Gustavo
Bayerl Lima
Acadêmico
de Direito da CSVV/UVV
SALÁRIO-MÍNIMO INCONSTITUCIONAL
A
Constituição da República Federativa do Brasil, que garante
instalar, neste País, um Estado Democrático de Direito, com
fundamento na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, dentre outros,
visando construir, no território nacional, uma sociedade livre,
justa e solidária, como garantia do desenvolvimento nacional,
erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as
desigualdades sociais e regionais, com a finalidade de promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. l °,
caput e incisos II, III e IV; art. 3°, caput e incisos I a IV),
assegura, ainda, como garantia fundamental dos brasileiros e
estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade
(CF, art. 5°, caput), garantindo, finalmente, aos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros direitos sociais que visem à
melhoria de sua condição social, o direito fundamental a um
salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz
de atender a suas necessidades vitais básicas e as de sua
família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo
vedada sua vinculação para qualquer fim (CF, art. 7°, IV).
A
Constituição cidadã, pelo visto, garante ao trabalhador, no
Brasil, não, apenas, um salário mínimo individual, para
atender suas necessidades normais com alimentação, habitação,
vestuário, higiene e transporte, como assim, estabelece, ainda,
no plano da legislação ordinária, a Consolidação das Leis do
Trabalho CLT (arts. 76 e 81, caput), mas determina,
expressamente, ao legislador comum, a fixação de um
salário-mínimo familiar e socialmente digno, que atenda,
também, às necessidades vitais básicas com educação, saúde,
lazer e previdência social do trabalhador e de sua família.
A
legislação consolidada, por sua omissão parcialmente agressora
do salário-mínimo do trabalhador, não fora recepcionada, no
ponto, pelo Texto de nossa Lei Fundamental, em vigor, como,
assim, não o foram os atos normativos, até hoje editados, com
conteúdo material insuficiente a atender o comando dirigente da
Lei Maior, para a fixação de um salário-mínimo com dignidade
familiar e social.
Sob
o aspecto de sua instrumentalidade formal, o salário-mínimo, no
Brasil, há de ser fixado por lei, que não deve omitir, em sua
quantificação material, os ingredientes vitais do comando
constitucional, que preordena a garantia legal da moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social ao trabalhador e a sua família.
Caracterizado,
constitucionalmente, como direito social e garantia fundamental
do trabalhador urbano e rural, o salário-mínimo familiar deve
ser fixado pelo Congresso Nacional (CF, arts. 22, I e XXIIIe 48,
caput), através de lei em sentido estrito, sendo vedado, nessa
seara normativa, a edição de medida provisória (CF, ad. 62 e
parágrafo único), uma vez ser proibida, nessa matéria, a
instrumentalidade de lei delegada (CF, ad. 68, § 1°, 11), a
não correr o risco de arranhar o princípio sensível dos
direitos e garantias individuais, posto a salvo, pelo legislador
constituinte, no rótulo das cláusulas pétreas, contra
possíveis ameaças do poder reformador (CF, art. 60, § 4°,IV).
No
entanto, o histórico jurídico do salário-mínimo, no País,
sob o ângulo formal e material, é de manifesta agressão ao
comando constitucional, desde a edição de seu primeiro diploma
normativo, o Decreto n° 2.162, de 1°/05/1940, que o
quantificara em CrS0,22 (vinte e dois centavos) até a
publicação de Medida Provisória que, hoje, pretende fixá-lo
em, apenas, R$ 130,00 (cento e trinta reais).
Tal
salário-mínimo, desgarrado do conteúdo sócio-econômico do
texto constitucional, não garante, sequer, o mínimo existencial
do trabalhador individual, agredindo-lhe a sobrevivência, a
cidadania e sua dignidade de pessoa humana, enquanto aumenta os
espaços da pobreza e da miséria no cenário nacional,
multiplicando os focos de marginalização e de exclusão social.
