O NOVO BLANQUISMO

Anton Pannekoek

 

 

 

Nota de apresentaçom de Comunistas Revolucionári@s.

 

  O seguinte texto de Pannekoek (1920) situa-se no momento da sua controvérsia cos bolcheviques dentro da III Internacional, quando todavia a diferência entre os comunistas conselhistas e os bolcheviques considerava-se fundamentalmente umha diferência de táctica. Tamém reflicte as tendências existentes no movimento obreiro alemám, oscilante entre o economicismo autogestionário e o politicismo blanquista, entre a ilusom criada pola legalizaçom dos conselhos obreiros baixo a República de Weimar e a traslaçom à Alemanha da conceiçom bolchevique da revoluçom proletária como a toma do poder por um partido.

  Prescindindo das limitaçons do texto, a sua análise de ambas tendências segue sendo amplamente aplicável às situaçons revolucionárias actuais e à divisom entre as tendências que se reclamam revolucionárias-conscientes.

  O texto foi traduzido do alemám. Acrescentamos umhas citas de Rosa Luxemburg.        

 

 

 

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  «Umha vez conquistado o poder, o proletariado (...) deve -e a isso está obrigado- aplicar medidas socialistas imediatas do modo mais enérgico, inflexível e sem contemplaçons, é  dizer, tem que exercer a ditadura, mas a ditadura da classe e nom a dum partido ou umha camarilha; ditadura da classe que supóm a publicidade mais extensa, a participaçom mais activa e sem travas das massas populares, a democracia ilimitada.»

 

  «Pois sí, ditadura! Mas esta ditadura nom consiste na eliminaçom da democracia, mas na forma de pratica-la; isto é, na intervençom enérgica e decidida nos direitos adquiridos e nas relaçons económicas da sociedade burguesa, sem a qual nom cabe realizar a transformaçom socialista. Mas esta ditadura tem que ser a obra dumha classe e nom a dumha pequena minoria dirigente em nome dumha classe; isto é, tem que ir resultando passo a passo da participaçom activa das massas, assimilar a sua influência imediata, submeterse ao controlo de toda opiniom pública, xurdir da educaçom política crescente das massas populares.»

 

Rosa Luxemburg, A revoluçom russa, 1918.

 

 

 

  Quando as circunstáncias materiais conduzem a umha revoluçom, mas as massas estám todavia passivas e nom inclinadas à revoluçom, desenvolvem-se entom as doctrinas que querem alcançar a meta doutro modo do que a revoluçom política dos proletários. Assi na França antes de 1870, onde ligavam-se aos nomes de Proudhon e Blanqui as duas tendências que, de maneira oposta, elaboravam umha teoria dos primeiros germes do movimento futuro. Vinculavam-se a Proudhon, o crítico pequeno-burguês do grande capital, aquelas partes do movimento obreiro ascendente que queriam socavar o capitalismo meiante a construiçom pacífica das cooperativas; sentiam instintivamente que o poder da nova classe devia descansar numha construiçom económica de novos fundamentos, nom nas tentativas de golpes políticos externos. Vinculavam-se a Blanqui, o intrépido conspirador revolucionário, aquelas partes do proletariado que sentiam que a conquista do poder político é necessária; e se o conjunto da classe é ainda assi igualmente válido, deve ter lugar por meio dumha minoria decidida, que arrastre à massa por meio da sua sapiência e actividade e que poderia manter o poder nas suas maos através dumha estrita centralizaçom. Ambas tendências estavam enraizadas na tradiçom dos movimentos anteriores e eram, portanto, pequeno-burguesas, porque todavia careciam de noçom da ampla força que tem a luita de classe proletária despregada, a qual encontraria a sua expressom nas ensinanças marxistas.

