Notas sobre comunismo de conselhos e anarquismo

 

 

 

  «Umha classe oprimida é a condiçom vital de toda sociedade fundada no antagonismo de classes. A emancipaçom da classe oprimida implica, pois, necessáriamene a criaçom dumha nova sociedade. Para que a classe oprimida poda emancipar-se, é preciso que as forças produtivas adquiridas já e as relaçons sociais existentes nom podam coexistir. De todos os instrumentos de produçom, a maior força produtiva é a mesma classe revolucionária. A organizaçom dos elementos revolucionários como classe supóm a existência de todas as forças produtivas que podiam engendrar-se no seo da sociedade antiga.

 

  Quere isto dizer que depois da caída da antiga sociedade haverá umha nova dominaçom de classe que se ressuma num novo poder político? Nom.

 

  A condiçom da emancipaçom da classe trabalhadora é a aboliçom de todas as classes, assi como a condiçom da emancipaçom do terceiro estado, da orde burguesa, foi a aboliçom de todos os estados e de todas as ordes.

 

  A classe trabalhadora reempraçará, no curso do seu desenvolvimento, a antiga sociedade civil por umha associaçom que excluirá as clases e o seu antagonismo, e nom haverá já poder político propriamente dito, posto que o poder político é precisamente o ressumo oficial do antagonismo na sociedade civil.»

 

Marx, Miséria da filosofia (1847)

 

 

 

  «É preciso, pois, que os proletários destruam o poder político em todos os lugares nos que já se encontre em maos da burguesia. É preciso que eles mesmos devenham o poder, o poder revolucionário.»

 

Marx, Crítica moralizante e moralidade crítica (1847)

 

 

 

  «Isto <de que "o proletariado seja a classe dominante"> significa que mentres subsistam as outras classes e especialmente a classe capitalista, mentres o proletariado luite contra elas (pois co ascenso do proletariado ao poder nom desaparecem todavia os seus inimigos, nem desaparece a velha organizaçom da sociedade) terá que empregar medidas de violência, é dizer, medidas de governo. Mentres o proletariado seja ainda umha classe e nom tenham desaparecido as condiçons económicas nas que descansa a luita de classes, é dizer, a existência destas, será preciso, pola violência, quita-las do medio ou transforma-las, será preciso acelerar pola violência o seu processo de transformaçom.»

 

  «<O "proletariado erigido em classe dominante"> significa que o proletariado, na vez de luitar dum modo inconexo contra as classes económicamente privilegiadas, possue já a força e a organizaçom suficientes para empregar, na sua luita contra elas, medidas gerais de coacçom; mas, no terreo económico, só pode empregar medidas que destruam o seu próprio carácter de assalariado e, em conseqüência, as suas características de classe. Por conseguinte, co seu triunfo completo cessará tamém a sua dominaçom, ao cessar o seu carácter de classe.»

 

  «...Como o proletariado, mentres luita por derrocar a velha sociedade, todavia actua sobre a base desta velha sociedade, e portanto se move ainda baixo formas políticas até certo ponto próprias desta, durante este período de luita nom tem adquirido ainda a sua organizaçom definitiva e póm em prática para a sua emancipaçom medidas que despois desta nom tenhem aplicaçom; de onde o senhor Bakunin infire que ao proletariado valeria-lhe mais nom fazer nada e... agardar o dia da liquidaçom geral: do juiço final).»

 

Marx, Acotaçons a «Estatismo e Anarquia» de M. Bakunin, 1873.

(Entre ángulos colocamos a alusom às palavras de Bakunin, entre aspas)

 

 

 

 

 

1

 

  A compreensom marxista, o materialismo histórico, nom reconhece a existência de categorias eternas e absolutas para definir a realidade social, senom que considera todas as categorias que definem a sociedade como representaçons do conteúdo das relaçons sociais existentes em cada momento e lugar. Isto é, para o marxismo todas as categorias que definem o real som históricas e relativas, estám sujeitas ao devir histórico e pertencem a determinada forma social.

 

  Por essa razom o marxismo nom considera o Estado como umha categoria imutável, nem lhe atribue um princípio metafísico que seria idéntico em qualquer momento ou situaçom histórica. A existência dumha categoria como a de Estado nom se fundamenta, assí, como pretendem os anarquistas, num poder "por acima da sociedade". Este poder apresenta-se como tal, mas em realidade está completamente determinado e é dependente da sociedade existente. Contudo, como a sociedade existente é umha sociedade de classes, o Estado somentes representa na sua configuraçom e na sua actividade ordinária os interesses de classe da burguesia. A separaçom formal entre o Estado político e a sociedade civil, por exemplo, é algo próprio da sociedade burguesa, e nom existia na sociedade feudal, na que a classe dominante económicamente era, directamente, a dominante políticamente. É da separaçom entre Estado e sociedade civil de onde se deriva a apariência, tam forte no sistema capitalista, de que o Estado é um poder que se situa por acima da sociedade.

 

  Por outra banda, a configuraçom do Estado depende da natureza dos interesses da classe que domina. Os interesses dumha classe ou grupo minoritário somentes poderám configurar-se, organizativamente, dum modo autoritário, para poder assí imponhe-los à maioria. Se esta minoria é, mais precisamente, umha classe explotadora (ainda que nom exerza o poder directamente, senom meiante um sistema de delegaçom), a sua organizaçom nom somentes terá que ser autoritária, senom, além, umha verdadeira ditadura, ainda que se trate dumha ditadura encuberta.

 

  O anarquismo considera o Estado como umha categoría essencialmente imutável, inclusive como absoluta e eterna, de modo que é incapaz de concevir outro Estado que nom seja o Estado existente. O anarquismo com maior conseqüência prática, reconhecerá que a revoluçom proletária somentes poderá triunfar meiante a violência contra a burguesia para realizar a expropiaçom dos meios de produçom e defender a organizaçom comunista-libertária da sociedade. Mas esta organizaçom da violência, e, por conseguinte, do poder do proletariado, é na realidade um Estado, mas um Estado "d@s proletários", cuja organizaçom respostará a princípios opostos aos do Estado burguês e aos Estados classistas em geral. Como, por outra parte, o Estado tem a sua fundamentaçom material na explotaçom e opressom dumha classe sobre outra, na medida em que esta desapareza a organizaçom do poder político perde o seu carácter estatal: a supressom do trabalho assalariado implica, por um lado, a supressom do fundamento activo do Estado, a relaçom jerárquica e a autoridade unilateral sobre a populaçom trabalhadora (relaçom que expressa a escala global a dominaçom do capital sobre o trabalho), e polo outro a supressom do seu suporte material, constituido polos distintos corpos especializados que componhem a estrutura estatal (burocracia, exército, policia) e que monopolizam a actividade política do conjunto da sociedade.

 

  Esta seria a aplicaçom conseqüente do materialismo histórico à questom.

 

  Mas a revoluçom proletária nom será questom dum dia. Tratará-se dum processo prolongado de luitas sucessivas, tanto para destruir a dominaçom do capital como para construir umha nova sociedade sobre bases comunistas. A propriedade privada nom desaparecera instantáneamente. Todos os elementos pequenoburgueses, por exemplo, nom poderám ser instantáneamente transformados. O poder político do proletariado terá que impôr um estado legal transitório para defender a economia comunista contra formas de regresom ao capitalismo, para impedir que os pequenos burgueses podam explotar o trabalho assalariado, para que os colectivos obreiros que sigam baixo o domínio de capitalistas particulares nom podam ser explotados livremente. Todas estas complexidades requirem da organizaçom do proletariado como classe dominante. O processo de supressom das classes require dum período histórico transitório, tanto mais curto segundo o rápido que seja o progresso económico do comunismo -que inclue, como força produtiva decisiva, a própria capacidade do proletariado para leva-lo a cabo e defende-lo-.

