LUZ; A. S.; NUTO; S. A. S. & VIEIRA, A. P. G. F. Vigilância sanitária da fluoretação das águas de abastecimento público no município de Fortaleza – Ceará. In.: FORTE, B. P. & GUEDES, M. V. C. Conhecimento e poder em saúde: cultura acadêmica da prática clínica e social aplicada. Fortaleza: Pós Graduação/ DEN/ UFC.1998. 172 p.
VIGILÂNCIA SANITÁRIA DA FLUORETAÇÃO DAS ÁGUAS DE ABASTECIMENTO PÚBLICO NO
MUNICÍPIO DE FORTALEZA-CEARÁ
*Antônio Sérgio Luz
**Sharmênia de Araújo Soares Nuto
***Anya Pimentel Gomes Fernandes
1. INTRODUÇÃO

O método de fluoretação de águas abastecimento público tem sido utilizado no Brasil desde o ano de 1953, quando a Fundação SESP(Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública) implantou o primeiro sistema de fluoretação na cidade de Baixo Guandú, no Estado do Espírito Santo.2,11,12,16No ano de 1974,  foi instituída a Lei Federal 6.050, que dispunha sobre a fluoretação da água em sistemas públicos de abastecimento. Posteriormente, essa Lei foi regulamentada pelo Decreto 76.872/75 com normas e padrões para a  adequada concentração dos fluoretos na água, estabelecidos pela Portaria Ministerial 635/Bsb de 1975 e redefinidos na Portaria 36/GM em 1990.1,3,4,16A partir de 1987 o Ministério da Saúde estimulou e apoiou a criação dos GECOF(Grupo de Controle de Fluoretação) em diversos Estados brasileiros no sentido de obter informações, acompanhar e avaliar a fluoretação das águas no país.12,14,16. Apesar da legislação vigente, atualmente segundo dados do Ministério da Saúde coletados em 1995, apenas 42,09% da população brasileira e 6,85% da população do Nordeste têm acesso a esta importante medida de proteção coletiva.15

Pesquisas epidemiológicas realizadas por vários autores e serviços públicos de saúde nas últimas décadas em todo mundo, tem constatado a eficácia da fluoretação das águas, constituindo-se em um dos principais métodos coletivos de controle da cárie dental em populações com alta prevalência de doença. De forma geral, a maioria destes estudos apontaram uma redução média de 50 a 60% nos indicadores de prevalência de cárie, quando a medida foi efetuada de forma contínua e sistemática durante pelo menos 10 anos.2,6,7,9,11,12,16 Levantamentos epidemiológicos realizados no Brasil pela Fundação SESP em Baixo Guandú-ES no ano de 1963 e em Barretos-SP em 1981, após 10 anos de fluoretação houve redução de 57,1% e 54,5% respectivamente no CPOD(número médio de dentes permanentes cariados, perdidos e cariados) aos 12 anos de idade. No estudo realizado por PEREIRA et all em 1992 no município de Piracicaba-SP, após vinte anos de adoção da medida encontrou-se em crianças de 12 anos uma redução de 62% no CPOS(número médio de superfícies cariadas, perdidas e obturadas nos dentes permanentes) . MARTILDES et all em 1993, relatou a redução 53% do CPOD aos 7 anos depois de seis anos de fluoretação no município de Icó-CE.8,10,11

Apesar dos comprovados benefícios promovidos pelos fluoretos na melhoria das condições de saúde bucal das populações, deve-se estar atento para os problemas produzidos quando os sistemas de fluoretação não garantem sistematicamente teores aceitáveis de flúor. As medidas de vigilância à saúde relacionadas a fluoretação, ganharam espaço na legislação brasileira a partir da consolidação da Lei Orgânica da Saúde 8.080/90. Em 1994 o Ministério da Saúde regulamenta o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária através da Portaria 1.565 explicitando que compete “ao  Município, executar ações e implementar serviços de vigilância sanitária, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado.” No mesmo ano o Conselho Nacional de Saúde através da Resolução 142 normatiza e resolve:

I . Recomendar a todos os conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, que dêem especial atenção ao cumprimento da lei da fluoretação da água de abastecimento público, para tanto, fazendo gestões políticas aos poderes Legislativo e Executivo;
II. Que a Secretaria de Vigilância, em um prazo de 90(noventa) dias, a partir da publicação desta Resolução, deverá normatizar rigorosos sistemas de vigilância visando:
a Medição de quantidade de flúor natural existente nos mananciais;
b. Verificação dos teores de flúor nas estações de tratamento e em pontos da rede de abastecimento;
c. Verificação da qualidade técnica das fluoretação.3,4,16

