P RO J E TO    N O V O S    A U T O R E S


  TERÇA-FEIRA DE MADRUGADA  

  Michel Lacombe

Volto para casa com as mãos nos bolsos e andando depressa, para espantar o frio. Essas noites do outono são-carlense mais parecem noites de inverno de tão tristes e geladas. E são principalmente tristes. Mas eu não estou nem alegre nem triste. Estou apenas com pressa. Tenho que chegar o quanto antes ao meu destino. A frase que me acompanha fala sobre todas as noites do mundo. Então ela também fala dessa noite, onde nem um animal caminha por aí. A frase diz que “as noites mais tristes são aquelas sem amor”. Não, ao contrário, eu não estou caminhando por causa de amor. Ou pela falta dele. Nem por, nem contra o amor, pessoa, ou ninguém. Estou apenas voltando para a casa após uma noite mais longa que o normal.

O céu tem uma lua cheia parecendo uma bola de futebol e está sem estrelas. As estrelas, que antes guiavam os que caminhavam, não me acompanham. Sou anunciado pelos cães que ladram, quando eu passo pela porta das casas que eles vigiam. Ninguém sai para ver o que é. Não são todas as ruas que têm cachorros. Algumas não possuem nem iluminação. Em uma onde falta luz e eu quase tropeço em um galho de árvore. Já em uma das ruas com boa iluminação eu vejo uma lata de refrigerante e chuto, apenas por chutar. O barulho, naquele grande silêncio, faz eco em minha alma.

Não trago cicatrizes da noite. Nem no corpo, nem na alma. O meu caminho é resignado e sereno. Quem sabe uma blusa a mais ou uma blusa mais grossa me fizesse mudar as idéias que trago comigo. Mas trago tantas outras coisas quanto posso carregar. Nos meus bolsos, no meu peito, na minha cabeça. Coisas que uma blusa a mais ou uma blusa mais quente não me ajudariam a esquecer ou, na melhor das hipóteses, perder.

Por andar rápido, o meu respirar é ofegante. Ar quente com ar frio faz aquela fumaça que tanto gosto de ver. Queria perder algumas coisas que andam comigo. Se eu correr talvez não pense mais em tantas coisas e, por conseqüência, eu as perderia da lembrança, perderia da memória. Aliás, quando se está andando é melhor não pensar em nada. Não vou pensar no que eu deixei para trás. Não vou pensar no que carrego comigo. Por dentro ou por fora. Vou apenas andar, querendo chegar o quanto antes em casa, tomar uma bebida bem quente e entrar debaixo dos cobertores e dormir até o despertador tocar, me acordando para mais um dia.

Um dia como tantos parecidos nessa cidade de São Carlos, onde sou apenas mais um nas filas de xerox, na fila do R.U., na fila da Biblioteca, esperando alguém desocupar o computador na SIn.  Mais um que vai se sentar no P.Q., pensando nos estudos, nos seminários e nas provas.

E no meu peito restará apenas o silêncio.


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