Lucas Maia dos
Santos*
A Luta Autônoma e os ciclos longos da mais-valia
relativa segundo João Bernardo
Os
indivíduos, grupos e classes sociais, historicamente, sempre se manifestaram,
se opuseram às relações de subordinação e exploração. Seja no escravismo
antigo, com suas rebeliões de escravos; no medievo europeu, com as mais
distintas formas de manifestação dos servos (desde roubar lenha, a recusa em
pagar a corvéia, revoltas camponesas no final do feudalismo etc.); ou o absenteísmo,
as greves e revoluções na sociedade capitalista são entre inúmeras outras,
formas desta manifestação.
Quando a
sociedade capitalista se estabeleceu como modo de produção dominante,
proletarizou a imensa maioria dos indivíduos e grupos sociais (Bernardo, 2000).
A classe burguesa [1]
(juntamente com o proletariado nascente e o campesinato) explodiu a sociedade
medieval e junto com ela a sua nobreza. Por mais que tenham resistido alguns
vestígios do velho feudalismo, estes foram totalmente incorporados e submetidos
à lógica da produção e reprodução burguesas (Viana, 2003). Evidentemente este
processo se desenvolveu no decorrer de séculos, não foi um ato súbito e
repentino. Quando das revoluções políticas européias no século XVIII e XIX, as
relações de produção já eram predominantemente capitalistas, estas revoluções
tiveram um caráter eminentemente político, ou seja, de adequar as instituições
às novas relações de produção.
Mas neste
mesmo processo revolucionário, no qual a burguesia se tornou a classe
dominante, notadamente nos acontecimentos turbulentos de 1848, uma classe já se
mostrou perigosa aos seus interesses, o proletariado. Esta criação genuína da
sociedade capitalista é ao mesmo tempo a possibilidade de sua dissolução. Não
era identificável, com clareza, neste momento uma classe social específica, com
relativa autonomia, que se diferenciava tanto do proletariado quanto da
burguesia, a classe dos gestores [2].
Se
analisarmos com cuidado o desenvolvimento histórico das lutas operárias ao
longo dos século XIX e XX, perceberemos com muita clareza o desenvolvimento
desta camada de gestores, que inicialmente não se apresentou como exterior à
classe operária, mas que com o desenrolar do processo histórico de luta dos
trabalhadores seu caráter de classe específica e oposta aos trabalhadores foi
revelado.
Seguiremos
de perto a análise feita por João Bernardo, na sua importante obra Economia
dos Conflitos Sociais, na qual ele dedica inúmeras páginas à compreensão do
processo de luta autônoma dos trabalhadores. Evidentemente, como nosso objetivo
principal não é compreender, em sua totalidade e minúcias, as lutas efetivadas
pelos trabalhadores, mas simplesmente sua constatação e implicações, vários
elementos da teoria de João Bernardo serão caricaturados, cabendo ao leitor ir
à fonte para compreender a complexidade e detalhamento que ele faz destas
lutas.
Inicialmente,
traça as linhas gerais dos principais tipos de luta que os trabalhadores
encaminharam ao longo da história do capitalismo. Para ele, as lutas podem ser
expressas da seguinte forma:
As lutas
operadas pelos trabalhadores adquirem as mais diversas formas e níveis de
radicalidade. A luta individual é aquela processada por um único indivíduo e
não tem nenhum nível de consciência coletiva. Ela pode ocorrer de duas
maneiras, dependendo da forma como se manifesta, articulando-se com a forma
passiva ou ativa de luta.
A luta individual
passiva ocorre quando o operário não se manifesta claramente e nem entra em
conflito aberto ou deliberado com o patronato. Pode ser percebida de várias
maneiras, na “preguiça, no absenteísmo, no alcoolismo, no uso de
estupefacientes, em suma, todos os modos práticos de reduzir o tempo de
trabalho despendido sem para isto entrar em conflito com o patronato”
(Bernardo, 318).
Já a luta
individual ativa arrisca-se ao conflito direto, mesmo que às vezes o
faça de forma dissimulada. É manifesta na sabotagem individual de meios de
produção, roubo de mercadoria e matérias primas, até mesmo na agressão física e
verbal aos contramestres, gerentes, supervisores etc.
No
entanto, estas formas de luta não visam e nem possuem as condições práticas e
materiais de superar a disciplina de fábrica, nem muito menos de estabelecer
novas relações sociais. Embora seja produto direto da hierarquização e regime
de trabalho criado pelo modo de produção capitalista, portanto são a expressão
mais clara do descontentamento com relação à disciplina no trabalho, elas não
possuem a menor possibilidade de superar tal disciplina e relações de produção.
