NACIONAL Luta no Campo – Marcha do MST a Brasília Em que direção marchou o Movimento dos Sem-Terra? Artigo extraído do JLO nº 19 (abril/97) A marcha do MST de 14 de abril reuniu, em sua chegada a Brasília, mais de 40.000 mil pessoas, contando além das caravanas de sem-terra, com a adesão de várias categorias, como servidores públicos, metalúrgicos, petroleiros, professores e estudantes. A marcha, convocada para marcar um ano do massacre de Eldorado dos Carajás e exigir a punição dos assassinos, foi apresentada pela imprensa burguesa e o conjunto da esquerda como a maior manifestação de oposição a FHC. De fato, o amplo apoio de setores populares e a solidariedade expressa aos sem-terra desde a base de diversas categorias, fizeram da marcha uma expressiva mobilização, com amplo afluxo de ativistas e trabalhadores. Porém, a questão chave é saber qual o caráter da marcha, se a disposição dos milhares de sem-terra e ativistas operários que engrossaram as suas fileiras esteve a serviço de uma política orientada a derrotar o governo, ou na verdade, essa foi utilizada como um instrumento de pressão em favor da política de colaboração de classes, levada a cabo pela direção do MST e da CUT. Uma Marcha ‘Dentro da Lei e da Ordem’ O primeiro elemento importante sobre a Marcha veio através das declarações do próprio governo, dias antes da chegada da manifestação a Brasília. O porta-voz da presidência, Sérgio Amaral, afirmou que "o presidente acredita na palavra dos líderes do movimento que a marcha é pacífica" (FSP, 16/04). Tanta confiança assim tinha como base um encontro realizado três dias antes, entre o Secretário do Governo, José Gregori e o coordenador-geral do MST, João Pedro Stédile, através do qual foram acertados os detalhes finais da audiência entre o MST e FHC, travando-se o seguinte diálogo: "É preciso muita atenção com os provocadores. Vocês têm a perder, os radicais não", disse José Gregori. "Tudo será muito tranqüilo, na lei e na ordem", assegurou Stédile" (Veja, 23/04). Os efeitos práticos desse acordo ‘dentro da lei e da ordem’ entre a direção do MST e o governo teve como primeira vítima as foices dos sem-terra, instrumento de trabalho que simboliza sua defesa diante dos ataques do latifúndio. O MST orientou a que suas direções estaduais recolhessem todas as foices ou qualquer tipo de arma que os trabalhadores portassem antes da entrada em Brasília e decidiu que apenas um número mínino de sem-terra poderia empunhá-las estritamente para fotos. Essa decisão, inclusive, foi deliberada em outra reunião, agora com as presidências da Câmara e do Senado, acatando a sugestão do mega-latifundiário ACM (!): "Deixa uns 200 sem-terra irem com foice. Eles se juntam, posam para fotos e está tudo bem" (Idem). Sobre essa base, a Marcha que o MST dirigiu a Brasília, já estava comprometida como instrumento de luta dos sem-terra e do conjunto dos explorados que, com um nítido sentimento de classe, apoiavam a manifestação. Esses acordos prévios com o governo dos assassinos dos companheiros de Corumbiara, Eldorado dos Carajás e centenas de trabalhadores do campo e da cidade, representou a primeira grande traição à luta dos sem-terra durante o período de construção da marcha, tirando qualquer caráter de independência de classe da mobilização. Essa conduta é conseqüência direta da política levada a cabo pela direção do MST e a Igreja, a de deixarem durante as ocupações, os sem-terra desarmados ou, no máximo, apenas com foices, diante das metralhadoras e granadas dos jagunços e da PM. Em Brasília, porém, nem sequer as foices a direção do MST permitiu o uso, demonstrando quão covarde é a política de colaboração de classes. O mais grave desse acordo foi a frente única estabelecida entre a direção do MST e o Estado contra os ‘provocadores e radicais’. A grande preocupação do governo — e pelo visto do próprio Stédile — era que nada alterasse o caráter pacífico da marcha, o que poderia acontecer pela ação espontânea das bases radicalizadas do MST e por iniciativa das organizações políticas mais a esquerda presentes à manifestação. Essa perseguição aos setores que não se subordinam à orientação colaboracionista da Igreja, CPT (Comissão da Pastoral da Terra) e da própria Articulação dentro do Movimento Sem-Terra, já tinha claramente mostrado sua face criminosa quando do massacre