NACIONAL Resoluções da Conferência de Fundação da LBI Brasil: O imperialismo e a recolonização nacional Artigo extraído do JLO nº 0 (maio/junho/95) O Plano de estabilização monetária, promovido diretamente pelo capital financeiro internacional para os países da América Latina, tem no Brasil sua expressão de maior ousadia. Sua tarefa é a recolonização do país, através da demolição de uma economia que detinha a posição de "gigante" das nações atrasadas, apresentando níveis de crescimento, na década de 60, em ritmo concentrado só comparável à economia soviética dos anos 30 a 50. A execução dessa tarefa pelo imperialismo, ou seja, retroceder a economia nacional a um papel "agro-exportador" no mercado mundial, quase idêntico ao desempenhado no início do século, esbarra nos limites em que uma grande fração da burguesia nacional pretende manter posições ocupadas nos anos de inversões massivas do capital transnacional no país. Este setor dependente do capital internacional, ocupando uma posição de sócia menor em ramos importantes da economia, como os setores automobilístico, eletro-eletrônico e químico, ou mesmo controlando de forma indireta, via estatais, ramos chaves como extração e refino do petróleo, produção energética, telefonia, não pretende ser excluída sumariamente desta sociedade. Longe de esboçar uma resistência "nacionalista" ou "progressista" à recolonização orientada pelo imperialismo, esta fração burguesa procura um "acordo" onde possa preservar seus interesses, no sentido do deslocamento de seus capitais às correntes migratórias do capital financeiro (especulativo) mundial. Estas contradições entre as diversas frações burguesas representantes de ramos econômicos distintos, que vão desde a oligarquia agrária, passando pelos monopólios industriais (nacionais), até os setores diretamente ligados ao capital financeiro internacional, assim como os enfrentamentos diretos com um movimento operário e de massas muito radicalizado, têm levado o regime político e o próprio Estado burguês a uma situação de profunda instabilidade e crises crônicas, que ainda não se transformaram diretamente em uma etapa abertamente revolucionária pelo enorme bloqueio imposto à classe operária através da burocracia sindical e das direções pequeno-burguesas. Instabilidade e crise política são os elementos chaves da atual etapa política, entre a correlação de forças sociais abertas na transição do regime militar ao regime democratizante. As tentativas da burguesia nacional de estruturação de um regime democrático estável no Brasil, são rapidamente destroçadas pela avassaladora crise econômica que abala as frágeis instituições caricaturais da democracia formal. A burguesia nacional é completamente incapaz historicamente de equacionar os graves e anacrônicos problemas do país, como a concentração fundiária, desemprego, níveis elevados de miséria absoluta, baixos salários, desigualdades regionais, endividamento externo, etc. Neste marco é completamente utópica e reacionária a pretensão da esquerda social-democrata em consolidar um regime plenamente democrático e politicamente estável. Das eleições presidenciais de 89 ao "Fora Collor!", as massas sacodem o regime Dois momentos de crise política marcaram a etapa atual posterior à queda do regime militar atropelado pelas mobilizações das "Diretas Já", na medida que concentraram, do ponto de vista da luta de classes, uma possibilidade de ruptura política, abrindo passagem a uma etapa revolucionária: a campanha da Frente Brasil Popular — FBP de 89 e o movimento "Fora Collor!". Longe de serem fenômenos estanques entre si, representam um fio de continuidade da crise política do regime com desdobramentos importantes para conjuntura atual. A eleição presidencial de 89, com o desdobramento da dinâmica das massas galvanizada pela campanha da FBP, representou muito mais do que um "evento institucional" no calendário político burguês. Significou uma válvula de escape ao completo colapso do novo regime após a saída de cena dos militares. Neste marco, a campanha da Frente Popular, encabeçada por Lula, capitaliza um amplo e multitudinal movimento de massas, superando inclusive a campanha das "Diretas Já", o maior movimento de massas já visto pela história nacional até então. Apontava na perspectiva, a partir de uma iminente vitória eleitoral, da instauração no poder de uma Frente Popular, frente de colaboração de classes, baseada numa enorme radicalidade do movimento operário e de massas. A burguesia e o imperialismo, diante da pulverização de seus candidatos e partidos tradicionais (PDS, PMDB, PFL), como também pelo enorme receio que a vitória da FBP liberasse ainda mais