Muito pelo contrário, elas reafirmam a fragmentação que a hierarquia
capitalista dentro dos locais de trabalho produzem.
As lutas
coletivas, contrariamente às individuais, são caracterizadas já por um certo
grau de organização e comunicação entre pequenos ou grandes grupos de
operários. Elas possuem um maior nível de complexidade. As táticas e
estratégias são elaboradas coletivamente, possuindo deste modo um maior nível
de eficiência e combatividade práticas que as formas individuais.
As lutas
coletivas passivas são caracterizadas pela presença de uma classe de
dirigentes. As burocracias sindicais e partidárias se constituem em detentoras
do processo de luta e se caracterizam por dirigir e comandar as ditas bases. Em
momentos de greve, também estas burocracias se apresentam como líderes e
conduzem todo o processo, tentando dispersar os trabalhadores nos seus locais
de residência. Quando estes insistem em permanecer unidos para ocuparem seus
locais de trabalho, as burocracias jogam-nos nas ruas em manifestações, de
pouco impacto no que concerne à alteração das rela ções de produção, e mais
suscetíveis à repressão policial. E por fim, quando os trabalhadores insistem
em ocupar seus locais de trabalho, passando por cima das decisões de seus
dirigentes, os burocratas buscam isolá-los, encerrando o movimento a uma só
empresa ou seção de empresa, temendo que o movimento se alastre e percam
completamente o controle. Em suma, este tipo de organização é caracterizado
também pela fragmentação e fragilização da espontaneidade e criatividade dos
trabalhadores.
João
Bernardo assim resume estas formas de organização da luta:
“Se as formas individuais de organização dos
conflitos não rompem com o quadro de autoridade do capitalismo, as formas
coletivas e passivas reproduzem-se no seu interior. Também aqui o capitalismo
em desenvolvimento recupera não apenas o conteúdo das reivindicações, mas ainda
a sua forma organizativa, convertendo-a num dos agentes da disciplina social”
(Bernardo, 1991, p: 320)
Contrariamente
às formas anteriores, as lutas coletivas e ativas caracterizam-se por
dois princípios: o coletivismo e o igualitarismo. Tem sido assim
ao longo da história de suas lutas. Entretanto, quando o conflito ainda não se
apresenta de maneira clara, ocorre que por iniciativa dos próprios
trabalhadores, são criados grupos informais que contrariam a disciplina de
fábrica. Os trabalhadores, organizados nestes grupos informais contrariam
muitas vezes várias ordens vindas dos administradores e organizam em parte o
processo de trabalho. Expressam simplesmente a capacidade organizativa e
criativa dos trabalhadores, mas não negam em si as relações de produção
capitalistas, aumentando e muito sua produtividade.
Porém,
estes grupos informais podem assumir outra forma e agir de maneira a negar e
superar as relações de produção capitalistas. Buscando ao invés de aumentar a
produtividade, procura sabotá-la, diminuí-la. Esta ambigüidade pode encaminhar
a autonomia dos trabalhadores para estes dois sentidos: sua apropriação pela
administração da empresa, aumentando assim a produtividade e não negando
radicalmente a hierarquia e relações de produção capitalistas; ou pode assumir
a forma contrária a esta, na qual o objetivo explícito é alteração das relações
sociais.
Ao
assumir esta forma os grupos que surgem dentro dos locais de trabalho adquirem
uma radicalidade profunda e buscam controlar o processo de trabalho, eliminar a
hierarquia e disciplina do regime de trabalho capitalista, e o fazem por meio
do controle e gestão do processo de luta, o que é comumente conhecido como autogestão
das lutas.
Este
esquema lógico formulado por João Bernardo é na realidade o produto de uma
análise histórica apurada dos vários movimentos experimentados pela classe
trabalhadora ao longo da história do capitalismo. Não é de maneira alguma uma
fórmula que possa ser aplicada a todas as realidades em todos os tempos e
lugares. É um modelo teórico que expressa e explica os vários movimentos
contestatórios que a classe operária empreendeu no decorrer e desenvolvimento
de suas lutas.
Analisemos
agora como estas se deram historicamente.
