Entrevista a João Bernardo
A seguinte entrevista foi realizada o 1 de Junho de 2005 polo estudante Bruno F. Miranda na Universidade Federal de Santa Catarina. Joao Bernardo (Porto, 1946) é um teórico marxista português, actualmente residente no Brasil. Depóis de militar em grupos leninistas entre 1965 e 1974, evoluiu cara posiçons conselhistas e ligou-se ao movimento de ocupaçom de empresas e comissons de trabalhador/es que emergera por entom. Embora, o seu pensamento apresenta rasgos singulares mui marcados, como a sua tese das “ambiguidades” do movimento proletário e da “classe dos gestores” ou “tecnocracia”.
Bruno: Gostaria que você falasse sobre a incorporação de Portugal à União Européia, levando em conta a situação periférica da economia de Portugal e fizesse um paralelo, se isto for possível, com a situação do México no NAFTA e do que muitos dizem que pode ocorrer com o Brasil na ALCA. A economia portuguesa dentro da União Européia obteve alguma vantagem econômica?
João Bernardo: Minha primeira grande dificuldade é que muito
correntemente vocês raciocinam em termos nacionalistas, em termos de blocos. Eu
não faço isso. Hoje, e isso significa desde meados dos anos 70, o que se tornou
dominante são as transnacionais. E as transnacionais não são mais
norte-americanas ou japonesas. Elas são transnacionais. Falar em termos de
imperialismo norte-americano hoje é totalmente errado na minha opinião. Se há
um imperialismo hoje é o das transnacionais, que constitui uma outra
geopolítica. Eu não faço parte desta corrente, que analisa as coisas deste
jeito, desta maneira. Esta corrente é muito pouco estimada dentro da esquerda
brasileira, que é uma esquerda profundamente nacionalista. A única parte da
esquerda brasileira que era internacionalista, que nasceu em ruptura com o
varguismo era o PT. Transformou este internacionalismo agora em partidário das
transnacionais. Então não há muita gente aqui a ter este ponto de vista.
O Brasil, engolido ou não engolido por este tipo de instituição que você
disse, não tem outro remédio senão entrar na rede das transnacionais. Os únicos
países que eu conheço que não estão dentro desta rede são o Haiti, o Congo,
quer dizer, aqueles países que estão num grau de infra-miséria. Do outro lado o
Brasil tem também transnacionais bastante fortes operativas no Terceiro Mundo. A
política do Brasil do governo Lula que vem desde Fernando Henrique Cardoso é
muito interessante. A de tentar fazer um bloco com a Índia, a África do Sul e a
China. Uma política para desenvolver transnacionais de Terceiro Mundo, para
empregar a expressão Terceiro Mundo.
Bom, nesta perspectiva é que eu veria as coisas. A economia mexicana engolida
pela dos EUA? Por que é que vocês nunca falam também da economia canadense? É
engolida pela dos EUA há mais tempo. Só porque o Canadá é um país mais
próspero? Mas foi engolida. O Canadá é um apêndice econômico dos EUA. Isto não
significa politicamente que eu sou a favor da entrada do Brasil na ALCA. Não,
não estou. Mas só por razões políticas, não econômicas. Acho que tudo aquilo
que põe em causa a força do governo de Washington é bem-vindo. Mas não me
parece que este seja o grande centro das questões.
Eu estou muito pouco ocorrente do que se passa em Portugal. Portanto, não sou
capaz de fazer esta comparação. A entrada de Portugal na União Européia era
inelutável. Portugal era o país com o maior número de emigrantes na Europa. Basta
isto, pensar nisto. Se Portugal não entrasse na União Européia, esta legião de
emigrantes estrangeiros ficaria numa situação muito difícil...embora a esquerda
estivesse sempre oposta à entrada na UE. A minha posição não era esta.
