TPOR

A contra-revolução na Rússia e a política suicida do centrismo

Artigo extraído do JLO nº 07 (janeiro/96)

"Evidentemente, nossa perspectiva não exclui a trágica possibilidade de que o primeiro estado operário, debilitado por sua burocracia, venha a cair sob os golpes mancomunados de seus inimigos internos e externos. Mas, se isto ocorrer, a pior das variantes possíveis, adquirirá enorme importância para o curso posterior da luta revolucionária, perguntar quem seriam os culpados da catástrofe. Sobre os internacionalistas revolucionários não deve cair nem sombra de culpa. Na hora do perigo mortal terão que resistir até a última das trincheiras".
(A natureza de classe da URSS, León Trotsky)

Os processos contra-revolucionários nos antigos estados operários sob o comando de grupos restauracionistas trouxeram conseqüências terríveis contra o proletariado mundial. A captura pelo capitalismo dos países onde os trabalhadores haviam expropriado a burguesia sacudiu as correntes que se reivindicam do marxismo em todo o planeta. Nesta edição, Luta Operária dá continuidade à polêmica com o programa da TPOR acerca da questão Russa e da defesa dos Estados Operários.

Assim como no passado, provocando o fracionamento da II Internacional, dando origem à III e, dentro da própria seção americana, da IV Internacional, a questão russa é um divisor de águas para as correntes que se reivindicam revolucionárias. Entre os que estão pela defesa das conquistas materiais da revolução proletária e os que, em nome do combate à burocracia estalinista, abraçaram a defesa das ‘liberdades democráticas’ capitalistas, ou seja, a ditadura da burguesia sobre os explorados.

Em agosto de 1991, Yeltsin comandou um setor que havia rompido com o aparato estatal do PCUS, se alçou à condição de representante direto do imperialismo e venceu, com a ajuda da burguesia mundial, o golpe de estado liderado pelos burocratas estalinistas do Comitê de Emergência. Os restauracionistas tomaram o poder na URSS, instaurando um governo capitalista, disposto a destruir as antigas bases sociais do Estado Operário, privatizar a economia estatizada e a restaurar o capitalismo na região, transformando a antiga URSS numa semi-colônia do imperialismo. Diante deste acontecimento, a grande maioria da esquerda mundial, incluindo os pseudo-trotskistas (OT, PSTU, CO) saudaram a contra-revolução de Yeltsin como uma ‘revolução democrática’ (PSTU) ou um ‘acontecimento revolucionário’ (CO), engrossando as fileiras do imperialismo e da social-democracia contra o estado operário. A TPOR não foge à regra.

Ainda que alguns militantes da TPOR cheguem a afirmar oralmente que sua corrente jamais esteve ao lado da restauração capitalista na Rússia, como o altamirismo e o morenismo que se opuseram à defesa incondicional do estado operário soviético, as caracterizações dos loristas em suas publicações provam justamente o contrário.

Guillermo Lora, dirigente do POR boliviano e do Comitê de Enlace do qual a TPOR faz parte, não conseguiu enxergar um palmo na frente do nariz. O XXXIII Congresso do POR aplaudiu a queda da URSS porque esta impulsionava o debacle da esquerda tradicional boliviana, em particular do PC altiplano.

O nacionalismo de Lora o impede de verificar que a queda dos estados operários representou uma derrota para o proletariado mundial e a perda de posições importantes em uma ampla região do planeta, fortalecendo o imperialismo, não só para avançar na destruição das condições de vida dos trabalhadores daquelas regiões, retomando o que lhe foi expropriado, como também investindo contra os mínimos direitos sociais conquistados pelos trabalhadores nos países capitalistas. A desmoralização e o retrocesso ideológico de um amplo setor da vanguarda não só na Bolívia, mas em toda a esquerda, não por um ascenso revolucionário mundial, mas em decorrência de uma ofensiva ideológica imperialista, não deve ser motivo de nenhuma comemoração. O próprio partido de Lora sofreu baixas importantes no último período. O que o lorismo tem a comemorar? Somos obrigados a concordar integralmente com Lora quando afirma que "a militância porista se distingue por sua baixíssima formação nos problemas internacionais ao redor da história do estalinismo e inclusive do trotskismo. Tudo isso se traduz na carência da capacidade para compreender a verdadeira essência da burocracia termidoriana e suas perspectivas" (Revolução Proletária nº 5, p. 22). Só que ele esqueceu de acrescentar que a culpa para a "baixíssima formação" internacionalista da base de sua corrente é da orientação nacionalista de sua direção, completamente incapaz de levar uma política defensista, ou seja, a defesa das conquistas da revolução proletária.

