Conchas, volutas, ramos, ramalhetes, frisos, cruzes, adamascados, folhagens, pássaros, frutas e grinaldas jorram dos tetos e escorrem pelas paredes. Dourados, vermelhos, amarelos, rosas e azuis em meio a arcos e colunas. Santos e anjos com expressões retorcidas de êxtase ou de dor ameaçam despencar de seus nichos. As imagens que povoam o interior do Mosteiro de São Bento, no Rio, parecem saídas de uma viagem lisérgica. Apanhado de surpresa, o visitante que pára diante do altar principal tenta em vão onde viu algo semelhante. O barracão da Beija-Flor e a suíte de certos motéis são cavernas pré-históricas diante de tanta exuberância. A nave do mosteiro só encontra rivais em outras igrejas, como a do convento de São Francisco, em Salvador, ou a de Nossa Senhora do Ó, em Sabará, em Minas Gerais. Um espírito devoto, atrevido e sensual fecundou esses templos. Esse espírito atende pelo nome de barroco. Suas múltiplas aparições na cultura brasileira foram mapeadas pelo poeta Affonso Romano de Sant’Anna no livro Barroco, Alma do Brasil, editado pela Fundação Biblioteca Nacional e pela Bradesco Seguros. Historiadores sugerem que, como o Brasil, o barroco entra ma história pelas mãos de Portugal. No início do século 16, os portugueses encontraram na Índia um tipo exótico de pérola, deformado por saliências. As contra vêm da cidade de Broakti, que os súditos de Don Manuel chamam de "Baroquia". A palavra se metamorfoseia em "Barroca". de nome próprio, passa a designar as pérolas e, em seguida, qualquer forma artística bizarra e irregular. Outros dizem que a origem da palavra é um silogísmo medieval. Talvez os estudiosos nunca cheguem a determinar com precisão quando e onde surgiu a arte barroca - alguns garantem que seu marco inicial são as curvas da igreja Il Gesú (1575), em Roma. É certo, porém, que o mundo esperou o nascimento do novo estilo com um nome sonoro. Affonso Sant'Ana, em seu poema brasílico, que surge quatro séculos depois do grito do genial indígena anônimo guatemalteco, começa com uma angústia e termina com um desafio. Vai muito mais longe do que o Popol Vuh. Pois coloca face a face o homem supercivilizado do século XX e o selvagem ou pré-civilizado, se considerarmos a civilização como sendo o alargamento, pela cultura e pela técnica, do conhecimento do mundo e de sua dominação pela inteligência do homem moderno. O barroco é, desde o início, um movimento artístico engajado. A Europa vive a ressaca do renascimento e seu humanismo radical. A partir do Concílio de Trento, o Vaticano mobiliza todas as suas forças na guerra santa da contra-reforma, a fim de deter o avanço do protestantismo. Nesse ambiente, há pouco espaço para manifestações artísticas que não sejam celebrações inequívocas da glória de Deus. A pintura, a arquitetura, a escultura, a música e a literatura barrocas não escondem seu propósito de arrebatar o público pelo encantamento. "Sabem, padres pregadores, por quem fazem pouco abalo os nossos sermões? Porque não pregamos aos olhos , pregamos só aos ouvidos", diz o padre Antônio Vieira no genial Sermão da Sexagésima, uma aula de comunicação de massa proferida do púlpito. A vitalidade do barroco seria inexplicável sem sua relação estreita com a ordem jesuítica, que se lançou com ousadia ao trabalho apostólico no Novo Mundo. Em sua maturidade, o estilo dissociou-se da matriz religiosa e ganhou o planeta. "O barroco foi o último realmente internacional que o Ocidente produziu", afirma Otto Maria Carpeaux. Esse poema merece uma análise em profundidade, como aquele que o poeta-crítico dedica à obra de Carlos Drummond de Andrade, que considera naturalmente como sendo o ponto central e genial de toda poesia brasüeira moderna. É compreensível que o barroco seja identificado por alguns como uma síntese simbólica da ideologia da contra-reforma. Mas o estilo não cabe em definições simplistas. Ao fazer sua opção preferencial pelo espetáculo, a arte barroca abre as portas para a carnavalização e a desordem. A fachada da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, em Salvador, lembra um carro abre-alas congelado no espaço. O zelo doutrinário do padre Vieira levou-o a marcar dia e hora para a ressurreição do rei português Dom Sebastião. O delírio profético garantiu ao padre uma sombria temporada no cárcere da Inquisição. O Brasil é o paraíso perdido do barroco, garante Sant’Anna. O curador do Louvre Germain Bazin estudou arquitetura mineira e biografou o Aleijadinho, apontado como "o último dos grandes escultores barrocos". O musicólogo alemão Curt Lang descobriu no interior de Minas um tesouro de música colonial. Carnavalesco, mestiço, o tardio barroco tropical sobreviveu à sua fonte européia na música de José Joaquim Emerico Lobo Mesquita e Villa-Lobos, na arquitetura de Oscar Niemeyer, no cinema de Glauber Rocha, no tropicalismo e claro, naquele lugar que nos acostumamos a chamar de alma. |