INTERNACIONAL

PERU

A esquerda peruana num beco sem saída

Artigo extraído do JLO nº17 (janeiro/fevereiro/97)

A tomada da embaixada do Japão no Peru, protagonizada pelo MRTA, acertou, sem sombra de dúvida, um duro golpe no combalido regime político peruano, baseado no terror e repressão ao movimento operário e a esquerda guerrilheira.

No entanto, por mais espetacular que tenha sido sua operação, que por muito pouco não capturou como reféns o próprio Fujimori, esta é produto direto de um ato de profundo isolamento e desespero político em que se encontra a esquerda peruana, em particular sua facção foquista. A ação do MRTA é, portanto, o cume de um processo de marginalização &ente ás massas, assim como de uma completa atomização do movimento operário peruano, que há cerca de duas décadas iniciou um grande ascenso político, sendo duramente golpeado, tanto pela estratégia reformista de uma esquerda frentepopulista, quanto pelo tiro de misericórdia dado pelo golpe encabeçado por Fujimori em abril de 1992.

O Peru tem como particularidade o fato de que, nos últimos quinze anos, foram abertas várias oportunidades para que a esquerda em geral se alçasse à condição de poder, em função de sua enorme influência, tanto no campo político, como militar. Nessa mesma etapa histórica, o Peru foi onde as correntes trotskistas mais tiveram influência junto ao proletariado em nade o planeta fenômeno talvez só comparado á Bolívia e Ceilão (atual Sri Lanka), ambos na década de 50.

DO GOVERNO MILITAR DE BERMUDEZ ATÉ A CHEGADA DA "DEMOCRACIA". COMPLETA CAPITULAÇÃO DA ESQUERDA

Em outubro de 1968, em meio a uma situação mundial de extrema turbulência para o imperialismo, uma facção nacionalista das forças armadas peruanas apodera-se do aparato estatal para tentar dar uma resposta á extrema crise política por que passava o pais. Ao contrário de outros regimes militares latino-americanos que se insurgiram contra ‘governos nacionalistas’ como o de Peron na Argentina, ou Goulart no Brasil, o governo do general Velasco Alvarado inicia um ciclo nacionalista com rompantes que incluíram a nacionalização sem indenização da subsidiária da Exon no Peru, fazendo com que os EUA decretassem um bloqueio creditício por seis anos ao Peru; ao mesmo tempo, inicia um surto de modernização do pais, deslocando seu eixo agrário (açúcar, pesca etc.) para a exploração de segmentos mais rentáveis no mercado mundial, como petróleo e cobre.

Também de forma distinta de seus pares, que ao menos formalmente colocavam-se como oposição ás ditaduras, a esquerda stalinista peruana aderiu integralmente ao ‘nacionalismo' de botas, desarmando completamente o movimento de massas que ficará imobilizado por quase dez anos, mais precisamente até a eclosão da greve geral de julho de 77.

Em um golpe de estado ocorrido em 1975, Velasco é deposto pelo general Morales Bermudez, que encerra o chamado ciclo nacionalista, acentuando a grande dependência da economia peruana às exigências do FMI. A divida externa peruana chega, em 1978, a casa dos dez bilhões de dólares, cinco vezes mais do que em 1968. Oficialmente em completa bancarrota, acuado pelo ascenso do movimento operário, Bermudez anuncia um plano de abertura política, prevendo a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte e a entrega do poder aos civis em 1980.

OS PSEUDO-TROTSKISTAS E A 'MOÇÃO VERMELHA'

Profundamente desgastada pela sua integração ao regime militar, a esquerda stalinista, tanto o Partido Comunista Peruano oficial, quanto a sua versão maoísta, acabaram por ceder espaço ás organizações que se reivindicavam do trotskismo, alimentadas pelo enorme prestigio do diligente das lutas camponesas Hugo Blanco, diligente do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), seção peruana do Secretariado Unificado (SU). Em uma composição política que abarcava praticamente todos os setores sociais em luta no Peru, o PRT, em aliança com o POMR (lambertista) e o PST (morenista), impulsionou a formação da Frente Operária, Camponesa, Estudantil e Popular (FOCEP), para concorrer á Assembléia Constituinte de 1978. O PCP e os grupos maoístas lançaram a União Democrática e Popular (UDP), que somada ao APRA totalizava as opções de esquerda nestas eleições

O resultado destas eleições revelaram um fenômeno político significativo; pela primeira vez em nível mundial, um bloco formado por organizações 'trotskistas ' alcançou quase 15% da votação geral do pais (cerca de 650 mil votos), elegendo uma bancada composta por mais de uma dezena de deputados constituintes. O PCP e a UDP ficam atrás chegando a cerca de 10% dos votos. Hugo Blanco tomava-se o diligente mais popular da esquerda no seio das massas.

