Auto retrato do
autor : Janeiro de 1970
João
Manuel Valente Nogueira
AURORAS
DO SUL
Poesia
Todos
com alegria,
Ao
berço viemos parar,
Nesta
alegre companhia,
Nada
deve faltar.
Allah’u
há k’Bar,
Clama
o muezzin,
Lá
do sul a chamar,
Por
todos sem fim.
Quando
99 chegar,
Allah’u
há k’Bar,
Clama
nosso emir,
Eli
adonai evenu,
Ouvimos
nas alcaçarias,
Correi
senhores a Alfagar.
Vivam
todos pois,
Os
que estão,
Em
grupos talvez de dois,
Ao
sul queremos que vão.
Allah’u
há k’Bar
Alfagar
espera-nos
Viva
o Profmat
De
1999 em Portimão
No
Alfagar.
Do
minarete alto,
O
muezzin cantando;
À
volta vai olhando,
E
fica em sobressalto.
Um
movimento estranho,
Nas
rotas ele nota;
Uma
multidão que brota,
Em
caravanas de grande tamanho.
Cadis
diversos vêm chegando,
De
Shelb e vizinhas cidades;
E
notáveis em saber e idades,
Com
muitos Raís se juntando.
Da
Lusitânia e do Gharb, tal gente,
Chega para que a velha Cabala,
Que divina sabedoria iguala,
Dê lugar à Ciência eloquente.
Na Escola de Ibn Al Eixo,
Poeta que d’Al Mu’tamid teve o valor;
Todos labutam com grande calor,
Sem desfalecer nem desleixo.
De coração vos saúdam todos,
Dignos cadis, raís digníssimos;
Que todos sejam felicíssimos,
Que haja alegria a rodos.
Escutai
mui alta e digna gente,
Desta
solene mesa a apresentação,
De
Harum veio o cadi que da Educação,
No
Gharb tem o poder no presente.
Da
cidade o Cadi naturalmente,
Em
tal mesa também seu lugar tem;
Ao
qual se junta como convém,
O
cadi da Escola, certamente.
Mas há mais concerteza,
O cadi da APM, presidente,
Da
organização, boa gente,
E
orador, que à sessão dá beleza.
E
nesta conformidade passemos,
Já
devidamente acomodados;
Àquilo
pra que estamos convidados,
O
nosso encontro comecemos.
Saudações e agradecimento
pessoais dum humilde rabi judeu-cristão João Ben Nogueira
Ó
Raís Ibn Baeta Ben Oliveira,
A
Ibn Sina tão semelhante;
Por
misto judeu e mouro talante,
Saúdo
pela grande canseira.
Ó
Raís Ibn Bacalhau, brincando,
Saúdo-te
também certamente;
Pois
que entregue e alegremente,
Nesta
azáfama vens apoio dando.
Da
Dantas cadi eterno,
Raís
Ibn Abundâncio, amigo;
Não
decerto por castigo,
Saúdo
no berço paterno.
Ó Cheikh el-raís Ben Próspero por terno,
Cadi
honorário sejas nomeado;
Fundador
nosso homenageado,
Por
mim, em abraço apertado e fraterno.
Quanto
esforço reconheço,
Feito
com garra e emoção;
Do
fundo do coração,
Todos
abraço e agradeço.
Terra
de Judeus e Sarracenos,
Às
doces vinhas convertidos,
Ao
Corão pecados cometidos,
Pelos
vinhos cálidos e amenos.
Regressados
que estamos,
Do
Gharb às origens sagradas;
De
doces mouras encantadas,
Doce
Shelb que tanto amamos.
Como
os vinhos, as mulheres são,
Aqui
de seios belos e fartos;
Que
aguardam languidas nos quartos,
Dos adarves do seu coração.
Shelb
dos bispos, príncipes e poetas,
Do
Arade rainha gloriosa;
Do
Al Andaluz pedra preciosa,
Da
Matemática faz-nos Profetas.
Tá
pràqui tudo marafado,
Com
fome com tanta comida,
Com
sede com tanta bebida,
Que
tou ficando banzado.
Mesa
farta concerteza,
Pra
tanta gente de fora,
Que
importa onde se mora,
Quando
é farta a boa mesa.
O
Profmat noventa e nove,
Já
está para nos deixar,
Separação
que nos comove,
De
que ninguém se vai queixar.
