Hamburguesas versus Valor
Marcel
(Riff-Raff
núm. 3-4)
Í n d i c e :
Nota a esta ediçom - Comunistas Revolucionári@s
Acerca de Riff-Raff - Polo colectivo de Riff-Raff
Hamburguesas versus Valor - Marcel (Riff-Raff núm. 3-4)
·
Fazendo hamburguesas
·
Comunismo como movimento
·
As tentativas de escapar do
trabalho
·
Comunicaçom, comunidade e
jogo
·
A luita contra o valor
·
Como um pequeno capital
·
(Epílogo de Marcel e Gillés
Dauve)
Nota a esta ediçom - Comunistas Revolucionári@s.
O seguinte texto,
publicado polo colectivo sueco Riff-Raff, foi traduzido a partir da versom em
inglês realizada por eles mesmos. O grosso do texto foi elaborado polo autor
principal, Marcel, pertencente a esse colectivo, mentres que a parte final está
efeituada em colaboraçom co comunista de esquerda Gilles Dauvé, a partir de
onde queda indicado coa sinatura.
Eles mesmos
apresentam-se. As notas numeradas som do autor, as notas com asteriscos entre
paréntese som nossas. Destas últimas, recomendamos especial atençom às duas
notas críticas.
Acerca de Riff-Raff - Polo colectivo de Riff-Raff
Riff-Raff é um
jornal em sueco para a discussom teórica sobre o comunismo como movimento real.
Nós estamos interesados em todos os aspectos da luita e organizaçom autónomas
da classe obreira, a negaçom e possível "aufhebung"(*)
do capital.
Nós estamos
inspirados polo comunismo de esquerdas e o operaismo(**) ainda que nos esforcemos
por ir além destas correntes, retornando a Marx na busca dumha nova
síntese.
A maioria de nós provém da esquerda
extra-parlamentar que emergeu nos anos 90, mas temos tentado orientar-nos além
do activismo. Riff-Raff começou em 2001 como o órgao teórico da anterior
organizaçom socialista de conselhos, Folkmakt ("Poder Popular"),
mas desde os números 3-4 e em diante nom tem já filiaçom com nengumha
organizaçom. Nessa época, entre outras, somaram-se persoas do grupo Kämpa
tillsammans! ( "Luitemos juntos!"), de maior inspiraçom
autonomista, ao trabalho editorial. O objectivo actual de Riff-Raff nom é
preservar ou criar nengumha ideologia política, senom discutir e contribuir a
umha teoría aberta, crítica e coerente do capitalismo e da sua possível "aufhebung".
Para nós teoria e praxis som dous momentos do mesmo processo social, do
mesmo continuum dialéctico. Estamos dentro de, e contra, o capital, e devido a
isto forçados a luitar, reflexionar e teorizar sobre isso. Fazemos isto por nós
mesmos, como partes da existência em luita deste mesmo proletariado, é dizer, o
"movimento real", o "movimento histórico que
transcorre ante os nossos próprios olhos", mas, contudo, isto é também
válido para outros na mesma situaçom. Nós queremos inspirar a outros como nós
estamos a ser inspirados.
A crítica teórica e o
derrocamento prático som... actividades inseparáveis, nom num sentido
abstracto, mas como umha alteraçom, concreta e real, do mundo concreto e real
da sociedade burguesa. - Karl Korsch
Nós recebemos com
agrado os textos de outros, assi como os publicaremos na medida em que o espaço
e a releváncia o admitam. Também agradecemos recortes de jornais internacionais
que podamos traduzir, ou ainda melhor se já venhem traduzidos (agradeceriamos
muito umha ajuda coas traduçons de e para o inglês, francês, italiano, farsi,
etc.). Por último, apreçariamos apoio financeiro em tanto (econômica e
politicamente) contamos só com nós mesmos para manter-nos.
Por acima de tudo,
se acaso, gostariamos de ajuda coa distribuiçom do jornal. (...)
Os presos
conseguem Riff-Raff gratuitamente.
* * *
Hamburguesas versus Valor -
Marcel (Riff-Raff núm. 3-4)
Este texto tem
dous objetivos. O primeiro, é tentar criar um interesse na contínua luita de
classe diária que se empreende todos os dias em cada lugar de trabalho.
Tentarei mostrar que algo tam tam completamente trivial e ordinario como
trabalhar num restaurante, ou no seu lugar as pequenas luitas ocultas que se
empreendem alí contra o trabalho assalariado, é parte do movimento comunista[i].
O outro objetivo é mostrar que noçons teóricas como capital, comunismo, valor
de uso e valor de cámbio, nom som algo abstracto e académico, senom polo
contrário algo concreto que influe sobre as nossas vidas e sobre o que nós
influenciamos à sua vez.
Fazendo hamburguesas
O meu último
trabalho foi num restaurante-hamburguesaria de propriedade privada. Ainda que o
restaurante nom pertencia nengumha companhia multinacional como McDonald's ou
Burgerking, era bastante grande e estaba aberto todos os dias da semana, só
pechava de 7 a 10 da manhá. A maioria da gente que trabalhava ali eram
adolescentes ou gente coma mim que andavam polos vinte anos, principalmente
rapazas. A maioria tinham outro trabalho ou íam à escola à vez que trabalhavam
no restaurante. A gente ía e vinha continuamente. Nom aturavam as condiçons
laborais ou pensavam que o salário era demasiado piolhento. A maioria do
persoal estava ilegalmente empregado e tinhas que levar um ano trabalhando para
conseguir um contrato e um salário ordinários. Antes disso, estavas de aprendiz
cum salário muito mais baixo. Sendo aprendiz também estavas destinado a que o
chefe te despedisse quando lhe vinhesse em gana. A maioria da gente que
trabalhava ali preferia nom botar no restaurante mais que um par de messes.
