as massas e suas forças estão a serviço da preservação dos interesses dos grandes monopólios no país. Esse apoio militar à AFDL não significa que as massas devem se subordinar a sua estratégia de colaboração de classes e, muito menos, aos interesses das burguesias africanas. Ao contrário, é necessário levantar um programa revolucionário para que a vida e o esforço de milhões de explorados que hoje se levantam contra Mobutu não sejam em vão, através da consígnia de um governo operário e camponês no Zaire, passo fundamental na luta pela Federação Socialista dos Estados Africanos. Mas, as críticas à plataforma e aos métodos da AFDL só podem se situar do lado da barricada daqueles que estão combatendo pela derrubada da ditadura.

A vitória militar dos rebeldes provoca, por outro lado, a solidariedade dos trabalhadores do conjunto do continente africano, que sofrem praticamente os mesmos problemas de opressão marcados pelas disputas de etnias incentivadas pelas burguesias nacionais. Porém, essa ampla unidade étnica e de classe, é obstacularizada pelo fato da ofensiva guerrilheira receber o apoio dos governos das burguesias de etnia tutsi de Ruanda, Burundi e Uganda, que apoiaram Kabila como forma de deter levantes hutus em seus territórios, prevendo que estes seriam incentivados por Mobutu. As vinculações da guerrilha com as burguesias africanas que exploram as divisões étnicas como instrumento de luta pelo controle dos mercados tende a, num próximo período, fazer com que a própria AFDL, que na luta aglutina setores de todas as etnias, passe a ser um instrumento de repressão de uma etnia sobre outra em defesa dos interesses capitalistas. Isso demonstra que, sob a orientação burguesa, os movimentos guerrilheiros não passam de uma bucha de canhão nas disputas de mercados das burguesias nacionais africanas, o que tem como consequência esfacelar a unidade étnica e de classe. Somente sob a bandeira da construção da Federação Socialista dos Estados Africanos, o explorados do Zaire, Ruanda, Uganda, Burundi e demais países do continente africano terão assegurada sua unidade de classe e se livrarão das tensões étnicas provocadas por anos de colonização européia no continente e posteriormente pelas burguesias africanas. Asssim, diferente do que fala a imprensa burguesa, o que vem ocorrendo no Zaire não é uma guerra entre tribos, mas uma luta contra a ditadura e um levante armado da oposição ao regime sanguinário de Mobutu.

Os explorados do Zaire, através da política do MNC de Lumumba, já tiveram uma experiência desastrosa com a colaboração de classes. Neste momento, a garantia da vitória de suas lutas passa necessariamente pela adoção de um programa que supere as consígnias reformistas da AFDL. A ofensiva militar da guerrilha deve transformar-se em ofensiva de todos os explorados do Zaire, através do armamento da população com a formação de milícias operárias que expressem, organizadamente, o ódio dos trabalhadores contra seus carrascos assassinos conhecidos como picadores de carne humanos e, principalmente, para aumentar a confiança dos explorados e oprimidos em si mesmos e não nos focos de guerrilha apartados do conjunto do proletariado.

Como coroamento da ofensiva militar e política dos explorados é preciso convocar imediatamente no Zaire uma poderosa greve geral de massas com ocupações das fábricas, minas, terras e universidades. O centro dessa luta é o chamado a todos os setores explorados a varrerem do controle dos meios de produção e das escolas os capitalistas e os carrascos da ditadura. Ao contrário das genéricas declarações da AFDL, os explorados devem apontar um eixo de luta claro: a tomada do poder sob a estratégia da ditadura do proletariado, ou seja, um governo de operários e camponeses. Para isso é necessário impulsionar a formação de conselhos operários que dirijam politica e econômicamente as cidades, levando a cabo a expropriação das minas, das propriedades dos grandes monopólios e sua nacionalização. Esses organismos de luta e organização dos trabalhadores representam um instrumento de duplo poder, que objetivamente passa das antigas ‘autoridades’ do regime para as mãos dos explorados.

Toda a luta por derrotar a ditadura e o capitalismo necessita da organização independente dos trabalhadores em torno de um partido revolucionário sobre a bandeira da IV Internacional, que se delimite da política frente-populista da AFDL, organizando nas fileiras revolucionarias os melhores ativistas e combatentes do país. Somente através do autêntico bolchevismo é possível colocar a luta dos explorados do Zaire sob os trilhos da revolução socialista. O conjunto das tarefas necessárias a romper a secular exploração imperialista sobre o Zaire e o conjunto do continente africano, para garantir as conquistas democráticas das massas e sua própria sobrevivência não estão nas mãos da burguesia nacional e das guerrilhas pequeno-burguesas, mas das massas oprimidas do país organizadas em um autêntico partido revolucionário, para a construção de um governo operário e camponês no país, passo fundamental para a construção da Federação Socialista dos Estados Africanos!

Abaixo a ditadura pró-imperialista e sanguinária de Mobutu!
Expropriação e nacionalização das minas e propriedades dos grupos econômicos estrangeiros!
Não à intervenção da ONU! Não ao Governo de Coalizão!
Pela vitória militar da AFDL!
Pela construção de um Partido Revolucionário no Zaire!
Por um Governo Operário e Camponês a serviço da Revolução Socialista mundial!
Pela Federação Socialista dos Estados Africanos!


NÚMERO ATUAL NÚMEROS ANTERIORES PÁGINA INICIAL


1