O
Bacalhau já recolheu
Assinaturas
numa canseira,
Pró
próximo que se escolheu,
Na
linda ilha da Madeira.
Transporte
também não falta,
Que
o avião coisa moderna,
Que
prolonga a perna,
E
leva toda a malta.
Ora
vamos às despedidas,
Até
à próxima trabalheira,
Organizem
já essas vidas,
Até
dois mil, até à Madeira.
Dos
Profmat não se diga,
Que
são esquecidos ou ingratos,
Que
somos inócuos são boatos,
Por
isso a tal ninguém liga.
Aqui
bons tratos recebemos,
Pratos
diversos boas iguarias,
Com
todas as regalias,
O
que todos agradecemos.
Nota de cultura judaico -
muçulmana:
Al Mu’tamid e Ibn Ammar – Príncipes, filósofos
e poetas do período da ocupação muçulmana
Cabala
– Interpretação agnóstica judaizante do conhecimento e da religião.
Cadi
– chefe ou leader (de instituições ou localidades, director com funções de
juiz).
Cheikh
el-raís – mestre dos mestres.
Ibn
Sina – Sábio oriental conhecido no ocidente por Avicena.
Muezzin
– Anuncia a oração muçulmana.
Rabi
- Mestre judeu em algum saber.
Raís – Mestre mouro em algum saber.
Shelb
– Silves muçulmana (terra de Al Mu’tamid e Ibn Ammar).
Allah’u
há k’Bar – Alá é grande
Eli
adonai evenu – O Senhor é o teu Deus
ProfMat2000 Funchal
No Avião:
Antes
de mais perdão peço,
Por
ser um pouco ligeiro;
Talvez
até algo brejeiro,
Com
quem nem conheço.
Por
cima no ar cá vamos,
Voando
prá Madeira a preceito;
Com
algum buraquinho estreito,
Pró
Jardim assim vamos.
Assim
unidos em aperto,
Vai
cada um certamente;
Compenetrado
algo em mente,
Pra
destino algo incerto.
Já em terra:
Do
norte e do sul todos vieram,
Ráis,
rabis, mesteirais serão;
Todos,
todos se verão,
Na
Madeira como quiseram.
Enquanto
voava escrevi,
Estes
versos atravessados;
Momentos
depois passados,
Não
sei como me atrevi.
Quando
ontem abalei,
Pró
Funchal no avião;
Mal
sabia a precisão,
Dum
barrete que regalei.
Serei
judeu entre judeus,
Será
certo se pense,
Que
serei madeirense,
Por
questão de chapéus?
Fiquei
algo preocupado,
Tinha
perdido o chapéu;
Encontrá-lo
foi o céu,
Que
estou algo constipado.
Creio
que não compense,
Uma
oferta não dá frete,
Mas
agradeço o barrete,
Tradicional
madeirense.
Não
foi decerto ferrete,
A
oferta que reconheço,
Jeitosa
e agradeço,
O
tradicional barrete.
No jantar do ProfMat:
Enquanto
espero comer,
Uns
versos vou fazendo;
O
que sinto vou dizendo,
Por
nada ter a temer.
Aqui
na Madeira estamos,
Reunidos
em função;
Estamos
todos na presunção,
Daquilo
que todos esperamos.
Do
ProfMat estamos a meio,
Somos
os algarvios marafados;
Boas
comidas, palestras e fados,
E
ainda se arranja um passeio.
Jantar
do XI encontro Algarmat2001
Lagos
2-4-2001
Reunidos
mais uma vez,
No Garb
reino encantado,
Neste
Prof marafado.
Neste
sul ocidental,
Reunidos
de vez em quando,
Destino
quase fatal,
Quem
sabe sob alto mando;
Temos
encontro marcado,
Em este
tempo chegando,
No Garb
reino encantado.
Praias
trigueiras e doces,
Dão
na vista nestas terras,
Qual
sangue mouro de moças,
Qu’encantadas
Garb encerras;
E num
ímpeto danado,
Limpamos
cabeças perras,
Neste
Prof marafado.
Louvor e Graças pelas
Bodas
de Ouro dos meus Pais
Senhor,
agradeço-te,
Porque
os uniste;
Por
isso peço-te,
A graça
que persiste,
Que
dá força e une,
Este
laço permitido,
Que
ao mal é imune,
E à
vida dá sentido.
Senhor,
dá-lhes vida,
A
minha mãe querida,
E
meu querido pai,
Vida
sempre unida,
Que
não pende, nem cai.
