XIV ENATESPO
III Congresso Brasileiro de Saúde Bucal Coletiva
SUS, Saúde Bucal e as Reformas do Estado

RELATÓRIO FINAL DA REUNIÃO DO CFO
COM OS COORDENADORES DOS CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO EM ODONTOLOGIA
EM SAÚDE COLETIVA
10/08/98.

PROPOSTAS PARA MUDANÇAS NA REGULAMENTAÇÃO DOS CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO EM ODONTOLOGIA EM SAÚDE COLETIVA, PRATICADA PELO CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA - CFO

Este documento é resultado de um processo de discussões iniciado em 1996 no XII ENATESPO e I Congresso Brasileiro de Saúde Bucal Coletiva realizados em Curitiba-PR, ampliadas em plenária do XIII ENATESPO e II Congresso Brasileiro de Saúde Bucal Coletiva realizados em Cuiabá-MT e aprofundadas em oficina de discussão no XIV ENATESPO e III Congresso Brasileiro de Saúde Bucal Coletiva realizados em Fortaleza-CE, em agosto de 1998.

Este processo de discussão ocorreu em função do aumento exponencial da oferta de cursos de especialização em Odontologia em Saúde Coletiva, bem como do acúmulo de dificuldades enfrentadas quando do reconhecimento dos mesmos junto ao Conselho Federal de Odontologia.

As dificuldades acumuladas referem-se a dois grandes grupos de questões: (i) o entendimento conceitual restrito manifestado nas normas do CFO sobre Saúde Coletiva e, por derivação, Saúde Bucal Coletiva; (ii) as características próprias da formação em Odontologia em Saúde Coletiva.

Quanto a questão da ampliação do entendimento conceitual sobre Saúde Coletiva, há que sedestacar que esta área de conhecimento surgiu na história brasileira no início dos anos 80 comoesforço orgânico ao processo da Reforma Sanitária. A Saúde Coletiva surgiu também como encontro de produção e formação acadêmicas originários de três áreas já existentes e até então não reunidas: (i) a tradicional Saúde Pública brasileria; (ii) as Medicinas, Odontologias, Nutrição etc. Preventivas e Sociais; (iii) as Ciências Sociais e suas diversas disciplinas.

Ao longo dos últimos dez anos, as questões de saúde bucal foram crescentemente recuperadas como objetos de investigação, comunicação e formação, num processo tal que veio a constituir a Saúde Bucal Coletiva, como parte articulada e interna ao campo disciplinar maior que é a Saúde Coletiva.

Estes acontecimentos históricos apontam para o fato de que tanto a Saúde Coletiva, quanto parte dela, a Saúde Bucal Coletiva, nasceram sob o signo da multiprofissionalidade e da interdisciplinariedade.

Estruturada a partir destes marcos conceituais, referenciais e históricos, a formação ao nível de especialização em Odontologia em Saúde Coletiva, ao recorrer aos conhecimentos da Saúde Coletiva (inclusos os da Saúde Bucal Coletiva), adquiriu atributos tais que em muito a diferenciou das especializações odontológicas clínicas, sejam quanto aos aspectos de suas demandas, ou quanto às concepções, às estratégias de institucionalização, às formas de realização ou a tantos outros aspectos inerentes.

Estas características próprias somam-se ao fato de que as práticas dos especialistas em Odontologia em Saúde Coletiva também assumem especificidades por serem majoritariamente realizadas no interior do Sistema Único de Saúde.

Só a partir do entendimento da matriz multiprofissional e interdisciplinar que funda estas áreas do conhecimento, bem como da associação histórica da mesma com a construção do sistema nacional de saúde brasileiro, é que se consegue compreender e explicar as características próprias da formação em Odontologia em Saúde Coletiva.

As especificidades e a complexidade da Saúde Coletiva fazem com que várias determinações identificadas na resolução do CFO para o reconhecimento dos cursos de especialização, por serem gerais e inespecíficas, entrem em franca contradição com os desígnios e necessidades da Saúde Bucal Coletiva.

Uma primeira limitação estrutural diz respeito à impossibilidade de explicar e defender o conceito de área de concentração e de área de domínio conexo à luz da interdisciplinariedade que caracteriza a Saúde Coletiva e a Saúde Bucal Coletiva. Afinal, as disciplinas da tradicional Saúde Pública (Epidemiologia, Planejamento, Políticas, Vigilância Epidemiológica, Vigilância Sanitária etc.), da Odontologia Preventiva e Social (Cariologia e Prevenção, Odontologia Simplificada, Ergonomia e Bio-segurança, Odontologia Integral, Sistemas de Atenção Odontológica, Administração e Gerência dos Serviços Odontológicos etc.), das Ciências Sociais aplicadas à Saúde (Sociologia, Antropologia, Políticas Públicas, além da Educação, Direito, Filosofia, História, Economia, Administração, Geografia, Ecologia), todas, sem exceção, somadas a muitas outras tais como Métodos Quantitativos e Informática, são disciplinas próprias da Saúde Coletiva quando fornecem o instrumental teórico-metodológico que ampara a produção do conhecimento e valida cientificamente as práticas públicas em saúde, de alcance e determinação coletivas. Pelo exposto acima, necessitamos que o CFO considere na especialidade de Odontologia em Saúde Coletiva, a unificação das áreas do curso com a abolição da dicotomia entre Concentração e Conexo.