 

  O "Estado da ditadura revolucionária do proletariado" nom será, em definitiva, um Estado no sentido actual, senom um anti-Estado, como à matéria é frente à anti-matéria. A sua forma estatal somentes existe enquanto o proletariado está enfrentado à burguesia, enquanto esta última existe [1]. Este Estado será o mecanismo defensivo dumha nova forma de poder político, será o resorte dum régime social anti-autoritário e emancipador nom polas declaraçons oficiais, senom pola sua prática social, porque el mesmo nom será a organizaçom dumha minoria contra a maioria, senom a organizaçom da maioria contra a minoria; é o proletariado associado como força política contra o capital. Isto encontrou a sua realizaçom histórica no sistema de conselhos obreiros, estruturado desde a base das fábricas e compreendendo unitariamente todas as tarefas da reorganizaçom social. Trata-se dumha organizaçom do poder político que nom se fundamenta já de modo permanente na opressom dumha classe sobre outra, senom que o seu objectivo é suprimir as classes -em concreto, destruindo à classe dominante actual enquanto que classe-, de modo que o poder político proletario prescinde dos instrumentos permanentes dessa opressom: o exército permanente, a policia, a burocracia e a sua jerarquia (o centralismo burocrático). No seu lugar, o que necessita som instrumentos transitórios, mas que tenhem que cumprir essa mesma funçom de domínio mentres os rasgos persistentes da sociedade capitalista a fagam imperativa. Este carácter transitório derivará-se de que, materialmente, nom se trata já de meios especiais de opressom, senom dum organismo estatal constituido polo povo em armas e caracterizado pola supressom da burocracia permanente meiante cargos eleitivos e a participaçom rotativa nas tarefas, assi como por umha centralizaçom da toma de decisons baseada na autoorganizaçom desde abaixo.

 

  Coa supressom das classes, no comunismo desenvolvido suprimirá-se finalmente tamém a necessidade de qualquer força armada, inclusive o povo em armas. Tamém suprimirá-se a necessidade de qualquer burocracia, que será reempraçada por individuos universalmente desenvolvidos. O mesmo acontecerá co centralismo limitado pola autoorganizaçom desde abaixo, dado que deixará de ser precisa qualquer limitaçom na vida autoorganizativa e absolutamente tudo poderá decidir-se ou determinar-se desde abaixo (para o qual existem já hoje meios técnicos muito amplos e multiplicarám-se no futuro). Isto é o que verdadeiramente significará a desapariçom de todo resto de Estado.

 

  Umha vez aí, o carácter político da estrutura de poder, cuja separaçom da sociedade civil e da própria massa do proletariado se tinha já abolido anteriormente, perderá cada vez mais sentido, pois as normas de convivência e a toma de acordos perderám progressivamente qualquer carácter ou necessidade de compulsom para o seu cumprimento, e o livre desenvolvimento igualitário dos individuos em comunidade fará cada vez mais superflua a própria actividade legislativa. Entom desaparecerá a democracia e entraremos no que será propriamente o a anarquia.

 

  Certamente, do ponto de vista prático podemos prescindir de chamar-lhe "Estado" à organizaçom do proletariado como poder político revolucionario, prescindir de ressaltar o carácter estatal deste poder porque nom é práticamente essencial para que o proletariado crie e desenvolva os seus próprios órgaos de poder revolucionário. Isto é incluso algo imperativo numhas condiçons nas que falar dum Estado "proletário" tende a confundir-se co carácter do Estado existente. É mais, Marx, consciente de que a emancipaçom do proletariado nom só é antagónica coa existência propriedade privada, senom tamém coa existência do Estado, nunca fixo seu o conhecido termo de "Estado obreiro" (Vejam-se as suas Acotaçons a "Estatismo e Anarquia" de Bakunin [2]) mais que rara vez e cum sentido polémico (no mesmo sentido de contrapôr a ditadura do proletariado à ditadura da burguesia), pois nom perdia de vista esta contradiçom: o proletariado pode assumir o poder político na sociedade, mas nengum Estado pode, como tal, ser "obreiro" ou "proletário", dado que nengum elemento estatal forma parte positiva da emancipaçom do proletariado [3] -em qualquer caso, a sua persistência indica que a emancipaçom do proletariado encontra-se num estádio limitado-.

 

  O antagonismo de classe que enfrenta ao proletariado coa sociedade burguesa é um antagonismo radical e universal, um antagonismo coa propriedade privada e co Estado e com todas as formas de actividade humana alienadas: «os proletários, para fazer-se valer persoalmente, necessitam suprimir a sua própria condiçom de existência anterior, que é ao mesmo tempo a de toda a sociedade precedente, é dizer, suprimir o trabalho. Estám, por tanto, tamém em contraposiçom directa coa forma em que os indivíduos da sociedade se deram até agora expressom total, ao Estado, e devem derrubar o Estado para impôr a sua personalidade

 

  «a Revoluçom comunista, ao suprimir a divisom do trabalho, finalmente elimina as instituiçons políticas» (Marx/Engels, A Ideologia Alemá, 1847)

 

  Ou seja, como já dixera hai muito Anton Pannekoek: «A luita do proletariado nom é simplesmente umha luita contra a burguesia polo poder do Estado como objectivo, senom umha luita contra o poder estatal. O problema da revoluçom social pode sintetizar-se dizindo que se trata de fazer crescer o poder do proletariado até tal ponto que supere o poder do Estado. E o conteúdo dessa revoluçom é a destruiçom e liquidaçom dos instrumentos de poder do Estado usando os instrumentos de poder do proletariado.» (Acçons de massas e revoluçom, 1912).

 

  Estas palavras de Pannekoek devem interpretar-se tamém no sentido que a luita do proletariado é umha luita contra o poder estatal porque a sua própria existência constitue um limite para o livre desenvolvimento da vida social. É mais, trata-se dum poder cujo primeiro objectivo é eliminar as condiçons de existência de qualquer poder estatal, inclusive el mesmo encuanto tal. A sua inessencialidade como Estado expressa-se, concreta e práticamente, em que a sua definiçom a nível "popular" como Estado é já desnecessária, inclusive contraproduzente, e o essencial da sua definiçom prática no programa revolucionário pode explicar-se por completo sem aludir ao conceito de Estado ou ao adjetivo estatal.

 

  É mui importante ter presente que das condiçons de existência do proletariado na sociedade burguesa emana a tendência alienada é a concebir o Estado segundo o prisma do Estado existente, e, conseguintemente, manter excessiva insistência no conceito de Estado para referir-se ao Estado do proletariado corre o risco de fomentar, como no passado, o estatalismo e a cultura autoritária, como aconteceu co bolchevismo. Mas isto nom significa que podamos renunciar à categoria de Estado quando abordamos teóricamente as questons da transformaçom revolucionária. De facto, como acabamos de expôr, a sua utilizaçom é mesmo decisiva para clarificar as distintas fases políticas de desenvolvimento da revoluçom proletária e o seu conteúdo material: 1ª) organizaçom do proletariado como força política para a destruiçom da burguesia como classe (Estado do proletariado, já nom orgánicamente separado da massa da sociedade civil por corpos especiais e regulamentos autoritários); 2ª) supressom dos rasgos estatais do sistema de conselhos obreiros, suprimindo toda separaçom entre poder político e sociedade apolítica -que ainda existe como expressom de conflitos dentro da sociedade mesma vinculados à luita pola existência de indivíduos e grupos-, entre o individuo político e o individuo social (Realizaçom da autonomia integral); 3ª) extinçom completa do carácter político do poder social organizado, que passa a ser umha simples administraçom das cousas, ao tempo que toda desigualdade social entre os individuos desaparece e a democracia mesma é sobrepassada (anarquismo).

 

 

  «O comunismo distingue-se de todos os movimentos anteriores em que bota por terra a base de todas as relaçons de produçom e de trato que até agora tenhem existido e, por vez primeira, aborda dum modo consciente todas as premisas naturais como criaçom dos homes anteriores, despojándo-as do seu carácter natural e submetendo-as ao poder dos indivíduos associados. A su instituiçom é, portanto, essencialmente económica, a das condiçons materiais desta associaçom; fai das condiçons existentes condiçons para a associaçom. No que o comunismo consiste, o que o comunismo produz, é precisamennte a base efectiva para fazer impossível todo o que existe independentemente dos indivíduos, entanto o existente nom é, contudo, senom um produto do trato anterior dos indivíduos mesmos.»