profundamente as forças do movimento operário, resolve-se por uma saída de emergência. Promovendo uma das maiores fraudes eleitorais, declara vitoriosa a candidatura Collor, representante de setores marginais da oligarquia agrária nordestina, sem a menor penetração junto à burguesia industrial e financeira, apoiado por um partido fictício criado às vésperas da eleição. A direção do PT, que já na elaboração do programa da FBP tentava estabelecer um vínculo orgânico com setores da burguesia "democrática" e "progressista", acata vergonhosamente a fraude eleitoral, desmobilizando por completo o movimento de massas sob o argumento de que os "descamisados" (eleitores de Collor) os teriam derrotado, tentando negociar um salvo conduto para que a sua vitória em 94 fosse aceita sem traumas pelo imperialismo e a burguesia nacional. A "vitória" de Collor, longe de fechar ou mesmo estancar a profunda crise política do regime democratizante, apenas retarda por pouco tempo o que aconteceria de maneira convulsiva caso a FBP chegasse ao poder. Mesmo assim, os desdobramentos finais da posterior queda do governo Collor evidenciaram a enorme disposição do movimento de massas de ultrapassar os estreitos limites do regime democratizante burguês. Ao governo Collor é colocada a tarefa de iniciar o processo de reforma do estado, assim como enquadrar a economia brasileira às novas exigências do capital financeiro internacional, operação já iniciada em toda a América Latina. Era evidente que um governo débil, sem base parlamentar nem social, estava completamente impotente para ser o timoneiro de uma operação com tal envergadura, apesar de contar com o apoio crítico da direção do PT, que diante da primeira medida de contenção da crise inflacionária, imposta com o confisco de 70% da poupança nacional, afirmou que se fosse governo faria a mesma coisa. As medidas iniciais adotadas por Collor, como o confisco da poupança popular, arrocho salarial e roubo das aposentadorias; posteriormente, o início do processo de privatizações, corte drásticos de verbas para os setores públicos como saúde, educação e habitação, despertaram o ódio acumulado da população que logo depois viria a eclodir. Neste quadro, irrompe uma luta intestina no seio da burguesia, que no primeiro momento leva à queda de quase todo o ministério e, no segundo, aparece em forma de escândalo público sob as queixas de beneficiamento, por parte do governo, a um setor da oligarquia agrária alagoana. A população assiste atônita a uma lavagem de roupa suja no interior das próprias forças políticas que apoiavam o governo. A "oposição" petista permanece paralisada temendo que com um único sopro viesse a implodir o cambaleante governo Collor. Mas de forma espontânea, uma simples passeata estudantil, em função da comemoração do dia dos estudantes (11/08/92) destrava o enorme bloqueio das direções, liberando o ódio acumulado da população, pavimentando assim o caminho para as manifestações nacionais e multitudinais pelo "Fora Collor!". A mobilização só não atinge um caráter mais amplo, através da participação da classe operária, pelo bloqueio da direção pequeno-burguesa do PT. O imperialismo e a burguesia já não podiam sustentar a queda livre de Collor, sob a ameaça de uma derrubada insurreicional do regime com a iminência da entrada em cena da classe operária. Inicia-se uma operação política de transição, via Congresso Nacional, para a posse do vice-presidente Itamar Franco. O PT assume o papel decisivo na operação impeachment, desviando completamente a rota das mobilizações do "Fora Collor!" para o curso institucional. O impeachment, articulado juntamente com o PMDB, PSDB, e PFL deverá assegurar um governo de "entendimento nacional" com a representação de todos os partidos, inclusive o PT. Para a burocracia lulista, este seria a ante-sala de seu próprio governo, em função de uma "estrondosa vitória eleitoral em 94". A burguesia, extremamente debilitada, prepara-se para adotar medidas preventivas, em relação a um futuro governo de frente popular, como a adoção do Parlamentarismo. A direção majoritária do PT apóia a manobra burguesa, para a convocação de uma plebiscito em favor da mudança do sistema de governo. Paralelamente, inicia um processo de discussões com o PSDB, considerado como "aliado eleitoral preferencial" tanto para as eleições presidenciais, como para os governos estaduais. Mas a manobra do plebiscito vai por água a baixo, a grande massa da população identifica a adoção do parlamentarismo como um golpe para retirar poderes do futuro governo petista, colocando-o como refém do parlamento. Na própria consulta prévia interna do PT, Lula e todos os