Sobre o livro A contribuição da iconografia para o conhecimento de índios brasileiros no século XIX, de Thekla Hartmann. São Paulo: Edição do Fundo de Pesquisas do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, Série Etnologia, vol. 1, 1975. 229 p. Ilustr.
Resenha publicada com o título "Índios e desenhistas" em Pesquisa Antropológica, n° 6, p. 23, Brasília, 1976.
[Pesquisa Antropológica foi um periódico mimeografado que durou de 1973 a 1983, publicado por Julio Cezar Melatti e pelo falecido Martín Alberto Ibáñez-Novión].
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Interessante trabalho crítico que examina desenhos do final do século XVIII e do decorrer do século XIX como documentos de caráter etnográfico. São estudados os desenhos de José Joaquim Freire e de Joaquim José Codina, que acompanharam Alexandre Rodrigues Ferreira na sua "Viagem Filosófica" de 1783 a 1792; as representações etnográficas referentes aos Tukuna deixadas por Spix, Bates, Osculati, Marcoy; os desenhos de Debret; os de Rugendas, do Príncipe de Wied-Neuwied, de Spix e de Martius sobre os índios do leste brasileiro; os de Hércules Florence e de Amado Adriano Taunay, participantes da malograda expedição de Langsdorff (Rugendas também fazia parte desta expedição, mas dela se desligou logo no início); os desenhos de Franz Keller-Leuzinger e John Henry Elliot sobre índios do sul e do oeste brasileiros.
A Autora examina a maior ou menor habilidade dos artistas em achar as corretas proporções e as características somáticas dos índios de cada grupo; sua capacidade de captar ou não os traços individuais; se cada artista utilizou ou não os adornos e marcas culturais tribais para acentuar diferenças que não conseguia ver ou reproduzir nas características biológicas (às vezes fazendo do corpo simplesmente um "manequim", que servia para todos os grupos indígenas, decorando-o e marcando-o diferentemente, segundo a tribo que deveria representar). E ainda procurou saber se cada artista desenhou apenas o que observou pessoalmente ou se lançou mão da imaginação, da memória ou de informação de terceiros; tentou também detectar até que ponto a informação etnográfica foi filtrada pela orientação técnica do artista, suas idéias preconcebidas e imagens pré-formadas com respeito ao índio.
Desse modo, ficamos sabendo da fidedignidade de Hércules Florence ou do exíguo valor documentário de Debret, que desenhou no Rio de Janeiro cenas da vida de índios que nunca viu, apoiado por vezes na descrição de terceiros e em artefatos do acervo do Museu Nacional.
Além disso, a Autora chama a atenção para o fato de que os trabalhos dos desenhistas, ao serem preparados para publicação, eram modificados, adaptados, cortados ou montados pelos gravadores, segundo as preconcepções e habilidade destes. Assim, seria preciso se conhecer os desenhos e esboços originais traçados nessas expedições e não apenas as reproduções publicadas. Mas, infelizmente, nem todos os originais têm hoje seu paradeiro conhecido. Por exemplo, estão desaparecidos os de Spix e Martius.
Sem dúvida este livro nos vai ajudar a olhar com mais cuidado as gravuras dos volumes publicados por naturalistas e viajantes. Mostra-nos também que, uma vez passadas por uma severa crítica, bem como os de senhos originais, podem se constituir numa importante fonte etnográfica, como sugere a própria Autora, ao nos mostrar as possibilidades de estudo, através delas, da evolução das máscaras Tukuna ou do desenvolvimento da arte ornamental Kadiwéu, este último talvez relacionado com o contacto interétnico.
O livro contém 76 figuras, que reproduzem alguns dos desenhos e gravuras comentados no texto.
É de se desejar que a Autora continue esse trabalho, ampliando sua crítica a outros artistas e a outros séculos. Muitas de suas observações se aplicam até, quem sabe, à própria fotografia.
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