 

Marx/Engels, A Ideologia Alemá, 1847.

 

 

  «A vida a expensas do trabalho alheo será cousa do passado. Nom haverá mais Governo nem Estado separado da sociedade! A agricultura, a mineiria, a industria, em fim, todas as ramas da produçom organizarán-se gradualmente do jeito mais adequado. A centralizaçom nacional dos meios de produçom será a base nacional dumha sociedade composta da uniom de produtores livres e iguais, dedicados a um trabalho social com arranjo a um plano geral e racional. Tal é a meta humana à que tende o grande movimento económico do século XIX.»

 

Marx, A nacionalizaçom da terra, 1872.

 

 

 

 

 

2

 

  Com esta exposiçom, que reenfoca a questom do Estado fóra do discurso autoritário leninista, e que no fundamental nom fai mais que reiterar a teoria marxiana original e a sua unidade coas aportaçons posteriores do comunismo de conselhos, podemos apreçar quanto equivocadas som as perspectivas que tratam de buscar umha "síntese" entre marxismo e anarquismo, ou de ver incluso em Marx a um "teórico do anarquismo" (Maximilien Rubel). Mas tamém podemos ver quanto de superficial é a tentativa de reinterpretar todo o problema a raiz do conceito de "comunidade" (gemeinwesen), como pretendem certos grupos radicais.

 

  Para começar, umha consideraçom sobre as fontes do comunismo de conselhos.

 

  O comunismo de conselhos tem duas fontes precursoras importantes, ainda que nom constituem propriamente parte do seu corpo teórico. Por umha parte, o comunismo de conselhos holandês começou a formar-se, separando-se da tradiçom social-demócrata, na ala esquerda do Partido Obreiro Social-demócrata holandês, com Herman Gorter e Anton Pannekoek. Este partido tivera como antecedente directo a Uniom Social-Demócrata formada por Ferdinand Domela Nieuwenhuis, quem mantivera posiçons anti-parlamentaristas, anti-militaristas e sindicalistas revolucionárias, e evoluira progressivamente cara o anarquismo. A Uniom Social-Democrata opuxera-se à expulsom dos anarquistas da I Internacional, e finalmente dividira-se, formando-se o novo partido, mais próximo ao modelo da social-democracia alemá. Mas, como atestigua Paul Mattick, as ideas radicais do velho partido seguiram influenciando o novo e ao próprio socialismo holandês, e em particular a Gorter e Pannekoek.

 

  Pola sua parte, o comunismo de conselhos alemám tem a um antecedente crucial no espartaquismo e em Rosa Luxemburg. Profundamente marcada pola experiência das luitas proletárias espontáneas durante a revoluçom russa de 1905, que ela conhecera de modo directo, resulta evidente na sua obra a forte presência do conceito de espontaneidade, mas tamém do de acçom directa, e outras apreciaçons, como sobre as folgas de massas e a capacidade autoorganizativa do proletariado, que fam evidente umha confluência co anarquismo. Posteriormente, a corrente mais avançada do comunismo de conselhos alemám, encabeçada por Otto Rühle e a AAUD-E, teria tamém umha forte influência do anarquismo, co que o movimiento conselhista em geral tivera relaçom durante a Revoluçom alemá de 1918-1923, dado que nas Unions Obreiras [4] participavam membros da FAUD (Uniom de Obreiros Livres da Alemanha, sabendo além que o sindicato anarquista precursor da FAUD tivera importante influência nas luitas obreiras de pre-guerra).

 

  Contudo, todas estas influências anarquistas de nascimento, e as posteriores coincidências com postulados típicamente anarquistas, como a insistência de Pannekoek na autogestom obreira, etc., nom constituiram nengumha "síntese" entre marxismo e anarquismo tal e como a pretendeu Daniel Guerin ou os que se denominam -em tal sentido- "marxistas libertários". Em primeiro lugar, hai que reconhecer que as ideas anteriormente mencionadas (espontaneidade, acçom directa, folga revolucionaria, autogestom, etc.) foram desenvolvidas históricamente com maior claridade polo anarquismo, e que na teoria marxiana se encontram somentes num estado embrionário, com desenvolvimentos parciais ou mençons mais ou menos isoladas. Ora bem, hai que ter mui em conta que o marxismo original desenvolvera conceitos que aludem a todas essas realidades doutro modo. Somentes proscrevendo o marxismo como umha teoria do "socialismo autoritário", ou ignorando por completo a obra de Marx, pode perder-se de vista isto e pensar que as ideas anarquistas sobre a organizaçom, a espontaneidade, a acçom directa, etc., som as mais avançadas.

 

  Em realidade, todas as que podemos denominar influências anarquistas foram integradas no marxismo conselhista a partires dumha visom teórica e dumha experiência próprias. Os conceitos podem ter um significado essencial que lhes é inerente, mas o modo de entender a sua manifestaçom prática e as suas interrelaçons depende por completo da visom de conjunto que se tenha da luita de classes, do desenvolvimento do movimento proletário e do da revoluçom proletária. Por isso nós falamos dumha confluência e nom dumha síntese ou umha "apropriaçom" de ideas anarquistas (como se as ideas revolucionárias anarquistas nom foram a expressom do movimento real do proletariado, senom propriedade privada dos teóricos anarquistas, e a sua difussom fosse algo mais que catalizar a compreensom racional que já está implícita na experiência geral do proletariado). Chegassem estas ideas até o comunismo de conselhos por meio da discussom com revolucionári@s anarquistas, por meio do próprio conhecimento das obras anarquistas ou por compreensom completamente autónoma e directa da experiência da luita do proletariado nesses aspectos, todo isso pouco importa.

 

  Confluência significa, em concreto, que as ideas que som compartidas co anarquismo se inscrevem numha cosmovisom própria, e tamém que se integram como desenvolvimentos dos conceitos marxianos. Assi, os conceitos de espontaneidade e de acçom directa assumem-se como aspectos ou desenvolvimentos da autoactividade do proletariado. As conceiçons acerca do aspecto criativo da espontaneidade situam-se no campo da unidade dialéctica entre sujeito e objecto, entre autotransformaçom e transformaçom, entre a consciència proletária e a experiência da luita de classes.

 

  A importáncia da adequaçom das formas organizativas à fim revolucionária desenvolveu-se, no comunismo de conselhos, com muita maior profundidade e extensom do que o fixera o anarquismo, adoptando umha perspectiva e método de análise histórico-materialistas e apoiando-se na experiência viva da Revoluçom alemá (1918-23) e das duas Revoluçons russas. Deste modo, continua a linha marxiana de insistir no "autogoverno" do proletariado (Marx, A Guerra Civil na França), mas nom ressaltando o aspecto formal, técnico, da "autogestom" e da democracia directa, senom conectando directamente coa categoria de "selbstandig" (que se pode traduzir por "autónomo" ou "independente", mas que, literalmente, significa que "a sua permanência radica em si mesmo") que se usa no Manifesto Comunista para definir ao movimento do proletariado e que está implícitamente oposta a "verselbständig" (o "fazer-se independente" ou "autonomizar-se" os produtos do trabalho respeito d@ trabalhador/a, categoria usada abundantemente em A Ideologia Alemá, 1846) [5]

 

  Por outra parte, hoje estamos habituados a ver a divisom entre marxismo e anarquismo como umha divisom entre duas doctrinas pechadas, quando em realidade nunca existiu tal encerramento nem tal sistematicidade interna. No anarquismo estes rasgos som evidentes, dado que mais que umha doctrina é um cúmulo de tendências que confluem só em certas ideas essenciais -e nom sempre se trata dum anarquismo proletário precisamente-. No marxismo estes rasgos som menos evidentes, mas a sua ocultaçom devemos-lha à enorme misificaçom que sofreu a teoria marxiana durante o século XX, a maos da social-democracia e do bolchevismo. A única sistematicidade interna que possue o marxismo é um conjunto de princípios metodológicos, estando o demais sujeito ao desenvolvimento histórico das condiçons e da luita de classes, e ao desenvolvimento do próprio conhecimento histórico em  geral. A corrente de pensamento marxiana nom tinha nas suas origes um carácter ideológico. E foi precisamente devido a isto polo que fora rápidamente contaminada polas ideas social-demócratas, que acentuaram precisamente os rasgos formalmente "autoritários" e estatistas que dariam pé ao leninismo. Estes rasgos erroneos, nom obstante, podem atribuir-se à prática política de Marx e Engels ou a outros motivos, mas nom som essenciais nem significativos na própria teoria marxiana do Estado, da luita de classes e da revoluçom proletária.