de Corumbiara, em Rondônia, no momento em que o MST criticou publicamente a ocupação da Fazenda Santa Elina por esta ser produtiva, e fez coro com o governo Raupp, alegando a irresponsabilidade dos ocupantes, além de negar-se a prestar qualquer apoio político, jurídico ou militar à ocupação. A direção do MST estadual chegou ao cúmulo de, naquele momento, enviar declarações à PM de Rondônia ‘esclarecendo’ que não tinha absolutamente nenhuma ligação com a ação dos companheiros que hoje formam o Movimento Camponês Corumbiara (MCC), o que do ponto de vista prático significou isolar política e militarmente a ocupação, na qual foram massacrados mais de 20 companheiros. Se a direção do MST cumpriu à risca sua parte nesse acordo criminoso, a burguesia não deixou de ventilar, um minuto sequer, a possibilidade de usar seu braço assassino — PM (Polícia Militar), Polícia Federal e Exército — diante de qualquer conflito, ação mais radicalizada ou mesmo para mapear a própria composição da Marcha. Foram deslocados 5.000 soldados do Exército para as imediações de Brasília e 4.000 homens da PM do governo petista de Cristóvam Buarque perfilaram-se, a todo momento, ao lado da manifestação, além da presença de dezenas de infiltrados. Dentro do Ministério da Educação, por exemplo, onde dias antes os estudantes secundaristas de SP ocuparam a delegacia regional do MEC, havia um esquadrão de elite da PF com metralhadoras e granadas no caso de algo parecido ocorrer durante a marcha. Ao mesmo tempo que fazia o acordo com o MST, o governo preparava seu cães de guarda assassinos para qualquer imprevisto, que só não foram colocados em ação porque a estratégia, tanto do MST, como do próprio governo era de selar um pacto reacionário às costas da base dos sem-terra, tendo como eixo central o fim das ocupações e a liberação das milionárias indenizações aos latifundiários, em troca do aumento do número de assentamentos, pacto que já se mostrou, além de inóquo, responsável pelo aumento da ofensiva dos latifundiários no campo. A política da frente popular, levada a cabo pela direção do MST, impôs à marcha um patamar de absoluta impotência política no sentido de um confronto de classe contra o governo. Se, por um lado, o MST, com o apoio da CUT e da Igreja, fechou um acordo com o governo e realizou uma marcha praticamente institucional, onde FHC tinha um compromisso prévio firmado pela direção do MST, o governo petista do DF, apesar de apoiar integralmente essa política, quis mostrar serviço a FHC, sintetizada na declaração de como sua PM agiria diante do MST: "Se eles vierem de paus, a gente vai de revólver. Se vierem de revólver, a gente vai de metralhadora. Se vierem de metralhadora, a gente vai de bazuca"(Veja, 23/04). As palavras de Cristóvam Buarque desnudam a política assassina e criminosa desse partido que se diz dos trabalhadores, mas sequer vacila em atirar, metralhar e implodir a luta dos explorados. Todas essas capitulações, antes mesmo da audiência com FHC, arrancaram profunda simpatia de amplos setores burgueses e de sua própria imprensa. Além das dezenas de políticos do PSDB, PMDB e do PDT que se solidarizaram com a Marcha. A própria Rede Globo, em pleno Jornal Nacional do dia 17/04, declarou que "o presidente deve reconhecer a força do movimento...A reforma agrária continuaria sendo adiada se não fosse o MST...Os sem-terra conquistaram a opinião pública porque têm uma bandeira justa". Toda essa unanimidade burguesa representa o oposto de fazer da marcha uma poderosa manifestação de luta contra FHC, os massacres dos sem-terra e de vingar a morte dos companheiros que tombaram na luta contra o latifúndio. A política de conciliação de classes da direção do MST limitou a manifestação a no máximo uma demonstração de força da oposição burguesa e da Frente Popular (PDT, PSB, PT, PCdoB, CUT) com vistas à eleição presidencial de 98, abortando assim sua utilidade em fazer da ampla mobilização de massas a expressão classista da luta dos trabalhadores do campo e da cidade. A audiência de conciliação entre o MST e FHC "Pode colocar o boné do MST?" perguntou Stédile" (FSP, 18/4). Parece irreal aos olhos dos ativistas que jogaram seus esforços na construção da marcha, mas foi com essas palavras que o coordenador-geral do MST abriu a audiência com FHC. Stédile oferecia um dos símbolos do