Outra limitação, à luz da multiprofissionalidade que caracteriza a Saúde Coletiva e a Saúde Bucal Coletiva, diz respeito à impossibilidade de explicar e defender a determinação de que os professores da Área de Concentração sejam somente especilistas da área. Consequentemente, sejam somente Cirurgiões Dentistas e especialistas em Odontologia em Saúde Coletiva. Isto é radicalmente contraditório com a dinâmica da área porque o traço comum de identidade do participantes da Saúde Bucal Coletiva não é a formação ao nível de graduação ou pós-graduação dos mesmos, mas sim, o objeto de trabalho: a saúde bucal enquanto fenômeno social complexo. Quando a resolução se fecha em especialistas da área, ela não considera que também são especialistas na área (entendimento que deveria ser compartilhado pelo CFO), todos os Cirurgiões pós-graduados em quaisquer dos cursos listados anteriormente. Quando a resolução também se fecha em Cirurgiões Dentistas para serem professores na área de concentração, exclui todos os demais profissionais da Saúde ou de outras áreas que vêm dedicando esforços para o desenvolvimento e avanço da Saúde Coletiva enquanto área do conhecimento e da formação.

Pelo exposto acima, necessitamos que o CFO considere como professores nos cursos de especialidade de Odontologia em Saúde Coletiva, a abolição da exigência de que os professores sejam apenas Cirurgiões Dentistas. O que deve ser exigidio dos professores é uma formação em pós-graduação e uma prática acadêmica que indiquem suficiência frente ao objeto da Saúde Bucal Coletiva.

Para os professores que são Cirurgiões Dentistas, o CFO deve exigir especialidade na área, desde que passe a considerar todo o universo de Cirurgiões Dentistas pós-graduados em Saúde Coletiva e não só os especialistas em Odontologia em Saúde Coletiva. Para tanto, os critérios que sugerimos para reconhecimento da especialidade são apenas dois: (i) ter trabalho final de curso (monografia, dissertação ou tese) cujo objeto central seja uma questão de Saúde Bucal em sociedade; (ii) apresentar carga horária total de no mínimo 500 horas, independente das disciplinas cursadas.

Outra limitação refere-se à inadequação do estabelecimento de carga horária para as atividades teóricas e práticas. Há uma predominância da carga horária teórica nos cursos de especialização em Odontologia em Saúde Coletiva em função de que as reflexões, identificadas como atividades teóricas, são sempre referenciadas no conjunto das práticas para a construção e operação da saúde bucal no Sistema Único de Saúde, cujo enfoque se faz a partir de uma abordagem gerencial e assistencial que não só inclui o espaço social da clínica, porém o ultrapassa, para alcançar os diversos espaços de vivência complexa em nossa sociedade.

Pelo exposto acima, necessitamos que o CFO considere nos cursos de Odontologia em Saúde Coletiva a flexibilização da relação teórico/prático na carga horária, definindo em mínimo de 20% da carga horária total, realizada mediante ações na rede pública do SUS com as seguintes atividades: (i) assistenciais extra-clínicas; (ii) gerenciais; (iii) investigação e pesquisa operacional; (iv) comunicação dos resultados da investigação no formato de monografia de estágio e de artigo científico.

Necessitamos que o Cfo também considere a flexibilização da relação da carga horária semanal para os cursos de Odontologia em Saúde Coletiva, a ser redefinida em novos termos: mínimo de 12 horas e máximo de 48 horas, que viabilizem cursos modulares.

Outra limitação refere-se à inadequação da exigência de que o professor de Ética e Legislação Odontológica seja especialista nesta área, um vez que a área desenvolve historicamente conhecimentos e discussões a partir das disciplinas de Ética, Ética Humana e Bioética, cujos conteúdos são recuperados nas Ciências Sociais e na Filosofia. Destaca-se, também, que a área tem tradição em discutir legislação odontológica.

Por fim, há que se considerar com mais cuidado as questões referentes ao grau de ingerência das normas do CFO sobre as Instituições de Ensino Superior (IES) quando considerado o princípio da autonomia universitária. É praticamente impossível explicar e defender por que o CFO não reconhece o princípio da autonomia universitária para as especializações quando, paradoxalmente, o mesmo registra o diploma de graduação apresentado por todas as IES reconhecidas pelo Ministério da Educação. Neste ato, de muito maior importância profissional, o CFO procede sem qualquer sobre-normatização referente aos currículos mínimos e às estruturas dos cursos. No entanto, procede de forma oposta e contraditória no que se refere à formação ao nível de especialização prestada pelas mesmas instituições.

Pelo exposto acima, sugerimos que o CFO reconheça e preserve o princípio da autonomia universitária tão larga e historicamente defendido pela comunidade universitária nacional.

Aproveitamos a oportunidade para manifestar o reconhecimento deste XIV ENATESPO e III Congresso Brasileiro de Saúde Bucal Coletiva dos esforços dispendidos pelo CFO na busca da regulamentação da Odontologia em Saúde Bucal Coletiva como especialidade. Neste sentido, merece destaque a realização da ANEO em 1992, como um marco do início deste processo. No entanto, decorridos seis anos, as experiência acumuladas apontam para a oportunidade de se retomar as discussões, bem como a necessidade de se suprir as deficiências apontadas neste documento, buscando avançar os instrumentos reguladores com movimentos participativos de discussão e instituição das normas.

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