Por
toda esta vida,
De
olhos postos em ti,
Pela caminhada vivida,
Pelo amor que senti,
Porque os fizeste,
Chorar, sorrir,
Amar, sentir,
Porque lhes deste,
De carne o coração,
Por cinquenta anos,
De dois corações humanos,
É que nesta oração,
Te agradeço,
E te peço,
Abençoa-nos a todos,
Ilumina-nos com tua luz,
Dá-nos graça a rodos,
Vem Senhor e nos conduz.
Ilumina-lhes o caminho,
Põe-lhes na vida sonho,
Dá-lhes o nosso carinho,
Na vida que proponho,
Mais tempo lhes dês,
No Pai, no Espírito, em Cristo,
Cheia de paz e amor,
Cheia das tuas mercês;
E ainda por tudo isto,
Te agradeço Senhor.
Amen.
Ao
avô qr’rido que tive,
O
seu sorriso maroto,
Que
saudade lhe devoto.
Recordo
aquele cinema,
Ao
ar livre na esplanada,
Meu
avô na noite amena,
A
ver filme de capa e espada,
Me
acompanhou próprio moto,
Convertendo
em gargalhada,
O
seu sorriso maroto.
Quase
sempre grave e sério,
Era
meu avô paterno,
De
gostos nada moderno,
Mas
por vezes qual mistério,
O
tal sorriso maroto,
Fazia-lhe
um despautério,
Que
saudade lhe devoto.
Meu avô materno então,
Muito carinhoso e dado,
Viveu sempre apaixonado.
À tarde aqueles passeios,
Que menino me levava,
A ver de beleza cheios,
Os caminhos por onde andava,
Já velhinho, já curvado,
Falando que me encantava,
Muito carinhoso e dado.
E lembrava com saudade,
Doutros tempos o encanto,
Do Brasil necessidade,
Ia ternamente contando,
Factos de tempo passado,
Doces amores lembrando,
Viveu sempre apaixonado.
JANTAR DE DESPEDIDA E HOMENAGEM AO AUGUSTO MIRANDA QUANDO DEIXOU O LICEU DE FARO PARA SER VEREADOR DA CÂMARA MUNICIPAL DE FARO
Por ser moço cordato,
É que hoje aqui vim;
Quando era candidato;
Disse-lhe
então assim:
A UM AMIGO
A QUEM A POLÍTICA CEGOU
Escuta Augusto Divino,
Não te vás assim sem mais;
Deixas sonhos de menino,
Deixa a “porca” prós demais.
Ouve a voz dos teus amigos,
Pois à razão já te chamam;
Já se riem os inimigos,
Já favores te reclamam;
Dos amigos pois escutas,
Concerteza nenhum hino,
Se calhar palavras brutas,
Escuta Augusto Divino.
Já te louvaram a ideia,
Certamente os untuosos,
Lembram a voz da Medeia,
Com encantos sumptuosos;
Não te iludas porém,
Que t’ esperam mal de mais,
Por isso ouve, escuta bem,
Não te vás assim sem mais.
Como amigo que me prezo,
Te digo por isso agora,
Talvez com o teu desprezo,
Não te vás assim embora;
Certamente lembrarás,
Quando contigo m’ empino,
Deixas amigos pra trás,
Deixas sonhos de menino.
Ó Augusto mas que raio,
De lembrança tu tiveste,
Na política do Sampaio,
Não sei como te meteste;
Olha amigo não esqueças,
Que sendo sério a mais,
Com lorpas terás meças,
Deixa a “porca” prós demais.
E já de
abalada:
Agora que já lá vais,
Escuta ainda outra vez;
Ele são ímpos, ele são ais,
São pedidos deste jaez:
Ó Augusto nã escutaste,
Meu verso tã mal feitinho;
Pois a porca nã deixaste,
Então deixa algum leitinho.
Mas fora de brincadeiras,
Brindemos com equidade;
Que pró cargo e prás canseiras,
Desejamos felicidade.
(28 Julho 2000)
Ó Cheikh el-raís decano,
Ben Próspero desejar-te,
Venho ao menos mais um ano,
Se pra tanto bastar arte.
Cristina Brito
comemoração jubilar
(24 de Julho
de 2000)
Aqui não se diz adeus,
E que ninguém pense nisso,
Não há taças nem trofeus,
Tudo por bem do serviço.
