Legião Urbana
O Acústico MTV de 92 vem a tona em 99
No acústico, Renato lembrou seus cantores favoritos e, acreditem, cantou até mesmo Menudo : "Hoje a Noite Não Tem Luar" ( "Hoy Me Voy Para México"), além da já conhecida "On The Way Home" (da banda Buffalo Springfield), do CD "Música p/ Acampamentos", entre outros. O "arsenal" da Legião ainda não está esgotado. Está previsto para breve um material que irá compor uma espécie de Bau da Legião Urbana. Segundo Dado, este material é composto de versões ao vivo, takes alternativos e algumas músicas inéditas como a regravação de "Juizo Final" de Nelson Cavaquinho e a instrumental "O Grande Inverno Na Russia".
Será inaugurdo também em breve, o Memorial Renato Russo em Brasília, embora já exista um Espaço Cultural Renato Russo, onde acontecem shows e oficinas, na quadra 508 Sul, da capital. Em uma das salas do Memorial ficarão objetos pessoais de Renato, como os óculos, roupas e prêmios. A idéia é inaugurar o memorial como parte das comemorações dos 40 anos de Brasília. Mais do que merecido isso, já que Renato Russo faz parte da história de Brasília, afinal, os dois nasceram no mesmo ano (1960).
Veja detalhes de tudo isso, na matéria que saiu na ShowBizz, edição171 de Outubro de 1999, logo abaixo :
Históricas Ironias (por Bernardo Araujo)
Enquanto Brasília prepara um memorial para Renato Russo, CD e vídeo Acústico MTV da Legião Urbana mostram um ídolo debochado e temperamental sendo solenemente cultuado
"Que nada gente, esse nogócio de timidez é tudo ensaiado!", diz Renato Russo, a certa altura do show. Em um pequeno palco, envolto por convidados e integrantes do fã-clube, a Legião Urbana gravava, no dia 28 de janeiro de 1992, o segundo Acústico da história da MTV brasileira e o primeiro de uma banda pop rock - João Bosco havia sido o precursor. A gravação aconteceu no extinto Hipodromo, no bairro paulistano de Perdizes, casa famosa pelo estigma de "caveira de burro" - aquele lugar onde nada dá certo, por mais que mude de nome, decoração ou público-alvo. Desde então seu endereço já abrigou, entre outras coisas, uma igreja evangélica, e hoje é... bingo!
A Legião estava lançando seu quinto disco, V, e Renato tinha esperanças de não sair em turnê. "Você nunca sabia o que podia acontecer em um show da Legião, Renato podia não aparecer, dar chilique, passar mal... O Dado dizia que eles viviam sob tortura", lembra Dinho Ouro Preto, cantor do Capital Inicial, conterrâneo e amigo dos legionários que compareceu ao Hippodrommo naquela tórrida tarde de verão. A platéia incluía também o cantor inglês Seal, escalado para o Hollywood Rock daquele mês - ele estava estourando com "Crazy" -, e o então VJ Luiz Thunderbird, que, reza a lenda, chorou de emoção. "É verdade que eu me emocionei, mas não me lembro desse detalhe. Eu e o Rogério fomos os únicos a ver a passagem de som... que durou umas quatro horas! Pedi para tocarem 'Pais e Filhos', uma das minhas favoritas, e, no show, Renato a dedicou a mim, dizendo:'Esta vai para Thunderbird, o VJ sem pai nem mãe'. Foi lindo", atesta o cantor da banda Devotos de Nossa Senhora Aparecida.
É público e notório que Renato não gostava de cantar ao vivo - depois de certo ponto na carreira, só fazia isso em último caso. Na apresentação para a televisão, ele dava pistas: "Gente, comprem o disco! Ajudem! A gente só vai sair em turnê depois de vender uns 250 ou 300 mil, senão fica aquele pessoal lá na frente (voz fina e enjoada): 'toca 'Ainda é Cedo'!".
