ENCONTRO ENTRE OBAMA E LULA

Hegemonia mundial da centro-esquerda burguesa para aprofundar a ofensiva contra as massas

O encontro do ex-dirigente sindical com o negro na condição de melhores gestores do capitalismo no Brasil e EUA é a marca de um período em que a maioria das capitais do continente aplicam uma fórmula comum: governos de centro-esquerda burguesa encabeçados por supostos representantes políticos de grupos sociais mais explorados e oprimidos em suas respectivas nações para nutrir falsas ilusões populares e gerir a crise capitalista contra o conjunto da classe trabalhadora.

A política de colaboração de classes permite aos regimes que implantam tais governos uma estabilidade política maior do que com os partidos e coalizões burguesas tradicionais. Com este plus, a burguesia aumenta barbaramente o saque aos cofres estatais e o ataque às condições de vida da população trabalhadora com demissões em massa e anulação dos direitos trabalhistas em um grau de ferocidade ainda maior do que na década neoliberal passada. Não sendo sob estes governos, a luta de classes tende a se polarizar como vimos recentemente na Itália, Grécia e França.

Unidos para enganar as massas e aprofundar a ofensiva imperialista contra elas, Lula e Obama fizeram seu teatrinho demagógico para a platéia televisiva. O primeiro, com o cinismo que lhe é habitual defendeu descaradamente que “a solução da crise não é a gente ficar dando dinheiro para os bancos” quando o próprio doou somente nos últimos seis meses aos banqueiros US$ 160 bilhões (um montante correspondente a nada menos que quatro PROER que FHC levou meia década de 90 para fazer enfrentando grande resistência da população), como se fosse pouco já ter assegurado nos seis anos de gestão petista recordes sobre recordes de lucratividade ao capital financeiro.

Obama, não deixa barato, com menos de dois meses de mandato já protagoniza o super-escândalo dos bônus bilionários. Diante dos despejos, das demissões e da pauperização crescente de grande parte da população estadunidense, o governo patrocinou com um insultante aporte de US$ 170 bilhões o pagamento de bônus para executivos da AIG, premiados por falirem a empresa e que ainda “se demitiram” após embolsarem o bolão. E este é só o primeiro de uma série de escândalos financeiros envolvendo o governo Obama que devemos esperar nos próximos dias. Como um poço sem fundo, as empresas que já receberam bilionários pacotes de salvamento querem mais concessões, enquanto candidatos a postos chaves na Secretaria do Tesouro do novo governo vêm sendo denunciados e alguns obrigados a desistir do cargo quando revelado que até outro dia, estavam do outro lado do balcão como lobbistas querendo arrancar novos benefícios do governo.

LULA SE ENCARREGA JUNTO A OBAMA DE DEFENDER
OS INTERESSES IANQUES NO G20 E NA RECRIAÇÃO DA OPERAÇÃO CONDOR
NA AMÉRICA DO SUL

A reação de Obama à alegria quase juvenil da comitiva lulista pelo estreitamento das relações comerciais entre Washington e Brasília foi um gélido: “que pelo menos não haja retrocesso”. Esta aparentemente desanimadora declaração de intenções por parte dos EUA quer na verdade forçar mais vassala-gem do títere brasileiro em seu papel de capitão-do-mato junto às demais semico-lônias. Daí, a tão pro-palada “ação conjunta do Brasil e EUA na cúpula do G-20” em dois de abril em Londres como produto da reunião Obama-Lula não passa de um empenho maior por parte da diplomacia brasileira em pressionar seus pares semicoloniais a curvarem-se diante dos interesses comerciais dos EUA. Papel pelo qual o governo Lula foi acusado de “traidor” pelos governos das demais semicolônias na reunião da fracassada Rodada de Doha de julho passado.

De fato, não há desinteresse dos EUA em comerciar com o Brasil, apesar do superávit comercial favorável ao Brasil, o imperialismo sempre leva a melhor. O comércio bilateral entre os dois países em 2008 chegou a alcançar US$ 53 bilhões em uma troca desigual entre commodities baratos (petróleo, suco de fruta e etc.) de cá, por mercadorias de alto valor agregado (veículos, turborea-tores, componentes e equipamentos eletrônicos) de lá, prejudicada pelos vitaminados subsídios agrícolas despejados pelo governo nos bolsos do agro-negócio ianque.

