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DOM BELTRANO DA ABADIA DE SÃO SICRANO
por
Rubem Queiroz Cobra
Um ruído típico de motor e engrenagens, absolutamente estranho em meio à caatinga seca, vinha de algum ponto à nossa frente. Barbosa instintivamente tirou o pé do acelerador. Surpresos, os dois apuramos o ouvido e, em alerta, com a rural rodando em silêncio, quase só ao próprio embalo, prosseguimos pela estrada estreita, sinuosa e lisa, marginada de frágil galharia desprovida de folhas, sem bichos e sem pássaros, e antes também sem nenhum som, salvo o de gravetos quebrados contra as laterais do carro. Súbito abriu-se uma clareira à nossa frente, e era de onde vinha o matraquear, o ranger nervoso, o barulho de correntes e das explosões fumarentas de um motor que parecia realizar seu esforço máximo. Era uma sonda com sua torre. Dois homens vestidos de macacões controlavam com gestos lentos a atividade convulsiva e estrepitosa do equipamento. Avizinhei-me deles, caminhando e saltando por sobre canos abandonados em desordem pelo chão. Só deram por mim quando alcancei o seu campo de visão. O mais idoso desligou a talha e reduziu o ritmo do motor, para me ouvir. Responderam-me que o objetivo do trabalho era medir a profundidade da rocha calcária e descobrir o que havia abaixo dela, além de verificar a existência de água no subsolo. Uma grande placa, levantada mais adiante, dizia que a obra era do Governo Federal. Deixei com os homens o meu cartão e um pedido para que o engenheiro responsável me procurasse na hospedaria de Aprazível, pois eu tinha interesse nos resultados do furo e lhe daria informações úteis sobre a geologia da região. Não posso falar do personagem principal desta história sem antes fazer uma breve descrição de Aprazível, um local com um posto de gasolina e uma hospedaria à beira da estrada, a pouca distância de Sobral, contornando-se pelo sul a Serra do Rosário. Era a melhor opção de hospedagem pelo menos num raio de uns duzentos quilômetros à sua volta. É verdade que havia um hotel em Sobral, em sua avenida principal, porém tinha muitas baratas, e nos quartos apenas um pau no centro para se armarem as redes. Não houve como me instalar ali. Em Aprazível, a fresca sombra do telhado alto do seu posto e a limpeza das acomodações fazia o ponto realmente atraente na ensolarada chapada da caatinga. Ali se abasteciam os caminhões que trafegavam pela escaldante e poeirenta estrada federal demandando o Piauí, e os que vinham do norte, de Coreaú, ou do sul, pela estrada de Mocambo, esta última aberta durante a seca anterior como frente de trabalho para os flagelados. Todo esse tráfego mantinha o posto e o restaurante movimentados o dia inteiro. Atrás das bombas de gasolina ficava a entrada da hospedaria, e também a porta-janela de uma pequena venda de secos e molhados normalmente aberta nas manhãs de sábado, e apenas para o atendimento excepcional de algum freguês nos outros dias da semana. O cômodo servia também de capela, de raro em raro, para os casamentos de trabalhadores das fazendas próximas com bonitas sertanejas do lugar. Para hospedagem, propriamente, não havia mais que umas duas dezenas de quartos, com seus armadores de rede, uma lâmpada elétrica pendurada a uma ripa do teto, e uma mesa onde se podia trabalhar; dispostos em forma de claustro, abriam para uma varanda à volta de um pátio interno retangular, sob cujo piso eram armazenadas as águas de chuva vertidas dos telhados. Esse piso era suficientemente espesso e forte para sustentar danças em ocasiões de festa, que me disseram aconteciam ali, embora eu não tivesse presenciado nenhuma. O restaurante, oculto e protegido da poeira do tráfego, abria-se unicamente para a varanda interna, à direita da entrada. A hospedaria, com seu posto de gasolina, era parte de um projeto inusitado. Desejava-se que, por sua posição privilegiada na confluência de três estradas, fosse o germe para uma futura cidade. Por isso, no descampado ao poente, iniciou-se, próximo à hospedaria, a