 

  É simplesmente entendível, assimesmo, que doctrinas similares apareçam de novo outra vez, por suposto numha forma muito mais avançada e desenvolvida, com base em todo o que, como doctrina marxista da luita de classes, se convertiu desde entom em propriedade comum de todos os luitadores proletários; portanto, como diferentes matizes desta ensinança. A conviçom de que o proletariado deve desenvolver o seu poder económico meiante o domínio do processo de produçom, através dos conselhos de fábrica, e que toda a política de força (Gewaltpolitik) das gentes de Noske deve rebotar sobre isso, pode conduzir a um neo-proudhonismo, se um crê que este método é suficiente para transportar a sociedade, meiante a sua própria força milagrosa, sem maiores luitas revolucionárias do proletariado, à orde comunista. E, por outra parte, umha tendência neo-blanquista volve-se evidente na conceiçom de que umha minoria revolucionária poderia conquistar o poder político e mante-lo nas suas maos, e que isto é a conquista da dominaçom (-do governo em sentido amplo-, n.t.) polo proletariado. Esta tendência evidencia-se no escrito de Struthahns sobre a ditadura da classe obreira e o Partido Comunista.

 

  El di da ditadura da classe obreira aqui: "Que significa isso? Pois polo momento que ela póm em primeiro lugar os interesses da classe obreira e se dirige só por eles. Segundo, que só pode ser executada por organizaçons obreiras". Noutras palavras: a "Ditadura da classe obreira" nom significa a ditadura da classe obreira senom outra cousa. Nom é a ditadura da classe senom a ditadura de certos grupos, e se auto-denomina ditadura proletária porque é levada a cabo por umha organizaçom obreira (tamém o SPD é umha organizaçom obreira) e por que póm os interesses do obreiro em primeiro lugar (o que afirmam de si muitos social-traidores). A que está representada aqui é a ditadura do partido comunista, a ditadura da minoria revolucionária resolta.

 

  Fam-se logo, nom obstante, muitas restricçons; as muitas das vezes excelentes explicaçons sobre o papel do Partido Comunista na revoluçom, que amossam que aqui hai um político destro coa palavra, que nom quere nisso fazer tentativas golpistas cegamente e tem apreendido da revoluçom russa. Mas o seu princípio teórico tem que enfatizar-se ainda mais. E, como conseqüência adicional da sua doctrina, nom é de novo o Partido Comunista em conjunto, mas o seu comité central, o que exerce a ditadura, em primeiro lugar dentro do partido, onde exclue a persoas do seu poder absoluto e expulsa à oposiçom com métodos vulgares. Tamém resulta actualmente muito valioso o que Struthahn di sobre el. Mas as palavras arrogantes sobre a centralizaçom da força revolucionária em maos de campeons provados causariam mais impressom se nom se soubera que esta haveria de server para a defesa dumha pequena política oportunista estafadora cos independentes, e ao anelo pola tribuna parlamentar. Nom vale aqui o apelo a Rússia, onde o governo comunista nom simplesmente retrocede, como as grandes massas obreiras desalentadas pola sua desviaçom, senom que exerce firmemente a sua Ditadura e defende a Revoluçom com toda a força. A conquista do poder nom foi válida; os dados tiraram-se, a ditadura proletária dispóm de todos os meios de poder e nom poderia abandona-los. Um encontra o verdadeiro exemplo russo nos dias anteriores a Novembro de 1917. Ali o Partido Comunista nunca tinha explicado ou acreditado que devia tomar o poder e que a sua ditadura era a ditadura das massas obreiras. Sempre explicara que os Soviets, os representantes das massas, deviam tomar o poder; el mesmo formulava o programa, luitava por el, e como finalmente a maioria dos Soviets reconheceram a correiçom deste programa, tomou o governo nas suas maos, co qual os comunistas espontáneamente os seus órgaos executivos, cujo suporte mais poderoso era o PC e sobre cujos ombros pesava todo o trabalho.

 

  Nós nom somos nenguns fanáticos da democracia, nom temos nengum respeito supersticioso polas decisons por maioria nem rendemos tributo à crença de que todo o que faga estará bem e deve acontecer. A acçom é crucial, a actividade é poderosa sobre a inércia massiva. Onde o poder aparece como factor, queremos usa-lo e aplica-lo. Se, apesar disso, rejeitamos decididamente a doctrina da minoria revolucionária, é justo pola razom de que tem que conduzir a um poder aparente, a vitórias aparentes e com isso a graves derrotas. Será aplicável num país onde a massa é apática de acordo coa sua classe, como é por exemplo umha massa camponesa, que nom ve nada que nom seja a sua vila e a face passiva da política nacional; ali, umha minoria proletária activa da populaçom poderia conquistar o poder estatal. Mas se esta táctica nom fora nunca ensaiada ou recomendada na Rússia, deve todo o mais colher de surpreessa quando é recomendada para os países europeus ocidentais, onde se encontram circunstáncias muito diferentes.

