O que é o Espiritismo?

Esta doutrina — o espiritismo — foi codificada por Allan Kardec, que compilou «O Livro dos Espíritos», «O Livro dos Médiuns», «O Evangelho Segundo o Espiritismo», «A Génese», «O Céu e o Inferno». «Obras Póstumas» também é de considerar.
Este conjunto de obras é a codificação espírita. O conceito de codificação é  o constante da biologia — código genético — e de direito.
Kardec foi um grande pedagogo, homem notável, de uma cultura bem acima da sua época. Viveu em Paris, na França, em meados do século passado. O seu papel foi tão importante que é impossível falar de espiritismo sem nos reportarmos à sua obra, por estranho que pareça, ainda tão desconhecida de muitos espíritas.
Ele mesmo, Kardec, no livro «O que é o espiritismo», elucida-nos, sinteticamente: «O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações.
Podemos defini-lo assim: o Espiritismo é uma ciência que trata da origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal».
Eis, afinal, o objecto desta doutrina.
Os seus pontos estruturais essencialmente são:
- Existência de Deus.
- Imortalidade da alma.
- Comunicabilidade dos espíritos (pessoas que deixaram o corpo pelo fenómeno da morte).
- Vidas sucessivas.
- Lei de acção e reacção, segundo a qual nos responsabiliza-mos pelo que fazemos, devendo reparar as atitudes incorrectas na presente ou em futuras vidas.
- Pluralidade dos mundos habitados.

Pesquisa sem fim

Muito ainda desconhece o esforço de pesquisa humana. Questões como a continuidade da vida após a morte do corpo, ou até a reencarnação, continuam a ser estudadas, hodiernamente. Dois exemplos mais conhecidos: doutor Raymond Moody Jr. (licenciado em Filosofia e em Medicina, EUA) que tem alguns dos seus livros editados em Portugal pela Livraria Bertrand («Vida Após a Vida»); doutora Edith Fiore, licenciada em Psicologia, com o seu livro editado pelas Publicações Europa-América. O doutor Ian Stevenson (Universidade de Virgínia, EUA) seleccionou dos seus arquivos de pesquisa só 20 casos e publicou um livro, ainda não editado em Portugal, intitulado «20 Casos Sugestivos de Reencarnação». E muitos, muitos mais...

Mediunidade não é espiritismo

Há confusões absurdas que estão a ser desfeitas, graças ao maior estudo deste assunto.
É bem o caso de espiritismo não ser mediunidade. Ele é doutrina. Ela é fenómeno — que está bem longe de só existir ligado aos espíritas.
Tanto a diferença é notória que, em referência concreta da doutrina e do fenómeno às pessoas, foram criados por Kardec os neologismos espírita e médium, naturalmente com significados bem distintos.
O primeiro é o adepto da ideia. O segundo é a pessoa que tem faculdades mediúnicas (aquelas que permitem intercambiar informação entre este plano de vida e o post mortem; o médium é o intermediário entre duas dimensões: a espiritual e a material).
O espiritismo não só em nada se assemelha a bruxarias, superstição ou crendice, como não é — já o dissemos — também mediunidade.
A mediunidade, enquanto fenómeno paranormal não utilizado, é neutra, serve para o bem ou não. O espiritismo aponta sempre a edificação do bem.
Mas, na prática, há sempre uma utilização do fenómeno mediúnico! Aqui devemos falar de mediunismo, que é o já dito fenómeno praticado de acordo com as ideias próprias de quem o pratica, quaisquer que elas sejam.
Existem, por exemplo, os chamados sincretismos afro-religiosos, como a umbanda e outros, e existem, por igual, pessoas habituadas às religiões tradicionais que, talvez por se sentirem insatisfeitas, verificando a existência concreta do fenómeno mediúnico, passam a praticá-lo, juntando-lhe as suas ideias pessoais. Depois, usam e abusam da palavra espiritsmo e dizem-se espíritas sem o serem.
Mas isso pouquíssimo tem a ver com a doutrina espírita. E porquê «pouquíssimo»? Simplesmente porque o elo comum, único e singular é a mediunidade. Mediunidade que é neutra, não tem valores próprios, pois depende dos valores de quem a utiliza e para quê.