construção de uma igreja e de uma cadeia. As obras estavam paradas e os dois prédios, ainda sem os telhados, eram apenas sólidas paredes desnudas, de tijolos-furados vermelhos, com vãos deixados para as futuras portas e janelas, como ruínas que o clima árido prometesse conservar por milênios. Curiosamente a futura prisão, apesar de sem o teto, tinha alguns vãos de janelas já com suas grades de ferro. A igreja – também descoberta – tinha a sua torre, nua e imponente, porém ainda sem sinos e cobertura. Naquela tarde, ao nos avizinharmos do Posto, vi um caminhão parado frente à projetada cadeia, à sombra que se estendia da projetada igreja. Em sua carroceria de grades baixas vislumbrei vultos de sertanejos com seus chapéus de couro, acocorados, e dentre eles despontavam hastes que lembravam canos de carabinas, e algumas foices. Sem dar maior atenção ao fato, sorri para mim mesmo por estar tomando um bando de pobres camponeses, com seus farrapos de chapéus de palha, seus bordões e ferramentas, por um grupo de heróicos cangaceiros de outros tempos, com seus fuzis e chapéus de couro carregados de estrelas. Depois de refrescado pelo banho, agora com roupas leves e limpas, encaminhei-me para o pequeno restaurante, na ponta do pátio. Animou-me a conversa alegre e os risos de uma freguesia aquela tarde mais numerosa que o usual. Sentava-se onde houvesse vaga, em qualquer das mesinhas de forro xadrez vermelho; escolhi pedir licença – para sentar-me à sua frente –, a um homem de meia idade, com um colarinho clerical, evidentemente um religioso. Tinha feições muito pálidas, contrastantes com a sua amarfanhada camisa preta. ― Vem de longe? – perguntou-me, de modo manso e reservado. ― Estou hospedado aqui. Faço um levantamento geológico na região – disse-lhe. Notei que, com a minha resposta, voltaram-lhe as cores. Não tinha a tez assim tão pálida quanto de início me parecera. O mirrado garçom, muito ativo e eficiente para atender a tantos fregueses, logo colocou diante de mim a minha porção de arroz, macaxeira, feijão, e uma preciosa tigelinha que anunciou com cerimônia, a meia voz: “Arribaçã”! O religioso, agora mais amigável, observava divertido como eu corresponderia à expectativa de aprovação do garçom, pela excepcionalidade de um prato dos mais apreciados na caatinga. ― Arribação!...Hoje é dia de festa? – comentei, voltando-me para o rapaz. Foi o suficiente. Com uma expressão de satisfação, ele se afastou para buscar a cerveja que, de hábito, eu tomava ao jantar, com uma pitada de sal. ― Com que finalidade faz o estudo geológico? – indagou o religioso. ― Não sabemos o que poderá revelar – retruquei –, mas uma das principais preocupações do Governo no Nordeste é com a falta d'água. O mapeamento poderá indicar locais favoráveis para poços profundos – expliquei. ― Dar água a quem tem sede é uma das Obras de Misericórdia – retrucou ele, como um cumprimento. ― O senhor é de qual ordem religiosa? ― Sou um frei, da ordem de São Sicrano. Sou frei Beltrano. Não me surpreendi. Sabia que ordens religiosas medievais vindas para o Brasil em outras épocas ainda sobreviviam nos lugares mais improváveis do sertão, graças às discretas – e também parcimoniosas – transferências de recursos de suas distantes matrizes européias. Frades barbudos – ou rosadas, solenes e rigorosas freiras alemãs – dirigiam belos estabelecimentos, cujo conforto e limpeza representavam verdadeiro luxo naqueles sertões. Neles os respeitáveis negociantes e pequenos fazendeiros desejavam que os filhos aprendessem a ler e escrever, e as filhas a bordar, para que pudessem aspirar a uma vida melhor, longe da lide sertaneja. No entanto, como acontecia a cada geração, a criançada branca, em impecáveis uniformes azul e branco, que saía pelos portões dos colégios nos fins de tarde, haveria de apenas suceder, nos seus rincões, aquelas cansadas e frustradas – mas tenazes – elites do sertão. No entanto, me dei conta de que nunca ouvira falar em São Sicrano. – Com certeza um santo conhecido somente na Europa – pensei. O frei poupou-me perguntar-lhe sobre a sua Ordem. Explicou que, pelo início do século XVII, frei Nessuno, confessor da esposa de um duque, ouviu o pedido da senhora para que cuidasse de uma criança havida em adultério, dizendo-lhe que, se ele salvasse aquela criança de ser mais tarde um criminoso, o pecado que ela havia cometido ficaria aliviado, sua falta menos grave, sua alma estaria já parcialmente redimida. O confessor fez o que lhe foi pedido: conseguiu que um rico e piedoso burguês adotasse o menino. Porém, foi tocado pelo significado das palavras da mulher: que o rico mercador, ao adotar a criança ilegítima, reduziria as conseqüências más do pecado por ela cometido, e faria diminuir o demérito de sua alma pecadora perante Deus! Desse modo, o caridoso burguês participaria com Nosso Senhor Jesus Cristo no mistério mais santo que havia em relação ao homem, a Redenção. Empolgado com esse novo aspecto que via na caridade, quando esta não visava mérito para quem a praticava e também não visava diretamente alívio para quem a recebia, mas era feita na intenção da salvação de terceiros inteiramente ausentes ou desconhecidos, frei Nessuno decidiu fundar uma ordem religiosa, sob a invocação de São Sicrano, para ampliar sua ação. Ele e os seus religiosos encontrariam voluntários para adotar crianças havidas em pecado ou vítimas de qualquer crime. Buscariam também casamentos ou rendas para viúvas de maridos assassinados, ocupação e abrigo para moças seduzidas, e empréstimos para os que fossem arruinados por seus inimigos. Fariam tudo na intenção de que, uma vez a situação remediada, resultasse então menor culpa dos malfeitores, para que estes mais facilmente fossem alcançados pela Graça, e encontrassem a conversão e a salvação. Subitamente, o frei interrompeu sua narrativa. Aparentemente alguém à entrada do restaurante chamou sua atenção e isto fez que lhe voltasse a palidez que eu notara antes. Percebi que um homem de grossos bigodes – certamente quem o frei vira por cima dos meus ombros – procurou uma das mesas, e pareceu-me que escolhera uma de onde podia nos observar. A conversa alegre e os risos continuavam, como se alguma comemoração – de que não houvera aviso – fizesse daquela, uma tarde especial. Na cozinha, que se via por uma janela larga de comunicação, labaredas vigorosas lambiam a boca do fogão e penetravam pelas frestas da trempe de ferro; no preparo apressado de tantos pratos, vultos agitavam-se e se davam ordens urgentes, em meio a uma profusão de vapores que subia das panelas e ao chiado das frigideiras. Vez por outra estouravam fagulhas: a lenha da caatinga nem sempre era tão seca como era de se esperar. O fogo parecia fazer a parte pirotécnica da imaginada celebração. O homem de bigodes entreteve-se logo com o garçom, e então voltei minha atenção novamente para frei Beltrano. ― Afinal – perguntei para reatar a conversa –, conseguiu frei Nessuno o seu intento? ― Sim – afirmou ele retomando, um pouco lento, a sua história. Disse que um nobre, belo e rico jovem alemão que visitava o ducado, Peter Niemand, por influência da duquesa – que lhe havia dito o quanto frei Nessuno era caridoso e de quanto estava obcecado pela fundação de uma nova ordem –, prontificou-se a custear a construção da primeira casa para abrigo dos religiosos. Em breve as idéias defendidas na abadia de São Sicrano se tornaram conhecidas, e atraíram muitos para a ordem. Entre esses, surgiu um monge espanhol, frei Ninguno, que solicitou residência no mosteiro. Homem culto, trouxe consigo sua biblioteca no lombo de várias mulas. Ouvira falar dos votos dos monges de São Sicrano e desejava integrar-se no trabalho. Na verdade – narrou o frei –, era um fugitivo de seus próprios compatriotas. Participara de um levante de camponeses no reino de Nápoles, a parte sul da península italiana que, na época, pertencia à Espanha. O Vice-Rei espanhol executara os principais cabeças da revolta, que fora interpretada como um levante político. Mas, o que os monges queriam era