AGRICULTORES E FREQÜÊNCIA ESCOLAR
OBRIGATÓRIA: UMA RELAÇÃO CONTRADITÓRIA ?¨
Thérèse Hamel©
Michel Morisset§
Resumo
Este artigo analisa a posição de um grupo específico de cidadãos, os agricultores,
face a uma legislação particularmente importante em educação: a instauração da
freqüência escolar obrigatória. O texto refere-se à realidade quebequense, mas trata
de um tema que vai além das particularidades do contexto sócio-histórico
norte-americano. Em recente missão de trabalho no Brasil (na Univ. Fed. do Ceará, maio e
junho/1996), foi possível verificar como a instrução obrigatória representa um momento
importante do desenvolvimento do aparelho escolar brasileiro, em especial para o grupo dos
agricultores. Espera-se que a presente análise fomente uma reflexão fecunda, numa
perspectiva comparativa, entre essas duas realidades sociais, a partir das questões aqui
abordadas.
Abstract
This article analyzes the position of a specific group of citizens, the agricultural
workers, before a legislation that is particularly important in education: the
establishment of the obligatory school attendance. The text refers to the Quebecer
reality, but approaches a theme which goes beyond the particularities of the American
socio-historical context. In a recent work mission in Brazil (at the Federal University of
Ceará, May-June 1996), it was possible to verify how the obligatory education represents
an important moment in the development of the Brazilian school system, especially for the
group of agricultural workers. We hope that the present analysis promotes a fruitful
reflection, from the questions approached here, under a comparative perspective, between
these two social realities.
Na província de Quebec, a instrução obrigatória para as crianças de sete a quatorze
anos é votada em 1943, depois de mais de 75 anos de negociações e de batalhas
jurídicas sobre este assunto. A Província de Quebec será, aliás, a última província
canadense a votar uma lei decretando a instrução obrigatória. Durante três quartos de
século de debate, os diferentes protagonistas tiveram tempo de apresentar todos os
argumentos que lhes permitiam sustentar sua posição. Dentre eles, a classe agrícola
constitui um interventor importante. Esta legislação tinha, com efeito, para este
segmento, uma importância bem maior do que se poderia crer. Devido as implicações de
uma tal lei, é necessário perguntar-se como a classe agrícola entrevia a implantação
da freqüência escolar obrigatória que havia profundamente dividido tanto o movimento
operário quanto a população quebequense. Assim, ela se colocava do lado do alto clero,
que temia essa medida, ou favorecia a instrução obrigatória, da mesma forma que o
Congresso dos Ofícios e do Trabalho no Canadá?
É preciso lembrar que a classe agrícola representou por muito tempo uma fração
importante da população quebequense. Embora a população rural venha diminuindo com o
passar dos anos, somente no recenseamento de 1921 foi suplantada pela população urbana;
representava ainda 36,9% da população em 1931. A mão-de-obra agrícola, por sua vez,
constituía ainda 30% da mão-de-obra total em 1931, o que demonstra sua importância no
âmbito da economia.
Associa-se com freqüência a classe agrícola a uma resistência, até mesmo a uma
negação de tudo aquilo que lembra uma formação do tipo escolar. Devemos, no entanto,
ir além deste primeiro nível para perguntarmo-nos se os agricultores recusam em bloco a
escola e, se for o caso, quais são os fatores que permitem compreender sua posição? O
que os assusta será a instrução ou a maneira como esta é dispensada? É através das
posições da União Católica dos Cultivadores (UCC), órgão de defesa dos interesses da
classe agrícola, que enfocaremos, neste artigo, as relações complexas que mantinham os
agricultores quebequenses com a instituição escolar.
Depois de ter exposto a posição da UCC sobre a instrução obrigatória, resituaremos o
ponto de vista dos agricultores em relação aos outros protagonistas implicados nesse
debate. Enfim, esclareceremos esse posicionamento através da análise de diversos
dossiês que nos permitem explicar a relação específica que os agricultores mantêm com
uma formação do tipo escolar.
1. O mundo agrícola e o movimento dos
agricultores
A União Católica dos Cultivadores (UCC) nasce em 1924. Fundada pela iniciativa de
alguns políticos conservadores tendo obtido o apoio da Igreja Católica , a UCC
representa de forma mais particular cultivadores ligados à produção familiar amplamente
dominante. A agricultura em Quebec permanecerá, com efeito, até Segunda Guerra Mundial,
centrada nesta forma de produção e numa atividade voltada principalmente para as
necessidades da família. Esta tendência não impediu de modo algum que uma parcela dos
agricultores praticasse uma agricultura mais mercantil, sobretudo durante o período da
Primeira Guerra Mundial. Sempre, os cultivadores que habitavam próximo das cidades
beneficiaram-se com esse mercado importante.
As metas estabelecidas pela UCC ao ser fundada se resumiam da seguinte maneira: a
educação dos membros, a defesa dos interesses da profissão e, enfim, a fundação de
serviços profissionais . Para difundir suas posições, a UCC dispunha, até 1926, do
Bulletin des agriculteurs (Boletim dos agricultores). Posteriormente, Le Devoir
emprestará suas páginas à La terre de chez nous, novo órgão da UCC que surgirá de
maneira autônoma a partir de 1929.
A orientação principal da UCC, que pemaneceu relativamente constante durante o peíodo
estudado, foi a luta para assegurar o desenvolvimento de uma propriedade familiar que
mantinha uma relação ambígüa com o mercado. Essa tendência era apoiada por dois
acontecimentos que tinham sido traumatizantes para os agricultores. A tendência à
agricultura mercantil havia sofrido uma freiada acentuada com a crise que, já em
1920/1921, seguia a explosão do mercado de guerra; além disso, a grande crise dos anos
trinta havia reduzido as esperanças criadas pelo mercado à sua menor expressão.
