História do Talismã Envenenado
Decorria o ano 1896 na velha e pacata
aldeia Coimbracity, junto às portas sul do sempre grandioso Taveiro.
Peguei no jornal e passei uma vista de
olhos pelas gordas, foi quando bateram à porta.
O Vicente, anunciou, João Paulo, um
imigrante galego de estirpe cigana arraçado das tribos nómadas da Bulgária.
Preparei-me para o abordar, não sem antes
sacar do charuto das cinco menos vinte, e fui ao seu encontro. Reparei no
pormenor das botas enlameadas com caganitas de cabra inconfundíveis, tinham de
ser de Coimbracity.
Olhando-lhe nos olhos interroguei-o sobre
o negócio das cabras, no maior curral da zona, o ETC. Situado mesmo no centro
da pequena aldeia Coimbracity.
Ele respondeu-me prontamente dizendo que
o dia de maior transação de cabras é à segunda-feira. Parou para pensar. De
repente saiu-se com um suspiro e disse, temos problemas com o nosso senhorio,
algo se passa com ele, anda estranho.
Pediu-me ajuda, da qual me prontifiquei.
O Vicente, o meu empregado turco com
sangue polinésio mas de educação puramente beirã, puramente taveirense era o
melhor que se tinha arranjado como empregado em part-time nos últimos tempos,
perguntou-me de imediato como tinha deduzido que, João Paulo, o cigano galego,
vinha de tão recôndito lugar, Coimbracity.
Pensei para mim, elementar meu caro
Vicente, e respondi-lhe com a mais velha desculpa do mais velho detective do
mundo, que era intuição.
¾ Tens que me vender o osso
da galinha ¾ implorou Lamartini Abel.
Figura caricata da mais fina flor da sociedade de
Souto Covo, nas terras mais a norte, sediado na nossa conhecida aldeia, com uma
pequena empresa de funerárias de vídeos. Por sinal a única no país, mas de
momento a atravessar uma grave crise económica.
Abel, como era conhecido nos meandros mais nefastos,
um dos genros do Chico Brites, senhorio do cigano João Paulo. Casado com sua
filha Vanda Maria, lutadora de docas nos tempos livres.
¾ O osso de galinha, o meu
talismã só o vendo por um charuto de erva Angolana. ¾
informou o Cabral, feiticeiro da tribo Mobuta, no interior do Zaire.
¾ Eu arranjo-te o que queres.
Abel, claro está, não tem a tão famosa erva
Angolana. Macabro e calculista, mas teórico e de certo modo diminuído a nível
da caixa craniana, preparou um golpe ao Cabral.
Na hora da mijinha do Cabral, sempre e
impreterivelmente às 3 da manhã, há mais de trinta anos, o louco do Abel entrou
na cabana do Cabral e furtou o tão desejado amuleto.
À saída da cabana, o ladrão foi apanhado pelo
feiticeiro:
¾ Roubas o meu Talismã e eu
condeno-te à maldição de morreres às mãos de uma mulher.
¾ Não acredito em maldições,
sai-me da frente! ¾ exclamou Lamartini, completamente fora de
si.
¾ TOC , TOC.
Abriram, apareceu na minha frente um indivíduo de
estatura média alta, com um certo ar de besunto avarento.
¾ O Sr. João Paulo está? ¾
Perguntei amavelmente ao jovem especado na minha frente.
¾ Está sim, vou chamar ¾
disse estupidamente o rapaz olhando para mim de lado.
Poucos minutos depois aparece o cigano repetindo
constantemente:
¾ Entre Sr. Detective,
entre...
Entrei. A porta era estreita e dei comigo num jardim
de plantas que abomino, as sardinheiras. Havia-as por todo o lado. O cigano
apresentou-me o Xano Tribo. Fiquei naquele momento a saber que o besunto com
quem me cruzara era afinal de contas o porteiro da casa do cigano.
¾ Encoste-se no sofá, a
reunião de inquilinos está marcada para daqui a cinco minutos ¾
convencendo-me a sentar.
Esperei.
Peguei no meu charuto das seis e trinta e cinco e
dei-lhe fogo quando entrou na sala mais um jovem, este louro, mas como louro que
era palpitou-me que seria melhor não dar-lhe demasiada confiança.
Apresentou-se:
¾ Duarte Silva, ¾
disse esticando-me a mão.¾ não precisa de
apresentar-se, eu conheço-o.
Duarte era conhecido como chefe da parte informática
da bolsa de valores de Taveiro. Conhecido pelos seus golpes legais na bolsa.
De repente houve grande bagunça no quarto ao lado.
¾ Acordou mal ¾
disse Duarte.
