“SOCIALISMO DO SÉCULO XXI” EM CRISE

Revés eleitoral do chavismo abre caminho para o retorno da oposição conservadora ao governo nacional

O presidente Hugo Chávez e seu partido, o PSUV, sofreu um grave revés nas eleições regionais de 23 de novembro. Apesar de o PSUV ter ganhado a maioria das prefeituras, 233 contra 57 da oposição conservadora e 18 dos 23 governos estaduais em disputa, as vitórias chavistas ocorreram nos estados e cidades com menor população, principalmente de base agropecuária, nos bolsões mais atrasados do país. O grande trunfo apresentado pelo governo é que 5,6 milhões de eleitores votaram no PSUV, enquanto que em dezembro de 2007, no referendo para aprovar a reforma constitucional proposta por Chávez, o “Sim” recebeu 4,4 milhões de votos. Agora, toda a oposição reunida teve 4,3 milhões de votos, quando no ano passado alcançou 4,5 milhões, perdendo, portanto, cerca 250.000 votos.

A oposição burguesa, no entanto, controla depois das eleições regionais, cinco estados, dentre eles os principais centros políticos e econômicos da Venezuela. Dividida em vários partidos que concorreram, porém, em estreita colaboração política, a direita manteve os dois estados conquistados nas eleições de 2004, ou seja, o rico estado de Zulia, responsável por quase 80% da produção petroleira nacional, e o de Nova Esparta, no leste. Agora controla o governo em Miranda, que engloba bairros da capital Caracas. Venceu também em Táchira, na estratégica fronteira com a Colômbia e em Carabobo, antes governado por um dissidente do PSUV e considerado o coração da indústria venezuelana. Todas essas conquistas foram obtidas na região do chamado “corredor eleitoral”, a zona norte costeira do país, na qual se encontra a maior parte da população. Pelos resultados oficiais 5,6 milhões do total de votos foram para o PSUV e 4 milhões para a oposição conservadora, com 44% dos venezuelanos sendo agora governados pela direita. A mais emblemática derrota do chavismo ocorreu na prefeitura de Caracas, cuja megaprefeitura administra quatro dos cinco municípios que fazem parte da região metropolitana da capital. Esta cidade, antes gerenciada por um homem da inteira confiança do presidente, palco das principais manifestações golpistas de 2002 e dos conflitos entre partidários e adversários do chavismo, agora passa para as mãos do oposicionista Antonio Ledezma, que celebrou a vitória fazendo um convite provocador ao presidente: “Convido Chávez a trabalhar junto, para resgatar do caos e da anarquia a capital de nosso país” (Folha de S.Paulo, 24/11). A debacle oficial na região metropolitana é duplamente exemplar. Primeiro porque o candidato chavista derrotado, Aristóbulo Isturiz, era apontado até então como o possível sucessor de Chávez. Ele havia se notabilizado por defender sozinho em 1992, na Câmara dos Deputados, os jovens oficiais das FFAA, liderados pelo então tenente-coronel Hugo Chávez, que tentaram um golpe militar contra Carlos Andrés Perez. Segundo, foi a perda em Petare, imensa favela da capital, um dos focos da resistência popular ao golpe de 2002.

De acordo com a justiça eleitoral venezuelana a participação popular no pleito ultrapassou o recorde histórico com mais de 65% do total de 17 milhões de eleitores. Esse incremento, porém, foi fundamentalmente em favor da direita, como reconhecem os próprios grupos pseudotrotskistas apoiadores do ex-tenente-coronel: “A participação foi muito alta para estas eleições, com mais de 65% (15 pontos a mais que 2004) e parece evidente que houve uma mobilização da base da direita ainda que perdendo votos em relação ao referendo (ficou distante 300.000 mil votos de seu teto eleitoral no referendo constitucional), assim como a abstenção de uma parte da população dos bairros em que se encontra a base chavista. Apesar disto, se recuperaram mais de um milhão e meio de votos com relação ao referendo constitucional, porém sem mobilizar outro milhão e meio das eleições presidenciais de 2007. Esta abstenção se agudiza sobretudo nos estados em que perdeu a revolução” (El Militante, 24/11).