Estavamos constantemente buscando outros trabalhos ou outros jeitos de
conseguir dinheiro.
Muita gente cria
que era melhor para os empregados trabalhar nesse restaurante que num
McDonald's, por exemplo. Pensavam isto porque o restaurante nom pertencia a
umha grande companhia senom a um home só, e também porque havia rumores de que
o proprietário donava dinheiro a equipos de fútebol e a sociedades benéficas.
Os que trabalhavamos ali conociamo-lo bem. Os esquerdistas atreveram-se a
dizer-me que estava bem que eu trabalhasse no restaurante porque nom era umha
multinacional e também a causa dos rumores sobre a filantrópica personalidade
dos proprietários. Eles nom entendiam que o conflito entre proletariado e
capital está em todos os lugares de trabalho, tanto se é um restaurante ou umha
fábrica, umha pequena empresa ou umha grande, de propriedade privada ou
controlada polo estado. Mentres haja trabalho assalariado haverá capital, e,
mentres haja capital haverá ressistência a el. Esta resistência, a luita de
classes, nom só se mostra em formas dramáticas de resistência como folgas,
ocupaçons e distúrbios, mas também nas pequenas tentativas de escapar do
trabalho e as luitas ocultas dirigidas contra o valor como o roubo, a sabotage
e a folga de zelo. Esta pequena e oculta resistência contra o trabalho
assalariado tem sido descrita como as termitas que lentamente vam roendo os
alicerces sobre os que se sustém o capitalismo[ii].
Nós en Kämpa Tillsammans![iii]
chamamos a estas luitas "resisténcia sem rostro" porque umha
das suas características é que nom tenhem rostro e som invisíveis, algo que a
miúdo também as fai invisíveis aos assi chamados revolucionários.
Comunismo como movimento
O trabalho
assalariado é sempre explotaçom. As condiçons laborais som por suposto muito
melhores para um trabalhador dum restaurante sueco que, por exemplo, para um
meninho que trabalha numha fábrica de zapatos na China. O problema é que hai só
um mundo, onde as condiçons e a explotaçom dos trabalhadores em Suécia e China
estám conectadas entre si. Se um é serio sobre cambiar o mundo, um deve atacar
a base mesma da que depende o capital, a saber, o trabalho assalariado.
O problema central
para o capital é pôr à gente a trabalhar de modo que podam criar valor. Baixo o
capital, o trabalho como actividade humana e os meios de producçom som
expropriados aos homes e estamos assi forçados a vender a nossa força de
trabalho para sobreviver. A nossa actividade humana é abducida pola economia,
que o separa de nós. Isto fai-nos esquecer que somos de facto nós, através das
nossas próprias relaçons sociais entre nós, e meiante as nossas acçons, os que
criamos o mundo. O Capital é um monstro criado polo home, nom umha pantasma
misteriosa que flota por riba das nossas cabeças além do nosso alcance. A
extendida crença de que a gente nom pode cambiar o mundo ou incluso a sua
própria vida diária vém desta separaçom. O sentimento de ausência de sentido e
aturdimento pode também estar localizado no facto de que a nossa actividade
está separada de nós e virada contra nós como umha força alhea. Como alguém
dixo, a noçom de Marx de que a humanidade se realiza a si mesma através da sua
actividade tem-se tornado tam estrana que pertence a outro mundo.
Esse mundo -o
comunismo- mostra-se nas luitas e nas actividades que se emprenden contra o
capital nos lugares de trabalho, nas escolas, nas ruas e nas casas, nom como
umha sociedade claro, mas como umha tendência, como un movimento. Se o
comunismo é um movimento que se mostra a si mesmo, ante os nossos olhos, entom
nós devemos busca-lo.
Se nós somos tam
cegos que nom entendemos a importáncia da luita de classes diária, nom obstante
débil e isolada, entóm nunca entenderemos realmente que a dinámica que hai
detrás destas luitas e actividades continuadas é, de facto, o comunismo mesmo.
Esta resistência quotidiana é no peor dos casos incluso desprezada como algo
que nom é interessante para nada. Para a gente que tem esta perspectiva som só
as luitas fascinantes e heroicas como grandes folgas e ocupaçons do lugar de
trabalho as que contam. Ou eles nom se preocupam da importáncia desta
resistência, ou nom a entendem. Que a "resistência sem rostro"
é sustida dia a dia contra o capital e o trabalho assalariado, e às vezes pode
incluso ser mais efectiva que essas luitas abertas, e que som também os
primeiros passos importantes cara umha mais ampla e grande comunidade de
resistência ao capital, é algo que eles nom alcançam. Que o comunismo esconde o
seu rostro detrás dessas luitas é algo que nom creriam incluso nos seus sonhos
mais selvages. Para eles o comunismo é um sistema económico que um establece.
Nom um movemento que é nascido das entranhas da velha sociedade, nom umha
actividade que fundamentalmente cámbia as relaçons da gente co mundo, co outro,
coa sua própria vida.