 

  Por outra parte, resulta evidente que o anarquismo proletário assimilou elementos da teoria marxiana, como sobre a importáncia da luita de classes, a teoria económica, a teoria da alienaçom, etc., e nom por isso deixa de ser anarquismo ou é menos "auténtico".

 

  Em fim, o que se mostra quando vemos as cousas sem preconceitos é que existe umha tendência à confluência por ambas partes, sem que isso negue a históricamente provada superioridade teórica do marxismo, como tampouco a determinante énfase anarquista na questom da unidade entre princípios, meios e fins. A inferioridade teórica do anarquismo -que nom é um juiço sobre a profundidade das suas conceiçons revolucionárias, senom um juiço sobre a sua integridade intelectual- se verificou na su incapacidade para conceber a superaçom do velho movimiento obreiro e explicar as suas próprias traiçons e fracassos, nom digamos na sua total nulidade para leva-las à prática.

 

 

 

 

3

 

  Marx nom foi um teórico do anarquismo, mas reconheceu que a anarquia era o objectivo do movimento revolucionario do proletariado. De facto, rejeitou incluir o conceito de anarquia no seu pensamento para definir o "reino da liberdade", e o utiliza quase sempre no sentido peiorativo -que corresponde à dinámica dos individuoss na sociedade burguesa-. No seu lugar, Marx desenvolveu o conceito de Gemeinwesen, comunidade, cujo sinónimo francês é comuna.

 

  O primeiro desenvolvimento claro do conceito de comunidade humana, em contraposiçom ao Estado como "comunidade política", o encontramos num artigo de 1844, no que Marx declara além que "a existência do Estado e a existência da escravitude som inseparáveis", em contraposiçom a aqueles que pretendem resolver as contradiçons de classe modificando simplesmente a forma do Estado.

 

  Para Marx, por outra parte, Estado e sociedade civil, Estado político e sociedade apolítica, som os dous aspectos dum mesmo todo (ver a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, 1843). A supressom do Estado implica a supressom da sociedade civil. Este processo de supressom -a revoluçom comunista- radica na realizaçom da "comunidade dos proletários revolucionários" (A Ideologia Alemá) e na sua extensom a escala social, criando umha verdadeira comunidade humana na que o desenvolvimento livre de cada um seja a condiçom do livre desenvolvimento colectivo, e na que a essência humana encontra, na identidade colectiva e na organizaçom comunitaria das forças produtivas, a sua expressom e realizaçom.

 

  Por outra parte, para Marx a questom da autoridade foi sempre algo secundário, porque na compreensom marxiana do problema do Estado a forma autoritária que adquirem a produçom capitalista e o seu Estado correspondente é a expressom do seu carácter de classe, mentres que o proletariado, a medida que se desenvolve como classe revolucionária consciente, tende pola sua própria essência social e através da associaçom a desenvolver umha verdadeira comunidade humana entre sí.

 

  «...A comunidade da que se encontra separado o trabalhador é umha comunidade de distinta realidade, de distinto alcanzo que a comunidade política. A comunidade da que lhe separa o seu próprio trabalho é a vida mesma, a vida física e espiritual, a moralidade humana, a actividade humana, o goço humano, a essência humana. A essência humana é a verdadeira comunidade dos homes. Do mesmo modo que o funesto isolamento desta essência é incomparávelmente mais universal, mais insuportável, mais terrível e cheo de contradiçons, que o facto de estar isolado da comunidade política; assi mesmo, a supressom deste isolamento -e ainda umha reacçom parcial, um levantamento contra esse isolamiento- tem um alcanzo muito maior, ao igual que o home é muito mais que o cidadám, e a vida humana muito mais que a vida política. Por mui parcial que seja, a sublevaçom industrial encerra em si mesma um alma universal.»

 

  «...Umha revoluçom política com espírito social é algo completamente racional. A revoluçom em geral -o derrocamento do poder existente e a supressom das velhas relaçons- é um acto político. Mas, sem revoluçom, o socialismo nom pode realizar-se. Segue a precisar deste acto político no entanto segue precisando de destruiçom e dissoluçom. Mas tam cedo como empeza a sua actividade organizadora e emergem a sua fim próprio, o seu espírito, o socialismo despoja-se da sua apariência política.»

 

Marx, Glosas críticas ao artígo "O Rei de Prússia e a reforma social" de A. Ruge, 1844.

 

 

  Deste modo, a questom da autoridade queda sujeita a este processo de autolibertaçom humana e aos condicionantes existentes na luita de classes e, em última instáncia, ao desenvolvimento da democracia que permitam as condiçons técnicas existentes (o nível das forças produtivas, que é a condiçom do incremento do tempo destinado à formaçom e participaçom política, assi como determina os próprios meios organizativos e materiais disponhíveis para a sua efectivaçom). Por esta razom, as conceiçons sobre o carácter "autoritário" ou nom da organizaçom nunca tiveram umha definiçom clara nem umha releváncia teórica no marxismo, dado que se confiava em que, garantindo umha verdadeira democracia interna no movimento proletário, o próprio proletariado, impulsado à acçom histórica pola necessidade e à consciência de classe por todas as resistências, obstáculos e adversarios, adequaria as características da organizaçom às suas necessidades.

 

  Evidentemente, Marx e Engels subestimaram o problema da organizaçom, mas nom menos os anarquistas, que pensaram que podiam criar sindicatos e partidos anarquistas (partidos "anti-políticos", por suposto) em virtude e coa garantia da "pureza" doctrinal anarquista e da firmeça das suas aspiraçons anti-autoritarias. Mas, como em todas as questons, ambas posiçons se mostraram insuficientes no curso do movimento histórico real. A clarificaçom destes problemas somentes foi possível aplicando em profundidade o materialismo histórico às questons das formas e do funcionamento organizativos, ainda que, em realidade e ante o isolamento dos grupos revolucionários, o próprio movimento obreiro deu os seus primeiros passos cara resolve-las, adoptando de modo geralizado a conceiçom assembleária da organizaçom para a sua luita unitária. Isto último verifica a actualidade de muitas ideas anarquistas, mas tamém certifica a sua insuficiência para superar as tendências burocráticas e reformistas.

 

  Contudo, existe um amplo mal-entendido acerca do conceito de "anarquia" em Bakunin, que afecta nom só à tradiçom marxista senom tamém à anarquista. Por diante do seu tempo, Bakunin encontrou na autoactividade das massas trabalhadoras durante os processos revolucionários a manifestaçom, "carente de governo", das potências destrutivas e criativas que jaziam ocultas na sociedade de classes. Houvo que esperar até o terceiro quarto do século XX para que umha série de estudos científicos proviram a esta intuiçom bakuniniana dumha base científica: a teoria do caos.

 

  Esta teoria explica que as transiçons entre umha orde e outra se producem através de processos caóticos que destruem a orde precedente para criar umha nova de modo autoorganizativo; a desorde seria, mais bem, a descomposiçom natural da velha orde que desencadenaria, chegado um ponto, umha "transiçom de fase", um salto qualitativo no que o processo caótico de auto-reorganizaçom se poria em marcha espontáneamente. Esta teoria do caos encontra aplicaçom em todos os processos materiais, desde os que acontecem na materia inorgánica até os que acontecem no pensamento. Por suposto, esta compreensom do carácter anárquico-criativo dos processos materiais nom tem nada que ver com umha negaçom absoluta da centralizaçom e da autoridade, senom que significa que toda estrutura ha de ser, em realidade, um produto da autoactividade de todas as forças que a componhem (ou do contrário, será um poder externo e contrário ao desenvolvimento). Por essa razom, vendo as cousas com maior profundidade, é incorrecto ver no concepto de anarquia umha negaçom absoluta do poder político: mais bem, o que acontece é que o desenvolvimento consciente da anarquia comunista na vida social, do processo revolucionário permanente de massas, crescerá até reabsorver todo o poder político na autoactividade dos indivíduos, destruindo-o, portanto, como tal.