principais dirigentes do partido saíram derrotados. Apesar da quase unanimidade dos partidos políticos nacionais defenderem o parlamentarismo, a votação a seu favor foi um completo fiasco. A Crise do Governo Itamar A derrota do parlamentarismo aprofundou ainda mais a crise do regime e, particularmente do Congresso Nacional, que saiu ainda mais desmoralizado para dar início à chamada Revisão Constitucional, uma das exigências do imperialismo para o momento. Sem conseguir levar adiante o programa de privatizações, restringido ao setor siderúrgico e com o Congresso paralisado para dar início a Revisão Constitucional, em função de satisfazer as exigências do capital financeiro, o Governo Itamar atravessa sua pior crise. Neste momento, estoura o escândalo da Comissão de Orçamento do Congresso, assumindo dimensões ainda maiores que as denúncias sobre Collor. Desta vez, envolveu o conjunto dos partidos que foram o eixo da representação burguesa desde a ditadura militar, responsáveis pela operação de transição ao regime democratizante, o PMDB e o PFL, além de seus satélites como o PSB e o PPR. O estopim da crise foi a revelação por um alto funcionário do Congresso, que as construtoras e grupos econômicos do país controlavam a quase totalidade dos parlamentares, aprovando projetos super faturados e orientando a votação do orçamento anual da união no Congresso Nacional. O governo Itamar encontra-se completamente perdido, paralisado e sem qualquer iniciativa para levar adiante os planos do imperialismo, o chamando governo de "entendimento nacional" rezava para chegar ao fim. Nesta crise, o PT e a maioria das organizações de esquerda revelaram seu caráter antioperário comportando-se como apêndices do regime democrático burguês. A revelação objetiva do verdadeiro caráter da democracia representativa, como um instrumento dos grandes grupos econômicos, dava lugar a um amplo trabalho de agitação em torno da necessidade de instauração de um verdadeiro regime socialista, onde a propriedade privada não determinasse, pelo controle direto do parlamento e do Executivo, os destinos do país. No socialismo, ao contrário, o controle das instituições políticas é determinado por organismos soberanos dos próprios trabalhadores que, sob o domínio do conjunto da economia, em função dos seus próprios interesses e necessidades históricas, eliminarão o papel parasitário e corrupto dos capitalistas e suas corporações econômicas. Este trabalho de ampla agitação deveria desenvolver-se colado às tendências mais insurgentes do movimento de massas, contidas e desviadas desde o "Fora Collor!" para uma saída institucional burguesa. Mas a esquerda, tendo o PT à frente, assegurou mais uma vez uma saída para o regime em bancarrota. Defendeu, em acordos com os partidos burgueses, a instauração de uma CPI no Congresso Nacional, para assegurar que fosse contornada e abafada a crise nos marcos do próprio parlamento, bastando para isso, o sacrifício de meia-dúzia de deputados considerados "corruptos". A palavra-de-ordem adotada pelo PT, "CPI prá valer", refletiu sua profunda ligação com o Estado burguês e suas instituições apodrecidas. Os pseudo-trotskistas , PSTU e Causa Operária, por sua vez, deram uma demonstração de completa falência ideológica. Adaptaram a palavra-de-ordem adotada pelo PT, de "CPI prá valer", lançando-se em defesa de "CPI nelles todos" e "Eleições Gerais", quando toda a situação indicava para justamente o contrário, ou seja, denunciar o caráter fraudulento das eleições representativas no regime democrático, onde o capital "elege" seus representantes em função de seus interesses econômicos e políticos, apontando para uma saída operária independente à crise do parlamento e, por conseqüência, do próprio Estado burguês. Contornada a crise do Congresso, o governo Itamar prepara-se para enfrentar as eleições presidenciais, que indicavam a candidatura Lula como imbatível diante de todas as alternativas burguesas. A direção do PT, após haver assegurado a posse do vice collorido e sustentado seu governo durante todas suas crises, procura credenciar-se junto ao capital nacional e internacional como a única candidatura capaz de levar adiante o programa imperialista de recolonização nacional. Lula viaja a Nova York, em 94, para apresentar as credenciais de seu programa aos banqueiros da 5ª Avenida: manutenção do pagamento da dívida externa e de todos os acordos com o FMI, defesa do programa de privatizações, submissão da economia nacional ao alinhamento definido pelo imperialismo através do Mercosul. Ao mesmo tempo, apresenta uma garantia efetiva do controle que tinha sobre o movimento de massas no Brasil, desarmando, de Nova