Menudo, Mitchell e Young
Por outro lado, é bem verdade que ele parecia à vontade no pequeno palco. "Me lembrou os tempos do Renato Trovador Solitário, entre o fim do Aborto Elétrico e o começo da Legião, quando ele se apresentava sozinho cantando músicas que contavam histórias, tipo "Faroeste Caboclo" e "Dado Viciado", "; lembra Dinho.
No disco, o tal trovador fala pelos cotovelos, como sempre - ele chega a tangenciar o assunto da AIDS, dizendo: "Tanta coisa acontecendo... olha gente, isso é sério, safe sex or no sex at all (sexo seguro ou sexo nenhum)" -, brincando e tocando até música do Menudo. Menudo? Pois é. Naquela época em que os porto-riquenhos já não estavam no auge e Ricky Martin engatinhava em carreira solo, ele desencavou "Hoje a Noite Não Tem Luar" (no original, "Hoy Me Voy Para Mexico") e a cantou, sozinho ao violão. "Não foi brincadeira, tipo tocar jingle de sucrilhos, não. Ele gostava mesmo da música, que aliás nem fez muito sucesso", lembra Dado. Ao final, Renato pergunta: "Não é bonitinha?" e confessa: "Me emocionei".
A inesperada versão não foi ao ar com o especial da MTV, e nem deveria ter entrado no CD. Antes de cantar, Renato pergunta aos técnicos: "Não está gravando não, né?", e recebe uma resposta afirmativa. "Resolvi gravar tudo para poder fazer alguma coisa mais tarde. Se eu não tivesse feito, provavelmente não haveria disco", gaba-se o engenheiro de som Egídio Conde. Dado Villa-Lobos, porém, desmente sua versão.
Piadas e Chiliques
Além de Ricky, Ray, Roy, Robbie e Charlie, foram lembrados outros favoritos de Renato: o Buffalo Springfield (banda que contou com o canadense Neil Young antes de sua carreira solo), com "On The Way Home", que se funde a "Rise", dos pós-punk Public Image Limited; a cantora canadense Joni Mitchell, em "Pretty Lies", e a distorção pop do Jesus & Mary Chain, lembrado com "Head On" (gravada também pelos Pixies). O repertório da Legião aparece numa seleção bastante criteriosa. As quatro primeiras músicas são dos quatro primeiro discos, e em ordem: "Baader-Meinhof Blues", "Índios", "Mais do Mesmo", e "Pais e Filhos". Nada de "Será" (Renato, em certo momento, debocha do sotaque baiano de Simone - que registrou a canção -, "nos pérdérémos entre mónstros... ", e depois confessa: "Prefiro a versão da Cássia Eller"), "Geração Coca-Cola" ou outros hits óbvios. Entram mais algumas músicas de V, como "Sereníssima", "Metal Contra as Nuvens" e "O Teatro dos Vampiros", além de outras faixas conhecidas dos discos anteriores.
"No final da gravação ele estava feliz da vida, todos comemoraram muito", lembra Rogério Gallo, que dirigiu o programa ao lado de Marcelo Machado. "A banda estava no auge, havia muitos assessores cuidando de tudo", recorda o diretor musical do evento, Pena Schmidt. Mas nem todo mundo concorda com tal clima de total paz e tranquilidade. "O Renato ficava nervoso, brigava, criou um clima tenso em vários momentos dos ensaios e da gravação", lembra Marcelo. O ex-técnico de som da MTV, Daniel Billio, recorda um pequeno piti do cantor. Ao repetir uma música, um operador de som, atrás do palco e bem distante da banda, comentou: "Pô, na gravação do João Bosco foi tranquilo, tudo de primeira". Para a surpresa de todos, Renato ouviu e mandou, na lata: "É, mas eu tô errando e vou repetir quantas vezes for necessário até acertar".
