20 pontos para iniciar umha discussom de princípios

 

Autonomy

 

 

 


Índice:

 

Apresentaçom - Comunistas Revolucionári@s

 

Quem somos (um trabalho em curso) - Solidarity

 

20 pontos para iniciar umha discussom de princípios - S. Hawkins e C. Wright

 

Umha aportaçom ao debateComunistas Revolucionári@s

 

 

 


Apresentaçom - Comunistas Revolucionári@s>

 

  O seguinte texto foi publicado em Novembro do 2002, no primeiro e único número do falhido periódico estado-unidense Autonomy, «Jornal marxista libertário de teoría, análise e discussom».

  Como pode comprobar-se polo título do texto, o seu objetivo é estimular a discussom, o qual nós assumimos ao publica-lo. Ademais, as questons que planteja tenhem um alcance global para o proletariado, por mais que em certos aspectos podam estar formuladas acorde coa experiência estado-unidense. Por outra parte, hai que dizer que muitas destas questons estám expostas de jeito demasiado sintético, nom quedando clara a sua interpretaçom prática. Isto bem pode ser parte do objetivo consciente ao escreve-lo, co propósito de incitar a discussom.

  Além destes rasgos, e apesar de concordar coa maioria das teses, consideramos que o texto em conjunto –e, por conseguinte, a tendência de pensamento que o inspira- sofre dum defecto fundamental: separar a interpretaçom teórica, da luita de classes e dos seus factores, da abordage teórico-prática da sua superaçom concreta, do desenvolvimento da luita proletária num sentido revolucionário. Ou seja, separar a teoria geral do programa revolucionário, a crítica teórica da actividade prática.

  A teoria revolucionária somentes pode pensar-se dum modo concreto quando se permanece numha perspectiva prática, pois o princípio fundamental da teoria revolucionária nom é um principio ideal, senom um princípio real e efectivo, o principio da praxis, da uniom viva de teoria e prática, tanto como método para conhecer a realidade como para transforma-la.

  Deixando os rasgos mencionados, o texto de Autonomy tem a avantage de entrar directamente em questons de actualidade dentro da luita teórica que os grupos revolucionários da classe obreira temos que livrar frente a toda umha série de ideologias "post-modernas", cujo núcleo comum é a negaçom da classe obreira como sujeito revolucionário e o seu reempraçamento por sujeitos revolucionários abstractos nos que, na prática, a classe obreira deveria diluir-se como tal. Mas o texto nom aborda a crítica dos postulados dessas ideologias dum modo meramente negativo, mas realmente dialéctico, tentando integrar os elementos positivos destas teorias dentro dumha compreensom mais profunda dos problemas da luita de classes e do desenvolvimento do proletariado como sujeito revolucionário.

  Em linhas gerais, através da compreensom da dominaçom capitalista, o texto busca clarificar o modo de fazer-lhe frente e supera-la.

  Por último, alí onde pensamos que o texto requeria dalgum comentário ou aclaraçom de termos, estes encontram-se nas notas ao pe. Contudo, estas notas som só interpretaçons próprias.

  Ainda que o projecto de jornal de Autonomy nom saira adiante, o próprio colectivo editorial está vinculado ao foro virtual Aut-op-sy, dedicado "a explorar a cambiante natureza da composiçom de classe e a luita de classes dentro da máquina do trabalho planetário". Aut-op-sy encontra-se no endereço virtual seguinte:

 

http://users.resist.ca/~jon.beasley-murray/index.html

 

Para entrar las listas de correo e participar nesse foro:

 

https://lists.resist.ca/cgi-bin/mailman/listinfo/aut-op-sy

 

 

 

Quem somos (um trabalho em curso) - Por Solidarity, colectivo editorial de Autonomy.