MST — o boné vermelho — ao marionete do imperialismo, incubido de levar adiante um plano de guerra contra as massas exploradas do país, que colocou os tanques contra os petroleiros e um dos responsáveis diretos pelos massacres aos sem-terra. O tom de conciliação da audiência com FHC, apesar de Stédile afirmar que não se tratava de uma negociação para pôr fim às ocupações e às bravatas desferidas por José Rainha contra o ministro Raul Jungmann, mesmo porque estavam diante da pressão de uma base extremamente radicalizada, materializou-se na possível participação do MST em uma ‘comissão pela reforma agrária’ proposta pelo governo ao estilo das velhas câmaras setoriais das montadoras do ABC. Esta comissão contaria com a participação de representantes do governo e entidades, como a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), CONTAG (Confederação dos Trabalhadores em Agricultura) e CUT, ou seja, com organizações que, ou são abertamente burguesas (a Igreja) ou já celebraram anteriormente pactos nacionais contra os interesses dos trabalhadores, como a CONTAG, dirigida por um serviçal do PSDB e a própria direção da CUT, que no ano passado fechou o criminoso acordo da Previdência, celebrado por Vicentinho. A idéia de que o encontro com FHC e a formação da comissão representam um recuo do governo, que antes não queria dialogar, é uma verdadeira farsa. Diferente do que pensa Stédile, que já declarou ser favorável à participação do MST na comissão, pois defende ser "necessário preservar esse canal de diálogo" (FSP, 23/04), a proposta do governo representa uma armadilha para comprometer o MST com o apoio a um plano oficial de assentamentos em nome das suspensões das ocupações, ao estilo da trégua entre o movimento e Covas no Pontal, o que só vem a favorecer o latifúndio e alimentar confusão nas bases do movimento de que a reforma agrária será possível por via pacífica e institucional e não pela ação direta dos trabalhadores. A política do MST, neste momento, está na contra-mão das necessidades dos sem-terra e do conjunto dos explorados. Jamais será pela via de preservar e apostar em canais de negociação com os latifundiários e seus governos que os sem-terra romperão a realidade de exploração no campo. O problema da concentração fundiária está ligado à estrutura capitalista atrasada do país, que somente será rompida com a tomada do poder pelos explorados, através da aliança revolucionária entre operários e camponeses. Desta forma, a única maneira dos capitalistas serem derrotados é com o levante direto, no campo e na cidade, do conjunto dos explorados, através de seus organismos de luta. A via do pacto, acordo e comissões é a trilha da derrota e de novos massacres. As bases do MST devem repudiar mais essa traição de sua direção frente-populista. Nenhuma trégua a FHC. Avançar nas ocupações! Diferente do que está apontando Stédile e a direção do MST, o centro da ação dos sem-terra deve ser o do avanço das ocupações em áreas produtivas, sob a exigência de não ser dada nenhuma indenização aos latifundiários que por dezenas de anos vêm explorando e se beneficiando da terra, sob a exploração e a fome dos trabalhadores. Os milhares de sem-terra, que na marcha do dia 17 expressaram junto com outras importantes categorias a disposição de lutar contra o governo, apesar da política de derrotas de suas direções, devem apontar nesse momento a defesa de uma Jornada Nacional de Luta rumo à Greve Geral. Nada de pactos e tréguas com FHC, o caminho da vitória é o avanço das ocupações e a unidade com os trabalhadores da cidade, passo concreto para superar a política de colaboração de classes do PT e da Igreja. Ao mesmo tempo, os sem-terra nos diversos estados do país não podem se subordinar à política da paz dos cemitérios e de manifestações institucionais conduzidas por sua direção, devendo seguir o exemplo dos companheiros de Londrina, que ocuparam a Fazenda Borborema e, diante da sistemática provocação do latifúndio, através de jagunços armados até os dentes, responderam a essas ações criminosas, através de uma milícia armada de autodefesa que expulsou os homens do latifúndio, deixando morto no confronto o jagunço-mor que dias antes havia ameaçado mulheres e crianças. A luta dos sem-terra está num impasse: ou se subordina à política frente populista da direção do