As tentativas de escapar do trabalho
Como dixem antes,
a gente ía e vinha constantemente no restaurante. A maioria só trabalhava uns
poucos messes e logo o deixavam. Normalmente tinham atopado outro trabalho ou
já estavam fartos do sítio. Quando eu trabalhei no restaurante havía só o
chefe, o seu filho e os seus amigos mais cercanos que levavam trabalhando no
restaurante mais de dous anos. O conflito entre "os novos " (a
maioria dos que trabalhavam ali) e os poucos que levavam tempo trabalhando, era
óbvio desde o primeiro dia de trabalho. Isto mostrava-se muito claramente
porque o filho do chefe e o seu amigo eram os que faziam o plam de trabalho e
por isso sempre conseguiam os melhores turnos. Nom só os que acabavamos de
empeçar a trabalhar senom também gente que levava vários messes ou mais dum ano
tinham maus turnos, principalmente as noites, especialmente as noites dos
venres e sábados. Eles também diziam-lhe ao chefe tudo o que nós diziamos ou
faziamos, por isso pronto chegarom a serem considerados como os espias do
chefe. Era também esta gente a que nos dizia as reglas do restaurante - por
exemplo, que nom se permitia falar dos salários e compara-los cos demais. Isto
por suposto significava que a primeira pergunta que faziamos a cada novo
companheiro quando nos encontravamos com el ou ela era quanto ganhava.
Os
"novos" (a maioria dos que trabalhavam e que nom levavam mais de um
ano) nom se identificavam co seu trabalho ou co seu lugar de trabalho.
Estábamos ali porque necesitábamos dinheiro e eramos abertos os uns cos outros
sobre isto. Os novos eram também bastante abertos cos demais sobre o facto de
que todos nós tratavamos de várias maneiras de escapar do trabalho.
Dous companheiros
de trabalho e mais eu criamos algo que pode comparar-se cum grupo de afinidade.
Isto nom foi algo que planejaramos, ainda que, por suposto, tinhamos falado de
que nom gostavamos do emprego, que pensavamos que a paga era ruim e cousas
assi. Mas nunca falaramos de tentar criar certas actividades contra o trabalho.
Isto ocurriou quase espontáneamente. A primeira cousa que fixemos juntos foi
que um de nós fichou polo outro no relogio de tempo. Nom me lembro quem o fixo
a primeira vez, mas este pequeno esforço para escapar do trabalho foi algo co
que continuamos, embora agora planejado juntos. Isto significou que dous de nós
puidessemos entrar a trabalhar mui tarde e que se nos pagasse polo tempo que
nom estavamos alí. Isto também funcionava mui bem para a persoa que trabalhava
soa, porque ao princípio dos turnos de trabalho nom havia a miúdo nada que
fazer. Tinhamos que ser bastante coidadosos para que o chefe ou os seus
pequenos "espias" nom nos colhessem. Depóis disto, começaramos a
colher dinheiro da caixa registradora para que puidessemos jogar ao bilhar ou
escuitar música na máquina de discos, ou às vezes levar a casa o dinheiro. Umha
das regras do chefe era, por suposto, que nom se nos permitia escuitar música
ou jogar ao bilhar no trabalho (ainda quando pagassemos co nosso próprio
dinheiro), o que está claro que nom nos preocupava. Se nom colhiamos demasiado
dinheiro da caixa o chefe nom notava nada porque tinha umha pequena marge para
que a gente pulsasse o preço errado nas caixas. Outra cousa que fixemos para
conseguer dinheiro foi teclar no preço errado nas caixas para que o chefe nem
sequer puidera notar que esse dinheiro desaparecera. Quando jogavamos ao bilhar
ou simplesmente estavamos preguiçosos, tinhamos que ver que os clientes nom
eram demasiado descoidados, porque muitas das persoas que iam ao restaurante
eram amigáveis co chefe.
Se eras um
aprendiz, trabalhavas com outros dous no turno da tarde, mas quando o chefe
pensava que tinhas apreendido o mais importante, entom trabalhavas com só outra
persoa. Isso significava umha morea mais de trabalho. Para contrarrestar isto
cometiamos um montom de pequenas "equivocaçons", de modo que o chefe
nom crera que estavamos todavia o suficientemente maduros para trabalhar em
parelhas. Por suposto, era mui importante que nom cometessemos equivocaçons que
fossem demasiado grandes -nesse caso teriamos simplesmente perdido os nossos
empregos. Tinhamos que ter coidado. Esta tentativa de escapar do trabalho fora
efectivamente criada por umha equivocaçom. Umha tarde tinhamos muito que fazer,
de modo que nom tinhamos listo todo o que deveriamos ter tido antes de que
empezasse o turno de noite. Tiveramos que trabalhar uns quince ou vinte minutos
de mais e fazer os últimos pratos, encher os surtidores de comida e assi
sucesivamente. O chefe trabalhava em cada turno de noite, de modo que provocavamos
estas equivocaçons bastante a miúdo, o que significava que trabalhavamos talvez
quince minutos extras ou algo assi, mas podiamos ainda trabalhar entre três no
turno de tarde, o que fazia a jornada de trabalho muito mais facil e divertida.
Todos estes
pequenos esforços por fazer a jornada de trabalho mais divertida e menos
alienante eram algo que tentaramos espalhar e fazer circular a outros
companheiros de trabalho cos que normalmente nom trabalhavamos. Nom o fixemos
falando abertamente de como fugir do trabalho. Em lugar disso, tentamos deixar
às actividades falar por si próprias, e entom depóis disso podiamos ser mais
abertos sobre elas. Muita gente, claro, fazia já estas cousas. Compartimos
sugerências e cada qual tinha o seu próprio jeito de fazer a jornada de
trabalho menos aborrida e mais divertido. Por exemplo, eu compartim as nossas
pequenas experiências de "grupos de afinidade" sobre como demorar o
dia de trabalho com outras persoas coas que trabalhava, de modo que o chefe pensou
que tinha que haver três persoas nos turnos. A maioria da gente pensava que era
melhor rematar um pouco mais tarde que ter que trabalhar mais duro todo o dia.