 

  Sem reclamar estar de acordo com tudo, temos um interesse comum nas ideas e práticas de Karl Marx, o comunismo de conselhos, a Internacional Situacionista, o marxismo autonomista, o movimento de salários para o trabalho doméstico, o anarquismo pro-luita de classes e comunista, os zapatistas e outras tradiçons libertárias obscurecidas ou ignoradas polo marxismo oficial e o pensamento político corrente. A nossa preocupaçom nom é acerca dumha "Teoria Geral" de como o capitalismo funciona (nom o fai!), mas a crítica de como o capital tenta apresentar-se como natural, eterno, racional, necessário, como único modo de viver. Consideramos o nosso esforço crítico como parte do processo da luita, como umha ajuda para despejar o lixo ideológico que está no caminho da nossa libertaçom, e começar a establecer um espaço para algo novo.

  Como indivíduos temos estado e estamos involucrados numha diversidade de luitas diferentes. Alguns esforços do passado tenhem sido ruelas sem saída, replicando, dum modo ou outro, a morte lenta que o capital chama vida. Outros tenhem ofrecido vislumbres de algo mais, de futuros possíveis que nos sustenhem hoje. Neste projecto actual, transportamos a história acumulada durante as nossas vidas colectivas: influências, ideas, experiências, relaçons construidas e às vezes queimadas. Esperançosamente, isto ajuda-nos a evitar a repetiçom das equivocaçons passadas, mas nom hai, claro, garantias seguras. Vemos outro modo de viver, um modo encarnado nas luitas quotidianas e históricas da classe obreira, que chamamos comunismo. O comunismo nom é algum futuro distante, senom a efectivaçom das luitas reais da nossa classe e somentes será realizado como a autoactividade da nossa classe, nom como a obra de partidos ou Estados.

  Nom pretendemos falar de jeito autoritário. Queremos contribuir a um espaço político para desenvolver ideas e discutir práticas. Queremos umha linguage e umha prática políticas que dem sentido às nossas experiências e podam ajudar-nos a ir cara adiante. Cremos que temos algumhas respostas, e sabemos que muito do que passa por respostas som ruelas sem saída, mas temos tamém umha morea de questons. Este espaço está dedicado a esse questionamento e essa luita. Damos bem-vinda à resposta e ao compromisso dos camaradas interessados tamém neste processo.

 

* * *

 

20 pontos para iniciar umha discussom de princípios

Suprina Hawkins e Chris Wright

 

1

  Nas sociedades onde prevalecem as condiçons de produçom modernas, toda a vida apresenta-se como umha imensa acumulaçom de mercadorias.

 

2

  A mercadoria nom é umha cousa, senom umha relaçom social entre persoas, meiada por cousas. As relaçons entre as persoas venhem a existir em forma alienada, como relaçons entre cousas, de modo que a actividade geradora humana desaparece da vista. Dado que o capital é establecido sobre a separaçom dos produtores dos meios de produçom, a separaçom é a cúlmine do capital. Mas a separaçom do fazedor dos meios para fazer nom racha simplesmente o mundo em dous, senom que gera um mundo fragmentado, um reflexo que tem sido quebrado e que está sendo constantemente volto a juntar por forças sociais antagónicas.

 

3

  As "leis do movimento" do capital nom som nada mais que a expressom formal (o modo de apresentar-se) da luita de classes. A luita de classes nom condiciona "leis económicas objectivas" porque nengumhas "leis objectivas" existem fóra da luita de classes, fóra da relaçom antagónica do capital e o trabalho.[i]

 

4

  O trabalho alienado inclue a actividade produtiva total da sociedade, tanto a nom assalariada como a assalariada. O capital apropriou-se de formas de opressom que existiam antes sua, e reorganizou-nas e reformou-nas de acordo coa sua própria organizaçom das relaçons sociais. O trabalho doméstico, o trabalho sexual e o trabalho reprodutivo, predominantemente realizados por mulheres, tenhem aflorado à superfície como umha área de luita clave. Do mesmo modo, o capital nom só tem generizado o trabalho, senom que tamém o racializou. Por conseguinte, o trabalho está racializado, embora de modos significativamente diferentes, ao longo do mundo. Nos EEUU, o trabalho tem sido racializado e re-racializado através da escravitude, a parceria (sharecropping[ii]), a criminalizaçom e a reduçom a um exército de reserva permanente de trabalho, por nomear umhas poucas. Em ambos casos, estas formas de subordinaçom afirmaram-se sobre a negaçom geral dos direitos e do acesso sociais iguais das mulheres e da gente de cor. O trabalho, portanto, sempre existe cumha multiplicidade de jerarquias, nas que umha seiçom da classe (e da sociedade em geral) benefícia-se a expensas doutras seiçons da classe.