 

 

 

4

 

  Outra das problemáticas entre marxismo e anarquismo é pois a do parlamentarismo e dos partidos políticos.

 

«Mentres a classe oprimida  -no nosso caso o proletariado- nom está madura para libertar-se ela mesma, a sua maioria reconhece a orde social de hoje como o único possível, e políticamente forma a cola da classe capitalista, a sua extrema esquerda. Mas, a medida que vai madurando para emancipar-se ela mesma, constitue-se como um partido independente, elege aos seus próprios representantes e nom os dos capitalistas. O sufrágio universal é, deste jeito, o índice da madurez da classe obreira. Nom pode chegar, nem chegará nunca a mais, no Estado actual, mas isto é bastante.»

 

Engels, A orige da família, a propriedade privada e o Estado, 1884.

 

 

  Em primeiro lugar, a questom dos partidos políticos tal e como a foca o anti-politicismo anarquista é umha falsa questom, pois as "organizaçons específicas" anarquistas nom som mais que partidos, ainda que cumha organizaçom, programa e ideas peculiares. O seu objectivo é propagar as ideas anarquistas e ganhar ao proletariado para essas ideas, o qual significa que, em realidade, actuam como umha organizaçom que busca ganhar o poder no movimento de massas, nom de modo "autoritário", senom meiante umha hegemonia menos directa, aparentemente "nom autoritária". Mas, na realidade, e como puido ver-se no caso da Federaçom Anarquista Ibérica, sí se aspira a umha autoridade de facto, ainda que nom formalizada "autoritáriamente", e actua-se como outro partido político mais entre os partidos existentes.

 

  Que os partidos anarquistas sejam abstencionistas e anti-parlamentaristas nom é essencial para nom defini-los como partidos políticos. Todo "partido" -como organizaçom que luita pola hegemonia de determinadas ideas ou programa- é necessáriamente político, incluso se a sua política e promover o abstencionismo ou incluso o apoliticismo total.

 

  Para o marxismo original a participaçom palamentar nunca foi algo essencial, nem via nela a soluçom dos problemas da classe obreira. Estava ligada à fase ascendente do capitalismo, quando a luita por reformas tinha umha base positiva. Isto nom nega que existiram incongruências na compreensom do parlamentarismo, ou do sindicalismo, que somentes poderiam ser resoltas quando as condiçons estiveram maduras para isso. O mesmo pode dizer-se a respeito da táctica de participaçom d@s revolucionári@s em organizaçons reformistas, parlamentaristas.

 

  Por outra banda, é importante ver, como fixeram os comunistas de conselhos alemáns, que o parlamentarismo nom é só a participaçom no parlamento burguês, senom a forma que adquirem as relaçons políticas em geral no capitalismo. Assí, o sindicalismo é visto tamém como umha forma de parlamentarismo. Que os sindicatos "revolucionários", como afirmam @s anarquistas, nom sejam delegacionistas, etc., nom evita que esta seja a sua natureza: trata-se de estruturas para meiar entre capital e trabalho, orientadas à negociaçom, que representam -já em si mesmas, como formas organizativas- ao proletariado enquanto que parte da sociedade burguesa, como massa de individuos privados e força de trabalho mercantilizada. Destas características emana necessáriamente, por muito atenuado que se pretenda inicialmente, o parlamentarismo no terreo económico, e igualmente tende a converter-se no paradigma da prática da organizaçom obreira, dado que esta está construida para luitar por melhoras e nom para fazer umha revoluçom. Existe, por suposto, a possibilidade de que um sindicato radical ou revolucionário, formado num contexto ascendente da luita de classes, evolua cara umha forma de organizaçom superior. Mas isto é mui difízil, como corroboram todas as experiências históricas até o de agora, dado que a própria forma organizativa dos sindicatos e os partidos políticos tende a gerar de modo natural umha burocracia e a adherir-se ao capitalismo, cuja lógica representa apesar de todas as superestruturas ideológicas que os recubram e da vontade dos seus membros.

 

  Por outra parte, o anti-parlamentarismo anarquista tem um carácter sectário, pois nom considera que a participaçom parlamentária seja umha questom táctica, senom umha questom de princípios. Isto último tem relaçom directa coa compreensom de que o parlamentarismo é contrário ao desenvolvimento da autonomia do proletariado, de que as acçons dos parlamentarios substituem o desenvolvimento da acçom política directa das massas. Mas o razonamento anarquista é idealista. Nom se situa nas condiçons concretas em que se desenvolve a luita de classes real, senom que entende a luita revolucionária como um dever incondicional da classe obreira, co que tende a primar a "idea" como fonte do impulso à acçom frente ao desenvolvimento material do antagonismo de classes, que tem o seu próprio curso determinado polo do modo de produçom capitalista. A diferência do anarquismo, o comunismo de conselhos compreendeu que o parlamentarismo é antagónico co desenvolvimento do proletariado como classe revolucionária, mas tamém que, baixo certas condiçons, era inevitável para o movimento proletário: quando o capitalismo estava em ascenso e o grosso da classe tendia a entregar-se à prática reformista -e às ilusons associadas com ela-. Nessas condiçons a ruptura aberta co parlamentarismo nom era possível.

 

  O anti-parlamentarismo é, pois, um princípio para o marxismo revolucionário tal e como o entendemos @s comunistas de conselhos, mas nom o é num sentido sectário e idealista, que excluiria qualquer participaçom ou relaçom com organizaçons parlamentaristas, isto é: todo género de organizaçons sindicais ou partidárias. Poderia dizer-se, claro, que os partidos anarquistas som anti-parlamentários. Mas, na realidade, o que acontece é que pretendem representar ao proletariado desde fóra -e supostamente, contra- as instituiçons do Estado burguês. Na medida em que realmente nom dedicam os seus esforços a contribuir ao desenvolvimento autónomo da consciência de classe (e centrando-se nos problemas da luita de classes real), senom à propaganda ideológica de partido, centrando-se em difundir as "ideas" anarquistas, o único que fam é perpetuar o seu próprio ponto de partida: manter-se elevados ideológicamente sobre a massa ignorante. Se conseguem ganhar ao movimento para as suas posiçons, será, pois, actuando como umha representaçom separada, que em realidade o que representa é os seus próprios pontos de vista. Somentes quando a representaçom é o produto do próprio movimento real e, deste modo, ambos actuam como tais -a representaçom como produto e o movimento como vontade activa-, em unidade orgánica entre sí (e sendo a representaçom, entom, a realmente subordinada, nom nas declaraçons de intençons, senom na realidade prática), entom podemos falar de que tal representaçom, ainda que tenha umha forma delegativa, é umha auténtica expressom do movimento real da classe.

 

  Nom hai que dizer que, dado que um partido, ainda que seja anarquista, nom pode representar à classe entanto que classe autónoma, entom tampouco os anarquistas podem actuar realmente como vanguarda revolucionária, senom que, como os que mantenhem conceiçons abertamente autoritárias e substitucionistas, acabam cumprindo o papel dumha excecrência parasitária, que afoga o verdadeiro movimento espontáneo coa excusa da -suposta- necessidade de que seja dirigido políticamente e educado intelectualmente pola "vanguarda".

