As monções em Mato Grosso
Quando as bandeiras começaram a declinar, a marcha para oeste passou a assumir outras formas. Utilizando o curso dos rios, as viagens tornaram-se mais regulares e com destino conhecido. A esse movimento, que se iniciou na segunda década do século XVrII, dá-se o nome de monções. O termo é aqui aplicado impropriamente. Em seu sentido original, as monções indicam o regime altemado de ventos, que determina as épocas propícias à navegação. No Brasil do século XVIII, porém, passou a se conhecer por monção a estação adequada para as viagens fluviais, o que nada tem a ver com ventos, mas sim com as cheias ou vazantes dos rios.
Em busca do ouro de Cuiabá
O movimento das monções teve início em 1718, quando Pascoal Moreira Cabral descobriu ouro nas barrancas do rio Coxipó-Mirim, próximo ao sítio onde hoje se ergue a cidade de Cuiabá. Outros sertanistas que acorreram ao local descobriram novas jazidas, tomando-se a região um vasto campo de mineração. Assim, as primeiras monções corresponderam à corrida do ouro que se iniciou rumo à região do rio Cuiabá. Atraídos pelo novo Eldorado, os habitantes de São Paulo largavam tudo o que possuíam seguindo viagem, por via fluvial, até Mato Grosso. Aos poucos, essas viagens foram-se tomando regulares e mais organizadas. Já não se tratava apenas de levar novos mineradores, mas de abastecer os que lá se encontravam. O roteiro das monções variou no tempo, mas o Tietê era sempre o começo de todas as viagens. Por ele chegava-se ao rio Paraná, de onde era possível alcançar outros cursos d'água, como o rio Pardo. Após subir o rio Pardo e entrar por outras correntes secundárias, a monção enfrentava a parte mais difícil da viagem: era necessário passar para algum dos afluentes do Paraguai. Essa travessia era feita por terra, pois as duas redes fluviais estão separadas por um divisor de águas, cujo ponto mais estreito tem duas léguas e meia (quinze quilômetros). Vencido esse obstáculo, era possível alcançar o Paraguai, subir o São Lourenço e, finalmente, o rio Cuiabá. Nos trechos encachoeirados dos vários rios por onde se passava, todos desembarcavam e a tripulação tinha que abandonar a água e fazer o caminho por terra, arrastando as canoas ou puxando-as com cordas. De São Paulo a Mato Grosso, a monção levava, no mínimo, cinco meses de viagem.
O comércio e o gado chegam de canoa a Mato Grosso
Os primeiros bovinos que foram introduzidos em Mato Grosso fizeram esse roteiro. Eram quatro ou seis novilhas que vieram de canoa na monção de 1727. As canoas eram, em geral, inteiriças, feitas com um só tronco de árvore, medindo dozé a treze metros de comprimento, por um metro e meio de diâmetro. As maiores chegavam a transportar até quatrocentas arrobas de carga (seis toneladas), além de 25 a 30 pessoas, entre as quais o piloto, o proeiro (que viajava na proa, à frente do barco) e seis remeiros. Com o crescimento do comércio entre São Paulo e as povoações de Mato Grosso, surgiu a necessidade de racionalizar as expedições. As viagens passaram então a ser feitas em grandes comboios, apenas uma vez por ano. Essas frotas de comércio chegaram a abranger até quatrocentas canoas, onde ia tudo o que necessitavam os habitantes de Cuiabá, Vila Bela e demais povoações que iam surgindo em decorrência do trabalho de mineração: desde o sal, destinado à cozinha dos ricos e ao batizado dos pobres, até a seda para os dias de festa. Aos práticos, pilotos e proeiros das monções deve-se a abertura das comunicações regulares entre Mato Grosso e Pará. O velho caminho fluvial prolongava-se, assim, penetrando pelos rios amazônicos. No início do século XIX, as monções começaram a se tomar mais raras. Sabe-se que as últimas ocorreram por volta de 1838.
Francisco Antonio Luciano de Campos - 1999-2000