 

5

  A mercadoria chega a dominar ao produtor, as cousas dominam às persoas. Alguém duvida que hoje: a) vivemos numha sociedade de produçom mercantil em massa, e que b), a produçom de "cousas" domina aos produtores? Se a produçom de mercadorias é organizada através de 500 corporaçons ou dumha corporaçom capitalista estatal, isto nom cámbia (ou evidência) a natureza da sociedade em absoluto. Contrariamente às diversas opinions expressadas por todos os partidos, o tamanho nom importa, nem importa se ti es explotad@ polo "teu" capitalista nacional ou por capital "estrangeiro".

 

6

  A classe obreira como sujeito revolucionário nom depende de: a) o número de obreiros em "grandes" fábricas compartindo umha experiência comum, b) a obviedade do proprietário da fábrica. A relaçom capital-trabalho emana da separaçom da maioria das persoas dos meios de produçom, e o potencial revolucionário d@s trabalhadores/as emana do facto de que o capital nom é outra cousa que o trabalho alienado d@ trabalhador/a.

 

7

  Dado que o trabalho produz capital, o capital nom é algo "exterior" ao trabalho, numha relaçom de "nós contra eles". O trabalho existe, simultáneamente, "dentro-e-contra" o capital, e ameaça destruir o capital desde o interior. A consciência desta possibilidade e da necessidade de outro mundo somentes vém de dentro da luita, nom importada desde fóra pola (alienada e fetichizada) ciência capitalista ou as organizaçons pedagógicas de massas "armadas co conhecimento científico". @s trabalhadores/as nom som os únicos limitados à consciência tradeunionista (trade union consciousness[iii]).

8

  Claramente, nos EEUU nom vivemos numha sociedade dominada pola manufactura ou pola gigantesca linha de montage fordista de produçom em massa. As corporaçons podem ser maiores, mas o tamanho dos lugares de trabalho fai-se menor e a organizaçom do trabalho cámbia. A confusom leninista da potência d@ trabalhador/a co tamanho do seu lugar de trabalho nom pode ser mantida.

 

9

  As luitas d@s trabalhadores/as, das folgas selvages às folgas de braços baixos, do absentismo à sabotage, ao durmirse no trabalho, todas elas precipitaram a crise para o capital do centro de trabalho "fordista". A resistência d@ obreir@ e a insubordinaçom contra as organizaçons prévias do trabalho alienado tenhem compelido a luitas que resultaram, a pesar das revoltas e revoluçons, na recomposiçom da dominaçom do trabalho polo capital.

 

10

  A resistência da mao de obra à interminável imposiçom do trabalho, à produçom de mercadorias, conduz à necessidade do capital de reempraçar as persoas por máquinas, o trabalho vivo (e a sua insubordinaçom) polo trabalho morto.

 

11

  O capital sobreviveu somentes fazendo d@ obreir@ nom simplesmente um objecto da produçom, mas tamém um objecto do consumo de massas. A linha de montage "fordista", ao desfazer-se dos altos salários [em pago] polos aumentos "garantidos" na produtividade, criou umha crise do controlo do trabalho. Dado que o capital considera todo o tempo de nom-trabalho como tempo perdido, o capital nom pode permitir que o ingresso acrescentado d@ trabalhador/a seja trasladado como tempo disponhível incrementado e actividade improdutiva. Aquí, por vez primeira, entra @ trabalhador/a como consumidor massivo tanto como produtor massivo.

 

12

  O capital tenta mercantilizar todos os aspectos da vida social, criando umha "fábrica social" onde toda a actividade devém subordinada à produçom. O lezer existe somentes como o tempo gastado em preparar-se para mais trabalho. O tempo "livre" custa dinheiro e o espaço social está cada vez mais "Starbucks-eado"[iv].