York, uma greve nacional dos servidores públicos federais, que apontava uma tendência à unificação de várias categorias em direção à greve geral. Esta sinalização do PT dá fôlego a Itamar para iniciar o Plano de estabilização monetária chamado de "Real", assim como indicar seu ministro da economia, FHC, candidato a presidência, frustrando, definitivamente, uma coligação tão sonhada pelo PT. O Governo Itamar edita uma medida provisória criando a URV, unidade monetária paritária ao dólar, convertendo os salários para uma média abaixo da inflação, enquanto todas as outras mercadorias tem seus preços convertidos no patamar mais elevado. Além disso, é colocado em votação no Congresso a criação de um fundo econômico, o Fundo Social de Emergência, visando drenar grande parte dos recursos das áreas sociais, saúde e educação para cobrir um futuro rombo do Tesouro Nacional causado pela elevação artificial da moeda, preparando o caminho da entrega do país, interrompido com a queda de Collor. A direção do PT não só omite-se de qualquer crítica ao confisco salarial, como seus parlamentares votam a favor do plano no Congresso. Dentro da CUT, o partido desmonta, categoria por categoria (servidores públicos, professores, metalúrgicos do ABC, petroleiros, bancários, carteiros, etc), toda a resistência operária ao plano, impondo uma completa paralisia ao movimento de massas. A Frente Brasil Popular e o Plano Real A burguesia consegue estancar momentaneamente uma etapa de crises sucessivas que vão desde o colapso da Nova República à queda de Collor, da derrota do Parlamentarismo até a CPI do Orçamento. Quando todas as tendências apontavam para uma enorme explosividade social e a perda completa do controle do processo político, a burguesia, com a colaboração direta do PT e sua Frente Popular, assegura a estabilidade na sucessão presidencial, apostando a partir daí na vitória do seu representante direto — FHC — muito atrás de Lula nas pesquisas eleitorais. A frente popular, encabeçada pelo PT, ao contrário de 89, não estava assentada em nenhuma grande mobilização multitudinal e de massas, sua campanha calcada sob um alto grau de integração ao imperialismo não constituía um canal onde o proletariado pudesse expressar sua ação independente. Diante da migração do apoio do capital financeiro em direção à candidatura de FHC, materializada, por exemplo, na mudança operacional da Rede Globo que pouco antes nutria simpatias por Lula, a frente popular responde como quem disputa desesperadamente o lugar de candidato preferencial dos grandes grupos econômicos, afirmando que Lula "dará continuidade ao Plano Real, porque seu programa é idêntico ao de FHC, as únicas diferenças são os agentes sociais que implementarão este programa" (Aloísio Mercadante, Gazeta Mercantil — 15/08/94). A candidatura Lula, através da CUT, aborta novamente o início de uma poderosa greve que ameaçava reunir 50 mil petroleiros. Durante o mês de setembro, "une esforços" com a FIESP e o Governo Itamar desarmando rapidamente a greve dos metalúrgicos do ABC, negociando uma saída em que os operários suspenderam a greve com os salários arrochados e as montadoras com os impostos reduzidos. A campanha da Frente Brasil Popular começa a refluir, obrigando a mudança do vice, Bisol, em função das denúncias de corrupção, pavimentando o caminho para elevar artificialmente FHC nas pesquisas eleitorais, aparecendo na reta final com uma forte superioridade sobre Lula, eliminando inclusive a possibilidade da realização do 2º turno. Os números revelam uma grande reviravolta: quatro meses antes das eleições, o PT liderava as pesquisas com 40% das intenções de voto, mas FHC ganha as eleições, logo no 1º turno, com 54% dos votos válidos. A explicação dada pelo PT , com a qual faz coro "analistas políticos" da direita à esquerda, de que o fenômeno está vinculado ao suposto sucesso do Plano Real, não corresponde minimamente à realidade. A derrota de Lula foi produto direto de sua própria política, que o fez completamente refém da dinâmica imposta pela burguesia. Após quebrar toda a resistência ao plano, a burguesia se acha livre para fazer a transição Itamar-FHC a seu modo predileto, lançando mão de uma série de artifícios fraudulentos: institutos de pesquisas com resultados combinados simetricamente iguais, adulteração e omissão dos dados econômicos desastrosos do Real etc. A fraude eleitoral que seria posta em prática foi declarada às vistas de todos, pelos poros do próprio governo, em episódios como o de Ricupero, e reconhecida na declaração de Leonel Brizola pela televisão no dia da eleição (03/10): "o que os institutos de pesquisas não conseguiram fazer pela