A exitosa votação da FOCEP tinha como base o espetacular afluxo do proletariado, em situação abertamente revolucionária, iniciada com a greve geral de julho de 77. Em maio de 1978, novamente uma greve geral paralisa o pais, ocorrendo inclusive focos de sublevações localizadas. Estava sob a responsabilidade direta dos 'trotskistas' da FOCEP a condução vitoriosa do acúmulo de lutas ocorridas no Peru naquele ano, cabendo-lhes a tarefa de unifica-las rumo à perspectiva de formação dos sovietes para a tomada do poder político.

Mas a via da tornada do poder dos pseudo-trotskistas peruanos não era exatamente aquela proposta por Lenin e Trotsky, ou seja, a revolução socialista conduzindo á ditadura do proletariado, apoiada no armamento de operários e camponeses. O caminho encontrado pelos revisionistas agrupados na FOCEP foi que a própria Assembléia Nacional Constituinte tomasse o poder e instaurasse uma constituição socialista. Foi assim que apresentaram a famosa 'Moção Vermelha' à Constituinte, para que esta assumisse o poder. A então DO francesa, mentora do POMR afirmava : "a bandeira da Constituinte soberana centraliza o conjunto das palavras .de ordem transitórias que conduzem o combate da nação á ditadora do proletariado " (Pierre Lambert, julho de 1978). Ricardo Napuri, hoje dirigente da LIT, então urna das principais lideranças da FOCEP, seguia na mesma trilha: "É evidente que se a Moção (Vermelha) è apresentada na Assembléia, é a esta que nos dirigimos para que assuma todos os poderes..., e resolva as contradições fundamentais do povo oprimido. " (Revolução Proletária, 1978). E mais do que evidente, para qualquer marxista, que nenhuma instituição do Estado burguês pode decretar o trânsito de um regime social capitalista a outro superior, socialista e mesmo que o fizesse não passaria de uma formalidade, já que urna classe social dominante não abandona seu poder em função de um ato legislativo. A tentativa de substituir os sovietes, verdadeiros organismos do poder proletário, por panacéias do tipo de Assembléias Constituintes, só podem conduzir o proletariado a retumbantes derrotas, e no Peru não podia ser diferente.

A ‘Moção Vermelha'; além de ser, logicamente, derrotada na constituinte, serviu como elemento de desmoralização da FOCEP, e de todos os seus integrantes (PRT= POMR, PST) junto ás massas, que se viram ilustradas ao depositarem suas esperanças de mudanças na constituinte fantoche do governo militar de Bermudez. A FOCEP, ao invés de esgotar as ilusões das massas na Constituinte, as aprofunda, gerando uma profunda derrota política. Rapidamente, a burguesia consegue contornar a situação revolucionária, canalizando a expectativa das massas para as eleições presidenciais de 1980. Nestas, a FOCEP apresenta-se dividida e a junção dos agrupamentos pseudo-trotskistas (POMR, PRT, PST), não consegue atingir mais do que 1% dos votos, ficando desta vez bem atrás dos blocos stalinistas. Foi a sanção das massas aos reformistas que tentaram disseminar a podre ilusão de que era possível substituir o método da revolução proletária por manobras parlamentares. Era o fira da grande influência política dos trotskistas, que a partir daí iniciam sua própria autofagia, até a total liquidação nos dias de hoje.

 

A GUERRILHA PERUANA, PRODUTO DO FRACASSO DA ESQUERDA PARLAMENTARISTA

Com o debacle da FOCEP, volta ao cenário político o Partido Comunista, que durante o governo de Belaunde Terry (Ação Popular) consegue se refazer da sua cisão maoísta, PC(M), passando a articular a formação de uma frente popular denominada Esquerda Unida. Nas eleições de 1985, a Esquerda Unida consegue conquistar a prefeitura de Lima, capital e principal centro político e econômico do pais, tomando-se a segunda força política do pais, ficando somente atrás do APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana), do então presidente Alan Garcia.

