Primeiro Sarau Literário da UFSCar - aconteceu no dia 11 de maio do ano 2.000, no ano final do Século XX e do 2° Milênio


Força Elementar

Ao se apagarem as luzes, renasce a esperança. Ao ser desligado o tempo artificial do homem tecnológico, com um "click", recupera-se a visão antes ofuscada: as pessoas têm luz. O humano é um ser iluminado, de uma luz muito mais bela, de uma claridade insuperável. De uma luminosidade invisível aos olhos nus.

Para ver a vida, os olhos precisam vestir-se com o instrumento adequado. A ferramenta imaterial. A alma. A essência. E não há camada feita pela ignorância humana que possa substituir a simplicidade, a quietude, a originalidade e a força de um momento vivido e não fingido, munindo a visão.

Não há ilusão ou mágica, nem ideologia capaz de superar a corrente primitiva, o sopro elementar, frágil, vulnerável, sutil, quase imperceptível, porém, a única linha que conduz. O único caminho a percorrer, de onde partem todas as ramificações, todas as alternativas.

A força elementar. A única eterna e renovada, a cada momento. A fonte irradiando o ser. A autenticidade, a plenitude, a realização, o todo e a parte, o mundo e o eu, o eu e o não eu, o outro e o nós. A luz que não pode ser vista mas apenas evocada, buscada, refletida, encontrada e vivida.

A chave de todos os mistérios e segredos da vida e do universo. O conhecimento em sua forma pura, completa e natural. A consciência perdida no redemoinho eletrônico está de volta e não pode ser novamente devorada pela insanidade coletiva.

Todos estão visíveis. Encontraram-se as pessoas, finalmente. Não há apetite, interesse, cobiça, inveja, ódio, medo, manipulação, planejamento. Apenas nós. Nós estamos ali e estamos vivendo. A nossa vida. Vivemos a nossa vida e não a dos seres atormentados que desejam nos dominar, acorrentar e governar.

Na escuridão da sala, a chama de uma única vela faz as sombras dançarem. Os espíritos estão em festa. Quem fala é um de nós.É João Cabral. Mas ele não está ali. Ah sim, está, pois é ele quem nos fala. E nós finalmente escutamos, João! Escutamos João Cabral, Ferreira Gullar, Marina Colasanti e muitos poetas, ainda desconhecidos, mas poetas, sim. Nós finalmente conseguimos escutar.

Não há aqui os editores desacreditando as nossas qualidades, desestimulando essa atividade sagrada a que nos entregamos. Não estão presentes as editoras vorazes, querendo se apropriar de quase toda a riqueza produzida e, para isso, bloqueando e asfixiando a arte que transpira espontaneamente na vida de cada um.

Deixamos para trás a realidade sufocante produzida pela aliança informal das grandes corporações econômicas, dos monstruosos aparatos de Estado, e mesmo dos pequenos e pobres tiranos, dos quais este mundo infelizmente anda repleto.

Ludibriou-se as normas e regulamentos, as falsas leis, a falsa moral, as exigências burocráticas e as nossas próprias limitações, forçosamente internalizadas, por pressão das circunstâncias amplamente desfavoráveis. Estivemos muito além, muito acima, fomos muito adiante de todas essas bobagens humanas, dessa pequenez existencial. Nós vivemos. Vivemos mesmo. Respeitamos o que mereceu respeito. E isso gostaríamos de transmitir a tantos quantos também puderem nos ver. Com os olhos da alma.

Estamos renovando um certo apelo. Que estas palavras se espalhem por todos os meios possíveis.Chega de (não) viver como escravos, nessas senzalas modernas! Chega de viver calados, como animais enclausurados em jaulas! Basta de submissão a pessoas que nem sabem quem são, nem sabem o que fazem, nem sabem que existem. Nem sabem que são pessoas.

A vida acontece numa dimensão um pouco diferente daquela que seria mais fácil, que já chega pronta, que aparenta ser nossa amiga, ou parece ser a mais lógica. Para viver é preciso um mínimo de orientação e de persistência, é um pouco mais árdua do que a oferecida pelas propagandas, mas nada se iguala à sensação de estar realmente vivo. De ter superado todos os ardis e arranjos preparados pela mediocridade, pelo obscurantismo e pelo desespero que invadem, roubam e arrancam tantas pessoas de seus legítimos caminhos.

Esta foi a força elementar que nos iluminou e alimentou durante a realização de um pequenino sarau literário, e queremos dividir com  vocês essa experiência simples e inesquecível.

 

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