TPOR: Ao lado de Yeltsin em 91

Em setembro de 1991, a TPOR estampava como manchete de seu jornal uma clara posição pró-Yeltsin chamando a 'DERROTAR O GOLPISMO NA URSS': "o proletariado esteve obrigado a combater o golpe totalitário, como fizeram os mineiros que decretaram greve". (Massas, nº19). Mais envergonhada que as outras correntes pseudo-trotskistas, mas não menos emblocada com o bando de Yeltsin, a TPOR utiliza-se de uma imaginária greve mineira como justificativa para tomar a posição na trincheira da camarilha restauracionista, condenando o "golpe totalitário" e assim ficar de bem com a ‘opinião pública’, manipulada pelo imperialismo que propagandeava que as massas se mobilizaram em defesa das liberdades democráticas e contra a burocracia totalitária.

Na verdade, a maioria dos mineiros, assim como o resto da classe operária soviética, permaneceu passiva diante dos acontecimentos de agosto de 91. A única greve que se ouviu falar partiu de um chamado do próprio Yeltsin que foi completamente ignorado pelo proletariado russo. Aleksandr Tsipko, um dos novos ideólogos intelectuais anti-comunistas de opinião insuspeita para declarar simpatias aos golpistas, observou: "milhões de pessoas, a maioria absoluta da sociedade se mostrou indiferente ao golpe. Se os conspiradores tivessem podido resistir e chegar aos mercados com suficiente comida, o povo havia se reconciliado com bastante rapidez com o novo governo conservador". O jornal imperialista Los Angeles Time informou que "os cidadãos moscovitas receberam a notícia da queda de Gorbachev com uma mescla de indiferença e indignação... Moscou não alterou sua rotina de buscar alimentos nos comércios" (citado pelo Clarín, 20/08/91).

Esta justificativa para tomar uma posição de que as massas estariam do lado dos ‘democráticos’ não é da autoria da TPOR, o morenismo já a havia utilizado para apresentar a tomada do poder por Yeltsin, como uma ‘Revolução Operária antiburocrática’. Na realidade, as forças da contra-revolução capitaneadas pelo beberrão pró-imperialista em agosto de 91 não conseguiram reunir mais que 10 mil moscovitas, em sua maioria funcionários da própria prefeitura dirigida por Yeltsin, somados a especuladores do mercado negro, novos yuppies e fascistas.

Enquanto afirmam que "as massas rechaçaram ativamente ao golpe" (Massas argentino, nº50), apresentando os operários ao lado de Yelstin os loristas arrumaram o cenário para colocar o imperialismo ao lado dos golpistas: "o mundo das grandes finanças não se assustaram em absoluto com os golpistas, mas até os viu com alguma simpatia" (idem). Nada mais falso. Os loristas mistificam a realidade para, sob uma roupagem pseudo-Antiimperialista , aliarem-se a Yeltsin e a restauração capitalista.

Por fim, não contente com a vitória do bando restauracionista, a TPOR defende os "tribunais populares para julgarem e varrerem com o estalinismo" (Massas, nº19) e dar continuidade, ora vejam só, "a revolução política". Aqui não restam dúvidas, nem para o mais irredutível dos militantes, que nos dias decisivos de agosto sua corrente esteve na barricada dos restauracionistas ao lado das forças da contra-revolução como o conjunto da esquerda centrista.

Qual deveria ser a posição dos revolucionários em agosto de 1991?

De um lado, a vitória de Yeltsin significava de imediato a dissolução da URSS nas mãos de uma camarilha restauracionista diretamente vinculada ao imperialismo ávida por se apropriar dos recursos herdados da economia soviética, e, de outro, os estalinistas do Comitê de Emergência que defendiam a continuidade do Estado Operário degenerado temendo perder seus privilégios de casta vinculados à manutenção da URSS.