 

13

  A supressom da relaçom salarial[v] significa que o género, a sexualidade, a raça, etc., convirtem-se crescentemente em prominentes e poderosos pontos de luita. A gente experimenta a vida como mais que produtores económicos. Isto nom é umha debilidade, senom umha parte do poder da humanidade, a sua qualidade multifacética, multidimensional. Cada umha destas relaçons apresenta umha ameaça potencial à capacidade do capital para manter o controlo social, que require dumha classe obreira jerárquicamente estruturada. A projecçom de multiples linhas de luita nom houvo de significar a fim da classe obreira como sujeito revolucionário, senom a produçom de múltiples linhas de ataque contra as relaçons sociais alienadas, incluindo aquelas que criam as jerarquias dentro da classe.

 

14

  A linha de montage "fordista" aperfeiçoou a miséria do trabalho e a sua reduçom a um esforço estúpido e repetitivo. O trabalho fixo-se quase que singular pola sua ausência de criatividade, com exceiçom da criatividade da evasom do trabalho. É a lombos disto que pula a actual crise do mundo "fordista" e d@ "obreir@ tradicional" (e, por conseguinte, a crise d@ "revolucionári@ tradicional").

 

15

  A crise do mundo "fordista" tem significado a tentativa de desenvolver novos meios de controlo sobre o trabalho, tais como o "crédito persoal", e o vóo do investimento na produçom (o lugar da insubordinaçom do trabalho) à especulaçom e às finanças internacionais, ao igual que o empurre da linha de montage "fordista", atravessando o mundo, até lugares onde nom existia previamente. Tem significado, tamém, o aprofundamento do cerco aos espaços comunais, ao  povo (commons), no Mundo da Maioria. Dado que o capital nom pode dispôr já da transacçom salário-produtividade, e dado que temos estado perdendo a luita contra o declínio dos salários, o estilo de vida "fordista" somentes pode comprar-se a crédito. E a déveda tem sido um poderoso fuste.

 

16

  A tentativa de reintegrar[vi] as luitas do trabalho nom assalariado, e as luitas contra outras formas de opressom, tem procedido através da criaçom de cada umha destas como "identidades" positivas, tanto como da sua mercantilizaçom. Justo como coa classe obreira, assí coa raça, o género, a sexualidade, etc., o seu poder provém da sua negatividade, da sua potência como negaçom das relaçons sociais opressivas. A proposta dumha identidade positiva para @s trabalhadores/as, afro-american@s, mulheres, gays e lesbianas, etc., tal e como existimos no aquí e agora, é inevitávelmente reaccionária. Nós somos poderosos como a negaçom do que existe, nom como os produtores do que existe[vii]. É somentes através da nossa negaçom, da nossa luita, que sí podemos criar novas relaçons positivas, relaçons que somentes podem solidificar-se se abolimos a relaçom capital-trabalho[viii], e com ela todas as demais relaçons alienadas.

 

17

  No entanto alguns comunistas libertários e anarquistas concibem a classe em termos da "propriedade privada", "o mercado", a "economia", @ trabalhador/a como equivalente ao "obreiro assalariado" ou, pior, ao "obreiro de fábrica", eles adoptam o mesmo marco de actividade que o leninismo, com conclusons diferentes. A relaçom capital-trabalho nom é simplesmente umha relaçom económica, senom umha relaçom social total; umha relaçom de separaçom e alienaçom, nom simplesmente as formas em que esta relaçom se apresenta. A classe obreira, a encarnaçom humana do trabalho, vive "dentro-e-contra" o capital, ambos como incorporaçom e trascendência. O "contra" existe, portanto, como o rejeitamento de todas as formas da prática humana alienada e de todas as maneiras em que essa prática social alienada se manifesta.

 

18

  Rejeitar a "classe obreira" como "demasiado estreita" confunde a noçom "revolucionária tradicional" da classe obreira como "objecto explotado" com @ obreir@ como sujeito social total, como a produtora (alienada) (e a "negadora") da totalidade da vida social na multiplicidade de formas diferentes nas que se apresenta. A nossa é, mui terminantemente, umha luita de classes, mas nós nom estamos restritos a batalhar somentes como "obreir@s", senom tamém como todos os sujeitos da luita: mulheres, gente de cor, imigrantes, estudantes, etc..