Umha das grandes fraquezas das nossas tentativas de escape do trabalho (aparte
do facto de que eram todas mui defensivas) era que nunca tentaramos implicar a
mais gente, especialmente a aqueles que tinham trabalhado no lugar durante mais
tempo que nós. Simplesmente assumiramos que eram todos leais ao chefe e ao
lugar de trabalho.
Comunicaçom, comunidade e jogo
Falar entre nós,
comunicaçom, foi, por suposto, um inportante meio para levar melhor o tempo no
trabalho. Isto fixo-se mais importante para mim, persoalmente, quando os dous
rapazes do meu "grupo de afinidade" pararam de trabalhar no restaurante.
A minha situaçom laboral cambiou dramaticamente porque nom sabia em que gente
podia confiar e com quem podia contar. Por suposto, como expliquei, a maioria
da gente fazia cousas similares ò que faziamos os meus amigos e mais eu, mas
havia algumha gente que lhe contava ao chefe e
ao seu filho o que a gente fazia em contra do seu lugar de trabalho. Um
dos melhores jeitos de averiguar se podia confiar numha persoa era falar das
cousas que se nos proibia falar. Como por exemplo comparar os nossos salários
ou perguntar se trabalhavas "ilegalmente" (sem pagar impostos), e se
o fazias, quanto da jornada de trabalho era ilegal. Quando um falava disto
sempre mostrava em que "lado" estava. Aqueles que nom falavam destes
temas nom eram fiáveis. Se che contestavam à pergunta podias dar o seguinte
passo. Por exemplo, eu atrevera-me a roubar dinheiro da caixa, algo que antes
tinha feito principalmente no meu "grupo de afinidade", com muita
outra gente. Fazendo estas pequenas, ilegais e segredas cousas criavamos um sentido
de comunidade e solidadaridade entre nós. Umha forma de resistência que
fortalecia este sentimento de comunidade e nos vinculava entre nós era a
questom de quem devia organizar o trabalho e como devia organizar-se. O chefe
normalmente adoitava vir aos turnos e dizer-nos com deviamos fazer o trabalho.
El queria dividir o trabalho, de modo que umha persoa estava na cozinha, umha
fazia os pratos e outra as hamburguesas. Isto significava que estavamos todos
isolados os uns dos outros e faziamos as cousas cada um pola sua conta.
Afortunadamente nom havia quase ninguém que obedecera estas normas. Tam pronto
como o chefe marchava, organizavamos juntos as actividades do trabalho e
ajudavamo-nos entre nós. Estas cousas podem nom ser vistas como algo importante,
ou poderiam incluso ser vistas como umha semente da futura auto-gestom do
capital. Mas este nom era o caso, porque isso criou umha comunidade entre nós
que era importante, e também fixo mais fácil e divertido o dia de trabalho. Era
umha resistência contra o aborrecimento e a alienaçom. Era um meio para
trabalhar menos. Era um meio, nom umha meta. Se nós tiveramos podido encontrar
um emprego melhor ou conseguido dinheiro doutra fonte, ou se puidessemos ser
parte dum movimento mais geral e aberto que apontasse a abolir o capital, entom
penso que deveriamos ter deixado o restaurante, nom tentado organizar o
trabalho por nós mesmos.
Todos os que
trabalhamos alí tinhamos diferentes maneiras persoais de criar um dia de
trabalho mais excitante e divertido e de tentar criar algumha sorte de
comunidade. A miúdo a gente fazia cousas que semelhavam nom ter propósito algum
ou otra significaçom que ser divertidas. Mas freqüentemente estas cousas eram
um ataque indirecto contra o lugar de trabalho. A gente tentava, nos lugares de
trabalho, dispôr de e utilizar para si as mercadorias em lugar de vende-las.
Por exemplo, alguns rapazes novos soiam entreter-se fritindo a fundo a comida
que nom se supunha que tinha que quedar mui fritida. Pensavam que era divertido
jogar coas cousas. Umha moça acostumava fazer malabares coa comida e fazia umha
morea de cousas circenses com ela, o que era realmente bastante
impresionante.
Outro
experimentava cos molhos e usava neles muitas espécias, a miúdo tantas que tinham
que tirar-se (quando o chefe o averiguou, puxo-se realmente furioso). Todos
tentavamos usar as mercadorias no trabalho para nós mesmos. Em lugar de
vende-las, a gente as usava e divertia-se com elas ao seu jeito individual,
estrano e freqüentemente muy infantil. Este era um pequeno esforço por
conseguir o controlo sobre a actividade que lhes tinha sido furtado e por
acender o dia de trabalho. Eram actos contra a alienaçom e o aborrecimento no
trabalho.
A luita contra o valor
Na sociedade capitalista
umha hamburguesa é como qualquer outra mercadoria, nom valiosa porque pode
usar-se, mas porque pode vender-se. Umha hamburguesa nom tem certo valor porque
um poda come-la, senom porque um pode vende-la a umha persoa famenta. Baixo o
capitalismo, as cousas nom tenhem só um valor de uso (como o dumha hamburguesa
que pode comer-se) senom tamém um valor de cámbio (a hamburguesa, como qualquer
outra mercadoria, pode vender-se). Isto nom é algo "natural", como
quere fazer-nos crêr o capitalismo. De facto, hai um grande conflito na
sociedade ao redor destas duas condiçons.
O comunismo é umha
actividade que, entre outras cousas, tenta suprimir o valor de cámbio.
Significa a criaçom dumha comunidade humana onde as actividades dos homes
querem, entre outras cousas, ver as cousas como valores de uso e nom como
valores de cámbio, como baixo o capitalismo. Isto mostra-se claramente na luita
de classes.