No município de Fortaleza-CE em 1989, iniciou-se a fluoretação das águas de abastecimento, sendo realizada pela CAGECE(Companhia de Água e Esgoto do Ceará), através da ETA Gavião. Desde esse ano, segundo informações fornecidas pela CAGECE, o serviço vem sendo realizado sistematicamente sem interrupções. O controle operacional dos teores de flúor é executado na saída da ETA(estação de tratamento d’água) através de medições a cada 2 horas, com utilização do método colorimétrico, estabelecendo-se médias máximas e mínimas diárias, permitindo a avaliação constante dos teores de flúor.2,5,7,16

Apesar da existência do controle operacional na saída da ETA Gavião, as concentrações médias mensais nos anos de 1989 a 1997 encontram-se, na maioria das vezes, variações entre 0,60 a 0,80 ppm, teores considerados aceitáveis para o município de Fortaleza de acordo com a normatização vigente.3,7,17,21 Tendo como referência os dados da CAGECE apresentados na Tabela 1, encontram-se também, nas médias mensais desses anos, alguns meses com teores variando entre a 0,44 a 0,59 ppm, configurando teores de flúor abaixo do aceitável. Estes dados apontam a possibilidade da existência de falhas no sistema de fluoretação do município. Contudo, desde a implantação da unidade de fluoretação na ETA Gavião, nenhuma medida de vigilância à saúde tem sido adotada por parte do poder público Estadual e ou Municipal no sentido de acompanhar efetivamente o processo na ponta da rede de consumo.

 
 

O monitoramento dos teores de flúor presentes nas amostras coletadas em diferentes áreas do município, permitem avaliar a  eficácia do sistema. Os resultados dessas medições sistemáticas permitem detectar possíveis falhas, onde através de uma articulação interinstitucional e intersetorial, possibilita a resolução de problemas ocasionais, pois a interrupção ou desvios contínuos no processo resultarão em desperdício dos recursos investidos ou o que é pior, a ocorrência de fluorose dental na população exposta que se encontra na fase de desenvolvimento da dentição.6,9,12,17,18

A importância deste trabalho reside exatamente na avaliação e formulação de uma proposta político-operacional que viabilize a execução do controle da fluoretação realizada no município de Fortaleza, garantindo a qualidade de vida e saúde da população e o efetivo controle social sobre o sistema de fluoretação das águas de abastecimento público.

Os objetivos do estudo portanto, consistiram em:

A  proposta metodológica consistiu na coleta de amostras d’água distribuídas em nove pontos de bairros da cidade, pertencentes aos diversos Distritos Sanitários do município de Fortaleza: Distrito Sanitário I(Benfica); Distrito Sanitário II(Varjota); Distrito Sanitário III(Edson Queiroz); Distrito Sanitário IV(Messejana); Distrito Sanitário V(Conjunto Prefeito José Walter); Distrito Sanitário VI(Parangaba) ; Distrito  Sanitário VII(Conjunto Ceará); Distrito Sanitário VIII(Antônio Bezerra) e Distrito Sanitário IX(Pirambu). As coletas foram realizadas mensalmente, de acordo as normas da legislação em escolas públicas previamente selecionadas e cadastradas, em torneiras onde recebia água diretamente da rede de abastecimento da CAGECE, na quarta terça-feira  de cada mês, sempre no mesmos horários(11:00 às 14:00 h), durante o período de abril de 1996 a março de 1997.1,16 As amostras foram coletadas em tubos plásticos devidamente preparados. Durante a coleta, os tubos eram lavados previamente com água da torneira onde seria realizada a coleta.  As amostras foram remetidas e analisadas pelo Laboratório de Bioquímica da Faculdade de Odontologia da UNICAMP(Piracicaba-SP) através do método eletrométrico.2,5,7,16

2. RESULTADOS

Após doze meses de coletas sistemáticas na ponta da rede de abastecimento realizadas nos nove pontos mencionados anteriormente, obteve-se os valores expressos na Tabela 2 que segue abaixo.

 

 Ao longo de um ano foram rigorosamente coletadas e analisadas 108 amostras. As amostras remetidas ao Laboratório de Bioquímica da Faculdade de Odontologia da UNICAMP, foram analisadas através do método eletrométrico, considerado ideal para análise dos teores de fluoretos devido a sua alta precisão e especificidade, pois se utiliza de eletrodos específicos para leitura dos níveis de flúor presentes na água. Das amostras analisadas apenas 40,7% apresentavam-se com teores aceitáveis, variando entre 0,6 a 0,8 ppm. Em 59,2% das amostras, os teores apresentavam-se não aceitáveis, sendo que 25,1% encontravam-se com teores abaixo de 0,6 ppm e 34,2% acima dos níveis aceitáveis, ou seja, acima de 0,8 ppm de flúor.
 
