ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA – O ALEIJADINHO

(Quarto de Hora apresentado pelo Irmão Luiz Gonzaga Rocha em 31 de agosto de 1996 – no transcurso do décimo primeiro aniversário de Fundação e Instalação da Loja do Aleijadinho em Brasília)

  

I – APRESENTAÇÃO.

A Augusta e Respeitável Loja Simbólica – ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA nº 24 – A Loja do Aleijadinho – como é carinhosamente conhecida no seio da Maçonaria Brasiliense, me honra, hoje, com a distinção de poder falar um pouco sobre o seu patrono – nesta data em que comemora o seu 11º aniversário de Instalação e de bons serviços prestados à causa da Maçonaria.

E, eu me sinto duplamente honrado com a deferência. Primeiro porque na condição de fundador desta Oficina, assisti o seu nascimento, acompanhei-a desde os primeiros passos e colho os frutos resultantes do seu desenvolvimento sócio-cultural. Depois, a honra se renova pelo fato de saber que em seus onze anos de existência, esta Loja recebeu, criou e aperfeiçoou uma plêiade de irmãos, a quem chamo a atenção para duas ou três coincidências: 1) Antônio Francisco Lisboa nascera no dia 29 de agosto de 1730, portanto, há dois dias atrás fez 266 anos que nascera. 2) A Loja Antônio Francisco Lisboa, foi fundada em 21 de julho de 1985 e Instalada em 24 de agosto do mesmo ano, ou seja, há sete dias atrás. 3) O sete é o número da harmonia, resultante do equilíbrio estabelecido por elementos dissemelhantes (o número dois é um elemento dessemelhante – é o número dos opostos), o número sete é o equilíbrio, é a harmonia representada pela estrela de seis pontas – o hexagrama – símbolo do nosso condomínio, onde estamos estabelecidos. Portanto, o dia de hoje é mais que propício para tratar do assunto a que nos propomos. Mas vamos falar do nosso patrono.

 

II – O HOMEM

ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA, nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, em 29 de agosto de 1730. Era filho de Manuel Francisco da Costa Lisboa (arquiteto português) e de uma humilde escrava que atendia pelo nome de Izabel – esta fora liberta por ocasião do batizado da criança. Teve dois outros irmãos da mesma mãe e um irmão oriundo do legítimo casamento do seu pai – o Padre Félix Antônio Lisboa. O Aleijadinho teve um filho, aos quarenta e sete anos de idade, a quem deu o nome do pai – Manuel Francisco.

 

Falar de Antônio Francisco Lisboa é falar do arquiteto das estátuas de Pedra Sabão e dos detalhes enobrecedores das Igrejas de Ouro Preto, Mariana, Sabará, São João Del Rey e Bom Jesus de Motosinhos. Essa é a idéia que se forma em minha mente e que eu creio que igualmente se forma nas mentes dos irmãos no momento poético do enlace maravilhoso entre homem e arte, quando a perfeição da arte revela o sentido de uma vida e reflete a expressão de uma obra. É estranho e sensível a expressão que se apodera do espírito ao contemplar aquelas obras a quem a pedra sabão, a madeira, o gesso e por vezes, as palavras destinaram à imortalidade, O ALEIJADINHO morreu a 18 de novembro de 1814, aos 76 anos de idade, mas continua vivo em suas obras e se perpetua na eternidade todas as vezes que pronunciamos o seu nome e esse instrumento de perpetuação nada mais faz do que traduzir a unidade que se reflete na vida que as suas obras representam.

Neste dia de hoje, eu, entretanto, não pretendo falar da arte ou das obras do ALEIJADINHO. Não pretendo me aprofundar em sua biografia e muito menos na indagação se ele foi ou não maçom. Isto o farei em uma outra oportunidade. Hoje pretendo tecer algumas breves consideração a propósito do mal que o acometeu – a sua doença – doença que o tirou do anonimato e o colocou nos degraus da arte suprema ao lado dos grandes gênios da escultura universal. Pretendo, ainda, mostrar aos irmãos que a figura aparentemente pavorosa do gênio da escultura, não era instrumento de repulsa e que o artista apesar da sua feiura provocada pela doença, era muito querido e respeitado em sua comunidade.

ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA era um mulato escuro, corpo cheio e mal formado, tinha testa larga, orelhas grandes, pescoço curto, cabelos pretos anelados e abundantes, nariz um tanto afilado, barba inteira e cerrada, lábios grossos e era de estatura baixa. Assim, o ALEIJADINHO foi retratado por diversos pintores. Diz-se que sabia ler e escrever, mas não consta que tivesse freqüentado alguma outra aula além das primeiras letras, embora fique evidenciado que sabia o latim.

