"John Van Nostrand Dorr 2nd, ou Jack Dorr, será
sempre lembrado no Brasil entre os que militam nas Geociências, pela amplitude dos horizontes que abriu à
investigação geológica. Seu nome se destacará dentre os de outros norte- americanos que contribuíram para o
conhecimento do nosso subsolo em grau comparável ao de Orville A. Derby que dedicou a própria vida ao país, no
início deste século.
O ponto de partida da obra de Dorr no Brasil foi a missão recebida do Serviço Geológico dos
Estados Unidos, em meados de 1941, de avaliar as reservas de minério de manganês do Morro de Urucum, no então
Estado de Mato Grosso. Tratava-se de tarefa importante dentro da conjuntura político econômica: o Brasil sempre
fora grande fornecedor de manganês à siderurgia norte-americana, mas a entrada dos Estados Unidos na Segunda
Guerra Mundial já se prefigurava como inevitável e as reservas do Morro da Mina, em Lafaiete, MG, até pouco
tempo o maior produtor desse minério no mundo, caminhavam para o esgotamento. Estimativas do Morro de Urucum
sugeriam que suas reservas poderiam se tornar vitais, mas o conhecimento das mesmas era escasso, a despeito do
trabalho regional de M.A. Lisboa e de uma empresa operar uma mina no local.
Junto com o trabalho geológico de Urucum, Dorr iniciou um relacionamento com jovens geólogos
brasileiros, seus coadjuvantes, e foi aos poucos ganhando experiência com o Brasil e os seus costumes, o que,
alguns anos mais tarde, passou a orientar sua própria carreira.
Sua grande oportunidade foi o projeto de levantamento do Quadrilátero Ferrífero de Minas
Gerais, iniciado e dirigido por ele e, para cuja execução, contribuíram, além de profissionais de outras áreas,
mais 17 geólogos, a maioria do Serviço Geológico dos Estados Unidos que participaram por intervalos de tempo
variáveis, entre 1947 e 1962. A função de Dorr como geólogo foi sobrecarregada com a de dirigente, coordenador e
crítico de um grupo heterogêneo, tarefa que desempenhou com habilidade. O resultado de conjunto aponta para uma
problemática científico-econômica que ainda tem muito a ser investigada com proveito, para não mencionar os
benefícios práticos imediatos relativos à orientação dada aos operadores das minerações do Quadrilátero.
John Van Nostrand Dorr 2nd nasceu a 16 de maio de 1910 na cidade de Nova Iorque. Até atingir
idade adulta, viveu em Nova Iorque, Nova Jersey e na Nova Inglaterra. Filho de família influente e abastada (seu
pai foi conselheiro do Presidente Wilson), cultivou o gosto de velejar nas férias, gosto que manteve por toda a
vida a despeito de buscar outras emoções como a canoagem e de haver viajado pelo Pacífico, via Canal do Panamá,
como tripulante de um petroleiro. Cursou a Universidade de Harvard sem objetivo profissional, bacharelando-se em
1932 em Literatura Inglesa, passando, a seguir, um ano a viajar pela Europa. Empregou-se em uma missão econômica
americana na Turquia, quando conheceu sua primeira esposa, Mary Elizabeth Brigham.
Nessa ocasião, descobriu sua vocação para a geologia o que o levou a cursar três anos na
Escola de Minas do Colorado e, depois, a trabalhar um ano para uma companhia petrolífera no oeste do Texas.
Este, porém, não era o tipo de trabalho que o interessava; deixou-o para ingressar no Serviço Geológico dos
Estados Unidos, onde fez sua carreira definitiva. Seus primeiros anos nessa instituição seguiram o quadro normal
de um geólogo júnior, sendo orientado por colegas mais maduros em uma diversidade de situações geológicas do
oeste dos Estados Unidos e do Alasca, relacionadas a carvão, níquel, tungstênio, além de geologia regional. Foi,
assim, se preparando para sua primeira missão no exterior, a saber, o levantamento das reservas de Urucum.