 

  Com razom enfatiza-se, deste modo, que o desenvolvimento da revoluçom será muito mais lento e difízil em Europa ocidental, porque a burguesia é muito mais poderosa que na Rússia. Mas, em que consiste este poder? Em dispôr do aparelho do Estado? Já o perdeu umha vez. No número? Enfrenta-se a um enorme número de obreiros. No poder de mando sobre a produçom? No poder do dinheiro? Na Alemanha, isto já difizilmente significa muito. As raizes do poder do Capital descansam muito mais profundamente. Residem no reinado da cultura burguesa sobre o conjunto da populaçom, como tamém sobre o proletariado. Durante um cento de anos de período burguês, a vida espiritual burguesa tem empapado o conjunto da sociedade, criou umha organizaçom e umha disciplina espirituais que, através de milheiros de canles, penetraram nas massas e as dominaram. Isto deverá ser gradualmente expurgado do proletariado meiante umha luita longa e tenaz. Primeiro, a ideologia liberal e cristiana, que foi combatida pola ilustraçom social-democrática. Mas, precisamente a social-democracia, mostra como de profunda e absorvente é a dominaçom espiritual das massas polo capital: parecia libertar espiritualmente às massas e unifica-las numha nova cosmovisom proletária, e agora amossa-se que esta organizaçom criada por elas mesmas convertiu-se amplamente em parte da burguesa e impide a Revoluçom das massas. Deste modo, as resistências que o proletariado dos velhos países burgueses deve superar em si próprio som infinitamente maiores na sua enormidade que nos novos países de Europa oriental, onde está ausente qualquer cultura burguesa e umha tradiçom comunista favorece a revoluçom. Está fondamente nas massas este respeito polo ordenamento legal burguês, vissível no medo ante os gritos de terrorismo, na crença em todas as mentiras, na timidez das próprias medidas. Fondamente establecida na sua ética, a ética burguesa, que confunde através de belas expressons, que desorienta por meio da hipocrisia, que se burla através do engano inteligente. Está fundamente no seu sangue o velho individualismo burguês, hoje crêr poder ganhar todo cum embate e manhá recuar ante a enormidade da tarefa.

 

  Isto nom significa que a vitoria nom seja possível aqui: o proletariado tem tamém vastos recursos para desenvolver-se; a revoluçom será nisto muito mais imensa. Nom significa tampouco que umha apropriaçom revolucionária deva ser posposta para um futuro distante: as circunstáncias podem forçar de qualquer modo às massas a tomar o poder nas suas maos a um tempo, a pesar de todos os impedimentos espirituais, que só som superados depóis, dentro do processo de luita ulterior. Mas isto significa que a revoluçom nom é possível através dumha minoria resolta. Pois o fai tudo por um poder hostil em maos da burguesia, que nom é activo para a Revoluçom.

 

  Neste entorno social o Partido revolucionário nom está entre a massa, que observa indiferente --isto só o parece--; todo aquel que se comporta dum modo aparentemente apático ante a propaganda comunista é capaz de volver-se um instrumento da contra-revoluçom através do poder da ideologia capitalista-burguesa. Mentres umha parte dos proletários, na que se contam luitas cruciais, é paralisada, passiva, feita fluctuar através da velha ideologia, as partes mais atrasadas, cuja passividade se espera, convirtem-se num reforço da burguesia. A história da República de Conselhos de Munich é um exemplo rico de todas estas distintas tendências.