 

Em sua formação e no seu atavismo mesclaram-se as qualidades tradicionais do povo lusitano e brasileiro: parcimônia, mansidão, resistência, tenacidade frente ao duro labor que a vida e a doença lhe impôs – fato que serve de exemplo e amparo quando nos acovardamos diante das dificuldades que por vezes nos tolhem os passos e, quando nos intimidamos diante das nuvens que, não raro, nos sombreiam os horizontes.

A sua vida, em que pese a fama atual, transcorreu no mais perfeito e completo anonimato, tal é a pobreza de informações. Exceto alguns recibos da contratação dos trabalhos realizados e do atestado de óbito, que relata que morreu na rua do Areião, não há outras informações a propósito da causa mortis, da sua doença e da sua vida. Seu primeiro biógrafo – o professor RODRIGO JOSÉ FERREIRA BRETAS, nascera no mesmo ano em que morrera o Aleijadinho (1814) e "Os Traços Biográficos Relativos ao Finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho" só veio a lume 44 anos após o falecimento do artista.

 

III – A DOENÇA

Brêtas ao relatar a doença do ALEIJADINHO, diz que "... as pálpebras inflamaram-se e permanecendo neste estado, oferecia à vista sua parte interior, perdeu quase todos os dentes e a boca entortou-se, como sucede freqüentemente ao estuporado; o queixo e o lábio inferior abateram-se um pouco, o que lhe emprestou uma expressão sinistra e de ferocidade, que chegava mesmo a assustar a quem o encarasse inopinadamente. Perdeu todos os dedos dos pés, o que resultou não poder andar, senão de joelhos; os dedos das mãos atrofiaram-se e curvaram-se, chegando alguns a cair, restando nas mãos os dedos polegares e os índices." A sua nora, Joana Lopes, disse que ele tinha "enormes tumores pelo corpo e uma lesão cortocontusa na pele do abdome."

A propósito da sua aparência, tenho um relato que vou retrata ligeiramente: "Conta-se que, tendo comprado um preto boçal de nome Januário – atentara este contra a própria vida, servindo-se de uma navalha, tendo dito antes, que assim o fazia para não se ver obrigado a servir a um senhor tão feio." Salvou-se e mais tarde tornou-se um bom e dedicado escravo. Chamo a atenção para o fato de ter sido o escravo Januário o encarregado de puxar o burro que conduzia o ALEIJADINHO e nele o colocava e tirava.

 

A propósito da doença – os autores mais prudentes e com mais consciência, não emitem opinião. Outros admitem hipóteses – todas levantadas por médicos e leigos. Devo dizer que não há nenhum registro à época, da sua doença. Não há registro que fora tratado, nem receituário médico ou farmacêutico que ateste qualquer coisa. Segundo, portanto, as opiniões a seguir transcritas foram emitidas por médicos.

LACLETE (1925), em artigo para a Edição Especial do Jornal de Minas Gerais, afirmou ser LEPRA NERVOSA a doença do Aleijadinho;
JOSÉ MARIANO FILHO (1940), concluiu ser o MAL DE HANSEN ou Mal de São Lázaro;
MAURANO (1941), disse tratar-se de um caso raro de LEPRA;
PASSIG (1945), disse tratar-se de ICTUS CEREBRAL ocasionado pela SÍFILIS;
ADAD (1945), concluiu ser LEPRA, mas acha que o Aleijadinho sofria também de HIPERTIREOÍDISMO;
EUGÊNIO MAURO (1950), disse ter sido LEPRA a doença do Aleijadinho.

 

Outros médicos, como AGRIPA DE VASCONCELOS, falou que a doença do Aleijadinho teria sido Seringomielia. FERNANDO LEMOS, disse ser Framboesia Tropical (Bouba). FERNANDO JORGE (Este não era médico) em seu livro – "O Aleijadinho, sua vida, sua obra, seu gênio" – afirmou que a doença do Aleijadinho era "Fécies Leonina dos Morféticos". FERREIRA BRETAS concluiu como sendo o ALEIJADINHO um "Estouporado". Falou-se muito também em "Zamparina".

O Professor ALÍPIO CORRÊA NETTO em sua obra "A DOENÇA DE ALEIJADINHO", descreve, compara e afirma ter sido o ALEIJADINHO acometido de uma "TROMBOANGEÍTE OBLITERANTE", uma gangrena das extremidades das partes afetadas a que se segue a inflamação e à detenção do sangue venoso nas extremidades dos membros, isto é, a falta de sangue arterial ou a falta de circulação sangüínea. Segue-se, nestes casos, as manifestações clínicas da gangrena: dor típica (local), moleza, insensibilidade, diminuição do calor e a parte afetada se faz lívida, seguindo-se as esfoladuras, ficando a parte afetada convertida em uma crosta negra e fétida. Os membros, se não retirados (amputados) caem.