O
salário-mínimo constitucional, enquanto garantia de
sobrevivência digna da entidade familiar, caracteriza-se como
direito humano, conforme assim fora considerado, pela primeira
vez, no tratado de Versalhes, e, ainda, assim o é, formalmente
garantido nas relações internas e internacionais da República
Federativa do Brasil (CF, arts. 1°,IV e 4°, II), como nas
relações dos demais povos livres.
A
Constituição Federal não somente determinou de modo
vinculante, o conteúdo material da lei do salário mínimo, no
País, mas, também, estabeleceu comandos normativos de
proteção ao salário do trabalhador, tais como, reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada
sua vinculação para qualquer fim; piso salarial proporcional à
extensão e à complexidade do trabalho; irredutibilidade do
salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
garantia de salário, nunca inferior ao mínimo para os que
percebem remuneração variável; décimo terceiro salário com
base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
proteção do salário na forma da lei (CLT, arts. 449, 455, 462,
464 e 468), constituindo crime sua retenção dolosa;
participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da
remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da
empresa, conforme definido em lei; salário-família para os seus
dependentes; repouso semanal remunerado, preferencialmente aos
domingos; remuneração do serviço extraordinário superior, no
mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; gozo de férias
anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o
salário normal; adicional de remuneração para as atividades
penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; licença à
gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração
de cento e vinte dias; proteção em face da automação, na
forma da lei; seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este está
obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; ação, quanto a
créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo
prescricional de cinco anos para o trabalhador urbano, até o
limite de dois anos após a extinção do contrato, e até dois
anos após a extinção de contrato, para o trabalhador rural;
proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade,
cor ou estado civil; proibição de qualquer discriminação no
tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador
portador de deficiência; proibição de distinção entre
trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais
respectivos e, ainda, igualdade de direitos entre o trabalhador
com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso (CF,
art. 7°, IV a XXXIV), tanto que a ordem econômica, neste País,
há de fundar-se na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observando, dentre
outros, os princípios da função social da propriedade, da
redução das desigualdades regionais e sociais e da busca do
pleno emprego (CF, art. 170, caput, incisos III, VIIe VIII).
Esse
quadro formal de garantias constitucionais do trabalhador, em
solo brasileiro, incomoda, sobremodo, as elites privilegiadas do
mercado financeiro e empresarial, que, sob a inspiração
egoísta e gananciosa do ideário neoliberal, provoca, a cada
dia, efeitos catastróficos, em nosso meio social, a gerar o
desemprego em círculos crescentes, a fome e o desespero das
classes trabalhadoras, ante o olhar insensível dos órgãos
governamentais.
A
utopia capitalista deste final de século adquire dimensões
globalizadas, sob o domínio das superpotências, responsáveis
pelo genocídio social, no planeta, aumentando, assustadoramente,
a fome, a violência e a criminalidade, nos campos gerais do
desemprego e da exclusão social.
Nesse
contexto de miséria global, o Brasil bate record de fome, no
limiar do Terceiro Milênio, onde os jornais de abril deste ano,
já noticiam, em melancólico exemplo, que "cerca de 700
pessoas famintas saquearam a Central de Abastecimento de
Pernambuco (CEAGEPE) e o depósito de merenda escolar em Afogados
da Ingazeira, no sertão pernambucano, a 380 Km do Recife"1,
amparados, certamente, pelo estado de sobrevivência (excludente
de criminalidade) a somar fileiras com os Sem-terra, os Sem-teto
e os Sem-tudo, desesperançados.
O
salário-mínimo de RS 130,00 (cento e trinta reais), por
determinação das forças governistas-neoliberais, só patrocina
e difunde o cenário de miséria, no País, a não mais permitir,
na visão do poeta "que o pão encontre na boca o abraço de
uma canção inventada no trabalho, mas a fome fatigada de um
suor que corre em vão."2 O salário-mínimo, no Brasil, em
trágico paradoxo, aos que ainda têm emprego, nesse drama
social, não pode "comprar um sonho", com tudo aquilo
que fica daquilo que não ficou no bolso sempre cativo do pobre
trabalhador, em flagrante agressão à alma do povo, à
Constituição e aos princípios da Justiça Social.
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