Lula ainda tratou de admoestar  Obama pela redução do protecionismo e dos subsídios um dia depois dos congressistas dos EUA rejeitarem por unanimidade uma tímida proposta de Obama de cortar a ajuda aos fazendeiros com renda anual acima de 500 mil dólares. Esforço inútil. Democratas e Republicanos asseguraram em uníssono que a Farm Bill, lei agrícola que rege os subsídios, e que vai custar US$ 26 bilhões em subsídios ao governo não poderá ser alterada até 2012. O protecionismo por sua vez atingiu o seu teto histórico, no mesmo dia em que rejeitaram o corte de subsídios os deputados americanos exigirem ao Tesouro que impeça bancos resgatados pelo pacote financeiro de investirem em outros países.

O que mais importa aos EUA é o protagonismo do governo do PT na coordenação dos governos burgueses da região para o disciplinamento da luta de classes e na conversão completa de Cuba ao capitalismo. Na edição da semana seguinte ao encontro, a revista “Time” constatou que Lula firmou-se como a “melhor aposta” para intermediar a aproximação de Obama com a centro-esquerda continental. Um desejo também manifesto a Lula antes de partir para Washington até pelo mais, aparentemente, rebelde líder nacionalista, Hugo Chávez. O presidente brasileiro também foi portavoz de um discreto pedido de Evo Morales para solicitar um encontro com Obama paralelo à reunião da Cúpula das Américas, em meados de abril, onde o Brasil será ator de destaque. Como vanguarda dos governos burgueses da centro-esquerda e utilizando-se do peso econômico da economia brasileira na América Latina, Lula vem cumprindo com maestria a função de aríete dos interesses imperialistas. Jamais poderiam exercer tal função junto às demais semicolônias, peões tradicionais como Calderón no México e muitos menos fascistas como o colombiano Uribe.

Sem que os EUA dessem qualquer atenção à demanda do governo brasileiro por sentar à mesa de seus amos, através de um acento no conselho de segurança da ONU, o governo brasileiro que capitaneia a criminosa ocupação militar do Haiti há quase cinco anos, comprometeu-se a montar um organismo policial multinacional sob o pretexto de combater o tráfico de drogas juntamente com os outros 12 títeres sul americanos e o narco-traficante governo Uribe através do Conselho Sul-Americano de Defesa da Unasul. Na verdade, querem criar uma nova força tarefa de contra-insurgência, uma “moderna” reedição da assassina Operação Con-dor para criminalizar a luta social direta e armada, perseguir as Farc, os camponeses sem-terra e a população trabalhadora das favelas a serviço da burguesia, do latifúndio, das multinacionais capitalistas, dentre as quais, o narcotrá-fico sediado e intocável na metrópole.

No caso da relação com o Brasil, a Casa Branca não se dispõe nem precisa dar qualquer colher de chá ao empresariado da semicolônia, fazendo concessões em abrir seu mercado ao biodiesel, por exemplo, para obter altos lucros comerciais e financeiros, graças ao lambe-botas governo de plantão. O imperialismo tem as riquezas brasileiras no bolso, desde o petróleo, passando pela agricultura, refém das multinacionais traficantes de tecnologia transgênica, etc.

A servidão financeira do país acentuou-se de forma violenta no governo petista. Em 2005 um estudo revelou que nas últimas três décadas a remessa de lucros, dividendos e juros para o exterior havia crescido 1.085%, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) aumentara 129%, ou seja, a quantidade de dinheiro remetido para fora do país cresceu dez vezes mais do que a produção de todas as riquezas nacionais. As remessas que haviam atingido os US$ 25 bilhões anuais na era FHC alcançaram os US$ 33,875 bilhões ano passado, um crescimento de 50,6% em relação a 2007, enquanto o PIB arrastou-se em 5% em todo 2008, despencando para os 3,6% negativos no quarto trimestre do ano.

UM ABISMO ENTRE O AMADURECIMENTO DAS CONDIÇÕES OBJETIVAS PARA A REVOLUÇÃO E O RETROCESSO SUBJETIVO NA CONSCIÊNCIA DAS MASSAS

A hegemonia de governos de centro-esquerda burguesa se conforma a partir de políticos e partidos de origens bem heterogêneas que reúne desde ex-movimentos guerrilheiros, como na Nicarágua e El Salvador, passando por frentes populares sui generis como no Chile e Brasil, até partidos imperialistas clássicos como é o caso do Democrata ianque. Enquanto Lula tem origem no movimento sindical, Bachelet veio de um partido social-democrata clássico, Chávez das Forças Armadas e Lugo da Igreja Católica.