A reação de Chávez aos resultados das urnas foi sintomática. Apesar de proclamar a vitória do PSUV, não foi à varanda do Palácio Miraflores, sede da Presidência, para comemorar com seus apoiadores, como faz tradicionalmente após as disputas eleitorais. Em entrevista pela televisão, Chávez adotou o tom conciliatório com a oposição, como já havia feito quando foi derrotado no referendo de dezembro de 2007: “Aos prefeitos que se dedicaram a conspirar, a trazer paramilitares, aos novos governadores (...), eu, como chefe de Estado, reconheço esse triunfo e espero que vocês reconheçam a este governo. Quero felicitar os triunfadores dos partidos de oposição. Eu reconheço sua vitória e faço um chamado em nome do mais alto compromisso democrático” (Agência Estado, 25/11). A declaração mais reveladora, de cunho estratégico, foi lançada pelo presidente ao analisar a alta participação no pleito: “As eleições demonstraram que aqui há um sistema democrático e que a decisão do povo é respeitada” (Folha de S.Paulo, 24/11), arrematando “Quem pode dizer que há uma ditadura na Venezuela?” (idem). Ao se comprometer com a institucionalidade burguesa e suas instituições fantoches Chávez está enviando para o grande capital e, particularmente ao imperialismo ianque e seu novo chefe, Barack Obama, a mensagem de que não romperá a ordem constitucional para se manter à frente do governo nacional depois de 2012. Ao mesmo tempo, se distancia de qualquer “aventura socialista”, como gostam de acusá-lo seus adversários de direita, referindo-se a sua estreita relação com Fidel Castro, que dirigiu a revolução em Cuba há quase 50 anos. Se no passado Fidel aconselhou Daniel Ortega e a Frente Sandinista a não fazerem da Nicarágua uma nova Cuba, hoje a burocracia castrista discute seriamente como converter Cuba em uma nova Venezuela!

O que está claro nas palavras proferidas por Chávez é que este deseja respeitar cada vez mais as regras da moribunda democracia burguesa e estabelecer um acordo com a oposição conservadora para as eleições presidenciais de 2012. A base desse acordo, em um marco constitucional onde Chávez não poderá candidatar-se, a menos que convoque um novo referendo para esse fim e abra uma profunda crise política no país com conseqüências imprevisíveis, é estabelecer uma alternância no governo central com os demais partidos burgueses. Os resultados destas eleições regionais e a reação de ambos os lados, como os novos dirigentes oposicionistas se distanciando dos tradicionais golpistas, são a ante-sala desse processo.

O fato do fenômeno do chavismo está ligado a um alto grau de personalismo em torno da figura do atual presidente, sustentado por um partido burguês sem raízes sociais no movimento operário e ter um staff governamental profundamente corrupto, formado inclusive por ex-golpistas, muitos derrotados nestas eleições regionais, alavanca o desgaste social e político do mal-chamado “Socialismo do Século XXI” após 10 anos de governo bolivariano. O atual revés eleitoral, somado à derrota no referendo de 2007, está lastreado em uma profunda desilusão das massas, que não obtiveram nenhuma conquista econômica e social significativa. Ao contrário, verificou-se no último período um giro à direita do governo e a celebração de um pacto com os mais importantes setores da burguesia via o chamado “Reimpulso Produtivo” para prover o empresariado de pesados subsídios. Não por acaso, todas as nacionalizações chavistas (Sidor, Cemex, Santander) estão baseadas em gordas indenizações e no rigoroso cumprimento das regras do mercado internacional em favor dos grandes grupos capitalistas. Enquanto isso, os trabalhadores continuam submetidos a miseráveis condições de vida, que devem se agravar com a crise mundial capitalista que jogou o preço do barril de petróleo, base da economia venezuelana, na lona.

Para romper com esse curso contra-revolucionário que leva as massas venezuelanas a um beco sem saída é necessário desde já construir uma alternativa proletária e revolucionária ao chavismo. Tragicamente as correntes que reivindicam o trotskismo na Venezuela são parasitas diretas do PSUV (Marea Socialista, CMR ligado a Alan Woods) ou praticam um “semi-chavismo” (USI ligada a UIT, UST-LIT), que os tornam incapazes de se constituir como uma ferramenta política para a superação do nacionalismo burguês no país. Está colocado na ordem do dia organizar a luta direta dos trabalhadores em torno do eixo político da oposição operária e revolucionária aos diversos bandos burgueses que se polarizam entre o governo Chávez e a direita conservadora, sentando as bases para resistir através da ação direta das massas ao aprofundamento da ofensiva do capital que se conforma em um horizonte cada vez mais próximo na Venezuela.


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