De acordo com o Tabela 3, quando analisa-se o monitoramento por Distrito Sanitário(DS) isoladamente, observa-se uma elevada freqüência de meses apresentando teores não aceitáveis de flúor. Neste aspecto as situações mais críticas encontraram-se nos DS II, I, VI apresentado teores aceitáveis em apenas dois ou três meses durante um ano de observação. O quadro mais favorável foi encontrado no DS VII, no qual apresentou oito meses com teores aceitáveis. Levando-se em consideração todos os DS encontrou-se uma média anual de 4,8 meses com teores aceitáveis de flúor.

 
 Observando-se as amostras com teores não aceitáveis abaixo de 0,6 ppm, os DS I e II encontraram-se em pior situação, pois em quatro dos meses observados apresentaram teores bem abaixo do limite aceitável, anulando provavelmente qualquer benefício que poderia ser promovido pela fluoretação. Em todos os DS a média anual com teores abaixo do aceitável foi de 3 meses.
 
O problema mais grave apresentado na Tabela 3 se refere aos Distritos Sanitários que continuamente apresentaram níveis de flúor acima do aceitável. Deve-se estar atento a esta distorção devido a possibilidade da ocorrência de fluorose na população infantil exposta aos altos teores de fluoretos presentes na água de abastecimento. As situações mais críticas também recaem sobre os DS II, VI quando analisa-se o número de meses com teores acima do limite recomendado, nada mais que em seis dos meses observados apresentavam-se enquadrados nestes padrões. Os DS VII e IX apresentavam-se em melhor situação, pois em somente dois meses indicaram teores acima de 0,8 ppm. Ressaltando ainda mais a relevância desta informação, encontra-se observando todos os DS uma média anual de 4,1 meses com teores acima dos padrões aceitáveis.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do controle operacional realizado na ETA Gavião, existe deficiência no sistema de monitoramento devido o método colorimétrico ser de baixa especificidade e precisão, ocasionando uma grande oscilação dos teores flúor presentes nas águas de consumo. Inexiste um programa continuado de capacitação sobre técnicas e metodologias de controle da qualidade da fluoretação das águas, direcionado aos técnicos e trabalhadores da ETA Gavião.

Desde a implantação do sistema de fluoretação das águas no município de Fortaleza, nenhuma medida de vigilância sanitária e epidemiológica tem sido adotada pelas instituições e autoridades públicas competentes, não permitindo uma avaliação concreta sobre os benefícios ou os problemas eventualmente causados pela medida.

Diante dos pontos ressaltados, evidencia-se a urgente necessidade da ampliação do debate acerca do controle social sobre o sistema de fluoretação das águas públicas no município de Fortaleza. A discussão deveria envolver não somente os orgãos e técnicos vinculados a saúde e ao controle da qualidade das águas de abastecimento público, mas sim, o conjunto das organizações sociais, entidades populares e movimentos organizados interessados na defesa da qualidade de vida e saúde das populações.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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 7. MAIER, F. J., Fluoruración del agua potable. México: Limusa-Wiley, 1971. 253p.
 8. MARTILDES, M. L. R., CRISÓSTOMO, F. P., OLIVEIRA, A. W. S., Avaliação da prevalência de cárie dental em escolares de Icó, Ceará, Brasil, após seis anos de fluoretação de águas de abastecimento público. Rev. Div. Saúde Deb., n.10, p.38-42, jun., 1995.
 9. MURRAY, J. J., O Uso Correto de Fluoretos na Saúde Pública. São Paulo: Santos, 1992. 131p.
10. PEREIRA, A. C., BISCARO, S. L., MOREIRA, B. W., Condições Bucais de Escolares de 7 a 12 Anos de Idade, Após 20 Anos de Fluoretação das Águas de Abastecimento Público em Piracicaba,  Rev. Paulista de Odont., Ago. 1993.
11. PINTO, V. G., Saúde Bucal - Odontologia Social e Preventiva. 3ª ed., São Paulo: Santos, 1992. 415p.
12. PIRES FILHO, F. M., BERND, B., ELY, H. C., et al., Flúor. Porto Alegre, SSMA, 1989. 34p.
13. PREFEITURA de Santos/SP divulga resultados do sistema de vigilância sanitária da fluoretação das águas em 1992. Rede Cedros – Bol. Informat. v.2, n.3, p.5, 1993.
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17. SILVA, M. F. A., Flúor Sistêmico: aspectos básicos, toxicológicos e clínicos. In: KRIGER, L.(Cood.) ABOPREV - Promoção de Saúde Bucal. São Paulo: ABOPREV-Artes Médicas, 1997. p.141-165
18. SMYTH, E., TARACIDO, M., GESTAL, J. J., El Fluor en la Prevencion de la Caries Dental. Madrid: Díaz de Santos, 1992. 112p.
 
 

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* Prof. Auxiliar do Departamento de Clínica Odontológica e aluno do Mestrado em Saúde Pública do CCS/UFC
** Cirurgiã-dentista e aluna do Mestrado em Saúde Pública do CCS/UFC
*** Aluna de Graduação do Curso de Odontologia do CCS/UFC
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