Assuntos claros,
tantas confusões

Razões históricas explicam tudo isso.
Numerosos personagens, muito distintos, no princípio do nosso século, foram espíritas confessos: médicos (doutor Martins Velho, doutor Sousa Martins, doutor Joaquim Freire, doutora Amélia Cardia), militares (general Passaláqua, coronel Faure da Rosa), etc.
O regime ditatorial, derrubado em 1974, poucas décadas depois do seu advento, por repressão, dissolveu as associações espíritas existentes, apropriando-se injustamente de considerável património, fruto de doações por falecimento de espíritas (que haviam sido comerciantes, por exemplo) endinheirados.
Importa esclarecer aqui que todo o serviço espírita não admite, em qualquer circunstância, remuneração. É imperioso dar de graça o que de graça se recebeu (e a ideia espírita e até a faculdade mediúnica são paradigmas dessa situação).
Retirado o direito de reunião, de associação e a própria liberdade de consciência, um só caminho restou — reuniões restritas aos lares, que se prolongaram durante os anos possíveis.
Já não havia mais estudo participado por um maior número de pessoas e, a breve prazo, o que continuou a existir transformou-se num mediunismo caseiro. Daí a imagem distorcida de beatos que se reuniam à volta de uma mesa, etc..
Enfim, algo que prosseguiu e se fez sentir, de algum modo, mesmo após o 25 de Abril de 1974 e que tão pouco tem a ver com espiritismo!...

A natureza da doutrina espírita

A natureza do espiritismo é eminentemente cultural. Liga-se muito à arte, particularmente à arte mediúnica, nas suas expressões poéticas, pictóricas e musicais, primordialmente. Vários filósofos — o caso de J. Herculano Pires — têm-no desenvolvido, apoiando-se nele como plataforma de reflexão.
É também, por sua natureza, ainda, evolucionista, ou então não existiria a sua codificação.
Ora, a cultura espírita é o que, a nível nacional, a Federação Espírita Portuguesa vem fazendo por implementar. Apoiando encontros nacionais, inclusive de jovens, que são um êxito, estabelecendo programas de conferências, concretizando contactos interassociativos, realizando cursos.
Para Outubro de 1998, a Federação Espírita Portuguesa está a organizar mais o 2º. Congresso Espírita Mundial — que de certeza não acolherá charlatães ou pessoas que pretendem viver à custa dos seus pretensos ou reais dotes mediúnicos, mas sim espíritas a sério — para projecção num futuro de mais amplas actividades e informações. Sendo o movimento espírita uma aproximação imperfeita do espiritismo, se pretende conhecer realmente esta doutrina só tem que a estudar.

Movimento espírita

Espiritismo é doutrina. O que os homens fazem inspirados nesse ideal, isso é movimento espírita, e aí podem reflectir-se tanto as tentativas de acerto próprias da espécie humana como os seus equívocos. Seja como seja, a Federação Espírita Portuguesa agrega cerca de 40 associações federadas.

Paris, no final do século XIX, foi palco de congressos espíritas. E, em viagem por França, um ou outro português participava neles. Depois, de regresso a Portugal, entusiasmado, contava as novidades, contagiando. Baseado nos contactos estabelecidos e em livros adquiridos, começavam as reuniões experimentais. Assim, a doutrina espírita em Portugal a princípio foi cultivada em reuniões familiares. Depois, palavra passa palavra, os grupos multiplicaram-se.

Lacerda e periódicos

Após essa época, avulta, na viragem do século, a figura de Fernando de Lacerda (ver livro «Fernando de Lacerda: o médium português», de Manuela Vasconcelos). Este homem deu brado em Portugal. As suas psicografias impressionaram e foram um foco de divulgação das ideias espíritas. Quanto a jornais e revistas, chegaram até hoje alguns periódicos muito elucidativos: «O Espírita» é definido no cabeçalho como «órgão mensal de estudos psíquicos e propaganda doutrinária, propriedade do Grupo Espírita Luz e Caridade, do Barreiro», datado de 1920, impresso em Leiria, tendo por director António Xavier Gorina e por editor J. M. Quintela Paixão. A «Revista de Espiritismo», da Federação Espírita Portuguesa, Lisboa, surge em 1926 e vive durante décadas. A revista «Além», propriedade da Sociedade Portuense de Investi-gações Psíquicas, do Porto, é publicada desde 1930, tendo por director Manuel Cavaco, e por editor Cruz Ferreira. Havia outros periódicos, alguns até bem mais antigos (ano de 1900). Isso basta para demonstrar o vigor do movimento de então.