 

  Para nós a vanguarda nom é a que dirige ao movimento, senom a parte mais avançada do movimento mesmo. Cumpre umha funçom dirigente e educadora somentes como parte orgánica, indissolúvel, desse movimento, e enquanto expressom sua. A vanguarda comunista nom é simplesmente umha "minoria revolucionária", senom que é o sector da classe que se tem elevado a umha compreensom das finalidades históricas e de como avançar nas condiçons actuais cara o seu cumprimento. A sua interacçom co resto do proletariado realiza-se de igual a igual, apesar de que se organice separadamente para concentrar as suas energias e esforços para desempenhar estas tarefas, e de que tenha que manter certa separaçom e independência organizativas para nom ser anulada polas tendências à integraçom do capitalismo que sempre existem, em maior ou menor medida segundo as condiçons, dentro do grosso da classe e das suas organizaçons maioritarias em condiçons nom revolucionárias.

 

  Em definitiva, pois, o anti-parlamentarismo é para nós um princípio, mas nom entendemos os "princípios" dum modo absoluto e imediatista. Umha das máximas do marxismo é: firmeça nos princípios e flexibilidade nas formas. Os princípios som, contudo, essencialmente práticos: ser anti-parlamentário significa negar-se a participar nos parlamentos burgueses, seja o parlamento do Estado ou os parlamentos formados pola negociaçom entre representantes sindicais e patronos. O mesmo quando se trate de aspectos culturais. O que sempre devem defender @s revolucionári@s é a acçom directa, o desenvolvimento da autoactividade de conjunto da classe mesma. Mas isto nom significa que o anti-parlamentarismo exclua as relaçons com organizaçons nom revolucionárias.

 

  Nas condiçons actuais o parlamentarismo é umha instituiçom totalmente caduca. Nom obstante, a diferência do razonamento de Lenin, nom existe para nós diferência prática entre a decadência histórica dumha instituiçom e a sua decadência para as massas. A consciência das massas progressa através dos erros, vendo-se obrigada a renunciar às suas próprias ilusons, mas o movimento real da classe resulta afundido por esses erros e somentes pode assimila-los e supera-los durante um processo de recomposiçom, que a burguesia aproveita para recuperar as suas posiçons perdidas. Por isso, o razonamento de Lenin, que era umha crítica aos comunistas revolucionários, significou, no contexto revolucionário dos anos 20, e especialmente para a revoluçom alemá que estava ainda em curso, umha posiçom abertamente contra-revolucionária. Mas esta posiçom é tamém contra-revolucionária em geral, pois pretende insuflar a consciência revolucionária desde um partido que se tem convertido num partido parlamentarista (ainda que, supostamente, se trate dum "parlamentarismo revolucionário"), insufla-la a um movimento da massas que permanece passivo, às ordes desse partido, e acometer isto através da própria relaçom partido-movimento. Na prática, a política leninista significa que os intelectuais do partido adoctrinam às massas expectantes, submidas na ilusom parlamentarista, quando considerem que é o momento propício para declarar aberta a luita revolucionária. Esta é a razom de que, em todas partes nas que se aplicou o "parlamentarismo revolucionário", este acabasse por ser umha falsificaçom do marxismo e umha contrarrevoluçom, um "cretinismo parlamentar revolucionário", contribuindo decisivamente a liquidar, isolar ou deixar morrer os esforços revolucionários auténticos.

 

  Para o comunismo de conselhos nom existe diferência entre a decadência histórica dumha instituiçom e a sua decadência "para as massas", entre o processo objectivo e o processo subjectivo. Existe umha unidade dialéctica entre consciência e ser social, entre o declive objectivo do capitalismo e o desenvolvimento do movimento revolucionário. Isto significa que existe um devir, que se efectua através de processos contraditórios, que implicam necessáriamente umha sucessom de derrotas e o afortalamento conseguinte do capitalismo. Quanto mais se aprofunda a decadência histórica, mais imediata resulta a necessidade da revoluçom para a vida e a luita do conjunto do proletariado, mais a consciência e a prática do proletariado tendem a assumir, primeiro inconsciente ou semiconscientemente, logo conscientemente, esta decadência como ponto de partida determinante da sua luita real, começando por compreender que estám ante um régime no que para eles nom existe mais futuro que a pobreza crescente. Os grupos comunistas de conselhos estimulam a compreensom desta realidade pola classe, o aprofundamento nas experiências da luita, a elevaçom da consciência imediata a umha consciência racional e universal, que compreenda como totalidade as condiçons da luita de classes e como afronta-las em pro da autoemancipaçom proletária.

 

  Passando a outro ponto, cabe mencionar que existiram grupos minoritarios anteriores à tendência do comunismo de conselhos, grupos que, a partir da sua própria experiência do parlamentarismo estatal, evoluiram cara umha crítica revolucionária do parlamentarismo. Um destes casos é o da corrente do socialismo revolucionário británico encabeçada por William Morris, que pode considerar-se o primeiro marxista británico e que, sem embargo, mantivo umha posiçom anti-parlamentarista de princípios nas duas últimas décadas do XIX (com proximidades co anarquismo, mas tamém co comunismo de conselhos!). Este caso é interessante, pois nom se trata dumha evoluçom convencional -mais predominante- a assumir as posiçons típicas do anarquismo ante a crescente acentuaçom do oportunismo parlamentarista, senom que Morris desenvolvera umha conceiçom do desenvolvimento do movimento revolucionário baseada na extensom da consciência socialista a nível massivo, de tal modo que soubo captar -apesar desta certa tendência educacionista- os efectos perniciosos que o parlamentarismo tem para o desenvolvimento da consciência revolucionária entre o proletariado. Inclusive, sinala umha questom fundamental que a outros se lhes escapa: que o parlamentarismo impide à classe obreira entender que o Estado é o órgao da dominaçom política da classe capitalista, fazendo que se poda apresentar como um poder por acima das classes.

 

 

  «A Política de Abstençom funda-se, entom, nesta vissom: que os interesses das duas classes, os obreiros e os capitalistas, som irreconciliáveis, e mentres os capitalistas existam como classe, eles tenhem o monopólio dos meios de produçom, tenhem todo o poder da sociedade regulada e legal»

 

  «...Para levar a cabo esta verdade, é necessário manter os dous campos do trabalho e do monopólio tam diferenciados como seja possivel.»  

 

  «E advirta-se agora que este movimento, esta força para a revoluçom que pola que todos nós chamamos somentes pode desenvolver-se a partir desta oposiçom consciente dos dous poderes, a autoridade monopolista e o trabalho livre: todo o que tende a mascarar essa oposiçom, a confundi-la, debilita a força popular e da um novo arrendamento de vida à reacçom, que nom pode de facto criar nada, pode somentes apoiar-se por um tempo, polo favor de tais travas, em debilidades semelhantes da força popular. Se a nossa própria gente está formando parte do parlamento, os instrumentos do inimigo, eles estám ajudando a fazer as mesmas leis que nom obedeceremos. Onde está o inimigo entom? Que temos que fazer para ataca-lo?

 

  O inimigo é um princípio, di-se: certo, mas o princípio deve estar encarnado; e como pode ser encardado melhor que nessa assemblea delegada polos proprietários do monopólio para defender o monopólio em todos os aspeitos? alhanando as dificuldades dos monopolistas incluso a expensas do sacrifício aparente dos seus interesses "para a melhora da sorte das classes trabalhadoras"? professando a amizade cos chamados moderados (como se puidera haver algunha moderaçom ao tratar cum monopólio, algo salvo a favor ou em contra)? em resumo, apartar a umha parte do povo do lado do povo, te-la no medio desvalida, ofuscada, cansada co compromisso incessante ou da derrota certa, e ainda ponhe-la ante o mundo como a guarda avançada do partido revolucionário, a representante de todo o que é activo ou prático do partido do povo?

 

  Esta é a avantage, nom especulativa senom certa, que o envio de membros socialistas ao parlamento entregaria aos reaccionários: antes, permita-se-nos tentar, o digo umha vez mais, suster um grande corpo dos obreiros fora do parlamento, chame-se o parlamento obreiro se se quere, e quando isso seja feito tenha-se seguro que os seus decretos se obedecerám e nom os do comitê de Westminster.» 

 

 «...O esquema do parlamento encontraria-se na prática pechando o passo da formaçom dessa organizaçom amplamente extendida, coa sua unicidade de objectivo e fanqueza de acçom, que me parece é o que queremos: que o esforço face o éxito no parlamento absorverá qualquer outro esforço, que tal éxito em breve chegará a ser considerado como a fim.