A
história do capitalismo é a história da incorporação, ou como denomina João
Bernardo, “recuperação” das lutas pelo sistema capitalista. As formas de
organização balizadas no igualitarismo e coletivismo e calcadas na ação
coletiva de todos e de cada um dos trabalhadores envolvidos no processo de luta
ocorrem em determinados momentos e são cíclicas. Ele denomina estes ciclos de “ciclos
longos da mais-valia relativa” em oposição aos “ciclos curtos da
mais–valia relativa”.
“A quotidiana assimilação das reivindicações
e pressões ritma aquelas flutuações econômicas a que chamo ciclos curtos da
mais–valia relativa” (Bernardo, 1991, p: 350). A assimilação destas
reivindicações implica em alteração de alguns aspectos do processo produtivo,
mas que não atinge profundamente as relações de produção capitalistas. Assim, a
melhora de equipamentos (investimento nos meios de produção), alterações formais
na organização do processo de trabalho incluem-se nestas alterações provocadas
pela assimilação das reivindicações cotidianas. Já os ciclos longos da
mais–valia relativa correspondem a fases de ascensão e assimilação das
lutas autônomas, ou seja, aquelas calcadas na ação coletiva e igualitária de
todos os trabalhadores envolvidos no processo de luta. Todo ciclo longo
caracteriza-se por duas fases: a primeira corresponde à ascensão das lutas
autônomas e a segunda, à assimilação pelo capitalismo destas lutas,
correspondendo a um aumento na produtividade.
Segundo
nosso autor:
“O colapso das novas relações sociais não suscita
apenas a integração na classe gestorial de antigos delegados dos
trabalhadores degenerados em dirigentes. Não se trata somente, nem
sobretudo, da absorção pelo capitalismo de pessoas ou de funções decorrentes do
declínio das formas organizativas autonômicas. São também as próprias
instituições da luta autônoma a serem assimiladas, após o seu colapso lhes ter
alterado profundamente a natureza social. Quando a derrota perante as
pressões do mercado leva os trabalhadores a descrer da possibilidade de
combaterem radicalmente o capital e a afastarem-se da participação ativa nos
órgãos de deliberação e de decisão, estes não desaparecem, sendo mantidos pelos
antigos delegados convertidos em novos gestores, que neles encontram a
justificação histórica das suas funções. (...) A assimilação das
instituições resultantes do colapso das formas autônomas requer remodelações
profundas, diretamente no nível das CGP. (Bernardo, 1991, p: 350) (grifos
nossos).
Desta
citação podemos destacar os seguintes aspectos: primeiramente, o colapso das
relações sociais novas implica na ascensão de uma classe de delegados dos
trabalhadores a dirigente dos trabalhadores, ou seja, as funções criadas pelas
novas organizações exigem pessoas para exercê-las, quando estas organizações
são degeneradas e assimiladas, parte destes trabalhadores tornam-se dirigentes,
gestores dos trabalhadores. Em segundo lugar, não há somente a degeneração dos
delegados em gestores, mas principalmente a assimilação das próprias formas
organizativas surgidas no processo de luta autônoma na administração e
organização do processo produtivo. E em terceiro lugar, estas formas
organizativas degeneradas e assimiladas correspondem ou implicam em profundas
alterações das Condições Gerais de Produção (CGP). Esta alteração acarreta
aumento da produtividade. Deste modo, as lutas autônomas assimiladas são
elemento importante no processo de reprodução ampliada do capital.
Mas esta
assimilação que o capitalismo faz das lutas autônomas implica na criação de
novas contradições que vão gerar novas formas de luta e organização autônomas
iniciando assim um novo ciclo. Interpretando o texto de João Bernardo, podemos
fazer o seguinte quadro que expressa cronologicamente os ciclos longos da
mais–valia relativa.
Cronologia dos ciclos longos da
mais–valia relativa |
||
Fases |
Fase de ascensão das lutas autônomas |
Fase de assimilação das lutas
autônomas |
1º |
Indefinido |
1848 – 1860 |
2º |
1860 – 1874 |
1875 – 1917 |
3º |
1917 – 1839 |
1940 – 1960 |
4º |
1960 –1980 |
1980 – 1991 |
Este
quadro, retirado da experiência prática dos trabalhadores no processo de luta,
nos ajuda a compreender a dinâmica das lutas autônomas. O início do ciclo, a 1º
fase, é marcado pela ascensão das lutas autônomas. O capitalismo assimila estas
novas formas de organização, caracterizando a 2º fase. Quando surgem novas
formas de organização e lutas autônomas que tornam impossível sua assimilação
dentro do quadro constituído inicia-se um outro ciclo.