Concluído este último trabalho, os Estados Unidos entraram na guerra e as atribuições de Dorr
mudaram, com permanência longa na sede do Serviço Geológico, pontilhada por viagens curtas ao exterior para
observação de jazidas in loco. Ao término da Segunda Guerra Mundial sua vida entrou em uma nova fase: divórcio,
casamento com Ann Pierce, trabalhos de campo no oeste do país e na Região Ferrífera dos Grandes Lagos e, depois,
sua atividade mais extensa no Brasil. Aqui chegou com a esposa e um filho em gestação para iniciar o
levantamento da geologia e dos recursos minerais do Quadrilátero Ferrífero, o grande projeto acordado entre o
Serviço Geológico do Departamento do Interior dos Estados Unidos e o Departamento Nacional da Produção Mineral
do Ministério da Agricultura do Brasil.
Durante a vigência desse projeto, Jack Dorr teve oportunidade de visitar a importante jazida
de minério de manganês recém-descoberta na Serra do Navio, no Amapá, a convite do seu concessionário Augusto A.
Antunes, o qual, posteriormente, conseguiu apoio financeiro nos Estados Unidos para desenvolver a mina. Também
visitou jazidas em várias partes da América do Sul e da Índia, em viagens curtas.
Encerrados os trabalhos de campo no Quadrilátero, Dorr regressou aos Estados Unidos em 1962,
tendo sido designado para coordenar os assuntos do USGS relativos a manganês, visitando todas as jazidas nos
Estados Unidos e as principais de outras partes do mundo, com exceção da Austrália. Jack Dorr publicou mais de
50 trabalhos científicos, merecendo destaque suas publicações pelo USGS e os artigos em Economic Geology sobre
geologia e recursos minerais do Brasil, além dos trabalhos apresentados nos Congressos Geológicos Internacionais
do México e da Escandinávia. Seus Professional Papers sobre o distrito de manganês e ferro de Urucum, de 1945, e
sobre os levantamentos feitos no Quadrilátero Ferrífero, de 1969, são dois clássicos da literatura internacional
sobre as chamadas formações ferríferas bandadas.
Ao se aposentar do USGS, em 1975, Dorr passou um breve período como geólogo consultor no
Brasil e alhures seguido de um ano de lazer em que velejou entre o Maine, Flórida e as Bahamas. Nos anos
seguintes, viveu nos arredores de Washington D.C., intercalando viagens à América do Sul e à Europa. Tinha
prazer em ser um "globe- trotter" que havia molhado os pés em quase todos os oceanos. Orgulhava-se do sucesso
profissional de sua mulher, Ann Pierce, educadora na área de recursos naturais, bem como de seus três filhos.
Tendo vivido no Brasil durante um tempo em que a profissão de geólogo se estruturou, Dorr
estimava que a profissão de geólogo se estruturou, Dorr estimava que sua participação nesse processo fora um
ponto alto de sua carreira. O levantarnento do Quadrilátcro Ferrífero deu oportunidade de estágio a muitos
estudantes, enquanto jovens docentes e técnicos de institutos universitários foram encaminhados para bolsas de
estudos do USGS em universidades americanas. Por outro lado, a nascente Sociedade Brasileira de Geologia teve
seu total apoio, tendo a equipe de Dorr, na época, criado o seu Núcleo de Minas Gerais. Seus debates com
geólogos de prestígio no meio educacional foram fonte de sugestões para a implantação dos cursos de geologia no
país.
Jack Dorr foi membro das seguintes sociedades profissionais: American Association of
Petroleum Geologists; Society of Economic Geologists; Geological Society of America; Sociedade Brasileira de
Geologia e do seu Núcleo de Minas Gerais, Geological Society of India; Geological Society of Washington, D.C.;
IAGOD, tendo pertencido à diretoria de algumas delas. Foi também sócio do Kosmos Club de Washington D.C..
Recebeu os seguintes prêmios em sua carreira profissional: Diploma de Honra-USOM, 1956;
Diploma de Honra- Internacional Cooperation Administration, 1959; Medalha Tiradentes do Governo do Estado de
Minas Gerais; Medalha José Bonifácio da Sociedade Brasileira de Geologia, 1964; Doutor Honoris Causa da
Universidade Federal de Minas Gerais, 1966, e Diploma de Honra do USGS.
John Dorr morreu em 23 de dezembro de 1996, em Bethesda, Maryland."