 

  Contudo, pode-se dizer que podemos guardar-nos contra este erro e evita-lo; nom estou mui seguro de que isso poda ser, mas deixemos passar isso: a organizaçom na que estou pensando teria um sério ponto de diferência de qualquer que poderia formar-se como umha parte dum plano parlamentário de acçom: o seu objectivo seria actuar directamente, qualquier cousa que se fixese nela seria feita polas gentes mesmas; nom haveria, conseqüentemente, nengumha possibilidade de compromisso, de que a associaçom se convertisse noutra cousa do que pretendia ser; nada poderia tomar o seu lugar: antes, todos os seus membros nom formulariam senom umha alternativa ao éxito completo, a saber, o completo fracasso. Pode dizer-se tanto de qualquer plano que implique que os representantes da gente formem parte dum corpo cujo propósito é o escraviçamento contínuo da gente?»

 

  «Por acima de tudo, é necesário que as classes trabalhadoras percibam a sua posiçom actual, que entendam que estám numha posiçom inferior nom acidentalmente, senom como conseqüência necessária da posiçom das classes que vivem graças ao monopólio. Quando tenham apreendido esta leiçom, eles apreenderám com ela a necessidade dum cámbio na base da sociedade: som suficientemente fortes se se associam devidamente para levar a cabo este cámbio; mas a sua devida associaçom depende do seu conhecimento de que, a partir das normas presentes da sociedade, nom conseguirám nada mais que concesons destinadas a perpetuar a sua escravitude presente: devem saber que som convidados a votar e a tomar algo de parte no governo co propósito de que podam ajudar aos seus governantes a descubrir o que deve conceder-se e que pode ser rejeitado polos obreiros; e para dar-lhes umha apariência de liberdade de acçom.»

 

 William Morris, A Política de Abstençom (texto da conferência), 1887.

 

 

  Grupos como o de William Morris podem considerar-se, pois, precursores do anti-parlamentarismo revolucionário. Mas contudo, a experiência histórica demonstrou que as escissons ou separaçons temporás da social-democracia foram incorrectas nas circunstáncias existentes no último quarto do século XIX, quando o capitalismo ainda estava em ascenso. Os partidos social-demócratas continuariam crescendo, e com eles as tendências reformistas, mentres que os grupos revolucionários separados estavam cada vez mais isolados. Somentes a partires da I Guerra Mundial podemos falar dumha tendência revolucionária de massas, atiçada pola crise capitalista -que dava os seus primeiros visos de decadência empurrando à humanidade a umha catástrofe global- e as conseqüências da própria guerra. Foi entom quando, desde dentro e em ruptura cos partidos social-demócratas e os sindicatos, compreendendo que se iniciaba a decadência do capitalismo, se formaram correntes revolucionárias importantes em Holanda, Alemanha, Inglaterra, etc..

 

  Mas, por outra parte, os grupos revolucionários que se introduziram na social-democracia somentes lograram manter umha integridade e umha influência parciais e em contínuo decrescimento, de tal modo que a separaçom posterior foi um processo enormemente difícil. Além, a confusom criada entre marxismo e social-democracia possibilitou que o nome de Marx, do comunismo e o sentido prático da obra de Marx fossem práticamente monopolizados durante um século enteiro, primeiro pola social-democracia gradualista e logo pola "social-democracia revolucionária", o bolchevismo (e em parte, tamém, o espartaquismo na Alemanha, cujos restos fundiriam-se co bolchevismo).

 

  O resultado das incongruências da táctica parlamentarista foram, pois, um século de tergiversaçons nos que, a cámbio de conservar e publicar todas as obras de Marx e Engels, acometeu-se umha brutal distorsom das ideas revolucionárias, sepultando o seu verdadeiro conteúdo e calificando de esquerdistas aos marxistas que tiveram a ousadia de protestar contra a "ortodoxia" marxista-leninista. E já nom digamos aos anarquistas, cujas ideas foram anatemizadas e proscritas em nome da Santa Trinidade Marx-Lenin-Stalin, criando assí umha separaçom estanca entre marxismo e anarquismo que nunca existira.

 

  Evidentemente, é difizil formular um balanço sobre o tema do parlamentarismo. Haveria que contemplar numerosas questons. Mas umha cousa está clara: a excessiva énfase nos princípios revolucionários pode levar ao sectarismo e ao isolamento, separando-nos do movimento real, mas a excessiva énfase na aproximaçom às organizaçons nom revolucionárias e às suas práticas pode produzir enormes desviaçons e tergiversaçons na corrente revolucionária, impedindo nom só que cumpra o seu papel, senom tamém dificultando o caminho aos que venham depois. É evidente que estes erros tiveram que cometer-se no passado para poder apreender, para clarificar o pensamento da corrente revolucionária, mas hai que ter sempre presente que a melhor leiçom do passado é a que serve para nom repetir os mesmos erros.

 

 

5

 

  Para acabar com estes pontos, hai que dizer que a tergiversaçom do pensamento marxiano nom teria nunca a trascendência histórica que tivo se este pensamento nom contivesse, em si mesmo, umha teoria essencialmente total, que compreende todos os aspectos da luita do proletariado. Isto explica a sua grande extensom, tanto como instrumento para o desenvolvimento da consciência do proletariado nos inícios, como, umha vez deturpado e distorsionado, como instrumento para a dominaçom sobre o proletariado mundial polo estalinismo e, em menor medida, pola ala "liberal" do bolchevismo, o trotskismo. Por outra parte, o pensamento marxiano somentes foi recuperável de todas as distorsons leninistas devido à sua elevada profundidade e a que se conservaram muitas obras inéditas que logo tenhem resultado claves para umha reinterpretaçom.

 

  Isto explica a aparente hegemonia do "marxismo" em certas fracçons do movimento obreiro durante décadas, que no plano dos conteúdos nom foi mais que umha falsificaçom, mais ou menos grave. Explica tamém por que o anarquismo revolucionário, ou as aportaçons heterodoxas de outras correntes socialistas, quedaram no esquecimento ou reduzidas a grupúsculos, como tamém o comunismo de conselhos desde os anos 30, e somentes foram recuperadas muito mais tarde -mas nem sequer hoje por completo-.

 

  Ainda assi, o comunismo de conselhos tinha a avantage de que compreendia já umha teoria total -um marxismo actualizado- e umha experiência de alcance universal -a da revoluçom russa e especialmente a da alemá- para a luita do proletariado nas condiçons de decadência do capitalismo -condiçons que, se vem semelharam nom exisstir durante a fase de crescimento económico intenso de meiados do século passado, acabaram por afirmar a sua realidade e expressar-se do ascenso internacional da luita de classes que se produziu desde fins dos 60 até fins dos 70-.

 

  O comunismo de conselhos tinha tamém a avantage de que a obra marxiana, que é a sua própria base, seguia estando aí, constituindo um substrato intelectual de valor incalculável e acessível para a militáncia revolucionária, apesar das moreas e moreas de merda de que a recubriram os leninistas, especialmente os estalinistas. Deste modo, ainda morto, Marx foi capaz de triunfar intelectualmente sobre décadas de contra-revoluçom social-democrática e leninista, cujos mais grandes pensadores foram incapaces de reempraçar ao seu suposto mestre além de no plano político.

 

  A história mostra assí, por si mesma, qual deverá ser o ponto de partida do movimento revolucionário do futuro. Igualmente, mostra quais deverám ser os apoios que nos permitirám aprofundar e actualizar críticamente o pensamento marxiano original junto com todas as aportaçons dos comunistas de conselhos anteriores.  