Mais uma vez. Eu não raciocino em termos de nações, de blocos nacionais. Eu raciocino em termos de modos de exploração capitalista. O capitalismo não deixaria de existir em Portugal se ele não tivesse entrado na UE. As forças políticas que se opuseram à entrada de Portugal na UE foram salazaristas. Portugal só entra na UE depois da queda do salazarismo. E depois da derrota do processo revolucionário. Claro, se o processo revolucionário tivesse triunfado em Portugal, teria sido outra coisa.
Bom, piorou ou melhorou a situação portuguesa? Em certos aspectos melhorou. A
situação geral portuguesa melhorou depois da queda do fascismo. A população
vivia numa miséria abjeta. Hoje em dia tem acesso a uma quantidade de bens de
consumo.
Países que antes, há não muitos anos atrás, tinham um grau de desenvolvimento
inferior ao português, como a Irlanda, vai entrar na UE e ter um crescimento
enorme. Duplicaram, mais que duplicaram o PIB per capta. Mas Portugal não. A
indústria portuguesa acabou! Durante décadas, o salazarismo construiu uma
indústria inteiramente condicionada por pautas aduaneiras. O problema é que a
esquerda adoraria. Faz o mesmo. Aí, fez uma indústria incapaz de ser
competitiva a nível mundial. Então acabou a indústria portuguesa. Portugal vive
de vender coisas produzidas nos outros lados. Uma espécie de grande shopping
center. Realmente comércio e serviço. Mas o serviço não é serviço de ponta,
eletrônico. Isso não, coisa arcaica.
E a situação continua sendo a pior. É o país europeu com um dos menores
índices de crescimento. Você ainda encontra alguns que estão abaixo. Portanto a
sua posição relativa vai piorar ao longo do tempo.
Bruno: E o movimento operário português? De que modo ele tem reagido a esta integração?
João
Bernardo:
O movimento operário português tem sido derrotado. A grande derrota foi a do
movimento revolucionário de 1974/75. Se baseava em comissões de trabalhadores. Depois
disso é que vai surgir a institucionalização dos sindicatos. Havia sindicatos
antes, não é mesmo. Sindicatos fascistas. Depois da queda do fascismo, os
sindicatos ficaram livres. Só que a base não se organizava em sindicatos,
organizava-se em comissões de trabalhadores. A força dos sindicatos vem com a
derrota das comissões de trabalhadores. Os sindicatos portugueses têm muito
pouca expressão. Talvez em profissões mais tradicionais. A esmagadora maioria
dessas pessoas que trabalham nestes ofícios trabalha com contratos a prazo. Então
trabalha em situações muito precárias.
Depois você tem o problema da enorme imigração para Portugal. Portugal, até
uma data recente, foi sempre um país de emigrantes. Exportava gente para tudo
que era lado. Como vocês sabem, desde as chamadas descobertas até os anos 70. Depois
passou a ser um país de imigrantes. Brasileiros, como você sabe e os africanos
vindos das ex-colônias portuguesas. E depois vindo da Europa do Leste. Ucrânia,
Polônia e antiga Iugoslávia. Estas pessoas se dedicam a trabalhos mais ruins,
são extremamente mal pagas, e às vezes nem sequer pagos são. E não podem
recorrer à Justiça do Trabalho porque são ilegais. A esmagadora maioria. Se
recorrem à Justiça do Trabalho são postos fora. Para os patrões é uma situação
ótima. No momento não estão interessados na legalização.
A economia portuguesa está muito mal. Não está pior ainda do que está porque tem esta força de trabalho mal paga, ultra-explorada. Quando estava agora vindo ao Brasil, havia um menino fazendo check-in atrás de mim, em Lisboa e tinha estado há três meses a trabalhar em Portugal. E não recebeu nada. O patrão não lhe pagou. Tinha o visto de turista para três meses e tinha de renovar. Decidiu então regressar. Com três meses sem pagar ele não vai ter nenhuma garantia de ser pago alguma vez. Foi para Portugal, gastou o preço da ida e volta do bilete e lá era um restaurante, dava para comer. O resto foi gratuito, o chamado trabalho escravo, não? Claro que não era escravo porque podia se mover, tinha mobilidade, podia ir para outro lugar que não pagasse também, não é???