Na falta de um partido revolucionário com influência de massas na URSS, diante de um conflito entre os restauracionistas e os estalinistas, os revolucionários inevitavelmente deverão tomar o lugar na barricada dos últimos. Nesta aliança momentânea com a burocracia, os trostskistas estarão na defesa não da camarilha bonapartista, mas das bases sociais da URSS, da propriedade estatizada expropriada da burguesia, sem omitir um só momento que tal política está a serviço de preparar a revolução política e derrubar a burocracia termidoriana. Para o fundador da IV Internacional e para os revolucionários "qualquer outro comportamento seria uma traição" (Programa de Transição).

Combater Yeltsin significa retardar a contra-revolução burguesa na URSS e ganhar tempo para preparar a revolução política. E no momento de desmoronamento do aparato estalinista e do estado operário frente às forças da restauração, o tempo é crucial para os revolucionários da IV Internacional armarem seções soviéticas capazes de conter a restauração capitalista e conduzir as massas para a revolução política, tarefa que só o partido trotskista é capaz de realizar.

TPOR: Com Yeltsin em agosto/91 e com o Rutskoy em outubro/93. Sempre com os restauracionistas!

Entre os que ficaram ao lado de Yeltsin em agosto de 91 estavam Rutskoy, vice-presidente russo e Khasbulatov, líder do parlamento.

Em outubro de 93, chega ao ápice o conflito entre a frente restauracionista que havia triunfado em 91: os ‘comissionistas’ de um lado, e os ‘capitães da indústria’, entrincheirados no parlamento (juntamente com ultranacionalistas, fascistas e estalinistas), de outro, que se degladiam para ver qual camarilha restauracionista levaria à frente a contra-revolução burguesa na URSS (ver Rússia: A contra-revolução em marcha, Luta Operária nº 5). Este choque se refletiu nos violentos combates entre o governo e o Parlamento, dirigido por Rutskoy e Khasbulatov. Logo no princípio do conflito, ‘os capitães da indústria’ fazem um pacto com Yeltsin em troca de alguns postos no governo, restando no parlamento os nacionalistas, fascistas, seguidos por alguns estalinistas contra os bombardeios de Yeltsin.

Se em agosto de 91 os loristas aplaudem o democrata Yeltsin contra os golpistas totalitários, em 93 a TPOR chama a "reagir a instauração da ditadura de Yeltsin que é pró-capitalista e pró-imperialista" (Massas, set/93, nº58) e prognostica que um ataque armado ao parlamento possa "despertar a reação das massas" (idem). Como centristas, os loristas não se atrevem a sacar todas as conclusões de suas próprias posições. Tentaremos realizar este trabalho por eles.

É natural das correntes pequeno-burguesas guiarem-se sempre pelo princípio da ‘democracia universal’ contra todas as formas de ditadura. Foi este o princípio que balizou a política da TPOR em 91, aliado ao falseamento das posições do imperialismo e das massas nos acontecimentos. Se agora, o golpe sobre o parlamento é a "instauração da ditadura" que conta com o apoio do imperialismo e pode, inclusive, "despertar a reação das massas" porque não apoiar o Parlamento contra Yeltsin? Aqui os centristas se contém temerosos com as conseqüências de suas próprias posições, isto é, temem desta vez formar uma frente única com os generais fascistas, restauracionistas e partidários do império pan-russo que se encontravam com Rutskoy e seu bando dentro do parlamento.

Neste conflito, entre duas camarilhas restauracionistas, a vitória de Yeltsin ou de Rutskoy significa exatamente o mesmo para o proletariado, a perda das conquistas materiais conseguidas com a expropriação da burguesia. A política centrista mais uma vez mostra-se incapaz de defender as bases sociais e econômicas do estado soviético, e demonstra, em distintas situações, que sempre adotará a barricada de algum restauracionista.

"Estado Operário Degenerado" ou Estado Burguês? "Revolução política" ou Revolução social?