Em meio à reação ideológica que se seguiu ao retrocesso restauração capitalista nos primeiros Estados operários da história, fundados no século XX, os partidos pequeno-burgueses reformistas ou nacionalistas com influência de massa e os governos por eles conduzidos tornaram-se a opção preferencial do imperialismo para gerir a crise capitalista. Eles converteram-se em fórmula dominante em muitos países (Chile, Brasil, Uruguai, Bolívia, Venezuela, Equador, Nicarágua, Paraguai, África do Sul, Paquistão) subserviente ao imperialismo ianque, tendo como último a entrar no clube El Salvador, que acaba de eleger um governo da ex-guerrilha FMLN. Este tipo de gestão burguesa baseia-se na ação preventiva da classe dominante para descomprimir a enorme insatisfação acumulada pelos explorados a partir da cooptação da vanguarda sindical e popular e da aplicação de políticas compensatórias para amortecer a luta de classes. Mas, até ano passado, só tinha sido acionada as nações semi-coloniais, o crescente ódio popular ao governo dos EUA, assim com a necessidade de aprofundar a ofensiva anti-operária e belicista de acumulação e concentração de riquezas em meio à crise financeira mundial moveram o imperialismo ianque a aplicar em si mesmo e a seu modo, a fórmula comprovadamente eficaz para conter preventivamente a luta de classes.

Obama é um ex-líder comunitário e advogado na defesa de direitos civis que tornou-se o principal político burguês do imperialismo. O Partido Democrata conta com poderosos instrumentos sindicais como a AFL-CIO, a SEIU (União Internacional de Empregados de Serviços), que juntos representam mais de 30 milhões de trabalhadores e, uma constelação de centenas de ONGs, dos quais nem Bush nem qualquer outro governo ianque anterior teve a sua disposição, afora o US$ 1 bilhão gastos na campanha presidencial para produzir o "fenômeno Obama".

Mas, os oprimidos podem não se contentar com a promessa vazia de fechamento de Guantánamo, de criação de um sistema de saúde que lhes atenda, de retomada de investimento nas pesquisas de células-tronco ou do reconhecimento formal de direitos aos homossexuais. Se nenhuma destas e das próximas medidas mentirosas e distracionistas não bastar para conter a luta de classes, 20.000 soldados do Exército dos EUA, em operações "anti-terroristas" combinadas com forças estaduais e locais, já estão sendo disponibilizados para ações regulares dentro do próprio país, segundo plano que começa a ser implementado pelo Pentágono. Trata-se de uma mudança dramática nos parâmetros das operações militares do país.

A hegemonia centro-esquerdista é também um sintoma do quanto as condições objetivas estão maduras para a revolução socialista no planeta, quando a concentração de riquezas, a miséria crescente e a insatisfação popular que restarem desta crise vão se acentuar de sobre-maneira. Demonstra que os capitalistas já não podem mais governar com os seus representantes tradicionais, precisam recorrer aos trânsfugas da centro-esquerda inclusive para realizar ocupações militares. E também que o abismo entre o amadurecimento das condições objetivas e subjetivas é enorme, sendo imperioso construir um partido revolucionário internacionalista que desmascare tanto aos representantes da burguesia que se vê obrigada a fazer populismo enquanto aumenta o saqueio, como aos partidos esquerdistas que prestam “apoio crítico” a estes governos como o ISO nos EUA, o PAC francês, o PSOL brasileiro e outros oportunistas menores como o CMI de Allan Woods que vendem a vitória das direções burguesas como produto de um giro progressivo à esquerda da conjuntura e não da ação preventiva do imperialismo para aprofundar a rapina e os ataques aos povos oprimidos e aos trabalhadores. Também não podem passar incólumes as direções revisionistas do trotskismo como a LIT, a UIT que impulsionam mini-frentes populares que apóiam criticamente as direções centro-esquerdistas, relativizando uma questão de princípios, a colaboração de classes, apresentada pelos revisionistas como um mero problema tático, são coadjuvantes deste engodo que conduz as massas à barbárie.

É possível frear e derrotar a ofensiva burguesa centro-esquerdista, seguindo a lição dos bolcheviques que desmascaram e derrotaram pela revolução proletária, Kerensky, o mais esquerdista dos governos burgueses e que despertara profundas ilusões nas massas russas. Por novos partidos bolcheviques que organizem e unam os trabalhadores do planeta para, sobre os escombros de todos os governos burgueses, conter o curso da barbárie e reorientar a história da humanidade em direção ao futuro socialista.


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