 

  Para os países capitalistas cumha burguesia espiritualmente poderosa, isto é, cumha velha cultura burguesa, qualquer desviaçom na direcçom dumha táctica blanquista é, por conseguinte, impossível e reprovável. A doctrina da minoria revolucionária, da ditadura de partido (Parteidiktatur) comunista, significa umha subestimaçom do poder do inimigo, umha subestimaçom do necessário trabalho de propaganda, o que tem que conduzir aos mais graves reveses. A revoluçom somentes pode vir das massas, e somentes polas massas é levada a cabo. O Partido Comunista deveu esquecer esta simples verdade e, coas forças insuficientes dumha minoria revolucionária, quere fazer o que só a classe pode fazer, de modo que a conseqüência será a derrota, que botará atrás durante longo tempo a Revoluçom mundial, baixo os mais duros sacrifícios.

 

 

Publicado em Der Kommunist (Bremen), nº 27, 1920.

 

 

 

  «A teoria da ditadura em Lenin e Trotski parte dum pressuposto tácito, segundo o qual a revoluçom socialista é cousa que haverá de fazer-se meiante umha receita que tem preparada o partido da revoluçom; este nom tem mais que aplica-la enérgicamente. Por desgraça -ou, quiçais por fortuna, depende das circunstáncias- isto nom é certo. Nom somentes nom consiste numha série de prescripçons prestas para a sua aplicaçom, senom que, como sistema social, económico e jurídico, a realizaçom prática do socialismo é algo que pertence às tenéboas do incerto futuro. O que temos no nosso programa nom som senom alguns indicadores gerais, que amossam a direcçom em que devem tomar-se as medidas, sendo estas, além, de carácter predominantemente negativo. Sabemos, mais ou menos, o que é preciso destruir de antemao a fim de alhanar o caminho à economia socialista; nom existe, embora, programa de partido ou livro de texto socialistas que nos ilustrem acerca do carácter que haverám de ter as mil medidas concretas e práticas, amplas ou estritas, para introduzir os fundamentos socialistas na Economia, no Direito e em todas as relaçons sociais. Isto nom é um defeito, mas precisamente, a avantage do socialismo científico sobre o utópico. O sistema socialista únicamente pode ser, e será, um produto histórico, nascido da escola própria da experiência, no momento da plenitude do desenvolvimento da historia viva que, como a natureza orgánica (da que, ao fim e ao cabo, forma parte), tem o belo costume de criar, ao mesmo tempo, a necessidade social real e os meios para satisfaze-la, o problema e a soluçom.» 

 

  «A prática do socialismo exige umha transformaçom espiritual completa das massas, degradadas por séculos de dominaçom burguesa de classe. Instintos sociais em lugar de instintos egoístas, iniciativa das massas em lugar da desídia; o idealismo, que fai superar todos os sofrementos, etc..  (...) A única possibilidade dum renascimento reside na escola da própria vida pública, na democracia mais ampla e mais ilimitada, na opiniom pública.»

 

  «Sem sufrágio universal, liberdade ilimitada de prensa e de reuniom e sem contraste livre de opinions, extingue-se a vida de toda instituiçom pública, convirte-se numha vida aparente, na que a burocracia fica como único elemento activo. Ao ir intumescendo-se a vida pública, tudo dirigem-no e governam-no umhas dúzias de chefes do partido, dotados dumha energia inesgotável e um idealismo sem limites; a direcçom entre eles, em realidade, corresponde a umha dúzia de inteligências superiores; de vez em quando convoca-se a umha assemblea a umha minoria selecta dos trabalhadores, para que aplauda os discursos dos dirigentes, aprove por unanimidade as resoluçons apresentadas. Em definitiva, umha camarilha, umha ditadura, certamente, mas nom a do proletariado, senom umha ditadura dum punhado de políticos, ou seja, umha ditadura no sentido burguês, no sentido do jacobinismo»

 

  «A liberdade que se concede únicamente aos partidários do governo e aos membros do partido, por numerosos que sejam estes, nom é liberdade. A liberdade é somentes liberdade para os que pensam doutro modo. E nom precisamente a causa do fanatismo da "justiça", mas devido a que tudo o que hai de enriquecedor, de saudável e de purificador na liberdade política, depende disso, e a sua eficácia desaparece quando a "liberdade" se convirte num privilégio.»

 

Rosa Luxemburg, A revoluçom russa, 1918.

 

 

 

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