Um desatino completo,
Pelos materiais e ideias,
Os problemas em concreto,
Não deixava em mãos alheias.
Dedicada em demasia,
Dedicou a vida à causa,
Pontos semanais fazia,
Não tinha nem dava pausa.
Ela ensina e profetiza,
Palavra e gesto sem grito,
Divina sacerdotisa,
Amiga Cristina Brito.
Aniversário de casados
14 de Julho
1985 a 2000
A prenda
Meu coração vai menina,
No
pacote de pecinhas,
Desta
prenda pequenina,
Com
amor às migalhinhas.
15 anos
depois...
Em
minha frente te vi,
No
café mas quanta dor,
Pra
dizer gosto de ti.
Foram
os anos passando,
Até
que em Braga em Dezembro,
Te fui
amor encontrando,
Ai
amor como me lembro.
Depois
no café de novo,
Doce
teus olhos olhando,
Minha
mão prà tua movo,
Com
carinho namorando.
Assim é que o tempo passa,
No café manhãs aquelas,
Não esqueci tua graça,
Do amor ternuras belas.
Pestanas grandes e ternas,
A curva suave dos seios,
Leve ondulado das pernas,
Que me perdia de anseios,
Que eras minha somente,
Eros me pôs pois sonhando,
Para ti corri contente,
Como agora vou lembrando.
Falas-me que é porcelana,
Que nos une nesta data,
Meu amor que grande gana,
Tenho ainda que se farta.
Enamorado fui pois,
Pra aquele dia de Julho,
Mergulhando assim os dois,
Amor em doce mergulho.
Eis que quinze anos depois,
Me tens ainda a teus pés,
Amando-te tal qual és,
Que creio amor é dos dois.
Como o tempo passou,
Há quinze anos que me aturas,
Perfeito sei que não sou,
Embora de intenções puras.
No meu peito tu te poisas,
Onde por vezes murmuras,
Por causa de algumas coisas,
Umas moles outras duras...
Quão docemente adormeces,
Qual posando pra Rembrandt,
Dum quadro tu me pareces,
As curvas duma bacante.
Anos da Suzel
(28 julho
2000)
No teu dia de anos, querida,
Com uma prenda, uma flor,
Desejo por toda a vida,
Demonstrar-te meu amor.
Ainda os anos...
Postas na jarra sem
espinhos,
Pra que te não causem danos,
Aqui estão com mil carinhos,
Cinco rosas pra teus anos.
Dia dos namorados 2001
Muitos beijinhos amor,
Dia do namoro te dou;
Dou-te um livro, dei-te uma
flor,
Dou-me tanto quanto sou.
Noite de fados (4/10/2000)
Neste espaço tão intimista,
Fado ouvir delicia,
Não só pra quem aprecia,
Mas gosta de quem é artista.
Jantar de Natal do Liceu de Faro 20/12/2000
No romano solestício,
Um menino solitário,
Connosco foi solidário.
Aqui cada um comemora,
A seu modo e maneira,
Um solestício ou hora,
Uma vez primeira,
Num limite temporário,
Nascido onde se queira,
Um menino solitário.
Deus ou lenda será,
Amigo foi certamente,
De quem que importará,
Todos o temos em mente,
De modo algo contrário,
Pensa ainda muita gente,
Connosco foi solidário.
ESPERANÇA E ETERNIDADE
CAPÍTULO I
Frente à rudeza da matéria,
Redutos de imagem etérea
Exalam estranho perfume,
Secundando figuras belas,
De uma pureza estranha,
Saudando a cada passo
A ideia de existir.
Um arrebatamento, uma dor,
Um perfume, um colorido de flor!
Nascer é um passo para a morte...
No constante sonho da vida,
Que o tempo empurra prá frente
Vê-se tanta coisa perdida
Procurando o princípio do fim,
De tanta dor sofrida,
Esta vida é dura assim,
Por acordar,
Morrer bruscamente.
A coragem com que a humanidade
Se enfrenta a si mesma,
É resultado da condição de humanidade,
Da sua auto confiança,
Da sua ânsia de amor e verdade.
A crença em tudo de mim mesmo,
Dá-me a força de confiar,
Satisfação de poder criar,
De poder libertar-me ensimesmando-me,
Lutar e porfiar,
Se necessário desintegrando-me.