¾ O que é que se passa aqui! ¾
alvitrou o meu mais próximo conhecimento no futuro.
Fiquei imóvel perante tal presença naquela casa.
¾ O Senhor é da Judite? ¾
disse preocupado o desconhecido.
Duarte fez as apresentações:
¾ Francesco Marques, chês
para os amigos ¾ disse o anfitrião no momento bastante a
medo.
Chês tinha um ar mafioso, era capaz de apostar o meu
charuto das sete e um quarto em como ele era Siciliano.
Chês dirigiu-se para o banho. Entretanto reapareceu
o cigano.
¾ Não ligue, depois do banho
fica mais bem humorado, sabe está-lhe no sangue, o pai é Siciliano e a mãe
ex-miss da Colômbia. ¾ disse o imigrante galego.
¾ Não tem importância ¾
disse eu embasbacado.
TOC. TOC. TOC
¾ Um momento que vou à porta,
estes porteiros já não são como eram dantes.
O porteiro Xano estava com uma espécie de headfones
aos berros com certeza.
Entrou um tipo gordo, digamos mesmo obeso, com um ar
cordial e ao mesmo tempo tímido, falava uma língua estranha onde a palavra ÃUÃ
predominava.
Chês compreendia-o perfeitamente.
Isolaram-se no quarto barulhento.
¾ O nosso senhorio vai ser
assassinado... ¾ conclui o João Paulo.
Reflecti,
fumei um charuto extra e perguntei:
¾
com que fundamentos me diz isto.
Chamei o meu fiel empregado Vicente para me preparar os meus
charutos.
O Cigano informou:
¾ O Sr. Brites tem seis herdeiros
da sua média fortuna, o velho é rijo ¾ anuiu o meu cliente ¾
interessa-lhes que ele morra, queremos que descubra quem vai cometer a
tentativa de homicídio e evitá-lo como é lógico. Não se preocupe com
dinheiro...
Estava a reparar-me para fazer algumas perguntas, quando,
entraram na sala o Chês e o gordo.
¾ Aqui
o nosso vizinho é de confiança, é o Picaretas. ¾ confirmou o Cigano.
Picaretas e Chês estavam um pouco desoxigenados, e bem mais
humurados.
¾
Vamos jogar uma Bisca.
¾ A
quê?
¾
Dois estalos.
¾
Um estalo.
¾
Tá bem.
Começaram a jogar, extremamente entusiasmados. Parei para
pensar, abstraí-me quando de repente lembrei-me e disse:
¾
Quero uma lista dos herdeiros.
¾ Oube, oube... ¾ dizia o segundo principal herdeiro depois do Abel,
Zepê Viegas o mais emotivo do conjunto.
¾
Temos que matar o velho; mas estamos dependentes da Vanda, temos que
convence-la a não malhar mais no pobre rapaz ¾ dizia o Xaninho das Motas, o herdeiro “Dom Juan”.
Zepê e Xaninho eram quase irmãos, tinham mães diferentes, a
mãe de Zepê era uma freira da Lapónia, a do Xaninho era uma grega, o verdadeiro
conceito de beleza numa mulher.
Do grupo, fazia parte o Trapito, chamavam-lhe isto porque
quando era pequeno carregava sempre um edredon furado com queimaduras. Havia
também um maluco no grupo, era o único que não estava verdadeiramente
interessado na morte do Chico, mas dava-lhe imenso prazer fazer parte do grupo,
era o Carabinas, homem das artes, tarado e tinha este nome tão sugestivo devido
a que tido e qualquer objecto parecido com um falo ele chamava-lhe carabinas.
¾ E
se enforcássemos o Chico!!! ¾ exclamou o carabinas aos saltos pela sala.
¾ Meninos comportem-se ¾ surgindo não se sabe de
onde.
De trás do Xaninho estava uma outra herdeira, estava
com ar de matreira, de raposa velha, com o seu olhar afiado, trespassava
qualquer um naquela sala. Era a líder cerebral. O fracasso na advocacia
levara-a a dar o banho ao Brites. Era a Ortiga Olímpia.
Vivia-se
o tempo das oportunidades em Taveiro, o Chico Brites, um jovem garanhão oriundo
da outra grande cidade da zona, Vila Velha de Poiares, que conhecia todas as
fêmeas das redondezas. Com grande lábia e sentido para o negócio montou um
bordel com um amigo eunuco. O Brites era tarado e teve um caso com o impotente
do qual resultou um bebé, de nome completo Lamartini Abel Brites. O eunuco
morreu no parto doloroso do filho.
No tempo
mais próspero do bordel, apareceu uma freira com uma amiga espampanante a pedir
emprego. O Brites ficou imediatamente de pau feito e aviou as duas, mais tarde
apareceu a freira a entregar dois bebés, o Zepê Viegas Brites e o Xaninho das
Motas Brites.