apenas que o povo sofresse menos naquelas paragens onde a terra era pedregosa, a água pouca, e os espanhóis tiranos. Ao ouvir a confissão do frei espanhol, frei Nessuno caiu em grande prostração. Deu-se conta de que sua luta pela atenuação das culpas seria uma obra muito limitada, insignificante. O povo era órfão, e a quem confiar tantos órfãos? Quem poderia adotá-los? Quem poderia amparar tantas viúvas, dar abrigo e trabalho a tantas moças violadas, ou emprestar dinheiro a tantos espoliados? Impossível! As culpas daqueles senhores arrogantes Frei Nessuno não encontraria quantos as pudessem suavizar, de modo que, por efeito da reparação havida, Deus se comovesse e fosse misericordioso com aqueles pecadores. Era necessário abraçar o martírio, disse Frei Ninguno citando, de um de seus inúmeros livros, o Santo Papa Gregório VII, o qual, ajudado por São Pedro Damião, havia lutado contra poderosos senhores e perdera sua batalha. Dissera ao morrer: “Amei a justiça, odiei a iniqüidade, por isso, morro no desterro.” Não, nem mesmo a Igreja poderia fazer qualquer coisa contra tal injustiça, tão geral, tão extensa. Era necessário transformar a sociedade em uma república comunitária cristã e racionalmente organizada, como havia pregado o famoso sábio frei Tommaso, um dos rebeldes presos e que escapara ao martírio fingindo-se de louco. Mas, nos debates realizados no convento, frei Nessuno se opunha a que os pobres devessem empunhar armas pela igualdade, pois muitos pereceriam nessa batalha, dizia ele. ― Como vê, caro geólogo – disse o frei sorrindo com tristeza –, as coisas hoje não são muito diferentes do que eram há quase quinhentos anos. Os ricos apoiam os políticos e estes retribuem, concedendo aos ricos ainda mais privilégios, marginalizando o povo. O frei, então, sentenciou: ― Os cristãos que vivem em uma sociedade injusta vivem no pecado e não poderiam receber os sacramentos, a menos que repartissem os seus bens. Senti-me chocado com o radicalismo nas palavras do frei, e objetei: ― A existência de pobres em uma sociedade não significa que essa sociedade seja injusta. O próprio Cristo disse: “Pobres, sempre tereis entre vós.” – E como seria possível uma igualdade social? Ou uma distribuição igualitária de todos os bens materiais? Pois o bem material não tem geração espontânea, não está aí por si mesmo, para ser distribuído. O bem material precisa ser inventado. Sua criação – continuei – depende de muito estímulo à criatividade das pessoas e o principal estímulo não é propriamente a riqueza, o lucro: é a liberdade de buscar uma conquista, qualquer que seja, o que nos deixa felizes. – E concluí: – Rockefeller disse: se há oportunidade igual para todos, então não há injustiça social. O frade pareceu não me ouvir, ou o nome do ricaço o irritou. Havia terminado seu jantar. Não fizera caso da cerveja que eu lhe oferecera e parecia tão inquieto como se, naquele clima de festa, soubesse que a felicidade não iria até o fim. Sua voz, em geral macia e pausada, estava – para mim – em desconfortável contraste com a inquietação de seus olhos. ― Desculpa-me, frei – prossegui –, mas acho que o homem não será feliz pela magia de algum sistema racional pensado por algum teólogo ou filósofo. Ao falar em empunhar armas, me parece que esse frei Ninguno pretendia roubar do homem essa coisa dada por Deus, a Liberdade! – Mas – indaguei – o que aconteceu ao frei rebelde? ― Renovadas suas forças nos debates, frei Ninguno retornou à Calábria a fim de prosseguir sua luta. Foi preso. A Inquisição espanhola pediu que fosse encaminhado para Sevilha. E não se teve mais qualquer notícia dele. Porém, era um homem inteligente. Antes de deixar a abadia, havia fundado uma ordem secreta dentro da própria ordem religiosa de São Sicrano. Ninguém distinguiria entre os frades, quais eram os seus seguidores. Apenas se podia sentir a presença de suas idéias nas cabeças de alguns, mas não apontá-los seguramente como rebeldes. Talvez porque eu estivesse pouco inclinado a comungar de suas