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JOHN VAN NOSTRAND DORR II
(Booklet with 8 pages in Portuguese and English (no indication of date or author; two
respectable geologists acknowledged the authorship: Aloísio Licínio de Miranda Barbosa e Paulo de Oliveira
Nogueira, both now living in Belo Horizonte).
John Van Nostrand Dorr II (Jack Dorr) was born in New York City on May 16, 1910. He grew up
in New York, New Jersey, and New England with summers on Long Island where sailing became a special lifelong
pleasure. Camping and canoeing trips in the Canadian wilderness, a summer in the Rockies, and a trip as crew on
an oil tanker through the Panama Canal and up the Pacific coast gave him first hand acquaintance with a wide
variety of natural systems and processes.
After graduating in 1932 from Harvard University with a major in English literature and no
real focus or plan for a career, he set off for a year's wanderjahr in Austria and elsewhere in Europe, an
interesting and educational experience, especially being exposed to the conflicting political and ideological
facets of life there. Nazism was just starting. The following year he went to Turkey as chief cook and
bottlewasher for an economic mission under Brehon Somervell, then a major. There he met his first wife, Mary
Elizabeth Brigham, and thanks to trips into the countryside with Sidney Paige, discovering what was to be his
future profession, geology.
Three years at the Colorado School of Mines gave him the basic equipment, a year in the oil
patch of West Texas gave him the realization that he was not cut out to be a commercial geologist. He then moved
into field and research geology with the U.S. Geological Survey, where he stayed the rest of his career. Coal,
tungsten, regional geology, nickel - he was an itinerant young cub moving constantly through the west and
Alaska, absorbing from his betters, trying out new ideas and techniques.
In 1941 he spent six months on the Brazilian-Bolivian frontier, studying the largest
manganese deposit of the hemisphere. Then came World War II, when he was deskbound in Washington, largely
responsible for the Survey's efforts to find strategic minerals and metals in foreign countries, punctuated by a
number of trips for a first-hand look.
After the war: divorce, remarriage to Ann Pierce, work in the West and the iron country; then
back to Brazil with a pregnant wife and one of the plum field geology jobs of the Survey, organizing and
carrying through a study of the regional geology and the great iron and other mineral deposite of the richest
part of Minas Gerais, in cooperation with many Brazilian and American geologists and engineers.
He was fortunate enough to have a role in the early development of the great Serra do Navio
manganese mine in Amapa, and helped develop the iron mines of Itabira and elsewhere in Minas Gerais The object
was to provide solid resource information that could be the basis of financing and development. He also helped
in the early years of the Geological Society of Brazil and the Núcleo of Belo Horizonte He worked with noted
Brazilian geologists to establish schools of geology in Brazilian universities, a pioneering effort that led to
the present well established profession. He was implementing plans laid by outstanding Brazilian geologists,
working with the USGB, University of São Paulo, DNPM, and other entities.
Interspersed with the main job were shorter ones in India and other parts of Latin America,
all of which were fascinating and to some of which he could make substantial contributions.
Dorr returned to the United States in 1962. He was appointed the manganese specialist for
those USGS and visited all known deposits in the US as well as all the known important manganese deposits in the
world except for those in Australia. His work throughout Brazil and elsewhere resulted in more than fifty
publications. Of these, the most important are on geology and ore deposits in Brazil as Professional Papers by
the U.S.G.S. and in the Journal of Economic Geology and on iron and manganese deposits in general by the
International Geological Congresses in Mexico and Scandanavia.
He retired from the USGS in 1975 and spent several months in consulting work in Brazil and
elsewhere. Then he really retired, spending a year cruising in his sailboat between Maine and Florida and the
Bahamas. The later years were spent in the Washington, D.C. area with many trips to Europe, South America, and
elsewhere. He was particularly pleased to have wet his feet and sailed in every ocean but the Antarctic Sea. He
was also proud of the careers of his wife and all three children.
He was a member of the following professional societies: American Association af Petroleum
Geologists; Society of Economic Geologists; Geological Society of America; Geological Society of Brazil, Nucleo
of Belo Horizonte; Geological Society of India; Geological Society of Washington (DC); IAGOD. He served as an
officer in several of these. He also was a member of the Cosmos Club of Washington, DC.