Mas isto é um detalhe do que se passa com muita, muita gente.
Bruno: Você se referiu às comissões de
trabalhadores. No âmbito do Mercosul tudo indica que os trabalhadores não
participam do poder decisório, o que dá um caráter economicista ao bloco. Suas
reivindicações, quando ocorrem, não têm caráter deliberativo. São consultivas
somente. O protagonismo fica por conta do empresariado, que se reúne e se
organiza paralelamente aos encontros oficiais. Possui vários canais de abertura
junto aos governos de cada país.
Existe uma
central sindical do Cone Sul que abarca as outras centrais do demais países,
mas que se mostra pouco articulada e distante das bases. Em uma de suas obras,
“Capital, sindicatos, gestores”, você destaca o papel exercido pelos dirigentes
sindicais no controle da força de trabalho. Gostaria que você fizesse uma
avaliação sobre a relação cúpula-base sindical e se já se pensa em alternativas
para organização dos trabalhadores.
João Bernardo: Olha, escrevi um livro chamado “Internacionalização do Capital, Fragmentação dos Trabalhadores”. Então o que se sucede no Mercosul é o mesmo caso da internacionalização do capital e fragmentação dos trabalhadores.
Quando trabalhava bastante na CUT, dava cursos, palestras, organizava de debates, coisas assim, tinha muito contato com dirigentes sindicais. E eles mostravam total inoperância dos contatos intersindicais entres os países do Mercosul. Davam casos de greves, não sei se na Ford ou na Volkswagen, em que, claro, o patronato autorizava as empresas de um país para suprir as deficiências da produção nas outras e os sindicatos nem sequer contataram. Os sindicatos nem sequer passavam informação.
Na UE, existe uma estrutura sindical supranacional, suponhamos, totalmente
burocrática, quer dizer, com uma formalidade, e mesmo nesta o patronato impede
o seu desenvolvimento... os trabalhadores, ou seja, os dirigentes sindicais
também não parecem interessados em prosseguir isso. Não se verifica nenhuma
forma de internacionalização de sindicatos, por mais burocrática que seja...que
fosse, não se verifica nem isso. E do outro lado nós temos o capital.
Totalmente internacionalizado! Mais, transnacionalizado. Como é que os
trabalhadores podem retorquir esta situação?
Olha, a única maneira é internacionalizar-se, mas como? Não há nada em vista!
Nem haverá proximamente. Vai continuar assim, porque se nem no interior dos
países a classe trabalhadora se reorganizou e se reunificou...os part-time
continuam por um lado, os terceirizados por outro, os trabalhadores mais
qualificados estáveis por outro, quer dizer, a antiga solidariedade dos
trabalhadores por unidade de produção hoje dançou completamente. Os
trabalhadores estão repartidos por categorias e pelas empresas que são as donas
deles. Os terceirizados trabalham numa dada empresa, mas são pagos por uma
outra. Os part-time são pagos pelas empresas part-time. Os que trabalham para
subcontratantes a mesma coisa, na mesma linha de produção. E na mesma unidade
de produção você tem trabalhadores totalmente cortadas as suas possibilidades
de solidariedade.
Os sindicatos caminham neste sentido? Não, não caminham. Quando eu saí da
CUT, eles tentaram fazer federações de sindicatos ligados à telefonia para
fazer contatos com outras fusões de outras empresas, mas não conseguiram. A
coisa básica é isto: nenhum sindicato precisa do número de diretores que tem. Claro,
quem é que vai prescindir daquelas mordomias? Porque se fizesse o tal do
sindicato unificado, ele iria ter, sei lá, 118 diretores ou outro número assim
grande, não é? Ou mais certamente ainda.
Agora, haveria de estudar com mais detalhes. Estou a dar episódios
pitorescos. Estudar com detalhes em que medida estas burocracias se opõem à
unificação dos sindicatos. Isto aí é fácil de entender. Mas mesmo a criação de
organismos de cúpula, que dá mais lugar para burocracias, que fizessem uma
certa federação, um certo inter-relacionamento, eu não sei explicar por que
razões as burocracias nem isto acertam. Então isto significa que os
trabalhadores estão desunidos perante os blocos e às transnacionais. Totalmente!