O arremesso da pá de massa
Que irá colar a pedra cinzenta
Sustentando outras pedras,
Iguais,
Para o monumento de uma raça,
Para capela de água benta,
Para nichos de santas,
Nunca a mais.
Seguindo a doçura do momento,
Aproveitando todo o pensamento,
Deixar correr cada sopro de vento,
Sem queixume, tristeza ou lamento.
Vagueiam ninfas e duendes,
O colorido escuro das noites,
Os sonhos dos sonos,
De crianças, pequeninos entes.
Vaga fé de sonho,
Facilidade de acreditar,
Que passará tão vagamente,
E tão depressa
Como passará a vida,
Essa que depressa passa,
A fugir da juventude.
Bramam as tempestades,
Foco de realidades,
Passou a noite,
Veio a manhã,
E com ela o dia,
A luz crua e fria...
Vem a tarde doirada,
Fortuna tão esperada,
Mas do oiro nasce a desgraça,
E se da noite de sonho,
Veio a manhã crua,
Verdade cruel e nua,
À tarde feita de beleza,
E criação,
Sucede a tristeza
De uma noite escura,
Com a bruma,
O vento, a tempestade,
A agitação,
Intranquilidade, dilema,
Da crença ou não crença,
Em que tudo principia,
Ou tudo acaba,
Simples mudança
Que se não via.
Quando a verdade é tormento,
Quando o tormento é presente,
Que é futuro momento?
Realidade que mente!
Sofreguidão de quem esquece
Que acabar
É começar novamente.
É ao raiar da manhã,
Quando o Sol desponta,
Que o viver se torna poesia,
É minh’alma que esvoaça,
Sã,
Uma crença no nascer do dia.
Como é cruel e doce,
Ao mesmo tempo,
Acordar do suave sonho
Da noite iluminada de duendes,
De fadas e princesas,
Luz de suaves velas acesas,
Para iluminar um sonho.
O suave soprar da brisa,
No bosque que antes,
Nem sequer bulia,
Porque era sonho;
Levanta um sussurro
Marulhado,
Um agitar de penugem,
De vida verde,
Piando de fome,
Pois com o lindo raiar,
Da manhã, raiam também,
As primeiras e cruas realidades,
Realidades que para além
De serem frias e nuas,
São verdades.
Mas num repente,
Toda a tristeza passa,
Toda a fome fica consolada,
Cresce a alegria triunfante,
Cheia de pureza e graça,
Rompem trinados de rouxinol,
Garganteados como louvor,
Ao calor do Sol criador,
Que o dia irá aquecer,
As tempestades da noite,
Fazendo esquecer.
Com o calor vem a luz,
Luz que tudo ilumina,
Luz que dá cor,
Impressionando a retina,
Com a intensidade do colorido.
E tudo começa;
O consolo dos justos,
Que é o bem,
O prazer dos ímpios,
Que não serve ninguém,
A fome, a miséria,
O amor, a alegria,
A riqueza e o desdém,
Completamente solidarizados,
Para que o dia,
Que desponta num louvor,
Acabe no fim para que foi criado:
Sol que aquece,
Criando e queimando,
Sol que ilumina,
Provocando a fotossíntese,
Como tantas outras coisas mais,
Reacções químicas,
Coisas naturais;
Mas essa luz,
Que tão belos fenómenos provoca,
Que colorido tão lindo nos dá,
Prá vista,
Nos mostra,
Verdades tão cruas.
E cada movimento é ideia,
Conhecimento do tempo que passa,
Conhecimento das potencialidades,
De cada ser vivo.
A Virtude;
A liberdade;
Nada que mude;
Nada de saudade!
É isso ideia de claridade,
De força, de vigor, de saúde.
Mas livre,
Só aquilo que de mim sai,
Só aquilo que em mim vive,
Vibração de alaúde,
Que para mim do céu cai,
Como catarata de água,
Pura e cristalina,
Água que a dois átomos de hidrogénio,
Junta um só de oxigénio;
E, enquanto os átomos,
Rodopiam na sua plenitude,
Com mal sentida mágoa,
Sofro minha juventude.
Foi a plenitude do dia,
Do meu sangue o calor fogoso,
E da minha alma tardia,
O já acordar doloroso.
Quando a profunda meditação,
Encontra o inevitável obstáculo
Da matéria,
Que a limita em tal proporção,
Que o melhor sustentáculo,
É miséria;
Sobretudo,
Se esse sustentáculo é matéria,
Porque esta não se vence a si,
Mesma.