"Silêncio Respeitoso"
No final de outubro, o público poderá levar para casa este Acústico em CD e vídeo - oito anos depois da gravação e veiculação na MTV. "Nunca tivemos pressa para lançar isso, já tínhamos um disco ao vivo, o Música p/ Acampamentos", lembra Dado, que foi a Los Angeles com o companheiro Marcelo Bonfá para a mixagem. "Foi simples, porque afinal eram só dois violões, uma voz e uma percussão eventual", lembra o baterista. "É verdade que o som da voz vazava no microfone do violão e vice-versa, mas deu para acertar tudo".
O processo de masterização se deu no estúdio de Bernie Grundman, um dos mais badalados profissionais dos Estados Unidos (com discos de Michel Jackson no currículo).
Antes da gravação, a banda ensaiou por seis horas seguidas, o resultado é emocionante e tecnicamente bem satisfatório. Claro, há alguns errinhos, como na imensa letra de "Faroeste Caboclo" (Renato gagueja ao falar "nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião"), que fecha o CD. Bem que Renato avisa antes, escolhendo bem o verbo: "Vamos tentar 'Faroeste' ". De resto, são aquelos erros que só músicos percebem, o público continua boquiaberto. "Vocês são muito gentis, eu errei pra caramba", diz ele, que nada tinha de auto-indulgente, ao agradecer os aplausos para a belíssima versão acústica de "Índios".
O álbum tem uma particularidade em relação a discos ao vivo em geral e, especialmente, às apresentações da Legião: afora os aplausos e algumas participações (tímidas) nas conversas de Renato, o público permanece silencioso, num respeito quase religioso. "Os shows elétricos, grandes, da Legião, eram como a beatlemania ou um culto evangélico, o público berrava de uma maneira tão histérica que às vezes abafava o som da banda. Nessa apresentação acúsitca aconteceu o contrário, uma mistura medieval, com todo mundo querendo ouvir e não soltando um pio", define Dinho.
Um Memorial Para Renato
"Todo mundo adorava a Legião Urbana, tanto o público quanto a equipe técnica. O silêncio partiu mesmo dessa adoração, não houve nenhum pedido de silêncio da MTV para que as pessoas ficassem quietas", diz o diretor Marcelo Machado, Dado Villa-Lobos, mais uma vez, tem outra versão.
Controvérsias, grandes ou pequenas, sempre acompanharam a Legião e suas várias formações, além de Renato, Dado e Bonfá, a banda foi acompanhada, ao vivo, por diversos baixistas (inclusive Renato Rocha, que fez parte da banda até "Que País é Este", e saiu durante as gravaçõe de "As Quatro Estações"), tecladistas e guitarristas. O incidente mais lamentável foi o da apresentação no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, em 1988, quando uma apresentação foi seguida por tumulto. "Foi lamentável, aquilo fez Renato odiar ainda mais os palcos", lembra Fernando Artigas, produtor do espetáculo e amigo pessoal do cantor. Ao lado dos pais de Renato, Renato e Carminha Manfredini, e da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, Fernando é um dos articuladores do Memorial Renato Russo, inicialmente programado para ser inaugurado em abril do ano que vem.
Já existe, claro, um Espaço Cultural Renato Russo, onde acontecem shows e oficinas, na quadra 508 Sul da capital. "Agora o projeto foi encampado pela Secretaria de Cultura e vamos usar uma das salas para o memorial, que terá os óculos, roupas e alguns objetos do Júnior", conta dona Carminha. Ela lamenta que o filho vivia cercado de "falsos amigos", que roubavam seus pertences. "Ele ganhou muitos prêmios, inclusive da Bizz, mas acabou sumindo tudo". A gravadora EMI-Odeon e amigos do cantor em Brasília e no Rio serão entrevistados pela curadora Sônia Paiva. "Depois vamos contratar um museólogo, que organizará a exposição", adianta a secretária de Cultura do Distrito Federal, Luiza Dorna. A idéia é inaugurar o memorial como parte das comemorações dos 40 anos de Brasília.