Nem têm organizações burocráticas que os defendam, nem eles mesmos a nível
mais autônomo, com comissões de trabalhadores ou o quer que seja conseguem
fazer isto.
Bruno: A reforma sindical a ser votada
pelo Congresso Brasileiro vai neste sentido, destituindo alguns direitos
sindicais e tornando-os passíveis de negociação direta empresa-sindicato. Assim,
retira-se o intermédio do Estado. Esta é uma tendência reformista nos demais
países menos industrializados...
João Bernardo: Há muitos anos, há muitas décadas. Não se trata de dizer
que está para ser concretizada. Já foi, já foi há muito tempo. Em geral as
reformas não mudam nada. O que eu acho que as reformas fazem é reconhecer
formalmente uma situação de fato. Se não, chamam-se revoluções. As coisas já
estão na prática, mas ainda não está reconhecido.
Se você vai ver ponto a ponto a reforma sindical aqui prevista, as coisas já
estão assim. O isolamento dos sindicatos relativamente aos trabalhadores não
começou...e eu digo isto quantas e quantas vezes, em livros, em aulas...mais
uma vez. Na história recente, o isolamento dos sindicatos não começou com a
“ofensiva neoliberal”. Ela começou com a ação dos trabalhadores nos anos 60 e
70 desenvolvendo um movimento autônomo e as chamadas greves selvagens. Eram os
dirigentes sindicais que chamavam estas greves de selvagens, porque ocorriam
fora da égide dos sindicatos. Os sindicatos faziam aquelas greves habituais nos
períodos da discussão para a contratação coletiva e com isso se mantinha o
sistema keynesiano, social-democrata. Acertava-se em que porcentagem os
salários iam aumentar, em que porcentagem a emissão da massa monetária ia
aumentar e corria assim a economia. Os trabalhadores começaram rompendo com
isso, começaram recusando este sistema.
O primeiro grande ataque contra o welfare state foi feito pelos trabalhadores
do sistema autônomo por meios de ocupação de fábrica dos anos 60 e 70. Aí os
capitalistas viram que o taylorismo já não dava resultados, que eles já não
conseguiam conter os trabalhadores com o taylorismo. Aí funda-se o toyotismo.
Agora, como é que fica o sindicato? Que não estimula minimamente as opiniões, a
independência crítica dos trabalhadores, perante uma empresa toyotista, que faz
um estímulo enorme a que os trabalhadores digam a sua opinião???
Ah! Mas é muito condicionado! Claro que é muito condicionado! Mas é a sua
opinião!
E os sindicatos? Estimulam o trabalhador a dar sua opinião ao que quer que
seja? Nunca!
Bruno: A própria participação dos
trabalhadores já é muito pequena...
João Bernardo: Claro! Então por que há que ser mais? Quando os trabalhadores sentem que
a empresa toyotista, pelo fato de os escutarem, se sentem um pouco mais
democráticos, colocando aqui todas as aspas...
Agora, o problema é se eles põem as aspas ou não, entende? Portanto, se eles
se sentem um pouco mais democráticos do que no sindicato, aí, por que eles hão
de estar contra?
Só mais um acréscimo: quando você estuda a origem da CUT, por que é que a CUT
se pode agora queixar de falta de apoio da base, se quando a CUT se estruturou,
se estruturou a partir do topo e não a partir da base, que era a outra
alternativa proposta na altura pelas oposições?
Esta era a linha das oposições nas empresas. A idéia era fazer um novo
sindicalismo, não era só o novo pelo fato de fazer as coisas iguais às outras,
mas com outro nome. Era o novo na sua própria concepção. Isso acabou! Eles
acabaram com isto desde o começo. Agora se queixam da base.