MST, orientada pela Igreja e o PT, que se aproxima do fechamento de um acordo nacional com FHC, aos moldes da referida comissão proposta pelo governo, e que terá por conseqüência uma profunda derrota; ou segue o caminho dos companheiros de Corumbiara e, agora, Londrina, que ocuparam latifúndios produtivos e responderam à ofensiva capitalista no campo, através de milícias camponesas armadas. É urgente que os setores classistas no interior do MST e suas bases de luta marchem pelo caminho do enfrentamento contra FHC, tendo como tarefa a construção da unidade operária e camponesa, como única via para pôr abaixo o governo dos patrões e latifundiários, rumo à construção de um Governo Operário e Camponês. Abaixo a perseguição aos sem-terra de Londrina! No dia 27 de abril, os sem-terra que ocupavam há várias semanas a Fazenda Borborema, na cidade de Tamarana, próximo a Londrina, reagiram às seguidas provocações de um grupo de sete jagunços e, no confronto, mataram o chefe do bando, conhecido como Django. Os homens do latifúndio, contratados para retirar à força os sem-terra, vinham há dias destruindo sistematicamente as barracas do acampamento, ameaçando com armas em punho as mulheres e crianças e já haviam marcado de morte os líderes da ocupação. A ação armada dos sem-terra, que através de um comitê de autodefesa invadiu a sede do latifúndio, onde estavam alojados os jagunços, expulsando os provocadores e matando o seu chefe, é um exemplo a ser seguido. Foi uma resposta legítima e necessária para barrar os seguidos massacres de que são vítimas os companheiros do MST. Todos os dias, milhares de sem-terra sofrem com o terror do latifúndio: são trabalhadores que tombam pela mão assassina dos jagunços contratados para matar a qualquer custo. Eldorado e Corumbiara são os exemplos. À diferença das ocupações anteriores foi que, desta vez, diante da iminência de um novo massacre de sem-terra pelas mãos de Django e seu bando, os companheiros da Fazenda Borborema se anteciparam e, com uma ação de autodefesa, expulsaram seus matadores, deixando um deles sem vida no confronto. A resposta legítima dos sem-terra, através de um comitê de autodefesa armado, foi filmada e imediatamente a imprensa burguesa, a UDR e o governo vociferaram a punição dos líderes do MST, responsáveis pela ação. Os patrões e seu Estado que todo dia matam trabalhadores, seja pela bala de seus jagunços e polícias, seja pela fome e o desemprego, cinicamente vêm clamar por justiça, exigindo a prisão dos companheiros de Londrina. Os que patrocinam os massacres vêm agora, em nome de sua lei patronal, perseguir os sem-terra. Diante da pressão burguesa, o MST do Paraná orientou a desocupação da área logo após o conflito e alojou as 60 famílias a 500 metros do latifúndio, esperando a desapropriação oficial por parte do governo. Essa conduta defensiva da direção do MST já possibilitou que a Polícia Militar cercasse a área e desse voz de prisão às lideranças da ocupação, além da possível negativa do INCRA de desapropriar a fazenda Borborema. Essa política, longe de preservar os sem-terra, será responsável por colocá-los nas garras do Estado burguês e não pode ser aceita pelos bravos companheiros de Londrina. É preciso voltar à Fazenda Borborema e impor, através da manutenção da ocupação do latifúndio, a desapropriação da área, sem nenhuma indenização, assim como reforçar o comitê de autodefesa. Cabe ao MST não recuar, mas sim organizar o envio de ativistas, preparando nas cidades atos de solidariedade dos trabalhadores urbanos e o deslocamento de outros trabalhadores rurais do estado e da região para a área do conflito. A perseguição aos companheiros sem-terra de Londrina deve ser imediatamente repudiada pelo movimento operário, a CUT, a UNE e o conjunto dos sindicatos. Sua ação é um exemplo a ser seguido por todos os sem-terra que têm como objetivo fazer a reforma agrária e derrotar os latifundiários. Somente com a formação e ampliação de comitês de autodefesa armados, os sem-terra barrarão os massacres de que são alvos diariamente, colocando em marcha a legítima violência revolucionária. É necessário prestar a ativa solidariedade aos companheiros do Paraná e impedir a prisão de suas lideranças. Fora as mãos assassinas do Estado capitalista sobre os sem-terra! |
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