 

19

  A luita de princípios defende a autonomia de cada "sujeito da luita" dentro da classe como um todo, dado que, coas seiçons da classe obreira que derivam benefícios de formas específicas de opressom/jerarquía, nom se pode contar para opôr-se consistentemente a essas formas de opressom/jerarquia. A tentativa de impôr a unidade directa, como os "revolucionári@s tradicionais" e o sindicalismo tende a fazer, baixo a bandeira de "primeiro somos obreir@s", é usualmente autoritária e está inevitávelmente condeada. Mais provavelmente, a unidade terá que ser indirecta: um rejeitamento unificado do capital, cumha multiplicidade de luitas e sujeitos autónomos.

 

20

  As organizaçons que começaram como organizaçons de luita, mas que sobreviviram na ausência das luitas que as criaram, tenhem-se convertido em meios para recuperar e controlar o trabalho. Como tais, falar da "traiçom aos trabalhadores" por parte dumha burocracia sindical que fai tempo que se tem identificado como parte do aparelho de gestom, como lacaia do capital, significa sementar a confusom. Opôr-se, bem à existência da luita de classes ou bem à multiplicidade dos sujeitos, significa suster ao capital na teoria  [ix].

 

Conclusom

  A globalizaçom pode significar tanto: a) a globalizaçom da relaçom mercantil, nom simplesmente no espaço, senom tamém no tempo, assi como o cercamento sem fim polo capital dos espaços e dos tempos fóra do seu controlo, que som mais e mais reduzidos, com todas as subseguintes conseqüências e sofremento, como: b) a luita contra a relaçom mercantil mesma, em lugar de contra as suas conseqüências e efeitos laterais, pola vitória global da associaçom livre d@s produtores/as, comprometid@s na produçom livre, consciente, o que é como dizer vidas enchidas coa livre, consciente e criativa autoactividade, livre de subordinaçom, na que os seres humanos se tenhem convertido no seu próprio autopropósito. Esta é umha conclusom que Marx esboçou hai perto de 150 anos e que, certamente, nom é diferente hoje.

 

 

Umha aportaçom ao debate - Comunistas Revolucionári@s

 

  Ainda que algumhas apreciaçons dos autores nom as compartamos exatamente, temos que dizer que avançam realmente na direcçom correcta, especialmente na sua definiçom da luita de classes e da classe obreira. Somentes sinalar, a este respeito, o nosso ponto de vista sobre três questons teóricas que estám directamente interrelacionadas:

 

  1º) A categoria histórica de "classe social" define a forma da existência humana dentro de determinados modos de produçom da vida social, que som, à vez, modos de reproduçom da mesma.

  Em tanto determinadas polas relaçons de produçom que se establecem objetivamente, as classes sociais som a forma subjetiva dessas relaçons, que umha vez establecidas se volvem independentes da vontade dos sujeitos particulares. Deste modo, as classes tenhem que considerar-se tanto como um aspecto constitutivo como como um produto do modo de produçom e reproduçom da vida real imperante.

  A "integraçom" num único movimento da multiplicidade de luitas que tenhem lugar dentro do modo de produçom capitalista tem que ter presente que o proletariado, no seu nível mais básico, como parte da economia capitalista, está determinado polas características da própria estrutura económica. Isto significa que o proletariado está, na realidade, “desintegrado” de modo “natural” segundo o está tamém todo o processo de valorizaçom do capital -o automovimento do capital-. Este automovimento divide-se em três momentos ou esferas, que à sua vez se autonomizam, conformando os correspondentes sectores gerais da economia capitalista: produçom de plusvalor, circulaçom/transporto, cámbio/comércio.

  O proletariado, considerado como o automovimento da força de trabalho mercantilizada, transcorre em paralelo ao automovimento do capital, atravessa as mesmas fases ou momentos e escinde-se nos três sectores gerais mencionados. Assi, o proletariado divide-se em ocupad@s (produçom) e desocupad@s (circulaçom), mas tamém, assi como o plusvalor tem que transformar-se em dinheiro para voltar como pluscapital à esfera da produçom, @s proletári@s mesm@s tenhem que trocar-se de novo em fontes de valor de cámbio para poder voltar ao sector ao que correspondem. A sua força de trabalho tem que ser reproduzida biológicamente (e actualizada no plano profissional, mas isto nom nos importa agora). Particularmente, @s filh@s d@s proletári@s tenhem tamém que ser transformad@s em fonte de valor de cámbio para que podam ingressar no trabalho assalariado.