I Congresso Nacional

Ao que parece, a União Espírita Algarvia animou: «Foi esta União Provincial que realizou os dois primeiros Congressos Espíritas Regionais em Portugal, desbravando o terreno para o Primeiro Congresso Espírita Português, alma-mater da Federação Espírita Portuguesa, tomando para lema «a união faz a força», lia-se em periódico da época. E assim, uns anos antes de 1925, a nível nacional alguns dirigentes de grupos espíritas avançam com a ideia do I Congresso Nacional de Espiritismo, que acabou por ocorrer nesse mesmo ano. Lembre-se que naquela época as viagens eram muito mais morosas e difíceis. «O Espírita» (1926, pág. 199) destaca: «O I Congresso Espírita Português, realizado em Lisboa nos dias 15, 16, 17 e 18 de Maio de 1925, foi, sem lisonja, uma admirável congregação de esforços, donde resultou um brilhantismo invulgar, a que toda a imprensa diária da capital prestou justas homenagens, pela elevação científica e moral que presidiu à discussão das teses apresentadas». E depois: «Este congresso foi, na verdade, uma imponente parada de forças, que surpreendeu os próprios espíritas que ali afluíram, quer de Lisboa, quer da província, dispersos e desconhecidos na sua maioria.» Neste evento, houve personalidades distintas. Como presidente de honra do Congresso, o general Viriato Zeferino Passaláqua. Depois o doutor António Joaquim Freire, médico, escritor e conferencista que, quando percorria o país de lés a lés, foi notícia dos grandes jornais diários. O doutor Afonso Acácio Martins Velho (advogado e escritor, futuro primeiro presidente da FEP). Entre tantos outros...

Nasce a Federação

Deste Congresso nasce o projecto de constituição da Federação. «O Espírita» informa: «A Federação impunha-se como uma necessidade imperiosa e inadiável, para uniformizar e intensificar, em bases firmes e seguras, o movimento espiritista português, já muito importante pela qualidade e quantidade dos seus adeptos, não só em Portugal Continental, mas ainda nas Ilhas Adjacentes onde tem elementos de preponderante valor, e ainda nas nossas Colónias, principalmente em Moçambique, contando actualmente mais de uma dezena de jornais e de revistas, em geral, bem redigidos e orientados.» A «Revista de Espiritismo» (pág. 189) refere: foi o «1º. Congresso Espírita Português, realizado em Lisboa de 15 a 18 de Maio de 1925, que iniciou uma nova fase, intensa e brilhante, do movimento espiritista em Portugal. Desse congresso saiu uma comissão, presidida pelo Dr. António J. Freire, para elaborar os estatutos e constituir a Federação Espírita Portuguesa, como organismo indispensável à unificação e orientação da propaganda.» Em «O Espírita» (pág. 200) vê-se: A «24 de Maio do ano passado, seis dias depois de terminado o congresso, realizou-se a primeira reunião da Comissão Pró-Federação Espírita Portuguesa». Apesar das dificuldades encontradas, aprovaram-se os estatutos da FEP no dia 11 de Julho de 1926. A respectiva sessão solene ocorreu em 31 do mesmo mês. A orientação da FEP visaria a «organização, propaganda e confraternização». Intensificaram a divulgação para combater os charlatães que usurpavam o uso da palavra espiritismo, fazendo disso modo de subsistência.