No
desenvolvimento do primeiro ciclo, as lutas autônomas, igualitárias e
coletivas, eram cindidas entre uma frente voltada para o estado amplo e outra para o estado
restrito [3].
A luta contra o estado restrito era
encetada juntamente com a burguesia e tinha como inimigo a aristocracia
nobiliárquica. Na esfera do estado amplo,
era organizada geralmente nos locais de moradia, não chegando haver ocupações
dos locais de trabalho. Os gestores ainda não se apresentavam como classe
específica e por vezes oposta ao proletariado e à burguesia. As revoltas de
1848 constituem fase decisiva na ascensão da burguesia ao poder político do estado restrito. A paulatina
generalização do sufrágio universal evidencia a assimilação das lutas
autônomas. Também o surgimento dos primeiros sindicatos burocratizados mostram
esta assimilação na esfera do estado
amplo.
O segundo
ciclo evidencia o desenvolvimento da classe dos gestores, que durante este,
como também durante o terceiro ciclo, não se mostra como opositora aos
interesses do proletariado. Como neste período os gestores se opunham à
burguesia, eram constantemente eleitos pelos trabalhadores em suas lutas contra
a classe capitalista. Esta característica foi denominada por João Bernardo de “ambigüidade
do movimento operário”. Esta ambigüidade implicou em fortalecimento da
classe dos gestores, pois tanto na esfera do estado amplo, quando os
trabalhadores elegiam seus delegados para os sindicatos e estes se
burocratizavam cada vez mais, quanto na esfera do estado restrito, quando
também os trabalhadores elegiam representantes para o parlamento, isto
significou uma unificação e fortalecimento da classe dos gestores.
A luta
iniciada pela I Internacional de unificar as lutas (no estado restrito e no estado
amplo) foi retomada e recuperada pela II Internacional, que era dominada
por partidos e sindicatos kautskistas. No período da II Internacional, as lutas
autônomas deste segundo ciclo já se encontravam totalmente recuperadas pelo
capitalismo. A primeira guerra mundial marca o fim deste ciclo e a ascensão do
terceiro.
“A guerra
de 1914 – 1918, se nos dois primeiros anos culminou a fase de assimilação do
segundo dos ciclos, nos dois anos seguintes abriu a importante fase de ascensão
das lutas autônomas com que se iniciou o terceiro ciclo” (Bernardo, 1991,
p: 358).
A fase de
ascensão do terceiro ciclo inicia-se com as lutas autônomas de 1916, 1917,
1918, 1919 e 1920. Anos turbulentos na Europa. Os sovietes na Rússia
abalavam a estrutura econômica deste país. Os conselhos operários formados na
Alemanha e Itália assustam as burocracias sindicais, de matiz social democrata,
e afetam profundamente a reprodução ampliada do capital nestes países. Vê-se,
neste período, claramente uma nova forma de organização que não se enquadra nas
relações de produção capitalistas e as supera. Nestes países, estas lutas são
brutalmente reprimidas, os fascismos alemão e italiano são exemplos disto,
também a contra-revolução bolchevique na Rússia acaba em sangrenta repressão,
onde, em 1921, os anarquistas na Ucrânia e os marinheiros de Kronstadt são
violentamente eliminados pelo exército vermelho. Os últimos surtos de ascensão
das lutas autônomas deste terceiro ciclo se dão na França, na greve geral de
1936 e na Espanha, na guerra civil espanhola de 1936–1939, com esta última
sendo brutalmente reprimida. Finda-se aqui a fase ascensional deste terceiro
ciclo. O que o diferencia do anterior é: a) o
aprofundamento e generalização das ocupações de fábrica; b) a identificação dos gestores como classe
oposta aos interesses dos trabalhadores. As comissões informais de
trabalho, organizadas pelos operários, foram incorporadas ao processo produtivo, aumentando a
produtividade. Passouse das idéias de Taylor, ao taylorismo melhorado segundo
as idéias de cooperação de Elton Mayo. A segunda guerra mundial marca a fase
plenamente assimilatória deste terceiro ciclo.
Por fim,
a fase ascensional do quarto ciclo vai de meado de 1960 aos anos iniciais da
década de 1980. A característica central deste ciclo é a superação, pelos
trabalhadores em luta, de suas burocracias sindicais e partidárias. As famosas
“greves selvagens” são seu exemplo característico. Também sua
assimilação, processada a partir dos anos de 1980 é marcada pela incorporação,
por parte do capitalismo, de suas formas organizacionais e de luta degeneradas.