  Nom vamos a extender-nos aquí sobre estas e outras divisons e diferenciaçons estruturais que existem no proletariado. Tampouco em todas as estratificaçons que existem dentro das condiçons de trabalho e nível de vida, nem nas divisons políticas e culturais, nem em todas as conseqüências destas divisons, que conformam a multiplicidade "natural" do proletariado tal e como existe -enquanto simples produto do capitalismo, enquanto classe para o capital-. Somentes queremos pôr em claro o caminho a seguer para compreender unitariamente esta multiplicidade sem cair nas abstracçons sobre "multitudes" e ou cousas piores.

 

  2º) Esta análise leva-nos a fugir das visons estreitas do que é o proletariado, definindo-o como o sujeito desposuido dos meios de produçom da sua vida, das suas condiçons de trabalho, que para dispôr delas tem que integrar-se no processo de valorizaçom do capital.

  Destas características gerais se deduz nom só que está obrigado a vender a sua força de trabalho para sobreviver, mas tamém que a sua inserçom no processo de valorizaçom pode adoptar diferentes formas, segundo as funçons do capital particular que o emprega dentro do sistema económico em conjunto. Em cada capital encarna-se mutilado, abstraido, um momento do automovimento total do capital, da sua autovalorizaçom; igualmente, o proletariado na sua existência particular, está tamém por isso mutilado e abstraido em diferentes sentidos. Existem formas diferentes da integraçom do trabalho no capital e, à sua vez, o próprio trabalho assalariado, enquando cindido em diversos sectores, estratificado, "nacionalizado", etc., assume ademais formas externas distintas. Todas estas características diferenciais é preciso analisa-las concretamente e te-las em conta práticamente, para compreender do processo de autodesenvolvimento do proletariado como sujeito consciente através da luita de classes.

  Por outra parte, é preciso compreender que a unidade do proletariado como classe social existe já a nível objetivo, porque o proletariado é umha parte do processo mundial de autovalorizaçom do capital, o qual extende-se cada vez mais a todos os aspectos da sua vida social. O que o proletariado precisa nom é de "unidade", mas de autonomia. A autonomia implica unidade, mas a "unidade" nom necessáriamente implica autonomia. É mais, a verdadeira unidade do proletariado tem que adoptar como ponto de partida todas as divisons existentes dentro do proletariado mesmo, tem que ser umha unidade que parta da multiplicidade e a integre num movimento realmente universal e radical, um movimento que represente a uniom dos diversos pontos de vista e perspectivas práticas imediatos cos interesses essenciais e comuns de autolibertaçom do proletariado como classe, da sua autonegaçom como classe. A este respeito, a autonomia de classe significa que o proletariado se nega a si mesmo como classe cuja vida vem determinada polo capital, que opóm ao automovimento do capital o seu próprio automovimento independente e antagonista.

  Como proletári@s, podemos existir enquanto trabalhadores/as activos, em paro ou em preparaçom como novos criadores de valor de cámbio para o capital. Podemos ser trabalhadores/as industriais, agrarios, de "serviços". Tamém as formas de trabalho pre-capitalistas, tenhem sido subsumidas cada vez com maior intensidade polo capital, indirectamente como o trabalho doméstico nom remunerado, ou directamente como as profissons liberais ou o trabalho escravo, etc.. Deste modo, todas as formas de explotaçom da força de trabalho humana transformam-se em outras tantas modalidades de existência do proletariado, da explotaçom capitalista, ainda que sejam modalidades formalmente nom capitalistas (que nom assumem a forma do "trabalho assalariado", mas si realmente som integradas na produçom e distribuiçom do plusvalor e só podem existir já deste modo).