vitória de FHC, os computadores do TSE o farão, e o PT sabe disso". A direção do PT, ao contrário de denunciar o estrondoso estelionato eleitoral, o que poderia colocar a nu o fraudulento regime democratizante, saúda o PSDB, logo no início da apuração dos votos, por ter realizado uma campanha ética, assumindo o compromisso de não fazer oposição, por se tratar desta vez de um governo honesto. No segundo turno das eleições para os governos estaduais, estabeleceu-se a aliança tão pretendida pelo PT com os tucanos. Em São Paulo, o partido de Lula apóia Covas; em Brasília e no Espírito Santo, é a vez do PSDB responder à gentileza. Com esse pretexto, setores inteiros do PT passaram-se de malas e bagagens para apoiar FHC, compondo o governo, como foram os casos de Francisco Weffort e Augusto Franco, o que, apesar de tudo, não deve causar nenhuma estranheza para os que ideologicamente já se encontram do outro lado, defendendo a social-democracia e a economia de mercado. A esquerda pseudo-trotskista dividiu-se, fundamentalmente, entre duas posições em relação às eleições de 94. A posição defendida pela OQI — Causa Operária, de apoio crítico à candidatura Lula, transportava mecanicamente a realidade de 89 para 94 sem levar em consideração as profundas mudanças ocorridas no cenário internacional e nacional. A frente popular de 89 assumia uma dinâmica distinta à de 94, apesar de conservar o mesmo caráter de colaboração de classes. A diferença residia na integração direta da FBP ao capital financeiro internacional, e não mais às sombras da burguesia nacional como em 89. Esta posição podia ser sintetizada em um único ponto: a defesa em dar continuidade ao Plano Real, a porta de entrada para uma série de medidas econômicas e políticas operadas pelo FMI. Para levar à frente seu objetivo, a FBP teve como tarefa refluir o movimento operário desenvolvendo uma campanha eleitoral "a frio" sem nenhuma polarização com os candidatos patronais, nem tampouco estimulando qualquer ação das massas. Neste patamar, a política que melhor potenciava uma intervenção classista e revolucionária era a realização de uma ampla campanha pelo voto nulo colada à necessidade da derrota do Plano Real, através da unificação das lutas rumo à greve geral! O malabarismo político de Causa Operária a obrigava a defender Lula como uma candidatura "tradicional do movimento operário"(CO, nº200, 27/09/94); omitindo completamente seu caráter burguês, determinado não por sua posição social, e sim pelo seu programa pró-imperialista. CO convocava ao mesmo tempo o "Abaixo ao Plano Real" e a votar pelo candidato que defendia sua continuidade! Com a posterior revelação dos reais mantenedores econômicos da campanha da FBP em 94, os grupos Itaú, Odebrecht, etc, ficou claro que, para a burguesia nacional e o imperialismo, as duas candidaturas representavam seus interesses, resolvendo-se no final por dar a vitória a FHC, seu representante direto, em função de terem conseguido alcançar uma certa estabilidade na crise crônica do regime através da política traidora da frente popular. Causa Operária, além da capitulação política à frente popular, consegue sair-se pior quando veio à tona a confissão do estelionato eleitoral, pelo ministro da fazenda em rede nacional. No chamado episódio Ricupero, CO defendeu a realização de "eleições limpas e democráticas" "sob a direção de um comitê eleitoral controlado por todos os partidos e entidades democráticas" (panfleto Mobilizar por Eleições Livres e Democráticas, 07/07/94), reivindicando do PT a convocação de um "dia nacional de luta contra a manipulação eleitoral" (Idem). Estes pseudo-trotskistas não "conseguem" enxergar que o próprio PT era cúmplice desta fraude, além do que a saída democratizante que apontavam: eleições limpas controladas por todos os partidos burgueses democráticos era a de legitimar ainda mais profundamente a fraude eleitoral organizada pelos trustes e monopólios. Somente um novo poder surgido das mobilizações operárias poderia resolver as pendências democráticas que a burguesia é incapaz de realizar. Exigir de uma coordenação de partidos e entidades democráticas do tipo PMDB, PSDB, PDT, OAB, CNBB, etc, a realização de um processo eleitoral plenamente democrático significa a mesma coisa que exigir da UDR o confisco do latifúndio! A denúncia feita por CO era vazia de qualquer conteúdo que ultrapasse os marcos do próprio Estado burguês e seu regime democratizante, pretendendo aperfeiçoá-lo com a formação de uma coordenação eleitoral democrática burguesa, além do que abstinha-se da denúncia principal no momento, ou seja, a integração do PT à fraude, no sentido de acelerar um deslocamento