A luita de classes
está dirigida contra a mercadoria e o valor de cámbio. No restaurante isto
estava claro quando tentavamos usar directamente, sem meiaçons, para as nossas
próprias necessidades, as cousas que podiamos atopar no restaurante; por muito
estranas que estas necessidades puidessem semelhar. Por exemplo, os sujeitos
jóves que gostavam de fritir a fundo a comida até destrui-la, ou a rapaza que
fazia malabares cos comestíveis. Mas quiçais as ocasions mais abertas e
vissíveis nas que tentavamos utilizar as cousas como valores de uso e nom como
valores de cámbio era quando roubavamos comida ou outras cousas do lugar de
trabalho. Isto era bastante arriscado, devido a que o chefe tinha um controlo
mui estrito sobre os comestíveis e sabia quanta comida se comprava por dia, mas
de vez em quando ocorriam roubos. A sabotage no restaurante estava tamém dirigida
contra a transformaçom das cousas em mercadorías e valores de cámbio por parte
do capital. Umha vez destruimos um montom de comida (mercadorías, valorres de
cámbio e, nesse caso, valores de uso) porque o chefe tinha sido mui enojoso com
nós. Outro tipo e mais eu estavamos mui furiosos nom só co chefe, mas ante toda
a situaçom, porque odiavamos o lugar, de modo que fumos à neveira, sacamos
muitas caixas de comida e as destruimos. Isto poderia considerar-se bastante
irracional e sem sentido, mas para nós nesse momento parecia-nos mui bem e um
alívio real. Depóis de ter feito isso, colocamos as caixas destruidas na
neveira e puxemos outras caixas e cousas por riba delas, de modo que passariam
algumhas semanas antes de que o chefe ou outros se enterassem, e entom nengum
saberia que o fixera. A sabotage e a
destruiçom de mercadorias eram mais raras que outras cousas como, por exemplo,
os roubos. Mas cada vez que acontecia nos enteravamos que o chefe estava mui
intimidado por isso e se comportava com mais "propriedade" com nós
depóis de que alguém tivera destruido algo. Outra cousa que ocurriu e que se
dirigiu contra o valor, foi que a gente escreveu deliberadamente o preço
incorrecto nas caixas. Nom o faziamos para enojar ao chefe, senom porque
pensavamos que era demasiado caro comer alí e porque era outra maneira de criar
umha pequena comunidade entre nós. Nom umha comunidade de trabalhadores, senom
mais bem umha de proletários que estám cansos de ser proletarios, umha
comunidade (embora pequena e isolada) de actividades dirigidas contra o
trabalho e o valor, contra as mesmas condiçons que fam proletários aos seres
humanos.
A luita contra o
valor é algo que pode ver-se em todas as partes da sociedade; desde os roubos
no trabalho e a pilhage nas tendas até as ocupaçons de casas e lugares de
trabalho. O comunismo é umha actividade, que aponta a ser tam poderosa que
destrue o valor através da apropriaçom pola humanidade do seu trabalho e dos
meios de produçom dos que está separada.(***)
O chefe (the
boss, o patrom)
Ainda que a maioria dos que trabalhamos no restaurante nom
gostavamos do chefe e as suas maneiras de fazer-nos trabalhar mais duro, nom
podiamos deixar de sentir um pouco de pena e simpatia por el. El trabalhava
todas as noites da semana, e só se tomava vacaçons umha vez ao ano durante umha
ou duas semanas. Todos nós trabalhavamos com el algumhas vezes, e el acostumava
andar polo restaurante, de modo que tanto se o queriamos como se nom todos
tinhamos umha relaçom persoal com el. Para uns quantos isto criava um
sentimento de que deviam ajudar-lhe e começavam a identificar-se co lugar de
trabalho. Sentiam que o restaurante era o seu lugar tanto como o do
proprietário. O restaurante nom ia tam bem económicamente, e era realmente o
proprietário o que trabalhava mais duro de todos nós. A miúdo nos perguntavamos
por que trabalhava tam duramente e tam freqüentemente. Nom era preciso para a
sua supervivência trabalhar todas as noites. Incluso desejavamos que passasse
mais tempo coa sua família da que soia falar pola noite. Ao princípio somentes
vim estas cousas como um certo tipo de "moralidade de escravo"
burguesa, e a considerava um obstáculo. Que em certo modo o era, por suposto.
Todos nós estavamos ligados a el emocionalmente. Mas, depois dalgum tempo,
comprendim que isto só afectava de modo marginal às nossas actividades contra o
trabalho assalariado. Estavamos conduzidos polos nossos próprios interesses e
necessidades, o que nom significava que nom sentiramos compaixom polo nosso
chefe e lhe desejassemos outra vida. O nosso desgosto e a nossa resistência
dirigiam-se contra o próprio lugar de trabalho, em lugar de contra o chefe. A
essência do conflito era sobre o facto de que tinhamos que estar alí para
conseguer dinheiro. Queriamos fazer outras cousas, estar cos nossos seres
queridos, jogar na praia ou fazer outras cousas mais significativas. Nom
queriamos trocar o nosso tempo e a nossa vida para conseguer dinheiro. Nom
queriamos o trabalho assalariado. Por suposto, o chefe nom era popular, mas o
conflito nunca fora "nós" contra "el", era mais bem
"nós" contra a relaçom que nos encerrava no restaurante. Claro que
certas actividades estavam a apontar directamente contra el, mas eram mui
poucas. A maioria de nós pensava que era umha triste conseqüência que o chefe
tivera que sofrer polas nossas actividades, que eram contra as relaçons sociais
que nos encerravam alí. Nom havia nengum ganhador no restaurante -nem o chefe
nem os trabalhadores[iv].
Como um pequeno capital
O restaurante
podia ver-se como um pequeno capital. O conflito no capitalismo é sobre cousas
muito mais essenciais que a diferência entre aqueles que possuem os meios de
produçom e aqueles que estám despossuidos deles, ou entre o rico e o pobre.