  Todas as estreiteces e todas as vaguedades do conceito de "classe obreira" hai que supera-las meiante a análise concreta e nom meiante abstracçons ainda maiores. Somentes deste modo pode compreender-se científicamente o que significa a centralidade do proletariado e entender-se as condiçons da sua efectividade real, explicando o modo em que as condiçons particulares de existência dos distintos segmentos do proletariado determinam a sua prática e a sua consciência sociais. De qualquer modo, a possibilidade mesma de que o proletariado se desenvolva como sujeito revolucionário, existe somentes na medida em que se encontra contraposto ao capital; mas contraposto nom dum ponto de vista ideal, senom dum ponto de vista prático e real: como sujeito objetivamente oposto ao capital como automovimento total e capaz de realizar esta determinaçom objetiva actuando de modo autónomo.

 

  3º) O problema da luita de classes e da capacidade revolucionária da classe obreira nom é um problema teórico senom prático. Nom pode resolver-se únicamente por meio da teoria, e em absoluto meiante a teoria que se orienta à interpretaçom do problema, à análise, e nom à formulaçom da forma de praxis necessária. Para nós, por exemplo, carece de sentido falar da relaçom entre unidade e multiplicidade no proletariado sem falar tamém -e pretender seriamente levar à prática, cos meios de que se disponha- dumha superaçom do velho movimento obreiro e do reformismo como praxis. Mas isto nom corresponde a este simples comentário, já que requeriria dum documento extenso, e por outra parte o boletim Ígneo já se dedica a essa tarefa em outros artigos.

  O defecto fundamental de todas as teorias postmodernas sobre a classe obreira consiste em que consideram à classe obreira de modo contemplativo, nom como processo, como autoactividade humana em devir. Por isso tenhem que idealizar a situaçom actual como umha situaçom absoluta, e nom podem formular outra conceiçom do sujeito revolucionário que a da uniom mecánica dos indivíduos soltos tal e como estám dados na sociedade burguesa, em virtude da sua suposta oposiçom ao capital. Com isto quedam à marge os problemas práticos do desenvolvimento real dessa autoactividade, e especialmente os relativos ao processo da consciência que é necessário, sendo reempraçados por abstracçons idealistas.

  Estas ideologias podem aportar elementos novos realmente válidos, ou sinalar quando menos aspectos teóricos pendentes para o pensamento revolucionário -posto que, quando menos em parte, som umha crítica das ideologias do velho movimento obreiro-, mas nom podem superar realmente o reformismo, nem formular umha teoria revolucionaria positiva e concreta desde um ponto de vista proletário. Ao contrário, estám inspiradas polo estado de derrota histórica que sofre o proletariado desde os anos 70 e cujas causas nom tenhem sido ainda resoltas práticamente. Som umha teoria que parte da descomposiçom do proletariado e nom das condiçons necessárias para a sua autoconstruiçom como sujeito revolucionário.

 



[i] Isto é umha posiçom do "operaismo" italiam. Mas este obreirismo está inspirado no leninismo, co qual nom parte da compreensom do automovimento do capital como automovimento do trabalho alienado. A luita de classes é o aspecto subjetivo deste antagonismo entre o trabalho e o capital, mentres que a dinámica do capital é o aspecto objetivo. Certamente, as leis do capitalismo nom som exteriores à luita de classes, pois ambas som a forma em que a actividade humana de produçom e reproduçom da vida está alienada, sujeita a relaçons que escapam ao seu controlo e se oponhem à sua vontade. Mas, deste ponto de vista, as leis do capitalismo som tamém forças reais, nom realidades meramente aparentes. Aquí reside a unilateralidade do operaismo italiám de Mario Tronti ou Toni Negri -e a sua conclusom teórica é a renúncia à perspectiva dialéctica como forma de compreender os processos-.

 

[ii] Sharecropping: sistema de participaçom nos cultivos comum nos Estados Unidos depois da guerra de secessom. Abolida a escravitude, muitos escravistas tinham terras mas nom dinheiro para pagar salários, mentres que @s anteriores escrav@s estavam agora empobrecid@s. Assi, umha vez consolidadas as posiçons da burguesia no Sul, os antigos escravistas desenvolveram nas plantaçons umha nova forma de explotaçom, semi-feudal em apariência. O proprietário adquiria umha participaçom (share) sobre a colheita (cropping) a cámbio de pôr a disposiçom dos trabalhadores a terra, os animais, equipos e sementes, mentres que os trabalhadores proporcionavam a sua força de trabalho e a da sua família.