É necessário acordar o espírito,
Para ultrapassar tudo,
E, tudo vencer,
Regressando à noite anterior,
Em que havia fantasia,
E ela era verdade,
Tal como agora,
A crua realidade.
Viver feliz só de sonho,
Acordar é nascer,
Mas se o nascimento,
Implica sofrimento,
Seria bem melhor não nascer,
Se não fosse tão belo,
A primeira noite viver.
Mas e, depois dela?
Há a vida, há o sol,
Cheios do calor e da luz,
Que nos traz o dia,
Através das vicissitudes,
Das tristezas, da alegria,
De praticar as virtudes,
Tudo à eternidade conduz.
Vistes uma flor desabrochar?
É bela não é?
Não reparastes concerteza,
É que essa flor,
Começou por ser botãozinho,
Mas depois, as sépalas verdes,
Dão passagem ao colorido,
Vermelho, róseo, violeta,
Amarelo, eu sei lá,
De uma forma tão natural,
Como uma fêmea dá à luz,
Só que mais lento,
Mais suave,
Que se não ouvem,
Os gritos da Mãe Planta.
Toda a vida está sob lei natural,
E as perspectivas que se abrem,
São para a vista evento tão colossal,
Que no mundo não vivem nem cabem.
Se aquilo que vemos está fora,
Deste mundo, nem todos o sabem,
Nem o podem compreender sem demora,
É porque tudo é tão natural,
Tão simples, tão diferente,
Quanto é fenomenal.
Entardecer,
Caminhada tranquila,
Viagem para adormecer...
Já sopra a fresca brisa,
Arrastando dessa parte,
Átomos arranjados de tal arte.
Mas ao menor safanão,
Tudo se desfaz,
E mais tarde,
A luz se apaga,
Dando lugar ao escuro,
Gelado, cruel,
Medonho e duro.
Calam-se todos os seres diurnos,
Ouvem-se os alaúdes dos poetas,
Teimosos,
Que ao luar, os loucos,
Repetem seus queixumes,
Amorosos.
Entretanto nos charcos,
Coaxam, não menos queixosos,
Os sapos,
Atacando pequenos vermes,
No ciclo vicioso da vida,
Onde um morre para que outro viva.
Eis que se continua o ciclo,
Ininterrupto morte – vida;
As tempestades estralejam,
Aproximam-se cada vez mais ,
Já estão sobre as nossas cabeças,
Os ventos abrem caminho
Através dos vales,
O chão foge-nos sob os pés
Desequilibrando-nos prós males,
Os ares trovejam,
E as nossas almas inquietas,
Na sofreguidão que as abafa,
Não acham as coisas rectas,
Nem o sentido já as safa.
É catastrófica a tumultuosidade,
Com que se sucedem tumultuosamente,
Os sucessos que provocam tais e tantas,
Catástrofes.
Agora já não há o hilariante,
Ridículo, vital,
Nem o sempre de um irritante
Epílogo, igual.
Morrem os bravos actos de coragem,
Caem as máscaras de caridade,
Voam os resquícios da pintura
Duma velha imagem.
Acordam os corações
Dos verdadeiramente esperançados,
Morrem as paixões
Dos corações desiludidos, cansados.
O ribombar continua,
Num pesadelo que não acaba,
A chuva cai impiedosa,
Com um ruído como se fossem
Passos na rua.
Está-se na margem das desilusões,
E junto à lareira,
Perpassam pela mente,
Histórias e ilusões,
Do passado,
Já tão frio,
Mas ainda tão presente.
Nascemos,
Crescemos,
Acreditámos
Vivemos,
Estávamos contentes,
Amámos felizes,
Tudo morreu,
Infelizes ficámos.
Confortados pelo calor,
Das chamas do lar,
Embalados pelo fofo
Estofo da cadeira,
Seguindo a espiral de fumo
Sonhador,
Subindo do cachimbo de madeira,
Queimado pelo uso dos anos,
O bailado das chamas,
A espiral no seu rumo,
A alma a sonhar,
Tudo se conjuga para fugir,
À pressão nervosa,
Provocada pelas recordações.
O sono vai pegando,
Como hipnotizado,
Caminhando absorto,
Para o sonho,
Tão passado,
Tão morto,
Entre o murmúrio das orações.