Hai, por suposto, conflitos e diferências reais entre aqueles que possuem e
aqueles que nom, e entre ricos e pobres. E quando o proletariado empreende a
sua luita contra o capital, tanto velada como aberta, tenhem necessariamente
que chocar cos funcionários do capital. Mas nom som os capitalistas os que
controlam o capital; é o capital o que controla aos capitalistas. Nom som só os
proletários os que som intercambiáveis, mas também os funcionários do capital.
No capitalismo os seres humanos nom tenhem valor em tanto que seres humanos. A
única cousa que é importante para o capital é o papel que eles cumprem na
sociedade, um papel que outro pode assumir se umha persoa nom o cumpre. A luita
de classes nom é um projecto de "robin hood" e o proletariado nom é
só o pobre. Dizer que o conflito é entre o rico e o pobre oculta a contradiçom
real, a saber, entre comunismo e capital. E isto também proporciona à gente
umha falsa soluçom acerca de como pode destruirse o capitalismo: a saber, que
simplesmente temos que acabar co rico. Esta é umha formulaçom que deixa em pé a
realidade; nom é o rico o que cria o capitalismo, é o capitalismo o que cria a
riqueza e, por conseguinte, tamém a pobreza. Livraremo-nos desta diferência se
nos livramos do capitalismo.
Se nom é o rico
quem tem o controlo, quem é entom? É a "lei do valor" a que governa o
capitalismo e força a todos, ao rico tanto como ao pobre, a perseguer mais e
mais dinheiro. Esta "lei" nom pode domesticar-se, todas as tentativas
de faze-lo tenhem falhado ou sido esmagadas. O valor tem que ser destruido se
cada um nom vai bailar a sua melodia. Isto foi algo que se monstrou dum jeito
mui aberto no restaurante. Por suposto, o nosso chefe ganhava muitíssimo mais
dinheiro que nós (e nós queriamos mais dinheiro) mas, igual que nós, os seus
empregados, tinha que trabalhar para sobreviver, estava forçado a acumular
valor ou acabar na bancarrota. Nas pequenas companhias o proprietário a miúdo
tem que trabalhar para si mesmo cos empregados, às vezes ainda mais a miúdo e
mais duro que os trabalhadores. Que el possuira o restaurante e ganhasse muito
a partir do nosso trabalho criava um conflito real entre el e nós, mas nos
teriamos enganado se pensassemos que todos os problemas que encaravamos
teriam-se resolto se nos livrassemos do proprietário. Ainda se o restaurante
tivera sido de propriedade estatal ou se os que trabalhavamos alí geriramos o
lugar por nós mesmos, teriamos ainda que obedecer a tirania do valor e seguer
as leis do mercado e a economia. Isto tamém significa que a maioria dos
problemas que existiam quando o restaurante era possuido privadamente existem
ainda quando a propriedade se cambia. Como dixem com anterioridade, o capital
domina aos dominadores e tenta reduzir a todos, tanto ricos como pobres, a algo
que seja útil para o capital. Tolera só a persoas que obedecem ao capital e som
seguidores passivos da economia.
As condiçons do
capital som, simplesmente, que a actividade da humanidade tem sido separada de
ela mesma e que somos nós mesmos os que sustemos esta separaçom através das
nossas próprias relaçons sociais. Se somos nós, de facto, os que criamos o
capital, entom tamém podemos destrui-lo. O capital sobrevive principalmente
através da nossa passividade (por suposto, nom podemos cambiar esta passividade
meiante o desejo ou a vontade), mas tem também instituiçons como a policia, o
exército, a moralidade e a jerarquia que o protegem. Incluso a esquerda e o
movimento obreiro o apoiam directa ou indirectamente. O programa da esquerda
trata principalmente de COMO a gente deveria gerir a produçom. Os
social-demócratas e os leninistas querem umha produçom estatalizada, os
libertários e conselhistas(****) querem que os obreiros
mesmos a possuam, e ambos querem distribuir o benefício de modo justo e
equitativo. O comunismo trata, claro está, do autogoverno, mas está
principalmente dirigido a QUE persoas devem e podem gerir.
Se o capital é
passividade onde as nossas actividades nom nos pertencem e onde as persoas nom
creem que podam cambiar a sua própria situaçom, entom o comunismo é actividade
e movimento. Um movimento e tendência que está presente na luita de classes, na
velha sociedade, que tenta aboli-la, e umha actividade que significará a fim
das separaçons e meiaçons e, por conseguinte, a destruiçom do valor, da
economia e o trabalho. Trata-se dum mundo sem dinheiro e sem benefício. O que
nom significa algum paraiso terreal ou que os homes se tenham convertido em
anjos. Significa somentes um mundo no que a actividade humana pertenza à
humanidade mesma, algo que, de seguro, criará problemas, conflitos e
contradiçons novos e inesperados.
Nós somos a contradiçom!
Marcel e Gillés
Dauve
O trabalho é a
nossa actividade separada de nós, tornada em algo que alimenta à economia e que
nos domina. E este processo pode cambiar-se porque somos os que o alimentam.
Nós somos a contradiçom. Nengum trabalho é únicamente imposto desde fóra. Supóm
certa cooperaçom desde a base, como o trabalhador da Renault Daniel Mothé
monstrara no seus artigos de Socialisme ou Barbarie na década de 1950. O
que temos descrito como pequenos roubos, sabotage a pequena escala e diversom
(todos os quais implicam auto-organizaçom) é tamém o que fai o restaurante
tolerável. A resistência ao trabalho é o modo de recuperar algumha
"humanidade" da que o trabalho nos priva: fai, por tanto, o nosso dia
de trabalho menos alienante. Negar isto é entender mal como funciona o
capitalismo, e por que continua apesar dos seus numerosos horrores. A
auto-organizaçom da vida laboral (e das suas luitas) é, paradóxicamente, tamém
a condiçom dumha possível revoluçom.