A experiência política do movimento operário, realizada com a gestão da EU a frente da prefeitura de Lima, foi a pior possível. A EU descarrega sobre os trabalhadores o ônus da crise econômica que atravessava o Peru, congelando salários, aumentando os impostos e reprimindo manifestações em oposição á sua política pró-capitalista. Perfilada com os ajustes econômicos realizados sob as ordens do FMI, a EU afunda em conjunto com o governo de Alan Garcia em um profundo descrédito político, abrindo desta forma as portas para a vitória do inexpressivo Alberto Fujimori em 1990, apesar do seu enorme cacife eleitoral.

É durante o governo da EU em Lima, que torna corpo um sentimento entre a vanguarda de esquerda, de que a luta política tradicional, ou seja, a intervenção nos sindicatos, universidades, parlamento, estava completamente esgotada, restando como única opção a luta amuada. Era uma forma distorcida de realizar o balanço dos fracassos da esquerda peruana (FOCEP e sua Moção Vermelha, gestão era Lima da EU), canalizando-o para urna vertente abstencionista e militarista Pela ausência do partido revolucionário, que pudesse capitalizar o descontentamento com as velhas direções, passam a ganhar influência política grupos, até então extremamente insignificantes, como o Sendero Luminoso e o MRTA, defensores da luta armada a partir da arregimentação de focos revolucionários entre os camponeses, que já conheciam várias experiências de guerrilhas rurais.

Com o aguçamento avassalador da sua crise econômica, principalmente entre 1986 e 1991, o desemprego e a miséria tomam conta dos principais centros urbanos. O Peru, completamente devastado pelo processo de quebra de seu incipiente parque industrial, promovido pelas privatizações do outrora nacionalista APRA, ocupa um lugar importante no roteiro do tráfico internacional de cocaína, passando a ser um dos principais produtores da folha de coca. Este fato deu enorme impulso ás organizações guerrilheiras, que passaram a controlar zonas inteiras ao norte e ao sul do pais, protegendo os camponeses da repressão militar estatal, ao mesmo tempo que recebiam vultosas ajudas financeiras dos narcotraficantes, que não tinham o menor interesse em abrir um segundo ‘front’ com a guerrilha.

Ao mesmo tempo que ganhavam influência política e militar no campo, o stalinismo guerrilheiro abandonava o proletariado urbano á sorte das traições da CGTA, controlada pelo Partido Comunista Peruano, reduzindo sua intervenção nas cidades a atos isolados de terrorismo antigovernamental. Esta orientação produzia no seio das massas cada vez mais uma sensação de impotência e inviabilidade de suas lutas pela via de sua própria ação direta.

Com o golpe militar de 1992, o governo Fujimori encerra uma etapa histórica aberta em 1977, ingressando o Peru em uma situação política contra-revolucionária. A extrema facilidade com que derrotou, primeiro eleitoralmente a esquerda oficial, para depois infringir urna derrota politico-militar na esquerda foquista (em conseqüência, no conjunto do movimento de massas no Peru), repousa na ausência de vínculos reais entre a guerrilha e o proletariado. Isolada das massas, a guerrilha baseava sua popularidade era urna conjuntura favorável, que combinava a plantação da coca no campo como principal fonte de renda, e a crescente miséria nas cidades. Como Fujimori, através da momentânea injeção do capital do imperialismo japonês, combinado a uma brutal repressão militar no campo, consegue mudar o eixo de sustentação da política econômica peruana, noTrnaÚm1do inclusive ele próprio o envio de cocaína aos EUA, solapa por completo a base de sustentação da guerrilha, levando-a ao quase aniquilamento físico, além de uma crescente capitulação política.

A sensacional ação do MRTA significa, portanto, um ato de desespero político, frente a sua iminente decomposição, aproveitando-se de uma circunstância de crise política e econômica onde o regime fijimorista apresenta sinais de esgotamento. Entretanto, nada pode garantir que, diante de um prematuro colapso do governo fujimori, tanto a guerrilha foquista, quanto o stalinismo eleitoralista possam assumir novamente o papel de protagonistas principais do movimento de massas no Peru. A ausência de um verdadeiro partido revolucionário faz com que a história caminhe mais lenta e de forma sinuosa e repetitiva.


NÚMERO ATUAL NÚMEROS ANTERIORES PÁGINA INICIAL


1