Várias sedes

A procura de instalações não foi fácil: «Instalada muito deficientemente a FEP na Travessa de André Valente, nº. 7», em breve se percebeu que havia que mudar. A situação era precária. Mudou-se para Rua da Assunção, 58, Lisboa. Tornou-se insuficiente. Mudou-se para (1.01.1931) outra sede provisória: Costa do Castelo, 68-1º. - Lisboa.
Até que fizeram um empréstimo sem juros por «dedicados confrades» (8-8-1928). Seguiu-se a aquisição de terreno. Procedeu-se a subscrições para angariação de fundos. Destaca-se Firmino de Assunção Teixeira (nomeado pela FEP «sócio benemérito») que doa à FEP um enorme edifício, hoje na Baixa de Lisboa. Na altura, o projecto da sede foi muito moroso nas várias instâncias de aprovação do mesmo. Por fim, tudo corre bem.

Alguns notáveis

No movimento deixaram marcas o doutor António Lobo Vilela, (matemático e escritor), Maria O’ Neill (da Academia de Ciências), doutora Amélia Cardia (médica e escritora), doutor Alberto Zagalo Fernandes (ex-presidente da Associação Académica de Lisboa), professor doutor Adolfo Sena (da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), conselheiro doutor João José da Silva (presidente do Supremo Tribunal de Justiça), Pedro Cardia (jornalista), doutor Leonardo Coimbra (professor da Universidade do Porto).

Associações

Havia uns 30 centros espíritas em cidades como a Marinha Grande, Caldas da Rainha, Leiria, Coimbra, Santarém, Lisboa, Barreiro, Setúbal, Almeirim, Faro, Lagos, Portimão, Beja, Porto, Matosinhos, Viana do Castelo, Braga, Olivais, Tomar, Vendas Novas, Rio Maior, Ponta Delgada (Açores). No Alentejo, estiveram na iminência de dar corpo à União Espírita Alentejana, a partir de Beja, e no extremo sul existiu, como hoje, a União Espírita do Algarve.

Confiscaram tudo

Entretanto, o ditador António Oliveira Salazar confisca o património dos espíritas e suspende a personalidade jurídica da FEP. Citamos apenas dois edifícios: o da Federação, na Rua da Palma, 251/263; e o da Sociedade Portuense de Estudos Psíquicos, na Rua Álvares Cabral, 22/26, no Porto. Interditado o direito de reunião e de associação, duas revistas ligam os espíritas dispersos: a revista «Estudos Psíquicos» (Isidoro Duarte Santos, tenente da Marinha) e a revista «Fraternidade» (dirigida por Eduardo Matos, a mesma que ainda existe). A Censura limita. A geração do I Congresso já desaparecera, sem se renovar.

25 de Abril de 1974

Com a liberdade restaurada, os espíritas, da estaca zero, recomeçam.
Reagrupam a Federação, reorganizam-se associativamente. Num documento da FEP de 16 de Dezembro de 1974, duas páginas dactilografadas requerem a restituição do vasto património alienado pelo Governo fascista. Sem resultado até hoje.

Estímulos

O movimento cresce. As duas revistas acima citadas têm um excelente papel nesse sentido. Visitam Portugal, do Brasil, Divaldo Franco, Irineu Gasparetto, Ariston S. Teles, Newton Boechat, Henrique Rodrigues, Jorge Rizzini, entre tantos outros nesses tempos novos, com o seu estímulo então tão precioso. Aparece no início da década de 1980 o «Jornal Espírita», em Viseu. O Centro Espírita Perdão e Caridade, de Lisboa, começa a editar alguns dos livros de Allan Kardec aqui em Portugal. Os Encontros Nacionais de Jovens Espíritas, desde 1985, nos subúrbios do Porto, avançam, de início ao ritmo de dois por ano, sem pararem até hoje, quando já mudou a geração. A «Revista de Espiritismo» alcança a tipografia perdida durante a ditadura fascista. Em 8, 9 e 10 de Novembro de 1994 ocorre, promovido pela FEP, o II Congresso Nacional de Espiritismo, um grande êxito dentro e fora do movimento espírita. Em 1995 a FEP consegue uma sede própria, maior do que alguma vez sonharam os seus dirigentes. Em 1996, a FEP dá corpo a um projecto diferente, que objectiva uma divulgação com cabeça, tronco e membros: a Livresp - Livraria Espírita, Lda. Para 1998, prepara-se o 2º. Congresso Espírita Mundial.