enorme de setores operários da órbita do PT em função das suas posições comprometidas com a manipulação e o estelionato operados pela burguesia. Nestas eleições, Causa Operária omitiu-se em desenvolver uma ampla campanha pela construção de um partido operário revolucionário, para posteriormente à vitória de FHC, levantar a necessidade da legalização de um novo partido, deslocado de qualquer combate político ou delimitação programática ao reformismo. A outra variante pseudo-trotskista representada pelo PSTU, um agrupamento centrista produto da fusão da ex-CS morenista com burocratas sindicais de esquerda, expressava o aprofundamento da integração das correntes pequeno-burguesas à política de reformar o Estado burguês, sob a direção de uma frente popular. O debut do PSTU como partido político, após a exclusão da CS do PT que, segundo os morenistas, deveu-se a suas "posições contrárias às coligações do PT com partidos burgueses", é marcado pela sua integração orgânica à Frente Brasil Popular, unido-os a partidos e políticos burgueses, como Miguel Arraes, Valdir Pires e Roberto Freire. Segundo o PSTU, sua entrada na frente popular estava subordinada a objetivos táticos como a eleição de uma forte bancada parlamentar, justificando, desta forma, o abandono do eixo mais importante do trotskismo em sua luta contra a política das direções sociais-democratas e estalinistas como afirma o programa de transição: "A IV Internacional não tem nem pode ter lugar em nenhuma das frentes populares. Opõe-se irredutivelmente a todos os grupos políticos apegados às saias da burguesia.".(Programa de Transição, Leon Trotsky). O PSTU reproduz a política frente populista com verniz de esquerda, como o velho POUM espanhol, revelando-se uma organização que subordina os interesses históricos da classe operária à estratégia de derrotas da frente popular. Abaixo FHC e a reforma constitucional! A vitória de FHC marca o aprofundamento do projeto imperialista de recolonização nacional, já assentado pelo Governo Itamar, no lançamento do Plano Real. Com a estabilização inflacionária provocada pela valorização artificial da moeda nacional em relação ao dólar, o Estado brasileiro "queima" nesta operação dois terços de suas reservas cambiais, avaliadas em torno de 30 bilhões de dólares. Os beneficiários desta operação, grandes corporações ligadas ao capital financeiro internacional, acumularam da noite para o dia, transformando seus títulos da dívida pública ou bônus do tesouro nacional indexados ao real, cerca de 12 bilhões de dólares, sinalizando uma pequena mostra de uma grande operação de completa demolição parasitária da economia nacional. A composição do novo governo, PSDB-PFL, será ampliada substancialmente com a entrada nos ministérios do PMDB e PPR, e, indiretamente até o PT na indicação do seu ex-Secretário Geral Francisco Weffort, demonstrando a profunda integração do PT ao governo FHC. Vale salientar o peso hegemônico da burguesia industrial paulista (FIESP) na composição do novo gabinete, o que representa uma atitude preventiva sobre os vorazes interesses econômicos do imperialismo, que ocupa postos chaves no governo (Ministério da Fazenda e Banco Central). Estabelecidas as bases do plano Real, FHC dá início à execução de metas fundamentais do projeto de recolonização nacional, tanto no terreno econômico, como no institucional, no sentido de harmonizar as duas frentes de intervenção. Do ponto de vista econômico, os efeitos do colapso mexicano e a iminente bancarrota argentina, fazem com que o estado eleve a patamares absurdamente elevados, levando em conta a queda inflacionária, as taxas de juros praticadas pelo Banco Central. Na tentativa desesperada de evitar a saída de capital especulativos, ancorados tantos nas bolsas de valores como nos títulos públicos, o que poderia provocar a quebra completa do estado nos primeiros meses de Fernando Henrique Cardoso. Uma das características fundamentais da economia nacional após o real é a abertura indiscriminada às importações industriais, levando à falência ramos inteiros do parque industrial do país. A conseqüência imediata da recolonização imperialista é a concentração incessante de riquezas nas mãos de um punhado cada vez menor de capitalistas, através da quebra ou "enxugamento" das "empresas não competitivas" pelos grandes monopólios financeiros, provocando o crescimento assustador do desemprego e da miséria social no país. O resultado direto desta política é a acumulação monstruosa do déficit na balança comercial que, de novembro de 94 a maio deste ano, já supera 5 bilhões de dólares (Jornal do Brasil, 27/05/94). Vale ressaltar que antes do Real o Brasil era