Regulamento Disciplinar Militar
e Suas Inconstitucionalidades
por Paulo Tadeu Rodrigues Rosa
- O art. 144, da CF, diz que, "A
segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos". Com base no dispositivo mencionado,
percebe-se que a segurança pública é uma função
essencial do Estado, o qual deve zelar pela integridade
física dos seus cidadãos, evitando a ocorrência das
infrações penais. Devido à importância desta
atividade, o Estado não pode privatizar a segurança, ao
contrário de outros setores que são transferidos para a
iniciativa privada, e nem mesmo colocá-la em um segundo
plano sem os investimentos necessários para o combate à
criminalidade.
- Em atendimento a CF, a segurança pública
é exercida pelos seguintes órgãos: polícia federal;
polícia rodoviária federal; polícia ferroviária
federal; polícias civis; polícias militares e corpos de
bombeiros militares. Cada um deles possui suas
competências delimitadas no texto constitucional, e as
demais atribuições previstas em leis
infra-constitucionais. Entre os órgãos mencionados no
art. 144, da CF, apenas dois possuem estética militar,
os corpos de bombeiros e a polícia militar, com
graduações e postos semelhantes aos integrantes do
Exército.
A Polícia Militar exerce atividades de
policiamento ostensivo e não atividades voltadas para a
preservação da segurança nacional, que por força do art.142, caput,
da CF, é prerrogativa das Forças Armadas. Somente em caso
extremos, é que os integrantes das Forças Auxiliares ficarão a
disposição do Exército Nacional, art. 144, § 6º, da CF. Para
dar atendimento a CF, a Polícia Militar tem investido no
aprimoramento de seus diversos órgãos e de seus integrantes na
busca de um melhor serviço a ser prestado a coletividade.
- Na busca da melhoria do material humano,
com a introdução de novas disciplinas nos cursos de
formação de oficiais e formação de praças, muitas
Corporações deixaram os regulamentos disciplinares fora
das reformas, em desatendimento a CF. Os regulamentos
disciplinares foram recepcionados pela vigente
Constituição, mas existem disposições que se
encontram em conflitos com as garantias asseguradas ao
brasileiro e estrangeiro residente no país.
1. Regulamento disciplinar militar
Os policiais militares e bombeiros militares no
exercício de suas atividades constitucionais ficam sujeitos a
uma responsabilidade criminal, administrativa e civil, pelos
danos que venham a causar à administração pública (civil ou
militar) e a integridade física e patrimonial dos administrados.
Ao desrespeitar uma disposição prevista no regulamento
disciplinar, o policial militar comete o que se denomina de
transgressão disciplinar militar.
A transgressão disciplinar militar pode ser
entendida como sendo, toda ação ou omissão contrária ao dever
militar, e como tal classificada nos termos do regulamento.
Distingue-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse
mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal
militar. São consideradas ainda, também, transgressões
disciplinares, as ações ou omissões não especificadas no
presente artigo e não qualificadas como crimes nas leis penais
militares, contra os Símbolos Nacionais, contra a honra e o
pudonor individual militar; contra o decoro da classe, contra os
preceitos sociais e as normas da moral; contra os princípios de
subordinação, regras e ordens de serviços, estabelecidas nas
leis ou regulamentos, ou prescritas por autoridade competente
(art. 8º, do Decreto n.º 76.322 de 22 de setembro de 1.975).
- No entender Ana Clara Victor da Paixão,
definir quais seriam tais ações ou omissões é tarefa
que só poderia ser desempenhada pelos próprios
detentores de tal atributo, que, no caso, são os
policiais militares, como um todo, e não a pessoa do
administrador militar ou comandante. O conceito de honra,
pudonor e decoro é abstrato, relativo e pessoal: o que
um indivíduo considera desonroso ou indecoroso, pode
não o ser para os demais. Assim, verifica-se que a
autoridade militar não tem sequer titularidade para
preencher o tipo disciplinar contido na norma1.
2. Normas
disciplinares e suas origens
- Ao contrário
dos agentes civis, os policiais militares ao
praticarem uma falta administrativa,
transgressão disciplinar, podem ter seu jus
libertatis cerceado por um período de até
30 (trinta) dias, cumprindo a prisão em regime
fechado, em xadrez existente nos quartéis. A
transgressão disciplinar é classificada quanto
a sua natureza em leve, média e grave, e essa
graduação determina a dosimetria da sanção
administrativa. Atualmente, pelos menos no Estado
de São Paulo, os policiais militares em regra
não ficam presos no xadrez, mas são recolhidos
ao quartel sem poderem deixar à Organização
Policial Militar (OPM), sob pena de praticarem
crime militar.
