ESTRADA DE FERRO BRAGANTINA
História
Para não fugir à regra geral, a Estrada de Ferro Bragantina também foi construída não com o intuito de integração, mas para atender aos interesses dos plantadores de café, recolhendo o produto de suas fazendas e baldeando-o para a São Paulo Railway com destino ao porto de Santos, seguindo para fora do País. Como já sabemos, o café deixou de ser a estrela principal e, como aconteceu com as outras ferrovias, veio a decadência.
Bem, esse é um quadro bem generalizado. Vamos à história da "Bragantina".
Lei provincial nº 36, de 6 de abril de 1872: "O governo contractará com o Coronel Luiz Manoel da Silva Leme e outros a construcção de uma estrada de ferro de bitola estreita, a qual, partindo do ponto mais conveniente da linha ferrea de Santos a Jundiahy, dirija-se à cidade de Bragança e raias da provincia de Minas Geraes, com privilegio exclusivo por 90 annos, e garantia de juros de 7 por cento sobre o capital de 1.400:000$000 até a referida cidade, e sobre o de 400:000$000 para o prolongamento até as raias da referida provincia. (...)"
Estava criada a Estrada de Ferro Bragantina. À época, Bragança era uma cidade bem pequena, ruas sem calçamento e iluminada à noite por lampiões, e que já havia levado o nome de Conceição do Jaguary, e ficava no caminho do sul de Minas Gerais. O coronel Luiz Leme, de quem tratava a Lei Provincial citada, era um cafeicultor, de família abastada e de grande influência na cidade. As estradas existentes pouco passavam de trilhas que cortavam e uniam as fazendas. O acesso a São Paulo era feito por troles e charretes puxados por cavalos e o transporte de mercadorias se fazia por tropas de muares, através de precárias estradas.
Segunda metade do século XIX, a produção de café crescia verticalmente e o capital estrangeiro previa boas possibilidades de investimentos no Brasil, principalmente na área de transportes, o que chamou a atenção dos ingleses que, na época, detinham o melhor em matéria de tecnologia na área ferroviária, além de capital de vulto e sólida estrutura bancária. Pelo decreto federal 2.499, de 29.10.1859, obtiveram concessão para construir a primeira estrada de ferro do Estado de São Paulo, a The São Paulo Railway Co., ligando o porto de Santos a Jundiaí, no planalto. Essa ferrovia viria a se chamar Estrada de Ferro Santos a Jundiaí. Era ela que transportava, como já dissemos, o café do interior para exportação, via porto de Santos. A partir dela surgiram várias outras estradas de ferro, sempre buscando o interesse dos cafeicultores antes de se preocupar com o desenvolvimento das regiões por onde passavam. Aliás, esse desenvolvimento foi conseqüência da instalação das ferrovias. Surgiram, então, a Cia. Paulista, a Cia. Mogiana, a Cia. Ytuana, a E.F. Sorocabana, a E.F. Araraquarense e a própria Bragantina, que, direta ou indiretamente, faziam conexão com a S.P.R.
A Bragantina foi aberta ao tráfego em 1884, fazendo parte de sua diretoria membros da citada família Leme. A Estrada quase sempre apresentou resultados financeiros deficitários, independentemente dos lucros auferidos pelos cafeicultores com o aumento de produção e escoamento de seus produtos.
Em 1895 suas ações foram adquiridas por um grupo encabeçado pelo Dr. Luiz de Oliveira Lins de Vasconcellos e este senhor seria tido como "testa de ferro" dos ingleses, como veremos mais adiante.
Por outro lado, no final do século passado, a Cia. Mogiana, cujo km 0 era em Campinas, efetuou um estudo para levar suas linhas até o litoral norte do Estado, saindo do então futuro ramal de Socorro (Amparo ou Monte Alegre do Sul) e chegando a São Sebastião, onde as condições operacionais do porto, em se tratando de calado e portanto peso bruto, de navios, são melhores que as de Santos. Veja o mapa abaixo:
Em 9 de dezembro de 1919 era assinada a Lei nº 1675-D pelo então Presidente do Estado de São Paulo, Dr. Altino Arantes, que autorizava a construção da E.F. São Sebastião-Campinas. A concessão foi dada inicialmente a Luiz Pereira Barreto Filho que, em 1925, cedeu a empreitada à Cia. Melhoramentos do Littoral.
Pelo mapa acima, percebe-se que a Mogiana teria que atravessar a faixa de domínio da Bragantina, o que não seria interessante para os ingleses da S.P.R., pois eles dominavam o transporte para o litoral e, lógicamente, não o permitiram.