o único país da América Latina a ostentar um índice superavitário em sua balança comercial. Para cobrir o rombo deixado pelo saldo negativo das importações sobre as exportações, assim como o do Tesouro Nacional com a sangria permanente de reservas cambiais, quase que já exauridas, através do lançamento de títulos públicos, o Banco Central pratica as maiores taxas de juros do mercado mundial, sendo superado unicamente pela Rússia, aumentando dessa forma monstruosamente o endividamento externo. O governo FHC pagará ao capital financeiro internacional somente pelos serviços da dívida (juros, spread), "algo em torno de US$15 bilhões" (idem); como se já não bastasse a festa promovida pela dupla FHC-Itamar ano passado, concedendo às transnacionais instaladas no país "nada menos que US$5,9 bilhões, na forma de incentivos fiscais variados"(OESP, 25/01/95). Na realidade, em resumo, a economia nacional transformou-se em refém das correntes migratórias do capital financeiro internacional, que numa única operação de retirada, podem conduzir à quebra do Estado completamente dependente do "ciclo vicioso" imposto pelo imperialismo. A submissão do país aos interesses da oligarquia financeira, obriga o governo FHC a retomar a chamada "Revisão Constitucional", pretendida desde o Governo Collor e iniciada sem sucesso por Itamar. Para tanto, se faz necessário readequar as estruturas jurídicas do Estado nacional às novas exigências do FMI. Neste sentido, a quebra do monopólio estatal do gás canalizado, do petróleo, das telecomunicações, etc, significam o primeiro passo para levar adiante o processo de privatizações nas principais empresas estatizadas, como Petrobrás, Telebrás, Vale do Rio Doce, etc. A outra ponta da "Reforma" consiste na eliminação de conquistas históricas do proletariado brasileiro, como a previdência estatal, a educação pública, a indexação salarial, etc. O grande balcão de negócios, chamado Congresso Nacional, também não poderia abster-se em presentear os grandes grupos monopolistas através de uma generosa reforma tributária, visando ampliar ainda mais os subsídios e isenções fiscais, benesses fabulosas concedidas pelo Estado burguês. O PT e a burocracia sindical cutista, além de negar-se a esboçar qualquer perspectiva de resistência independente aos planos do imperialismo, resolve criminosamente participar (legitimar) a malfadada Revisão. A CUT chega ao ponto de assinar a proposta de reforma tributária elaborada pela FIESP. Por sua vez, o PT vota pelo fim do monopólio estatal do gás canalizado. O movimento operário deve tirar lições importantes, diante da traição vergonhosa da CUT e do PT, através de uma clara delimitação política que se oponha à destruição das conquistas, assim como à entrega do país ao imperialismo. Romper com a paralisia imposta pelas direções frente populistas, iniciar uma ampla mobilização que aponte uma saída independente à classe operária são os pontos chaves neste momento. O processo de recolonização, apesar de obter alguns avanços, conseguidos em função da ausência de uma direção classista e revolucionária no movimento de massas não prossegue incólume às sucessivas crises que seus próprios efeitos têm provocado. Os constantes choques interburgueses, expressos nos atritos entre os membros do próprio governo, mais particularmente no seio da equipe econômica, refletem a disputa entre os setores da burguesia industrial nacional e a oligarquia financeira internacional. O Governo FHC tenta atuar como árbitro das diferentes frações burguesas dentro dos estreitos limites que dispõe, em função da crise estrutural do regime. A quebra do sistema financeiro dos estados (BANESPA, BANERJ, etc) e a exigência do FMI pela imediata privatização deste setor, tem provocado crises intestinais entre o governo paulista do PSDB e o Ministro da Fazenda. A outra fonte de atritos é a bancarrota do setor exportador, prejudicado com a super valorização do real, que ainda se mantém em funcionamento graças aos ACC´s (Adiantamentos de Contratos Cambiais), empréstimos de longo prazo com juros subsidiados, concedidos pelo Estado. Também as oligarquias agrárias, com forte presença no parlamento, estranguladas com a alta dos juros, têm conseguido benesses, negociando suas dívidas junto aos bancos estatais em troca de apoio político ao regime. Uma grande parcela da burguesia nacional tem seus dias contados e pressiona FHC para que vá mais lentamente com os planos de recolonização no que tange a abertura do mercado ao capital estrangeiro. Estes capitalistas dependentes apavorados são completamente impotentes para contrapor-se ao seu próprio achatamento promovido pelo grande capital internacional