XIV ENATESPO
III Congresso Brasileiro de Saúde Bucal Coletiva
SUS, Saúde Bucal e as Reformas do Estado
 
BEM VINDOS À PROVÍNCIA DO SIARÁ GRANDE!
 

Poeta cantô da rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.
 

Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá,
Por favô não mêxa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá !!!

Colegas participantes do XIV ENATESPO e III Congresso Brasileiro de Saúde Bucal Coletiva. Queremos recebê-los hoje com estes versos do trovador cearense Antônio Gonçalves da Silva, o PATATIVA DO ASSARÉ, o maior poeta popular vivo do mundo.

Sejam muito bem vindos e se apossem desta terra como o fez, há séculos, o lusitano Martim Soares Moreno, que em companhia de sua Iracema, como romanceou o grande José de Alencar, administrou estas lonjuras para os reis de Portugal, ora com o nome de Nova Lusitânia, ou Nova Lisboa, ou Fortaleza de Nova Bragança e por fim Siará Grande com a sua Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Teve por vezes de afugentar os Normandos com a sua França Equinocial ou os Flamengos com a sua Companhia das Índias Ocidentais em busca do pau de tinta tão precioso a que chamavam Brasil, mas fez a terra sua convivendo com a gente nativa.

Respirem os ares destes mares bravios, verdes e salgados deste sal que são lágrimas de Portugal como disse o Poeta Fernando Pessoa mas que também são lágrimas destas mulheres cearenses à espera cotidiana dos seus jangadeiros, esta gente miúda e tostada de sol que repentinamente pode cruzar com vocês ao longo da Beira Mar, pela manhã ou à tardezinha, indo ou voltando de sua faina diária; os mesmos Dragões dos Mares que, se antes não embarcavam mais escravos, hoje abrem sua velas no Mucuripe para pescar o alimento de cada dia.

Recebam todos o abraço desta gente cearense, hospitaleira e de coração bom apesar da aspereza da terra a quem muitas vezes e ciclicamente os céus negam a chuva redentora, a água salvadora que nos é tão preciosa como preciosas são as ainda jóias da Coroa que o Imperador nos prometeu e nos esqueceu de enviar para amenizar nossas mazelas seculares.

Talvez e com certeza por isto é que esta gente cearense possui este espírito tangerino e errante, esta coragem de sempre ir mesmo na incerteza do retornar, esta mania de se achar em qualquer lugar do mundo como se o mundo fosse todo o seu lugar, esta coisa de partir sem passagem para voltar, apenas com a certeza de mandar a notícia, por quem sabe escrever, para quem ficou a esperar. Esta vontade do fazer antes, do se antecipar, como o fez em 1817, proclamando a República do Ceará, antes que o Imperador Pedro I se rebelasse contra as Coortes de Lisboa e proclamasse a Independência, fazer a Confederação das Províncias Unidas do Equador, antes que o Imperador Pedro II perdesse o Império, libertar os Escravos antes que a Princesa Isabel assinasse a Lei Áurea e tomar o Acre à Bolívia antes que o Barão do Rio Branco determinasse as nossas fronteiras. Esta é pois uma característica da alma Cearense. O sentimento de logo fazer e não esperar por quem o faça. É uma gente errante para quem nada é distante e tão longe que não se possa alcançar. Uma gente para quem São Paulo é logo ali e que lá foi para os andaimes de concreto nas alturas ou para o cavar a terra nos imensos túneis, ajudando a construir a maior metrópole da América do Sul sem despovoar o Norte, pois que retornava na primeira volta da Asa Branca ou no primeiro ronco do trovão. Uma gente que pegou o vapor para a Amazonia e adentrou a floresta na busca da borracha porque "se é o Brasil que precisa e se é para ir, agente vai e se não for para voltar a gente não volta e manda notícia por quem vem".

Certamente aqui, caro colega de Enatespo, resida esta hospitalidade do Cearense: certamente antes de você pisar o nosso solo nós já tenhamos pisado o seu e para nós você já seja muito mais próximo e amigo do que pensa ou possa ser.

A alma do povo cearense, caro colega de Enatespo, é a alma de um povo que tanto ri como chora, que tanto briga como canta porque a terra ou o destino o fez assim e assim ele vai e volta tocando a vida que ora diz lhe pertencer e ora diz pertencer a Deus.

De uma certa feita riu muito e vaiou o Sol em plena Praça do Ferreira porque demorou-se preguiçoso entre as nuvens da manhã para só aparecer, sonolento, ao meio dia. E isto não é coisa que se faça mesmo em se tratando do Astro Rei...

Chora, como chorou, quando se foi o seu grande Santo e Patriarca da Fé do Povo Nordestino: o Padim Cíço Romão Batista naquele triste dia em que um poeta chorou no repente de sua viola:

"A terra estremeceu,
O sol apagou a luz,
Pois sua morte pareceu,
Com a morte de Jesus ".

É um povo que briga e seu espírito belicoso tanto o fez proclamar sua efêmeras repúblicas, quando o Brasil ainda era Império, como também vestir as fardas de Voluntários da Pátria e partir rumo ao Paraguai na persiga contra Solano Lopez e que acompanha seus grande profetas como o fez com o Bom Jesus Conselheiro, o Cearense Antônio Mendes Maciel, que partindo das terras de Quixeramobim percorreu o Nordeste reformando cemitérios e construindo Igrejas pois como devem ser belas as casas de oração dos vivos devem ser dignos os recantos de repouso dos mortos. Construiu sua Canudos, na esperança de um dia o sertão virar mar e de plantar uma sociedade comunitária onde todos fossem iguais. Morreu só. Do seu reduto sobraram cinco viventes: dois velhos, dois homens e uma criança depois de enfrentar cinco expedições do Exército. Morreu como os santos, ao entardecer, na hora em que o sol morre para no outro dia reaparecer com a mesma força e vigor.

O Cearense canta. E canta a sua tristeza ou a sua alegria na voz dos seus cegos de feira, na voz de Cego Aderaldo ou do Cego Oliveira ou ainda na voz dos seus cantadores que nos seus repentes e desafios e no planger de suas violas jogam para fora todo o sofrer sertanejo no aboio dos seus vaqueiros e nas alegrias da gente litorânea, nos Galopes-à-Beira Mar como agora farão Raimundo Adriano e Antônio Jocélio, dois dos nossos maiores repentistas que lhes darão melhores boas-vindas no ponteio das violas.

E se por acaso, caros colegas do ENATESPO, vocês ouvirem uma voz distante e perdida em algum recanto desta Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção ou o choro de alguma viola acompanhando estes versos:

"Meu rifle atira cantando,
Em compasso assustador,
Faz gosto brigar comigo,
Porque sou bom cantador,
Enquanto o meu rifle trabalha,
Minha voz longe se espalha,
Zombando do próprio horror!"

Não há motivo de preocupações pois na realidade é a voz perdida nas caatingas nordestinas do Capitão Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, que sempre respeitou estas terras cearenses nas suas andanças de Governador do Sertão em missões de vingança, justiça, cuidados e brigadas que completa neste l998 sessenta anos de morte matada e atraiçoada porque:

"Se era brabo ou era malvado
Virgulino Lampião
Era, porque não dizer,
Nas fibras do coração,
O retrato mais fiel
Das caatingas do Sertão!"

Fortaleza, 18 de Agosto de 1998.

Expedito Maurício da Silva, CD
Técnico da Divisão de Saúde Bucal

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