Trata-se de uma doença crônica incluída no campo da ARTERIOSCLEROSE – é uma doença que dura decênios e as dores provocadas pela doença pode ser periódicas ou contínuas. A moléstia encontra sua razão na obstrução dos troncos arteriais e venosos por espessamento de suas camadas internas e coagulação do sangue no seu interior, entupindo-os. Outras enfermidades que também leva à gangrena das extremidades e conseqüentes mutilações, é a ENDARTERITE OBLITERANTE e esta, igualmente, vinculada à ARTERIOSCLEROSE. Esse tipo de mal pode ocorrer em nossos dias, com mais facilidade nos portadores de diabetes, em conseqüências das alterações verificadas neste tipo de doença.

O Professor e Médico – ALÍPIO CORRÊA NETTO, concluiu, portanto, que a doença do ALEIJADINHO foi TROMBOANGEÍTE OBLITERANTE e traçou um quadro comparando os sintomas e sinais da moléstia com a discrição encontrada no trabalho de RODRIGO BRÊTAS.

Os primeiros sintomas da doença apareceram por volta de 1776/1777, quando ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA tinha 39 anos de idade – nesta oportunidade – já era conhecido nos círculos artísticos da região das minas, mas a partir desta data, tornara-se arredio, irritadiço e agressivo, porém nunca parou de trabalhar – só que o fazia à noite e com o auxílio dos seus ajudantes – todos escravos ou ex-escravos. MAURÍCIO (escravo) que conhecia a arte do entalhe, o acompanhava por toda a parte, era ele quem adaptava os ferros (formão) e o macete (malho) às mãos imperfeitas do ALEIJADINHO. Além de Maurício, tinha outros escravos: JANUÁRIO e AGOSTINHO, que os auxiliavam em seus trabalhos.

Sabe-se que ganhou muito dinheiro, entretanto, não reuniu fortuna – não era um homem rico – apesar das inúmeras obras para que fora contratado e dos altos valores pagos pelos trabalhos. Dele diz-se que era descuidado na guarda do seu dinheiro e que de contínuo lhe roubavam. Parte do que ganhava dividia como Maurício e gostava de dar esmolas aos pobres.

 

ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA, apesar de tudo, continuou recebendo encomendas por mais 37 anos após o aparecimento dos primeiros sinais da doença, o que demonstra que era estimado pelos sacerdotes de Vila Rica, Mariana e Congonhas e, ao que nos parece, a sua enfermidade fez a sua fama.

BRÊTAS diz que "... o artista não era repudiado, ao contrário, era procurado. Ele próprio é que se esquivava. A consciência que tinha da desagradável impressão que causava a sua fisionomia o tornava intolerante e mesmo iroso para com os que lhe observavam de propósito, entretanto, ele era alegre e jovial com as pessoas da sua intimidade." Há relatos que costumava ir as missas em sua cadeira, conduzido por dois escravos. Isto quer dizer que freqüentava lugares e trabalhava, como se sabe, dentro e fora das Igrejas. Portanto, ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA era uma figura querida em Vila Rica e adjacências.

 

IV – CONCLUSÃO

ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA – O ALEIJADINHO - foi um exemplo constante de dedicação ao trabalho sério e construtivo, autor de obras que constitui motivo de orgulho para Minas Gerais, para o Brasil e para a nossa Loja. Entretanto, a maior das lições que o ALEIJADINHO nos legou, foi sem dúvida, a de ter perseverado nos seus trabalhos, mesmo depois de atacado pela enfermidade, mesmo aleijado, mesmo como deficiente físico, mesmo quando tinha que ser conduzido para o local de trabalho, de ter, para trabalhar, que adaptar os ferros e o macete às mãos imperfeitas, e lá estava ele, esculpindo paredes, talhando a pedra, moldando a madeira e demonstrando coragem e persistência, quando, a exemplo do que se vê hoje e com toda certeza se via à época, seria muito mais fácil desistir e viver à custa da caridade pública.

Esta perseverança no trabalho, apesar de suas deficiências físicas, essa tenacidade e quase abstinação em realizar seus trabalhos, lutando com tamanhas dificuldades, foi, indubitavelmente, a maior das lições que nos legou o ALEIJADINHO e que nós temos como obrigação ensinar às gerações de hoje e do amanhã.

Obrigado

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