 

  Umha cousa está clara para nós: dum ponto de vista positivo, o comunismo é o movimento que construe a verdadeira comunidade humana, cuja condiçom interna é o progresso da anarquia, que é o régime ou estado no que se realizam as relaçons de plenas igualdade, liberdade e fraternidade entre os seres humanos. A anarquia somentes poderá existir no movimento proletario dentro do capitalismo numha forma limitada, e, por outra parte, a anarquia somentes tem sentido e fundamento real como expressom do desenvolvimento universal e autónomo dos individuos, nom com base na associaçom dos indivíduos burgueses como tais (ainda que pola sua condiçom social sejam proletários). Somentes construindo um novo movimento proletário, fundado nos princípios revolucionários, concretados em novas formas de organizaçom e luita consequentemente revolucionárias, e assi no desenvolvimento do proletariado em conjunto como sujeito revolucionário, poderá cobrar verdadeira vida a idea da anarquia.

 

  A força espiritual do proletariado tem como condiçom de desenvolvimento a livre associaçom e o livre desenvolvimento e, neste sentido, o seu crescimento radica no verdadeiro progresso da liberdade humana, através da democracia mais profunda, cara a anarquia. Por outra parte, a força material do proletariado tem que expressar-se necessáriamente em forma política e adquirindo um carácter estatal, e a sua realizaçom require da dominaçom política. A comunidade d@s proletári@s revolucionári@s, na que se suprimem as relaçons sociais alienadas em favor do desenvolvimento total dos individuos, constitue a unidade dialéctica de ambos polos, a anarquia interna proletária e a dominaçom externa sobre a burguesia, num desenvolvimento contínuo que haverá de culminar na sociedade sem classes e sem Estado.

 

 



[1] Certamente, o "princípio estatal" tem que subsistir na medida em que ainda existam as condiçons materiais que possibilitam a formaçom da burguesia e dividem à sociedade numha massa de indivíduos que se vem obrigados a luitar, cara qual pola sua conta, pola sua sobrevivência. Trata-se de condiçons tais como a falta de desenvolvimento económico, a acumulaçom dos pequenos proprietários, as forças políticas procapitalistas organizadas, etc.. Mas, em realidade, esse princípio estatal nom é outra cousa que o poder político como tal. O poder político, como algo separado da vontade dos indivíduos particulares, somentes veu à existência durante a transiçom histórica entre a sociedade sem classes primitiva e a sociedade de classes, quando as diferências sociais tendiam a acentuar-se. Só quando este poder político assume umha forma organizativa independizada da sociedade, cumha força repressiva especial e umha burocracia, podemos falar de Estado propriamente dito.

 

  No momento em que essa força repressiva especial e essa burocracia começam a desaparecer, sendo reempraçadas polas milícias e por responsáveis subordinados à base, a estrutura política deixa de estar independizada da vontade da maioria dos indivíduos. Esta é a primeira fase da extinçom histórica do Estado.  Depois, umha vez seja suprimida definitivamente a relaçom do capital a escala geral, deixaria de existir a necessidade de milícias e organizaçons proletárias de luita, e desapareceriam os limites que a luita contra a contra-revoluçom impunha todavia ao desenvolvimento da democracia directa de massas. Esta seria a segunda fase da extinçom do Estado.

 

  Por conseguinte, consideramos que é erroneo dizer de que subsiste o Estado umha vez desaparecida a classe capitalista, dissociando a formaçom dos órgaos do poder proletário da associaçom livre e igualitária d@s produtores/as como base da sociedade comunista. Esta teoria serviu, nos régimes leninistas, para justificar a persistência e incluso o fortalecimento do novo Estado, convertido em capitalista geral. No seu lugar, a partir da supressom da relaçom capitalista, nós falamos simplesmente de poder político, porque falar de Estado significa falar da opressom dumha classe sobre outra.

 

 

Acrescentado posterior à nota 1:

 

  Como afirma o Manifesto:

 

  "Umha vez que no curso do desenvolvimento tenham desaparecido as diferências de classe e se tenha concentrado toda a produçom em maos dos indivíduos associados, o poder público perderá o seu carácter político. O poder político, falando propriamente, é a violência organizada dumha classe para a opressom de outra. Se na luita contra a burguesia o proletariado... suprime pola força as velhas relaçons de produçom, suprime, ao mesmo tempo... as condiçons para a existência do antagonismo de classe e das classes em geral e, portanto, a sua própria dominaçom como classe.

 

  Em substituiçom da antiga sociedade burguesa, coas suas classes e os seus antagonismos de classe, xurdirá umha associaçom na que o livre desenvolvimento de cada um será a condiçom do livre desenvolvimento de todos."

 

  Como se deve observar, aqui se reduz implícitamente a existência do Estado à do poder político. Em contradiçom com isto, a ideologia leninista tende a postular que é o Estado -sem que isto inclua ao poder político como tal-, o que consiste em "a violência organizada dumha classe para a opressom de outra". Justifica-se assi o mantenimento da organizaçom centralista do poder político e se mistifica o problema. No marxismo, porém, nom existe diferência entre a funçom social (a opressom de classe) e o carácter interno (o carácter político do poder público) da instituiçom estatal. Por isso, considera que o poder estatal que o proletariado precisa nom é já, propriamente falando, mais que um poder político simples: os órgaos repressivos proletários já nom som estruturas especiais, separadas da massa da sociedade e controladas por um poder político separado, mas é esse poder político o que é controlado pola sociedade através da organizaçom da sua vontade política colectiva e do seu armamento geral. Nesta primeira fase, por conseguinte, o Estado existe somentes como forma (e como umha forma além transitória), mentres que o seu fundamento, a organizaçom social do poder político, foi já alterado radicalmente meiante a democracia proletária. Depois, umha vez desaparezam as classes, ficaram ainda os remanentes materiais e espirituais da época burguesa, polo qual existirá durante um tempo umha forma de poder político fundado na democracia directa, mas que se dissolverá progressivamente a medida que a sociedade comunista se desenvolva.

 

 

[2] «Se o Senhor Bakunin conhecesse, polo menos, a posiçom que ocupa o gerente dumha cooperativa obreira, iriam-se ao dianho todas as suas fantasias sobre a dominaçom. Teria que ter-se perguntado: Qual forma podem assumir as funçons administrativas, sobre a base deste Estado obreiro? (se lhe praze chama-lo assi).»

 

 

[3] No mesmo sentido, di Engels que: «Sendo o Estado umha instituiçom meramente transitória, que se utiliza na luita, na revoluçom, para submeter pola violência aos adversários, é um absurdo falar de Estado popular livre: mentres que o proletariado necesite todavia do Estado nom o necessitará em interesse da liberdade, senom para submeter aos seus adversários, e tam cedo como poda falar-se de liberdade, o Estado como tal deixará de existir. Por isso nós proporiamos reempraçar em todas partes a palavra Estado pola palavra "Gemeinwesen" (Comunidade), umha boa e antiga palavra alemá equivalente à palavra francesa Commune.» (F. Engels, Carta a Auguste Bebel, Londres, 1875.)

 

 

[4] As folgas selvages que em 1919 racharam a paz social dos sindicatos alemáns, organizadas por delegaçons de fábrica, deram lugar à consolidaçom das "organizaçons de fábrica" como nova forma de organizaçom do proletariado oposta ao sindicalismo e orientada à formaçom de novos conselhos obreiros meiante a luita de classes revolucionária (os primeiros conselhos alemans, formados no ascenso revolucionário de 1918, foram usurpados pola social-democracia e integrados no Estado capitalista). As Unions Obreiras agrupavam às diferentes organizaçons de fábrica, constituindo à sua vez umha Uniom Obreira Geral de carácter nacional (a AAUD) e em confluência co Partido Obreiro Comunista (KAPD).

 

 

[5] «Todos os movimentos anteriores foram movimentos de minorias ou em interesse de minorias. O movimento proletário é o movimento autónomo da imensa maioria em interesse da imensa maioria. O proletariado, a capa inferior da sociedade actual, nom pode elevar-se nem alçar-se sem que toda a superestrutura de capas, formada pola sociedade oficial, seja voada polo ar.» Igualmente, encontra-se no Manifesto a contraposiçom entre a "autopermanência" do movimento proletário e a "autopermanência", a independência absolutizada do capital resultado da relaçom do trabalho alienado: «Na sociedade burguesa o capital é independente e tem personalidade, mentres que o indivíduo que trabalha carece de independência e está despersonalizado

 

 

 

 

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