Materializa-se então o pesadelo,
São sucessões infinitas,
De factos, de minutos e segundos,
Outros tantos dias e momentos,
Em que houve a ilusão de uma noite
Infantil;
Uma manhã, uma aurora,
Anunciadora de reprodução,
Ribeiros de água cristalina,
Horizonte anil,
Galopada hilariante,
Cheia de cor,
De alegria,
Barricada de nuvens,
Desfeita num sopro,
Clareza de uma realidade,
Tão verdadeira quanto ilusória.
Fogoso corcel,
Barco de papel,
Alegria,
Fantasia,
Recorte de jornal,
Sempre igual.
Assim passam velozes,
Acidentes múltiplos,
Encontrados nos múltiplos motivos,
Da fantasia de um passado,
Alegria deste estado.
Após aquela calma,
Do vermelho sol, próximo passado,
Descobri na minha alma,
Esse receio já entranhado.
Lentamente,
Com a mesma suavidade com que chegou,
O sonho, que tinha sido duro,
E agora era tão mimoso,
Se ia desvanecendo.
O espírito,
Ainda agarrado ao corpo,
Canta o hino da glória,
Porque agora chegava a certeza,
O receio já não existe,
Através do sonho veio a verdade,
Para que se fizesse luz,
Que nos conduz,
E dá liberdade.
Elevem-se louvores dos corações,
Que cedo deixarão de se bater,
Porque a paz e a concórdia reinará,
As palavras redundarão em orações,
Amolecerão as rochas, a carne desfiará,
Os seres cantarão plenos de prazer,
Pelo raiar constante de cada aurora.
Agora é infinita e prenhe de candura,
Onde não haverá duras realidades,
Onde passado e futuro é agora,
Onde a miséria é já fartura,
Onde não há senão verdades.
Há anulação da matéria,
Já não é necessário recorrer aos mitos,
Ao primeiro princípio das coisas,
É que agora já o conhecemos,
Porque dele somos parte integrante,
Infinitos,
Relegação para uma posição etérea,
Como desculpa para não fazer parte,
Da cavalgada fantástica,
Que se nos afigura,
Já imprópria de quem está tão próximo,
Da perfeição pura e simples,
Sem meios supérfluos,
Nem atitudes recheadas de indecorosos romanescos,
Mais uma abertura para chegar
Onde donde nunca se virá a partir.
Há que guardar cada recordação,
Para que se for encontrada,
Não seja por acaso,
Mas com fim determinado,
Uma dada acção,
Um dado caso,
Utilidade para uma solução,
Que já temos encontrado.
Vejo agora um corpo em paz,
Olhos fechados como quem dorme,
Dentes cerrados, já não tem fome,
Candura de quem descansado jaz.
Mas no corpo abandonado,
Membros tomam posição de acaso,
O movimento não volta mais,
A cor velada, em vez de rosada.
Corpo que começa a desintegrar-se,
Assustadoramente, cedo cheirará,
Afastando tudo que vive,
Desenvolvendo germes,
Que darão vermes,
Roendo até que fiquem só os alvos
Ossos calcários e calcinados,
Mostrando cavidades antes ocultas,
Olhos vazios de uma caveira,
Dentes amarelos onde antes foi boca,
Crânio sem cabelos,
Vértebras soltas,
Costelas às voltas,
Rádios e cúbitos,
Tíbias e perónios,
Conjunto macabro,
Onde falta a cobrir,
A carne que dá forma,
Falta a vida,
O bater do coração,
A alma perdida,
A viva ilusão.
Contínuo arrefecimento,
Até ao zero absoluto,
Pessoas vestidas de negro,
Chorando como se o mundo desabasse,
Evaporam-se as lágrimas,
Murcham as flores,
Crisântemos ou suaves rosas brancas,
Põem o corpo
na caixa negra,
Como os seus fatos,
Mas antes lavam-no,
Vestem-no da mesma cor,
Mas negro não é cor,
Negro é dor,
Porque cor é alegria,
E eles choram, tão amargamente,
Resta saber se realmente,
Sofrem.
Passado o tempo da praxe,
Põem a tampa na caixa,
Como se ele fosse fugir,
Um cristo
nu, coberto só,
Por uma faixa,
Está em cima pregado,
A dar testemunho de fé,
Caminha-se para a igreja,
Escutam-se orações fúnebres,
No maior recolhimento,
Silêncio,
Recortado de onde em onde,
Por um soluço,
Por um suspiro dos vivos,
Acompanhando orações,
Pela alma que rebelde,
Abandonou o que agora jaz,
Todos rezam comovidos.
