Sobre o livro Sanumá Fauna: Prohibitions and Classifications, de Kenneth Iain Taylor. Caracas: Fundación La Salle de Ciencias Naturales, Instituto Caribe de Antropologia y Sociologia, Monografia n° 18, 1974, 138 pp., ilustr.

Distribuidores: Distribuciones MAYTEX, S. R. L. Av. Norte- Sur, 4, n° 154. (Mamey a Pilita) Edificio Pilita Caracas, Venezuela. Preço: 30 bolívares ou 7 dólares .

Resenha publicada com o título "Sanumá fauna" em Pesquisa Antropológica, n° 1, pp. 5-6. Brasília, 1973.

[Pesquisa Antropológica foi um periódico mimeografado que durou de 1973 a 1983, publicado por Julio Cezar Melatti e pelo falecido Martín Alberto Ibáñez-Novión].

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Os Sanumá constituem um dos quatro subgrupos dos índios da família lingüística Yanoama (também conhecida como Waiká, Xiriana, Guaharibo, Xamatari, Yanomami etc.) e vivem no extremo noroeste do território de Roraima, como também do outro lado da fronteira, na Venezuela. Este livro se apóia nos dados que Kenneth Taylor, atualmente professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Brasília, coletou em 23 meses de pesquisa de campo, de abril de 1968 a setembro de 1970, na própria língua dos Sanumá.

Segundo Taylor, o sistema de proibições alimentares dos Sanumá consiste numa série de interrelações entre sua sociedade e as três fases em que distribuem a existência dos animais. Essas fases são: "fauna comestível", isto é, os animais que os Sanumá caçam, pescam ou apanham para comer; os "espíritos animalóides", que se libertam, cada qual, de um animal após a morte deste; e os "espíritos humanóides", que são os "espíritos animalóides" que se retiraram da floresta e foram embora para a casa destinada aos espíritos de cada espécie. Quando alguém quebra uma proibição alimentar, o infrator, ou seu filho ou filha, é atingido por uma mal causado por certa parte do corpo do espírito animalóide ligado a essa proibição. Para curá-lo, o xamã atua ajudado por certos espíritos humanóides, que matam o espírito animalóide causador do mal.

Uma vez apresentadas essas três fases, Taylor descreve as armas que os Sanumá usam na caça, pois elas constituem um modelo das armas usadas pelos espíritos humanóides, indicadas mais adiante; o procedimento do retalhamento, indicando as partes em que os corpos dos animais abatidos são divididos, como são subdivididas, e a que categoria de pessoas é entregue cada uma; a taxonomia dos Sanumá para a fauna, explicitando os critérios dos índios para distinguir as classes entre si; os segmentos populacionais, que são as categorias terminais de uma taxonomia de seres humanos baseada nos critérios de maturação biológica dos indivíduos e na sua situação referente à paternidade ou maternidade; a associação de cada um desses segmentos a um conjunto de males, dos quais um pode atingir aquele de seus membros, ou a seus filhos, segundo a proibição alimentar que romper; a possibilidade de uma correlação entre os segmentos populacionais e a parte do corpo dos animais abatidos que toca aos membros de cada um; a reclassificação dos animais segundo as partes do corpo de seus espíritos animalóides que .afetam os transgressores ou os filhos destes; a taxonomia das armas dos espíritos humanóides, que são metamorfoses de partes dos corpos de espíritos animalóides; uma reclassificação da fauna em termos dessas armas.

Taylor chega então à admissão da existência de uma meta-estrutura, sob a forma de um "proto-animal" dividido em quatro partes principais (cabeça, costas, membros e vísceras) que se esperassem pelo menos uma vez em cada uma das classificações examinadas.

Na conclusão o Autor faz uma comparação entre a "ethnoscience" e o estruturalismo francês, cunhando os termos "classificação arranjadora" ("arranging classification") e "classificação codificadora" ("codifying classification"). A primeira seria a organização das categorias de um certo domínio, sem qualquer homologia com classificações referentes a outros domínios; em caso contrário, temos a segunda. O primeiro tipo de classificação é objeto da "ethnoscience" e o segundo, do estruturalismo. Como classificações de ambos os tipos estão associadas ao sistema de proibições alimentares dos Sanumá, as duas abordagens são necessárias para estudá-lo.

Este pequeno livro, notável pela economia de descrição, pois o Autor só apresenta as informações indispensáveis à caracterização do sistema que examina e à sua interpretação, merece a atenção dos editores brasileiros para uma tradução ao português, uma vez que constitui um belo exemplo da abordagem da Antropologia cognitiva, ainda pouco difundida entre nós. Geralmente temos contacto com artigos que aplicam essa abordagem a um problema simples, a uma só taxonomia. Nesse livro vemos o Autor interrelacionar várias classificações. Além disso, Taylor tem uma atitude crítica diante da abordagem que utiliza, discute seu alcance e nos mostra que pode ser complementada com a abordagem estruturalista.

Julio Cezar Melatti

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