Bruno: A greve continua sendo a melhor
forma de luta? No contexto brasileiro as conquistas por meio de greves têm sido
insignificantes. Trazendo para um universo próximo, aqui, na prórpia
universidade, os próprios alunos agem geralmente contra a decisão de greve dos
servidores e docentes e os resultados das greves depois de passados vários
meses são muito poucos...
João
Bernardo:
Olha, uma greve com ocupação e manutenção das empresas laborando é alguma coisa
de extremamente importante. Isto é o começo de uma afirmação de uma possível
sociedade diferente. Os trabalhadores tomando conta da economia.
A forma como são conduzidas as greves na educação é uma coisa lamentável. Os professores limitam-se a não dar aulas. E como os governos não têm uma necessidade preeminente, não é... Educação é uma coisa a longo prazo. Não é como fabricar automóveis ou qualquer outra coisa assim. Para fabricar automóveis com toyotismo ou com sistema just in time, você tem a necessidade imediata daquela pecinha. No sistema educacional, não há necessidade. Qual é o problema que atrase em dois meses ou três meses o estudo do Kant? Não causa perturbação nenhuma a ninguém.
Nunca, no entanto, os professores se lembraram de fazer greves por exemplo dando aulas. Simplesmente ao invés de darem aulas habituais, darem aulas de maneira crítica. Ou fazer de uma maneira diferente com os alunos. Mas é claro, isto comprometeria a dignidade do professor. Além do que, para fazer aula de uma maneira diferente é preciso saber mais. E isso dá mais trabalho.
Eu vi uma coisa, observei há pouco tempo, não sei se foi o Garotinho ou se foi a esposa dele, que disse que se devia ensinar o Creacionismo nas escolas. Eu não sei se ensinar além da teoria da evolução ou se era só o Creacionismo. Ou seja, isto é uma coisa de uma gravidade, para mim, incalculável. Isto é fazer no Brasil pela primeira vez o que se faz nos Estados Unidos, que é corrente, o Creacionismo é ensinado. Isto é um ato de obscurantismo que põe em causa tudo o que é atividade acadêmica, dita por pessoas que têm uma importância política muito considerada dentro do país. Houve alguma greve de professores alertando para uma coisa destas? Houve alguma movimentação de professores alertando para uma coisa destas? Não tenho conhecimento que tenha havido.
Então, há setores profissionais em que se não se repensa a greve, sobretudo
todos aqueles setores que tem um grande contato com o público, ela não é uma
arma muito interessante.
No salazarismo, em que eram proibidas as greves, uma greve das poucas assim que
se conseguiu fazer nos meios do transportes públicos urbanos, foi de não
cobrança das passagens. Os transportes estavam funcionando. O governo teve de
ceder. Eles tinham apoio enorme da população, é claro.
Nos tempos do salazarismo houve greves de médicos da seguinte maneira: os hospitais tratavam da mesma maneira dos doentes só que não cobravam. Hoje em dia as greves de médicos em Portugal é nos hospitais recusados a tratar dos doentes a não ser as urgências. Conseguem ter contra eles a unidade dos doentes, como é evidente. Este tipo de greves, assim desta maneira, parece-me francamente negativo. O outro tipo de greves, não! Continua sendo muito interessante. Mas como eu disse, greves com ocupação. Mas nenhum sindicato está interessado em fazer greves com ocupação. A não ser a CUT do princípio. Houve algumas mobilizações muito boas, mas os que organizaram estação agora no governo sabendo como desorganizá-las, portanto...
Um exemplo de luta eficaz é a
dos piqueteiros na Argentina, coisa deste tipo. Em França, por exemplo, é o
país único que tem tipo de lutas com êxito, contra pacotes neoliberais,
obrigando governos a recuar. Pergunta: você sabe qual o país europeu com menos
taxa de sindicalização? Resposta: a França, é claro. È precisamente por isso
que ela pode fazer estas greves.
Qual o país europeu com maior taxa de sindicalização? A Alemanha. Aí não se pode fazer porque os sindicatos estão controlando a força de trabalho e não deixam fazer.