Cinco anos após o início da contra-revolução, a TPOR segue caracterizando "que ainda prevalece o Estado operário degenerado" e que, portanto, "a tarefa da revolução política se mantém" (Em defesa da Revolução Russa, Ed. Massas, pág 52). Obviamente, para os loristas é mais fácil enganar as massas e a si mesmos, voltando-se as costas para a realidade, do que assumir as conseqüências de suas posições. Interpelados sobre esta caracterização completamente irreal e indefensável, os militantes da TPOR dão com os ombros alegando que esta posição poderá ser revisada no próximo Congresso, tentando esquecer o fato de que já aconteceram 2 Congressos da TPOR só de 93 até hoje, e que, em ambos, esta posição foi reafirmada. Na verdade, a negação de que estamos diante de uma contra-revolução burguesa e não de uma revolução política serve para iludir ao conjunto da militância sobre de que lado ficou a TPOR. A 'saída' encontrada pelos loristas emblocados com Yeltsin e o imperialismo foi apelar para a esquizofrenia, fingindo estar num mundo imaginário.

Como caracterizamos no LO nº5, a partir de outubro de 93 dá-se um salto qualitativo na contra-revolução, quando os capitães da indústria, sob a direção de Chernomyrdin, passam a controlar os interesses do governo Yeltsin. Desde então, definiram-se as formas de acumulação primitiva capitalista, sobre a qual se assentaria a nova classe possuidora. O novo poder social se instala de forma violenta, através da extorsão, do roubo, da apropriação privada das empresas estatais pelos antigos gerentes e apoia-se no poder das máfias.

Trotsky assinalava que o que determinava o caráter do estado proletário eram as "formas de propriedade criadas pela revolução de outubro" (O caráter de Classe da URSS). Hoje, o Estado Russo já não é apenas um representante político da burguesia mundial. O desenvolvimento da acumulação capitalista, a partir de meados de 94, avança criando as bases sociais da nova classe possuidora, ou seja as formas capitalistas de propriedade que darão sustentação à nova burguesia, com a restauração da propriedade privada e a obtenção de riqueza pela exploração da mais-valia do proletariado russo.

"O governo já repassou para mãos particulares uma boa parte da economia russa" (Veja, 27/12/95). Para se ter um idéia mais exata do tamanho desta "boa parte da economia" já devorada pela expropriação capitalista, basta verificar que já há um ano e meio atrás os jornais noticiavam: "mais de 70% dos trabalhadores industriais russos estão agora empregados em empresas privadas" (The Economist, reproduzido por El Economista, 15/07/94).

Enquanto isso, o monstruoso aparato criminoso já soma 4.000 organizações mafiosas que recrutam a 200 mil homens armados, controlam 50.000 empresas, mais de 400 bancos e milhares de companhias estatais. Segundo o Jornal argentino Âmbito Financeiro (14/11/94), a máfia já controlava "40% da economia russa" em novembro de 94!

Neste sentido, desde a tomada do poder pelos restauracionistas em 91 já não há mais que se falar de Estado Operário Degenerado, e, mediante o desenvolvimento desta nova burguesia, que apropriou-se juridicamente de um amplo setor dos meios de produção é imprescindível afirmar que o caráter da revolução é social pois agora trata-se não só de expulsar a camarilha yeltsinista governante do nascente Estado burguês como também expropriar os restauracionistas que se apossaram de uma "boa parte" dos meios de produção.

A TPOR revela o verdadeiro conteúdo de sua política, encontrando-se no campo dos que desertaram da defesa das conquistas da Revolução de Outubro e emblocaram-se com as forças da restauração capitalista, como o restante das correntes anti-defensistas. Não restam dúvidas de que a TPOR aliou-se à contra-revolução na destruição do estado operário e continua com a mesma política agora, negando-se a combater o Estado burguês parido pelo processo contra-revolucionário.

A principal tarefa dos verdadeiros trotskistas na luta por defender as conquistas da classe operária ameaçadas é construir um poderoso Partido bolchevique internacionalista baseado no armamento das massas, para enfrentar as forças da contra-revolução, e nos conselhos operários em toda a Rússia. Apenas o partido da IV Internacional é capaz de conduzir o proletariado russo à insurreição. Abaixo a contra-revolução de Yeltsin e do imperialismo! Pela construção do partido mundial da revolução socialista!


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