O significado do
movimento comunista nom é livrar-se do aspecto doloroso do trabalho despraçando
a sua carga às máquinas, que se esforçariam por nós mentres nos damos o
banquete, escrevemos poemas e fazemos o amor. (Na antigüidade, quando existia
pouca maquinária, Aristóteles justificava o trabalho escravo manual devido a
que permitia à elite ter umha vida boa e intelectual.) Quem lea entenderá que
nós nom anelamos umha sociedade onde cada segundo é divertido. Deixemos tais
sonhos a Vaneigem.
Isto está
relacionado co conteúdo do trabalho efectivo que se realiza num tal
restaurante. Qualquer comida rápida (fast
food) é umha expressom dumha sociedade onde o tempo é dinheiro, e actos
humanos vitais como comer tenhem que realizar-se no menor tempo possível (=no
tempo mais rendável). As hamburguesas, sem embargo, som só um exemplo entre
muitos. Os bistecs (que umha vez foram um símbolo da civilizaçom ocidental) som
outros meios de assado rápido e de ingerir as suficientes calorias e proteinas
para mandar, ao apurado home moderno, de volta à planta de fabricaçom ou à
oficina. O mesmo aplica-se às ensaladas de cafetaria que tenhem chegado a ser
populares nos últimos vinte anos. Os filetes de carne transmitem umha image
dura, algo varonil, mentres que as ensaladas vam cumha atitude supostamente
mais branda, aberta e afeminada (genderfriendly).
E umha exitosa companhia multinacional de comida que está de moda fai-se chamar
Comida Lenta (Slow food).
Somos o que
comemos... Certo, mas também somos o que fazemos. Comemos como vivemos. Seria
ingénuo assumir que poderia existir ou existirá um jeito melhor de comer, a
única e soa comida saudável. Aqui, de novo, quem lea entenderá que nom estamos
a defender as comidas veganas orgánicas universais.
Decembro do 2002
(*) «Aufhebung»
é um termo hegeliano, logo utilizado amplamente por Marx, que foi traduzido de
diversos modos (supressom, superaçom, aboliçom) mas cujo significado é
simultáneamente negar e preservar.
(**) Com "operaismo" refirem-se
à corrente teórica da autonomia obreira italiana dos anos 70, na que se
inscrevem teóricos como Mario Tronti, Toni Negri (na sua primeira época) ou
Sergio Bologna. Apesar das coincidências nominais, essa corrente parte dum
substrato leninista e nom do comunismo de conselhos.
[i] Quando declaro que o comunismo é
um movimento, quero dizer que existe como umha dicámica detrás da luita de
classes ou como umha tendência nela. Nós nom vemos a sociedade comunista na
luita de classes, vemos "potenciais" comunistas. Toda luita contra o
capital tem um aspecto universal devido a que é umha protesta contra umha vida
inumana, e isto é umha semente para a futura comunidade humana. "Umha
revoluçom social tem assi um aspecto universal, porque, ainda que poda ocorrer
num só distrito industrial é umha protesta humana contra a vida inumana, porque
parte do indivíduo singular real, e porque a vida social é a verdadeira vida
social do home, a vida realmente humana." Mas é importante entender que é
somentes um aspecto, e também que a semente nom pode crescer em qualquer
situaçom.
[ii] Esta cita provém do grupo
Kammunist Kranti da India. Pode dizer-se que o capital tem sobrevivido a esses
ataques porque estas termitas também trabalham para o capital. Isto é certo,
mas também é certo que o capital necessita e tenta controlar e destruir todas
estas luitas segredas. E é também nos conflitos no trabalho, na luita
proletária contra o trabalho assalariado, onde podemos encontrar a actividade
libertadora para libertarmo-nos nós mesmos e destruir o capital.
[iii] Kämpa Tillsammans!
significa "Luitemos juntos!" e ha de ser entendido como um
imperativo.
(***) Nota crítica. Ainda que
Marcel considera que o comunismo "destrue o valor através da
apropriaçom pola humanidade do seu trabalho e dos meios de produçom",
ao longo do artigo existe umha confusom entre a categoria "valor" e a
categoria "capital".
A existência do valor significa que os produtos nom se intercambiam em
funçom do seu valor de uso, que a distribuiçom da riqueza nom está determinada
directamente polas necessidades sociais, e que os trabalhos se relacionam entre
si como trabalhos privados. Ou seja, na categoria do valor condensam-se as
condiçons de funcionamento da economia mercantil. Mas a produçom mercantil já
existia antes do capitalismo: é só a ante-sá histórica. O capitalismo significa
que a produçom de mercadorias subsume o trabalho social, transformando-o em
trabalho assalariado, e que o trabalho é subordinado à acumulaçom de riqueza na
forma do valor. Efectivamente, o
capital, enquanto movimento de acumulaçom de riqueza, adopta a forma
geral própria da produçom de mercadorias: o valor. Mas o capital nom é já umha
relaçom de separaçom entre os produtores e o seu produto na circulaçom, senom
umha relaçom de separaçom entre os produtores e o seu produto na produçom.