Daí, surgem duas versões para o fracasso do projeto. Uma versão seria, para que o projeto da Cia. Mogiana desse certo:
1º - a encampação da S.P.R. pelo govêrno,
2º - que o govêrno desse priopridade à Cia. Melhoramentos do Littoral para executar as obras, e
3º - que o projeto da E.F. Sorocabana fosse abandonado.
Como a S.P.R. não foi emcampada nos anos 20 e a Sorocabana construiu sua linha para o litoral, a E.F. São Sebastião-Campinas, infelizmente, ficou sómente no papel.
A outra versão seria que a Cia. Mogiana teria tentado um financiamento junto aos Bancos londrinos para a construção da nova linha. Apesar das garantias oferecidas pela Mogiana e do evidente sucesso que seria o empreendimento, o empréstimo fora negado. Além disso, a Mogiana encontraria o mesmo problema de cruzar a linha da E.F. Bragantina. Já em agosto de 1903 a S.P.R. havia adquirido as ações de posse do Dr. Lins de Vasconcellos, prevendo fechar o caminho da Mogiana em direção ao litoral, daí a idéia de que o Dr. Vasconcellos fosse o tal "testa de ferro" dos ingleses.
E daí por diante a S.P.R. começou a consolidar sua posição na região para fechar efetivamente o caminho da Mogiana.
"Barrada no baile", a Mogiana tratou de levar seus trilhos de Monte Alegre do Sul a Socorro e, quem sabe, os levaria também até Vargem, o que mais uma vez ameaçaria a S.P.R. Esta logo efetuou um estudo similar, isto é, também levar seus trilhos até Socorro, isto em 1907. A construção da linha é aprovada pelo govêrno estadual, porém em regime de livre concorrência com a Cia. Mogiana. Sendo assim, a S.P.R. desiste do intento e leva a linha tronco sómente até Vargem e constrói o ramal de Piracaia, êste saindo de Atibaia. O tráfego até Vargem foi aberto em janeiro de 1913. Logo após foram iniciadas as obras do ramal. Nessa época a São Paulo Railway, além de construir as estações até Vargem e as do ramal, substitui os trilhos da época da antiga Bragantina, de 18kg/m por outros de 24kg/m, e as estações já existentes foram substituídas por outras no estilo inglês, de tijolos à vista.
Chega o ano de 1929, quando se verifica a quebra da Bolsa de Nova Iorque e isso reflete diretamente nas exportações de café, que caem vertiginosamente. Como foi visto anteriormente, as ferrovias foram construídas em função do transporte da produção cafeeira. Além disso, já no ano seguinte, começa a tomar vulto um transporte que depende não só do café, mas de qualquer outra carga e pode levá-las a quase todo lugar, o rodoviário. É fácil chegar à conclusão que tem início a queda das ferrovias.
Como já não era mais interessante aos ingleses, estes entregaram a E.F. Bragantina ao govêrno do Estado. Em 1946 a linha tronco da S.P.R. passa para o Govêrno Federal. A Bragantina não pôde ser incluiída por ser de concessão estadual, foi então doada ao govêrno de São Paulo, ficando sob a responsabilidade da Secretaria Estadual dos Transportes e administrada pela Estrada de Ferro Sorocabana a partir de 1948, oficialmente em 1949. Talvez daí tenha surgido o logotipo da EFB, bastante semelhante ao da EFS (com o mesmo tipo de letras dentro de um oval).
Na década de 50 e até a sua extinção, a Bragantina utilizou-se de locomotivas da Cia. Mogiana e da E.F. Sorocabana. As locomotivas a vapor das séries 400 e 500 (ten-wheeler) da Sorocabana foram muito utilizadas na linha tronco e no ramal de Piracaia (com a mesma numeração) e as diesel Cooper-Bessemer da Mogiana foram muito usadas na linha tronco, porém essas foram renumeradas.
Nessa época a linha tronco foi lastreada com brita (as linhas eram assentadas sôbre o próprio terreno). Foram feitos alguns estudos para ligação da Bragantina com a Sorocabana, secção Cantareira. O projeto previa a ligação entre Cumbica e Guaxinduva, porém não foi concretizado. Em 1958 foi aberta ao tráfego a Rodovia Fernão Dias, o que foi mais um golpe na Bragantina, pois a viagem a São Paulo era mais rápida.
E para tristeza de muitos (e alegria de poucos) chegam ao fim as operações da Estrada de Ferro Bragantina. O ramal de Piracaia e o trecho de Bragança a Vargem deixaram de funcionar a 6 de janeiro de 1967 e em 21 de junho do mesmo ano correu o último trem da Bragantina, puxado pela Cooper-Bessemer nº 8, flagrado saindo de Campo Limpo conforme mostra a foto abaixo.
Foto ABPF- 21.06.1967 - col. Nilson Rodrigues