O maluco
do carabinas fugiu de um circo e o Brites, bondoso, adoptou-o.
A
Ortiga, filha da mamã por assim dizer era fruto da paixão mais ardente do
Brites, a custureirinha da esquina, por infelicidade do homem, ela morreu
retalhada quando fazia as primeiras calças Jeans de todos os tempos.
O
Trapito, o mais novo, apareceu num cesto de compras do continente à porta do
Bordel, o Chico acolheu mais um, dizia o Brites que quem dá de comer a 40,
filhos mais empregadas do bordel, também dá de comer a 41.
¾ Foda-se, eu é que sei,
precisamos de uma empregada, mais alguém manda ou quê?!
Irritadiço,
o cigano tripava com a antiga história da empregada, desde o verão de 74 que se
pensava naquela casa arranjar uma empregada...
¾ Olha que há lá no meu
emprego uma rapariga que anda a precisar de trabalho, é cozinheira e também
pode ser que faça uns trabalhitos de casa ¾
comentou o Chês encostado num sofá a ver a telenovela das 19:15h.
João
Paulo delegou-lhe a tarefa a tarefa de convencer a tal cozinheira.
¾ Só se for à experiência. ¾ afirmou abruptamente o Xano
Tribo.
Três
dias depois apareceu uma morena jeitosa a bater à porta; Tribo abre a porta e
depara com uma miúda com ar de saloia, porém apetecível.
¾ Sou a Ruthinha Malfazema
Abstrôncia né, tão procurando uma cozinheira né, sou eu!
Tribo
salta de alegria ao ver a brasileira e grita pelo pessoal.
O
primeiro a aparecer foi o galego que de imediato a convidou a entrar para
demonstrar as seus talentos.
Ao mesmo
tempo surge na sala Chês e Duarte muito espantados com tal presença feminina
àquela hora lá em casa.
¾ Para me acordarem a esta
hora só pode ser uma peixeira da ribeira. ¾
disse Duarte, mandando um mico fulminante à brasileira saloia.
Chês já
não dizia nada, já a conhecia pois ele veio por intermédio da Ortiga Olímpia, a
herdeira que o Chês andava a espiar por ordem do cigano João Paulo.
O que o
Chês e o João Paulo não sabiam é que a maquiavélica Ortiga tinha mandado a
Ruthinha para espiar a casa das sardinheiras.
Ignorantes
nesta matéria, sabiam porém que a saloia namorava com o Jorge do talho, o tal
que fulminava toda a gente com o seu olhar trespassante. Jorgetinha uma
empregada espanhola de seu nome Teresa Mastodonte.
Ruthinha
foi de imediato contratada pelos pandilheiros.
Duarte
entra de rompante em casa batendo a porta com toda a força.
¾ Tenho uma empregada
francesa... opá eu é que sei! ¾ disse ele assobiando entre
os dentes. ¾ Estive agora nos copos com
o Pedro Calhau, e a fumar umas bajangas, o homem contou cá cada história. ¾ mandando de imediato um
mico à empregada.
Ruthinha
adorava aquele tipo de histórias bem como os micos e da sua força verbal;
aliás, tinha já se tornado uma constante aquele tipo de conversas de surdos
entre ambos, ele fala e ela fingia que entendia.
O Calhau
era um empregado do casino, era um conceituado apanha copos, e dominava todas
as miúdas das redondezas e todo o crime organizado.
De repente
batem à porta. Era o Doutor Palmeiras, um médico investigador em doenças raras
e amigo da casa. Ultimamente andava a investigar uma suposta doença do já nosso
conhecido Lamartini Abel, embora fosse só mero profissionalismo.
Ele
concluiu depois de muito estudo que era muito provável que Abel tivesse
Opticoesclerose, uma Rinite ocular com perturbações oblíquas na íris interna,
para ser mais preciso.
O Chês
convida-o a entrar pois são amigos de longa data. Agora, o Doutor não aparecia
tanto lá em casa como antes, era devido a um caso com a farmacêutica da zona.
Grande
festa lá em casa.
¾ Então vocês nunca mais
apareceram! ¾ disse o Palmeiras.
Instantaneamente
olhou para a empregada, a Ruthinha, e apercebeu-se que se passava algo de
estranho na brasileira.
¾ Esta gaja tá doente. ¾ segredou a todos.
¾ Desconfio que tem uma
doença, para a qual não há cura, que é o E.C.C.P., Esvaziamento Cerebral
Contínuo Prolongado. ¾ continuou o médico.
Fez-se
silêncio