Dorr considered that his greatest contribution came from efforts to improve geological
education in Brazil by serving on a Brazilian presidential committee, by working with Brazilian students in the
field, by helping to select and send young Brazilian professors and graduate students for foreign study, and by
helping organize professional geological societies. He received the following awards in his professional career:
Honor Award, USOM, 1956; Honor Award, International Cooperation Administration, 1959; Tiradentes medal, State of
Minas Gerais, Brazil; Jose Bonifacio Medal, Geological Society of Brazil, 1964; Doutor, Honoris Causa, Federal
University of Minas Gerais, 1966; and an honor award from the USGS.
John Dorr died on December 23 1996, in Bethesda, Maryland."
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NOTA: Porque foi uma pessoa que influiu diretamente em minha
carreira profissional, que me demonstrou amizade e a quem muito respeitei, considerei providencial encontrar uma
interessante biografia de John Dorr para abrir esta série "Geólogos do meu tempo". Devo essa fonte a uma
gentileza do Prof. João da Rocha Hirson. Embora o livreto não indique sua autoria, foi escrito, conforme me
confirmaram ambos os autores, por Luís de Oliveira Castro e Aloísio Licínio de Miranda Barbosa, de Belo
Horizonte, que permitiram sua utilização aqui. No entanto, não significa isto que seguirei um critério de
amizade pessoal na seleção de biografias. Interessa-me reunir material sobre todos os que atuaram na promoção da
Geologia no Brasil até o primeiro Congresso da Sociedade Brasileira de Geologia realizado em Brasília. Até então
pode-se dizer que fora escrita a "pré-história" da Geologia no Brasil. Sou um desses "pré-históricos".
Enquanto trabalhei como auxiliar do geólogo Robert Reeves, a quem depois dediquei a tese do
meu doutorado em geologia, tive oportunidades diversas de estar com John Dorr, tanto no escritório da Missão
Geológica na rua da Bahia, em Belo Horizonte, quanto nas áreas de mapeamento geológico, em Itabira e em
Monlevade, participando uma vez de uma reunião no gabinete do Chefe do Departamento Nacional da Produção
Mineral, no Rio de Janeiro, quando ele me apresentou ao Dr. Avelino Inácio de Oliveira, chefe do Departamento.
Foi motivo de satisfação para mim poder ajudá-lo durante o Congresso Brasileiro de Geologia de Belo Horizonte,
em 1958, congresso cuja organização fora praticamente toda de sua responsabilidade. Na véspera das excursões,
como os encarregados de preparar os roteiros impressos não puderam realizar o trabalho, eu assumi a tarefa de
ajudar na sua preparação e colocá-los em mãos do Dorr na manhã seguinte, no salão da Sociedade Mineira de
Engenheiros. Recebi dele um esfuziante abraço, estalando palmadas em minhas costas e dizendo: "Rubem, você é meu
amigo".
John Dorr tinha uns maneirismos que, em sua pessoa, pareciam criar simpatia. Além de seu modo
meio sorrindo, meio confidencial e atencioso de falar, onde estivesse em pé, punha-se a balançar o corpo para a
frente e para trás; e quando dirigia, avançava um pouco o peito sobre o volante, o cigarro ao final da piteira
quase a tocar o pára-brisa, parecia ter sempre pressa em chegar ao destino.
Além daqueles contactos ensejados pela atividade profissional, aconteciam também pequenas
reuniões sociais e festas em casa de geólogos, inclusive uma que dei, em casa de meus pais. Encontramo-nos algum
tempo depois quando passou com sua mulher pelo Recife, em casa de John Stark, na praia de Boa Viagem, ocasião em
que o Núcleo da Sociedade Brasileira de Geologia local fez uma reunião extraordinária no salão nobre da Escola
de Engenharia, para homenageá-lo. Outro momento especial foi o almoço, a convite seu, em 1964, em companhia
também do Robert Reeves, no refinado Clube Cosmos, em Washington, onde mulheres não entravam, motivo de Dona Ann,
sua esposa, ocupar-se de minha mulher com um pequeno giro pela cidade, enquanto almoçávamos.
Alguns anos mais tarde, representando o Ministro do Interior, encontrei John Dorr pela última
vez, em uma reunião no Gabinete do Ministro das Minas e Energia, em que se discutiu o potencial das reservas de
manganês do Brasil. |