  O proprietário da terra tamém avançava geralmente crédito para a sobrevivência familiar d@s cultivadore/as. De facto, todas as condiçons de trabalho estavam baixo esta forma semi-feudal do que, em realidade, era já trabalho assalariado. Toda a colheita tinha que ser-lhe entregada ao proprietário da terra, quem além de dirigir o trabalho vendia o gram e levava as contas; assi, os trabalhadores/as quedavam submetidos à sua vontade, e podia na realidade apropriar-se da parte da produçom que considerasse, deixando somentes um salário mínimo de supervivência. A isto somava-se o endevedamento, e que além podiam ter que comprar-lhe ao mesmo proprietário os subministros, alimentos e roupa que a família trabalhadora precisava.

 

[iii] Aquí traduzimos cum anglicismo "consciência tradeunionista", e nom por "consciência sindicalista", pois do contrário a última afirmaçom quedaria desligada do resto da tese. Que "@s trabalhadores/as nom som os únicos limitados à consciência tradeunionista" parece fazer referência ao sentido de "uniom de oficio" (trade union) e nom ao sentido de "sindicato", para ponhe-lo em relaçom coa "ciência capitalista" e as "organizaçons pedagógicas de massas", semelha que no sentido de que os intelectuais tenhem tamém umha "consciência de ofício" como elite especializada nas tarefas de 'direcçom de massas'. Entom, a própria idea de que a consciência provém de fóra do movimento de massas é considerada tamém como a "consciência de ofício" da intelectualidade, precisamente no sentido dumha forma de consciência restrita aos interesses imediatos e às condiçons dadas da sociedade capitalista.

 

[iv] Aquí entendemos que se quere dizer: dominado polas grandes corporaçons capitalistas. "Starbucks" é umha cadea estadounidense de cafeterias com sede em Seattle, caracterizada pola utilizaçom de produtos tratados genéticamente e procedentes da gandeiria hormonada.

 

[v] Semelha que com "supressom da relaçom salarial" refirem-se à sua supressom entanto consideraçom teórica reducionista da classe obreira como sujeito social. Poderia, nom obstante, interpretar-se num sentido prático, no sentido de que a decadência do capitalismo provoca umha intensificaçom das luitas contra as formas de opressom particularizadas como o gênero e a raça.

 

[vi] Dado que logo falam em contraste coa classe obreira e o desenvolvimento da sua identidade como classe, entende-se que se refirem a "reintegrar" na luita de classes capital-trabalho as luitas do trabalho nom assalariado e contra outras formas de opressom.

 

[vii] Nom obstante, podemos negar o que existe num sentido dialéctico, superador e nom meramente destrutivo, somentes porque somos tamém o seus produtores.

 

[viii] Aquí sae à luz a tendência pouco prática dos autores. A possibilidade de criar novas relaçons sociais e de "solidifica-las", no sentido de faze-las consistentes e estáveis, nom depende da existência da relaçom capital-trabalho, senom da existência dum movimento de luita capaz de criar e sustentar autónomamente tais relaçons. O proletariado nom possue mais forças produtivas que a sua força de trabalho, o conjunto das suas capacidades reais como potenciais; a diferência das classes revolucionárias precedentes, a luita do proletariado nom se sustenta numha base económica independente da sua luita, senom que o seu próprio movimento organizado constitue, ao organizar ao proletariado mesmo como força produtiva, essa base material, o embriom do modo de produçom comunista.

 

[ix] Aqui "suster ao capital na teoria" o entendemos em dous sentidos: 1) que a teoria justifica a realidade social tal e como está determinada polo capital, para o caso a subordinaçom da classe obreira à valorizaçom do capital e a sua uniformizaçom mercantil; 2) que a teoria mesma funciona como justificadora dumha prática que impide o desenvolvimento da luita de classes e da multiplicidade subjetiva.

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