Termina a parte essencialmente religiosa,
Transporta-se o corpo à última morada,
Antes de cair à terra, é-lhe lançada
A última benção, para que descanse em paz,
Cobre-o a terra de que é complemento,
Breve começará a decomposição,
Até que depois no último momento,
Reviverá em ressurreição.
Brisa leve como pluma,
Sopro a superfície sem acidentes,
Verde que não é de plantas,
Azul estrelado, véu de infantas,
Hábito de puras e leves gentes,
Nuvem que não escurece, nem ruma,
Vida onde tudo é fluido,
Lagos onde não há líquido,
Onde se navega sem barcos,
Montanhas passam-se num descuido,
Resto do mundo perdido,
Onde já não restam flechas nem arcos.
Seres sem forma definida,
Mas belos,
Liberdade há tanto procurada,
Personalidade que passa despercebida,
Caem os últimos elos,
Da alma há tanto aprisionada.
Infinito concreto daqui em diante,
Maravilha cujo limite se perdeu,
Imitação da Trilogia de Dante,
Em que venceu o céu.
Uniformidade de movimento,
Solicitude no sentimento,
Metamorfose do arrebatamento.
Nem majestade,
Nem dignidade,
Simplicidade,
Quanto mais se move no meio etéreo,
Mais se nota a claridade,
Mais se desfaz o sentimento mistério,
Que nos dá a Eternidade.
Vogando suavemente ao sabor de nada,
Num voo pleno de leveza sem fantasia,
Extremo da paz encontrada,
Eterna e divina alegria.
O infinito é tão vasto,
Que se junto à matéria,
Lhe achamos a vastidão,
Perante a imagem etérea,
Sem vazio nem solidão.
Acabaram as semelhanças,
Acabaram as diferenças,
Tudo é tão igual quanto diferente,
Já não há ego nem tu,
Nem faltas, nem presenças,
Diferente ou igual é contente,
Não se está longe nem perto,
Porque já não há espaço,
Tudo matematicamente certo,
Calculado em dado passo.
Imperceptivelmente,
Rompem cantos de glória,
Salmos e ritos,
Sem cor paramental,
Mas convictos,
Hinos de vitória.
Unidas nossas vontades,
Formarão uma só,
Iguais nossas idades,
Ninguém cantará só.
A glória é nossa,
Cantemo-la em pleno,
De harmonia e ventura,
Em tom ameno,
Toda a criatura.
Seres irmãos,
Já juntos,
Já afastados,
Somos muitos,
Ou acabados?
Eis a manhã eterna,
Eterno enlevo de amor,
Eterno carinho sem solidão,
Sensibilidade que não embota,
Realidade eterna,
Luz do real sem dor,
Acto sem receio de inaptidão,
Musicalidade sem nota,
Sem passado nem ideia remota,
Fecundidade sem copulação.
Rasgado cai o véu,
Descoberto o céu,
Rompe melódica sinfonia,
Em clave de eternidade,
Luz e claridade,
Renascença para super dia.
No sistema infinito
Se coordena,
Em espírito,
Que nos ordena,
Em tempo e idade,
Sem sequer embora,
Haver raridade,
Em tempo ou hora.
Silêncio?
Imolação pela beleza,
Onde puro é singeleza,
Simples infinita pureza.
Gnose de ti mesmo,
Agita-te miserável,
Rebenta grilhões,
Aponta canhões
De bala amável.
Criatura que não és tu,
Porque tu não esqueceste
Que de manhã nasceste,
E logo estavas nu!
As coisas belas não apagam as tristes,
Por isso nos parecem mais belas,
Simples, próprias, mesmo elas,
Sem qualquer submissão nem mazelas.
Glória final,
A matéria não definhará,
Infinitesimal,
O infinito triunfará,
No bem contra o mal,
Ventura eterna,
Morte da necessidade,
Uma super idade,
Mais que contemporânea,
Super moderna,
Ordena, não é preciso,
Somos perfeitos,
Sabemos quem és,
Não precisamos ver,
Não temos sentidos,
Estamos defendidos,
Não acreditamos,
Sabemos,
Não lemos,
Os que não viram
Nunca verão,
Os que caíram
Se levantarão,
Passámos o nada,
O todo, o infinito,
Além do que foi dito.