É a partir deste período que as concepções de Mayo se generalizam. Surgidas e
parcamente utilizadas no ciclo anterior, estas concepções se tornam dominantes
nos países e regiões onde predominam a mais valia relativa. Agora, as classes
dominantes (gestores e capitalistas) são transnacionalizadas, ao passo que os
trabalhadores encontram-se divididos pelas fronteiras nacionais. Esta é uma das
principais razões que levou, neste quarto ciclo, ao colapso das relações
sociais novas, levando à completa assimilação, por parte dos capitalistas, das
lutas autônomas.
Historicamente
foi assim que se deu o processo de luta. Não quero como isto dizer que sempre
será assim, mas é somente a partir da análise e entendimento das experiências
passadas, que o movimento pode avançar em direção a rumos novos. Hoje, em
perspectiva, é assim que se apresentam as lutas; é somente no processo de
análise da luta, que as idéias sobre ela vão se fazendo e se modificando. As
idéias se fazem na prática.
Deste
modo, de acordo com a experiência dos trabalhadores organizados, podemos dizer
que as lutas radicais são autônomas, ou seja, são os trabalhadores
organizados, adquirindo consciência de classe no próprio processo de combate e
independentemente das classes dominantes (burguesia e burocracia). São Igualitárias,
ou seja, todos os trabalhadores envolvidos no processo têm o mesmo “valor”. Não
há hierarquização, nem dirigentes e nem dirigidos, trata-se de um corpo em
luta. E por último, são coletivas ativas, pois somente quando parte ou
conjunto de todos os trabalhadores, por motivos que já analisamos, se envolvem
no processo é que realmente a luta tem eficiência e capacidade de alterar as
relações sociais.
Gostaria
de ressaltar só mais uma vez que estes princípios não são uma fórmula na qual
todos os movimentos devem se enquadrar. Esta é simplesmente a maneira como
historicamente o movimento operário radical se constituiu. Se novas formas
surgirem, e vão surgir, os teóricos, partindo da perspectiva dos trabalhadores,
que se dedicarem a analisá-las, não devem tomar estes princípios como um dogma,
pois não conseguirão compreender o movimento da realidade, ficando aquém dela. O
material da teoria é a história, por isto a teoria deve estar sempre ao pé da
história, sem nunca afastar-se dela.
Bibliografia
BERNARDO, João. Economia dos Conflitos Sociais.
São Paulo: Cortez, 1991.
BERNARDO, João. Marx Crítico de Marx:
Livro Primeiro: Epistemologia, Classes Sociais e Tecnologia em O Capital.
Tomo III. Porto: Afrontamento, 1977.
BERNARDO, João. Transnacionalização do Capital
e Fragmentação dos Trabalhadores: ainda Há Lugar para os Sindicatos?. São
Paulo: Boitempo, 2000.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A
Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
VIANA, Nildo. Estado Democracia e Cidadania: A
Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003.
* Publicado originalmente na Revista Enfrentamento, nº 1, Julho-Decembro 2006
(Órgao do Movimento Autogestionário - Brasil).
[1] “Onde
que tenha chegado ao poder, a burguesia destruiu todas as relações feudais,
patriarcais, idílicas. Estilhaçou, sem piedade, os variegados laços feudais que
subordinavam o homem aos seus superiores naturais (...)” (Marx, 2002, p: 27)
[2] Esta
denominação é feita por João Bernardo (2000), (1991), (1977) entre outras
obras, para designar a classe responsável pela gestão e administração da
sociedade. Este é pelo menos o discurso ideológico que a justifica. Esta classe
pode surgir tanto do seio da classe operária em seu processo de luta, quanto da
necessidade da administração hierárquica das fábricas organizadas com base na
disciplina capitalista.
[3] João
Bernardo denomina estado restrito: a
esfera do poder político que corresponde às esferas clássicas de poder
reconhecidas pela ciência política e pelo direito, ou seja, o poder executivo, legislativo e judiciário.
Chama de estado amplo as esferas de poder político criado pelas
empresas capitalistas. Se se considerar uma empresa isoladamente,
percebe-se que há nela um poder legislativo,
aquele que determina a disciplina e regime do processo de trabalho; um poder executivo, aquele que faz com que os
trabalhadores exerçam suas funções de acordo com a disciplina hierarquicamente
estabelecida; e um poder judiciário,
aquele que pune os trabalhadores caso não cumpram adequadamente a disciplina
estabelecida.