Bruno: A fragmentação da classe
trabalhadora aliada ao individualismo burguês da classe média brasileira traz
poucas perspectivas ao mundo do trabalho. No Brasil, mais da metade dos
trabalhadores brasileiros está inserida no mercado informal, sem registo em
carteira. Isto talvez possa indicar uma brecha, uma abertura para iniciativas
de cooperativas autonômas, autogestionárias. Gostaria que você comentasse sobre
experiências recentes de cooperativas que possa ter acompanhado. Até que ponto
a independência proporcionada por este tipo de organização pode ser considerada
um enfrentamento à internacionalização do capital?
João
Bernardo:
Você está falando da economia solidária do Paul Singer. Isso para mim é um
conjunto de demagogias, caquexias. Caquexia imaginando que aquelas cooperativas
de velhinhas fazendo renda podem se opor às transnacionais, podem criar uma
moeda que se oponha às transnacionais. É realmente inimaginável que alguém com
perfeito uso de suas faculdades mentais diga isso. Mas a questão é que não é um
indivíduo, é um grupo de pessoas. Um número considerável que está em Brasília e
que acha isso. Então isto é que é o ponto. Que não é uma questão individual.
Aqui a questão básica é o que se chama de cooperativas. Nesta visão de economia
solidária, os trabalhadores continuam sendo geridos por uma administração que
lhes é exterior. Aí é que é o centro do capitalismo. O centro do capitalismo
são as relações sociais de trabalho. Quando as relações sociais de trabalho não
são alteradas, você continua tendo capitalismo.
Bruno: Só mudou o nome...
João
Bernardo:
Em Portugal, 74/75, que a grande parte da economia acabou por ficar nas mãos
dos trabalhadores, em muitas empresas, continuavam pessoas da velha
administração administrando. Outras colocaram isto em causa. Faziam
rotatividade de funções, votação em assembléias, etc. Aí começam alterando as
relações de trabalho.
Então, toda uma parte considerável do trabalho que tem o esforço feito pelas
pessoas da economia solidária é a formação de tecnocratas de terceira ordem
para dirigir estas empresas de terceira ordem. Estas incubadoras, este tipo de
coisas. Trata-se de formar tecnocratas que vão dirigir aqueles trabalhadores. Não
vai alterar em nada as relações de trabalho.
Se fala muito em Mondragon...você já ouviu falam em Mondragon? É uma cooperativa espanhola que se transformou numa transnacional. Há uns anos atrás, no Fórum Social de Porto Alegre...o único em que eu fui porque foi o único em que eu fui convidado, estava na mesa, dentre várias pessoas, uma senhora de Mondragon. Ela falou e depois durante o debate, eu coloquei a questão: em Mondragon houve alteração das estruturas administrativas? Quem administra são administradores profissionais? Existe rotativismo, etc?
Ela pura e simplesmente não respondeu à minha pergunta. Como é habitual não
se responder...o silêncio dela era ele mesmo a resposta. Então o único
interesse que estas empresas podem ter é evitar que estes trabalhadores vão
para o desemprego. É o único. Mas eles continuam sendo explorados, neste caso,
estritamente pelos administradores, não pelo patrão burguês. Mas explorados
através da mais-valia, dos mecanismos habituais. Continua existindo da forma
habitual. O que faz a economia solidária neste tipo de coisa é o
desenvolvimento deste tipo de coisas. É a formação de pessoas numa
sub-tecnocracia de terceira ordem para dirigir este tipo de coisas. Outra coisa
muito diferente é, num processo de luta crescente, os trabalhadores
apropriarem-se da empresa e quando isto sucede, em processos gerais de luta,
algo altera-se nas relações sociais de trabalho. Não é tudo, claro.
Bruno: Ser anti-capitalista para a
esquerda tradicional brasileira é ser anti-estadunidense. O discurso anti-imperialista
focaliza o confronto entre nações pobres e ricas e impede o debate sobre a
necessidade do internacionalismo da luta de classes. A esquerda
latino-americana tem de rever sua atuação?