e tratam de recuperar cada centavo que lhe toma o imperialismo, aumentando a exploração sobre a classe operária, arrochando os salários, aumentando o exército de desempregados, liquidando com todas as conquistas trabalhistas e intensificando os selvagens ritmos de produção, exigindo do governo o aparato jurídico e policial para fazê-lo. Todo este quadro aponta na perspectiva de uma gigantesca crise política, não só provocada pelas disputas interburguesas, mas, fundamentalmente, pela entrada em cena do proletariado que começa a esboçar uma revolta, contra a liquidação da previdência, a quebra da estabilidade dos servidores públicos, a privatização das estatais e o conjunto dos ataques contra suas condições de vida. O ascenso do movimento operário expressa a disposição dos trabalhadores de reagirem contra o arrocho salarial, o desemprego, e os ataques do governo FHC com a reforma constitucional. O primeiro obstáculo é que a manifestação de repúdio da população, a resistência aos ataques do governo e as greves de diversas categorias se manifestam em lutas dispersas. Porém, apesar de se expressarem de forma espontânea e isolada, as lutas tendem a se generalizar. A única saída para superar o estágio de dispersão e atomização da resistência aos ataques patronais é a construção de um eixo de intervenção unitário do conjunto dos explorados, transformando as lutas por categorias, ou ramos de categorias, em uma luta de toda a classe operária contra o regime burguês. Para tanto, o conjunto do ativismo classista, as bases das categorias em luta, a CUT, o MST, a Central dos Movimentos Populares e a UNE devem romper com o corporativismo e a dispersão convocando um massivo Congresso Nacional do Movimento Operário e Popular, a partir das bases de todos os setores em luta contra o regime. Longe de limitar-se a um caráter sindical, como os congressos ordinários da CUT, com a participação exclusiva dos sindicatos filiados, deverá abarcar todos os setores sociais em luta contra FHC: desempregados, os sem-teto, aposentados, petroleiros, metalúrgicos, estudantes, sem-terra, servidores públicos, transformando a luta parcial contra os ataques sofridos por cada categoria, em uma luta unitária de todos os explorados e oprimidos contra o governo patronal que promove os piores ataques aos trabalhadores. Um congresso que corresponda às necessidades atuais de organização e luta dos explorados deve estar assentado sobre a mais ampla democracia operária, assegurando a participação de todos os setores explorados dispostos a travar uma luta de classes contra o governo e o regime burguês. Um fórum construído a partir das bases de cada categoria em luta, dos locais de trabalho, moradia e estudo, das ocupações de terra. O Congresso Nacional do Movimento Operário e Popular assume a perspectiva fundamental em unificar e centralizar as lutas com a ampla participação dos trabalhadores no sentido de dotá-las de um programa operário e independente, que contemple o conjunto das reivindicações dos explorados, estruturando um plano de lutas que coloque na ordem do dia a Greve Geral por tempo indeterminado. O eixo político para que um plano de lutas se constitua numa verdadeira alavanca propulsora da unidade dos explorados deve levantar a consígnia ABAIXO FHC e a REFORMA CONSTITUCIONAL. Esta política corresponde por canalizar todo o repúdio das massas expresso nos diversos atos contra o governo e as greves em curso contra o centro dirigente da política capitalista no país. O aprofundamento da mobilização unitária dos trabalhadores e da juventude oprimida deve constituir-se em colocar nas mãos da própria classe operária uma saída independente para a crise capitalista. Derrotar FHC e seus planos significa, nesse momento, quebrar as bases centrais do imperialismo, representado pelo governo dos grandes monopólios. A unificação e centralização das lutas em oposição à recolonização do país deve ter como eixo político a construção de uma alternativa de poder ao governo patronal, através da luta por um governo das organizações operárias, camponesas e estudantis. Ao mesmo tempo, a jovem LIGA BOLCHEVIQUE INTERNACIONALISTA faz um chamado ao conjunto da vanguarda operária-camponesa-estudantil para forjar o único instrumento capaz de derrotar a burguesia e a barbárie capitalista, o Partido Operário Revolucionário, o único caminho para a delimitação e superação das direções traidoras do movimento operário. A luta por unificar o conjunto dos explorados, sob um programa operário, contra o governo FHC, agente da recolonização imperialista, deve ter como base as seguintes reivindicações:
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