3. Regulamento
disciplinar e Constituição Federal
Em atendimento ao
princípio da recepção, os regulamentos disciplinares
aprovados por meio de decretos foram recebidos pela nova
ordem constitucional, como ocorreu com o Código Penal,
Código de Processo Penal, Código Penal Militar, Código
de Processo Penal Militar e outros diplomas legais. O
fato destes diplomas legais terem sido recepcionados não
significa que possam sofrer modificações em desacordo
com o previsto na CF.
- Ao tratar dos
crimes militares e das transgressões
disciplinares, a Constituição Federal no art.
5.º, inciso LXI, diz que, "ninguém
será preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei". Com base no
dispositivo constitucional, percebe-se claramente
que os regulamentos disciplinares somente podem
ser modificados por meio de lei, no seu
aspecto técnico, ou seja, por meio de norma
elaborada pelo Poder Legislativo. Negar esta
interpretação seria o mesmo que negar a
existência do Estado democrático de Direito, ou
retirar do cidadão o direito ao voto, ou o
direito de ir, vir e permanecer.
Esse entendimento
fica evidente quando se analisa as modificações que
ocorreram na Lei Penal. O Código Penal foi posto em
vigência por meio de um Decreto-Lei, que não é uma Lei
no sentido técnico da palavra, mas que foi recepcionado
pela CF de 1988. Mas, qualquer modificação a este
diploma legal somente pode ser feita por meio de Lei
Federal aprovada pelo Congresso Nacional e não por
decreto, medida provisória, lei delegada ou qualquer
outro instrumento previsto no texto constitucional. O
mesmo princípio se aplica ao Código Penal Militar,
Código de Processo Penal Militar, que foram postos em
vigência por meio de Decreto-lei, mas como foram
recepcionados somente podem ser modificados por meio de
Lei Federal. A esse respeito não existe nenhuma
divergência doutrinária e jurisprudencial e portanto
como se explica os equívocos que vem ocorrendo na área
dos regulamentos disciplinares ?
Com o mesmo
entendimento, encontramos Ana Clara Victor da Paixão
segundo a qual, "Assim, se há real necessidade e
interesse por parte das autoridades administrativas
militares em aplicar as penas de detenção e prisão
disciplinar impõe-se providenciar que sejam as mesmas
instituídas através de lei, dada a indiscutível
inconstitucionalidade de todas as medidas restritivas de
liberdade pessoal previstas no Decreto n.o
4.717/96".4
Portanto, com
fundamento no disposto no art. 5º, inciso LXI, da CF,
pode-se afirmar que os novos regulamentos editados por
meio de decretos estaduais expedidos pelos chefes do
Poder Executivo e os regulamentos que foram alterados por
meio de decretos violam flagrantemente o disposto na CF
sendo normas inconstitucionais que devem ser retiradas do
ordenamento jurídico na forma prevista para esse
procedimento.
PAULO TADEU
RODRIGUES ROSA, é advogado em Ribeirão Preto,
especialista em direito administrativo pela Unip -
Câmpus Ribeirão Preto, mestrando em direito
administrativo pela Unesp- Câmpus de Franca, Membro
Titular da Academia Ribeirãopretana de Letras
Jurídicas, Membro Correspondente da Academia Brasileira
de Letras Jurídicas. E-mail : pthadeu@universe.com.br
Notas
PAIXÃO, Ana Clara
Vitor da. Norma Disciplinar Genérica. Universo Jurídico
Goiás, internet,
julho/2000. p.2.
2
SAMPAIO, José Nogueira. Fundação da Polícia Militar
do Estado de São
Paulo. 2.a ed.
São Paulo, 1981.
3
FREYESLEBEN, Mário Luís Chila. A prisão provisória no
CPPM, Belo
Horizonte : Del
Rey, 1997, p. 202.
4
PAIXÃO, Ana Clara Vitor da, ob. cit., p. 03.
1 PAIXÃO, Ana Clara Vitor da. Norma Disciplinar
Genérica. Universo Jurídico Goiás, internet,
julho/2000.
p.2.
2 SAMPAIO, José Nogueira. Fundação da Polícia Militar
do Estado de São Paulo. 2.a ed. São Paulo, 1981.
3 FREYESLEBEN, Mário Luís Chila. A prisão provisória
no CPPM, Belo Horizonte : Del Rey, 1997, p. 202.
4 PAIXÃO, Ana Clara Vitor da, ob. cit., p. 03.