Com relação à
intelectualidade, há certa resistência e retardo acadêmico em analisar e
discutir fenômenos recentes na América Latina que se propõem a criar algo novo,
não anteriormente posto em prática. O zapatismo se insere nestas práticas,
dentre outras mobilizações, e levanta a questão da disputa pelo poder. Sobre a
tomada ou não do poder. A análise intelectual de esquerda também precisa ser
revista?
João Bernardo: Quando você analisa em termos de nações, as ações são estruturadas em classes. Tem os governos, as classes dominantes, elites dentro das classes dominantes. Esta é uma forma que agrada aos intelectuais porque têm aí seu papel assegurado e perpetuado. Em geral não têm mostrado interesse ou não têm interesse nenhum pelas lutas da classe trabalhadora. È analisado por estudantes em teses, dissertações, estudantes mesmo. Daí os professores orientam, claro. Na maioria dos livros que se vê, o enfoque é o enfoque dos confrontos nacionais. Sobretudo a América Latina contra os EUA. Bom, é uma forma dos intelectuais pretenderem reforçar o seu papel, sua posição contra uma concorrência de outros grupos da classe dominante centrados em outros países.
Bom ...mas parece que não seja por aí que se põe em causa o capitalismo. Quando eu digo não parece aí é que eu tenho a certeza, não é?
Os intelectuais, eles têm um grande fascínio pelo poder. Isto é muito
interessante. Eles não têm poder, mas analisam o poder. È um pouco do complexo
do bobo de corte. Ele gostava de estar na corte... Quando alguém os convida
para ir ao palácio presidencial dar sua opinião eles ficam como gatinho que
você possa varrer ...ficam num estado de satisfação enorme! Têm um completo
desprezo por aquelas lutas comuns, aquelas lutas, enfim, que fazem o comum da
população. Por que é que não haviam de ter?
É claro que não são todos os intelectuais. Mas a grande maioria.
Eu não simpatizo com os norte-americanos. Agora, vamos ver. Existe uma
cultura norte-americana? Não existe. Foi destruída. Existe uma cultura das
transnacionais que triunfou completamente nos EUA. Quase completamente no
Japão. E ainda não nos outros países. Países que fazem resistência a isto.
Por que é que o Brasil tá cheio de botecos em vez de ter fast-foods ? Boteco
não é rentável em termos capitalistas. É? Por resistências das pessoas.
Pode-se fazer forró e conversas de grupo nos botecos. Mas no McDonald´s não
pode. Nos botecos pode. São resistências, a meu ver, exemplares. Não são
resistências aos EUA. São resistências à uma cultura transnacional. Esta
cultura transnacional destruiu a cultura dos EUA. As últimas coisas da cultura
dos EUA foram produzidas nos anos 30. Depois disto só marginais é que a fazem.
Kerouac, Bukowski, marginais mesmo. Vadios, vagabundos, malandros, marginais. O
resto da cultura oficial ou está expatriada ou foi totalmente assimilada. Eu
posso estar exagerando porque há sempre exceções nestas coisas, mas esta é a
tendência dominante.
Então a antipatia que eu tenho pelos EUA não é a antipatia que eu tenho pela
raça norte-americana. É pela cultura das transnacionais. Pessoas dizem: aquele
povo é estúpido! É efetivamente estúpido, estupidificado pela cultura das
transnacionais. E o mesmo está se sucedendo a nós por aquilo que a gente está
vivendo, essa proliferação de shopping centers, televisões, etc. De tudo que
tem de desestruturação, de futilidade, de fragilização...
Há 21 anos que estou dando aulas no Brasil e há 21 anos os alunos não eram
tão ignorantes como são hoje. Não conhecem nada! E por que é que eles haviam de
conhecer se ninguém os pressiona nunca a ler ou mesmo a estar concentrado
durante quinze minutos??? Quem está nos cursos comuns não consegue ter esta
concentração. Isto é esse mesmo tipo de cultura. Vocês estão caindo no mesmo
tipo de estupidificação. Esta é que é uma grande questão. Isto não tem a ver
com os Estados Unidos. Quando se fala em Hollywood exportar a sua cultura, será
que os intelectuais brasileiros se esquecem que a Rede Globo exporta
telenovelas para tudo que é país do Terceiro Mundo? Ou será que por ser
brasileiras, elas são melhores? Portanto não é globalmente. São pequenos grupos
de capitalistas em cada país. Portanto não é o imperialismo norte-americano. É
outra coisa. Se pode muito bem falar em imperialismo então brasileiro. Este
tipo de coisa me parece que é interessante.