O capital implica, pois, a existência histórica e actual do valor como
forma abstrata da riqueza, mas a existência do valor nom implica a existência
do capital. Por isso, a luita contra o valor nom significa necessáriamente umha
luita contra o capital; somentes quando a luita contra o valor se dirige
directamente contra o processo de valorizaçom do capital, quando se dirige
contra a a subordinaçom do trabalho vivo ao trabalho morto, entom podemos falar
de comunismo num sentido revolucionário. Se nom, qualquer supressom do valor
por meio do roubo ou da usurpaçom da propriedade privada poderia considerar-se
como umha prática revolucionária; mas, incluso quando estas expropriaçons de
mercadorias dam lugar a formas de propriedade comunais (um comedor popular, um
centro social ocupado), estamos a falar de formas de comunismo primitivo que,
igual que as antigas formas de propriedade comunal que subsistem ainda hoje,
nom suponhem por si mesmos nengum antagonismo radical coa existência do capital
como relaçom social.
Em resumo: a luita contra o valor no restaurante de Marcel está, de
facto, orientada a socavar a valorizaçom do capital, mas a luita contra o valor
nos ejemplos da "pilhage nas tendas" ou da "ocupaçom de
casas" nom o está habitualmente. Incluso quando se luita contra a
mercantilizaçom de certas cousas, como por exemplo os gens da espécie humana,
esta-se a luitar em princípio nom contra o capital, mas contra a sua expansom
em certa área da vida -contra a sua dimensom quantitativa que é a que adopta a
forma do valor-. O proletariado é revolucionario nom porque esteja movido a
suprimir a forma mercantil da riqueza, mas porque está movido a suprimir a
forma de capital que adoptam as condiçons e os meios de produçom e reproduçom
da sua vida. E fará isto superando a relaçom social na que o ser humano se
autoaliena na sua actividade genérica básica -o trabalho-, ao mesmo tempo que
começará a ultrapassar a divisom entre trabalho e lezer, meiante um desenvolvimento
universal das capacidades e da actividade humanas).
É certo que a maior parte das mercadorias e da riqueza em circulaçom som
hoje formas do movimento do capital, e neste sentido todo ataque ao valor
perjudica a valorizaçom do capital; mas a diferência é que, num caso o ataque
afecta só ao capital na sua existência particular, a uns capitalistas soltos,
mentres que, no segundo caso, a acçom revolucionária do proletariado ataca o
capital como relaçom social, na sua essência.
[iv] Nom quero dizer que o proletariado
e os chefes (bosses, patrons) tenham os mesmos interesses. Toda luita se
enfrentará finalmente dum modo ou outro cos patronos, a policia, os gerentes e
outros funcionários do capital. O que quero sublinhar é que nom som os patronos
os que tenhem o controlo, e que no restaurante a nossa relaçom co nosso chefe,
de modo paradóxico, fortaleceu a "perspectiva comunista" na luita.
Estava claro para todos, que nom era o chefe o que era o inimigo, senom que ao
que nos opunhamos era à absurdidez de trabalhar por dinheiro.
(****) Nota crítica. Se se
considera o comunismo de conselhos como corrente em desenvolvimento -desde
começos do século XX-, entom vera-se que é falso que se lhe outorgue mais
importáncia ao problema da gestom dos meios de produçom que ao do
desenvolvimento da classe obreira como sujeito revolucionário. É mais, a
importáncia do "problema da gestom" no comunismo de conselhos está
directamente conectado co problema da supressom da relaçom do capital, co
conteúdo das relaçons de produçom comunistas. E, à sua vez, o problema do
desenvolvimento espiritual do proletariado vincula-se tamém ao desenvolvimento
de novas relaçons sociais. Ambas focages estám particularmente bem claras no
pensamento de Anton Pannekoek, mas tamém no de Otto Rühle e Paul Mattick, por
nomear aos teóricos mais importantes. A mesma crítica de Marcel poderia, de
facto, aplicar-se ao próprio Karl Marx. Mas, se Marx deixou a um lado -sem por
isso abandona-la- a teoria do trabalho alienado depois da sua época de
"mocidade", foi porque entendera que entre consciência e a prática
existe umha correspondência real e que a possibilidade efectiva da supressom do
capital está já implicita no desenvolvimento autónomo do movimento proletário.
O facto de que a supressom do capital se formule como um problema de
gestom indica que esta se está a pensar no contexto, ou baixo a influência,
dumha tendència ao desenvolvimento massivo da autonomia do proletariado. Isto
foi o que aconteceu, ou parecia acontecer, durante o processo da Revoluçom
alemá de 1918-1923. Contudo, no periodo imediatamente precedente e no periodo
subseguinte, encontramos umha maior orientaçom cara o problema do
desenvolvimento da consciência revolucionária. O facto de que os grupos
revolucionários que se reclamassem do comunismo de conselhos, posteriormente à
onda revolucionária dos anos 20, começassem a cair em tendências
espontaneistas, no fetichismo da organizaçom e dos conselhos obreiros, é um
produto do isolamento e da desesperaçom práticas, nom algo inerente ao pensamento
conselhista. A mesma possibilidade de que se ponha juntos a "libertários e
conselhistas" indica que estes "conselhistas" retrocederam ao
anarquismo em lugar de proseguer como umha corrente independente e enraizada no
marxismo original.
A posiçom que adopta Marcel reflicte, à sua vez, que para el o problema
da gestom e o do sujeito revolucionário apresentam-se como separados,
precisamente porque assi o estám na época actual, porque nom existe um
movimento revolucionário do proletariado em ascenso. A existência deste
movimento significaria, ao mesmo tempo, e como a sua condiçom vital, o
desenvolvimento das capacidades totais do proletariado e a criaçom de novas
relaçons sociais -a "aufhebung" do estado presente-. Contudo, estamos
de acordo com Marcel em que o germe deste novo movimento proletário poda ver-se
já nas formas de rebeliom e luita, imediatas e ocultas, contra a valorizaçom do
capital.