idéias, o frei logo mostrou desejo de retirar-se. Disse-me que passaria aquela noite em Aprazível, e pela manhã continuaria para o Piauí. * No dia seguinte, ao voltar do campo, vi duas rurais verdes frente ao esqueleto da futura cadeia, na mesma sombra onde, no dia anterior, estivera estacionado o caminhão. Adivinhei que haveria de ver soldados no Posto, pois me pareceram viaturas do exército. Realmente, passei por um grupo deles ao entrar na hospedaria. Era tenso o clima na varanda do pátio interno da pensão: havia sinais de nervosismo em quase todos os rostos. Acabara de ocorrer uma prisão. Um agente da polícia do exército havia localizado, hospedado ali, um agitador comunista longamente procurado. Liderava uma falange de sertanejos politizados em um movimento clandestino para fundar uma guerrilha no sertão. – O senhor conversava com ele ontem – lembrou-me o garçom, como uma advertência. ― O frei? Era um religioso!... – retruquei um pouco assustado. Supunha que tivesse viajado; alguma coisa o retivera. Pude então juntar os fatos: o discurso do frei, os camponeses acocorados no caminhão para não serem percebidos, as duas rurais do exército, aquela tarde... O agente da polícia devia ser o homem de bigode e óculos escuros que nos observara a mim e ao frei durante o jantar, no dia anterior. Soube-se dos policiais que a guerrilha iria operar na Serra da Ibiapaba, a oeste de Aprazível, quase na divisa com o Piauí, a perigosa escarpa da chapada, onde a estrada federal descia em inúmeras curvas, e cujas matas verdes, em sua encosta abrupta, ocultavam destroços de caminhões como o mar guarda nas profundezas carcaças de naufrágios. – Seria uma nova Sierra Maestra, pensei. Depois de ordenar minhas notas e tomar o meu banho, ainda restava um pouco da claridade da tarde. Olhei os quartos do outro lado do pátio, fronteiros ao meu, e suspeitei qual seria o antes ocupado pelo frei. Havia um com as estreitas folhas de sua porta abertas de par em par. Os quartos não tinham janelas; a ventilação vinha dos desvãos das telhas do teto e a luz era a que passava da luminosidade do pátio, deixada a porta aberta. A do quarto do frei estava assim, como se ele ali ainda estivesse e quisesse aproveitar os restos da luz do dia. Ao fundo – já escuro –, sobre a mesinha, estava um pequeno oratório, portátil, pintado de verde, com as pequenas portas em treliça, e dentro a imagem de um santo, escura e confusa, ereta e espessa como se fosse de chumbo. Um livro de orações estava no chão, marcando talvez onde o frei estivera ajoelhado. O jantar foi servido com atraso, e, consternado, sentei-me no mesmo lugar que havia ocupado na noite anterior; não havia mais que uma ou duas pessoas à espera da refeição. Súbito, porém, posta-se à minha frente o homem dos grandes bigodes. Senti um suor gelado. Ele me observara na tarde anterior, ao jantar, e com certeza me tomava por cúmplice do frei! Fiquei imobilizado com a colher de sopa a meio caminho da boca. O homem, que tinha uma estatura pouco acima da média, ensaiou um sorriso que lhe pôs o bigode ligeiramente oblíquo. Identificou-se: era o engenheiro da sondagem! Disse lamentar não haver falado comigo na véspera, pois só recebera meu recado quando visitara a sonda, naquela tarde. Acho que recuperei minhas cores, ouvindo aquilo. ― Sente-se, por favor – disse-lhe. – Aceita uma cerveja com uma pitada de sal? ― Somente a cerveja – respondeu-me. Rubem Queiroz Cobra NOTA: Este conto está no livro de R. Q. Cobra AS FILHAS ADOTIVAS. Edições COBRA PAGES, Brasília, 2005, 136 p., ISBN 85-905519-1-1. Veja, por favor, como adquirir na página Livros do Autor. |
Página lançada em 28/05/2001
Direitos reservados. Texto impresso original depositado na Biblioteca Nacional. Para citar este texto da Internet:
Cobra, Rubem Queiroz - Dom Beltrano da Abadia de São Sicrano. COBRA PAGES: www.cobra.pages.nom.br, INTERNET, Brasília, 2001. ("www.geocities.com/cobra_pages" é "Mirror Site" de www.cobra.pages.nom.br)
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