O capitalismo já tem duzentos anos. E a gente viu o mau resultado sistemático
de todas as tentativas de acabar com o capitalismo, ou de o renovar que foram
feitas por elites dominantes. Vamos continuar insistindo, mas é totalmente
irracional. Você pode negar a lei da gravidade dizendo que aconteceu até agora,
mas talvez não aconteça no futuro. Você continua largando o copo e o copo
continua partindo.
Bom, estas correntes de intelectuais de esquerda têm uma espécie de ceticismo
inverso. Todos os desastres anteriores não elucidam. Vamos continuar a apoiar,
no caso da América Latina, os mesmos populismos, continuar defendendo os mesmos
nacionalismos, quando a gente já viu quais eram as consequências dos populismos
e dos nacionalismos. Se vê agora que não há qualquer lugar para nacionalismos,
por que as empresas não estão mais nacionalizadas. Nacionalismo hoje em dia
representa enfraquecimento dos trabalhadores perante o capital que é
transnacional. Enquanto os trabalhadores forem nacionalistas e o capital
transnacionalista, o capital está ótimo.
Bruno: João, para fechar. O processo
bolivariano na Venezuela: trata-se da repetição do populismo tão tradicional
latino-americano ou é algo que se propõe como prática política realmente
alternativa?
João
Bernardo:
Olha, o que eu tenho acompanhado é uma repetição do populismo em condições mais
graves ainda porque corresponde realmente a uma fratura de classes no país. A
grande fratura de ricos contra pobres.
Os petroleiros fizeram greve? Sim,
mas ao lado dos patrões. Eram caras muito bem pagos.
Bom, essencialmente é uma luta de ricos contra pobres. Os habitantes dos
condomínios armam-se e arrumam seguranças com medo de que o das favelas
ataquem. O que eu digo que é grave é que este confronto de classes, enquanto
ele passar através do populismo no estilo chavista não será um confronto de
classes que acaba com o capitalismo. Vai reforçar a classe dominante, uma
tecnocracia dominante, um aparelho de Estado. Vai reforçar estruturas de poder.
Então aí desenvolve-se o plebiscitarismo e outras formas semelhantes.
Então eu sou contra o Chavez? Sou, eu sou contra o Chavez. Em geral costumo
ser sempre contra os governantes. Sou a favor dos outros? Não, menos ainda. O
grande problema é que as lutas sociais não têm dois lados. No geral têm três
lados. E os intelectuais querem um tipo de simplificação. A função deles é
reduzir a dois lados.
Bruno: Quais são os três lados?
João Bernardo: A classe trabalhadora. È o terceiro lado. Senão a gente
está na artimanha que sucedeu na Guerra Fria. Se você ler “Os mandarins”, da
Simone de Beauvoir, é exatamente isso. Ela vai mostrar porque que o Sartre vai
apoiar a União Soviética embora saiba que tem campos de concentração com
trabalho escravo. Ele diz que de qualquer forma aqui é que está o progresso e os
EUA são o retrocesso. Mas não se lembrava que havia o terceiro lado. A classe
trabalhadora que estava na União Soviética. Claro, que lutava também e que
vivia nos campos de concentração também. Houve grandes greves nos campos de
concentração e que não estavam nos Estados Unidos. Só podem existir dois lados
com a condição de eliminar o terceiro. Só pode por dois lados nas lutas sociais
com a condição de eliminar a classe trabalhadora. E aí voltamos a minha
resposta à pergunta anterior. Pouca atenção ao cotidiano dos trabalhadores.