Após os primeiros anos em que, depois de um grande entusiasmo, sucede uma relativa
diminuição dos efetivos , a UCC conseguirá recrutar como membros contribuintes cerca de
12% dos exploradores agrícolas da província de Quebec, no tocante ao período que nos
interessa mais particularmente, isto é, de 1931 a 1941 . A partir de 1934, a UCC
começará a "organizar" os lenhadores que, na maioria , são agicultores que
realizam um trabalho sazonal durante o inverno. Em 1935, somente o setor dos lenhadores
conta com 3.608 membros .
Na realidade, a UCC reunia muito mais que seus próprios membros, dentre outros meios,
através de seu jornal La terre de chez nous. Como as contribuições para tornar-se
membro da UCC eram objeto de recriminações por parte dos agricultores, estes preferiam
muitas vezes não pagar sua contribuição à UCC, mantendo-se, contudo, assinantes do
jornal. La terre de chez nous aumentava regularmente sua tiragem; assim, em 1937, passa de
15.000 para 22.600 exemplares, ou seja, o dobro do número de membros inscritos na UCC. Em
1939, a tiragem havia aumentado para 25.000 cópias . A influência da UCC ultrapassa,
portanto, consideravelmente os efetivos que ela recruta.
2. A União Católica dos Cultivadores e a questão escolar
Criada para defender os interesses dos cultivadores, a UCC não se limitou, portanto,
aos problemas estritamente ligados à produção agrícola. A educação, o ensino, a
instituição escolar também faziam parte das preocupações desta organização
sindical. Para estudar a posição da UCC sobre a obrigatoriedade escolar e as questões
relativas à educação, tomamos por base suas resoluções resultantes de congressos e as
intervenções aí registradas que servem para orientar a ação desta central. O período
estudado vai de seu início, em 1924, até a época da votação da lei. Todavia, para
compreendeer devidamente a complexidade da posição agrícola sobre a questão escolar,
convidamos o leitor a ultrapassar às vezes este limite temporal .
2.1. Obrigatoriedade escolar
No momento em que a agricultura quebequense foi atingida por uma grande crise dos
mercados e dos preços que segue a retomada da agricultura européia dos anos vinte,
seríamos levados a crer que este tema, por si só, teria ocupado toda a cena do primeiro
congresso. Mas não. Já no congresso de 1924, assiste-se a uma longa apresentação de
Paul Boucher sobre o ensino agrícola, e uma resolução da UCC é votada contra a
instrução obrigatória. Era a primeira manifestação da União sobre a questão
escolar. Por isso, ela merece uma atenção especial.
Após ter reconhecido "a ação bem sucedida exercida pelos pais e pelos padres
católicos no plano da educação" e esperado "que esses tutores da escola
sempre conservassem o controle que lhes é garantido pelo direito natural contra o qual
não pode prevalescer a autoridade de nenhum governo" e após ter desejado "que
o Conselho da Instrução Pública gozasse de uma independência absoluta em todos os
domínios que são de sua competência, mesmo na direção das escolas sustentadas pelo
Estado, o primeiro congresso dos agricultores do Quebec considera que o estabelecimente de
um ministério da instrução pública, a gratuidade escolar, a uniformização dos livros
e a instrução obrigatória seriam modificações inoportunas que contribuiriam mais para
desorganizar do que para melhorar nosso sistema escolar .
Essa resolução foi votada por unanimidade. A posição da UCC sobre a obrigatoriedade
escolar, em 1924, é muito significativa. As duas resoluções que precedem àquela que se
opunha à obrigatoriedade escolar retomam a argumentação habitual da Igreja quanto ao
direito natural dos pais em relação à educação e quanto à restrição ao poder do
Estado no campo educativo. Estes foram argumentos amplamente utilizados nas discussões
dos projetos de lei durante a loga luta em torno da obrigatoriedade escolar e, entre
outras, nas últimas discussões de 1919 que mobilizaram as forças sociais da época .
Além disso, a segunda resoluçao reitera a preponderância do Conselho da Instrução
Pública como órgão responsável pela educação e insiste na sua "independência
absoluta (...) mesmo na direção das escolas mantidas pelo Estado", o que significa
explicitamente a recusa de um ministério da instrução pública, da ingerência do
Estado na educação, posições que serão em seguida explicitadas na terceira
resolução.
Portanto, a posição da UCC se situa na linha de pensamento do clero e dos principais
opositores da obrigatoriedade escolar. A terceira resolução (das resoluções gerais),
quanto a isso, é extremamente clara. A UCC se opõe formalmente ao ministério da
instrução pública, à gratuidade escolar, à uniformização dos livros e à
instrução obrigatória, que são consideradas medidas totalmente inoportunas. Como
pudemos constatar em trabalhos anteriores , era muito normal, nos debates sobre a
freqüência escolar obrigatória, associar essas diferentes medidas a uma ingerência
perigosa do Estado na educação, à instauração da escola laica e neutra, e pior, à
penetração de medidas "socializantes" no sistema educativo.
As resoluções mencionadas anteriormente foram apresentadas no congresso de 1924, logo
após a comunicação de Paul Boucher sobre o ensino agrícola. Ora, a exposição de
Boucher aborda, um por um, todos os aspecto que serão depois retomados sob forma de
resoluções, com exceção daquelas que tratavam da freqüência escolar obrigatória e
do ensino em geral. A resolução contra a freqüência escolar obrigatória teria sido
levada ao congresso pelos padres lá presentes? Isso não se pode saber com precisão. A
Igreja não ocupava um lugar preponderante no momento do congresso de fundação da UCC.
No entanto, não há dúvida que ela pôde exercer uma certa influência na votação
dessa resolução .
Durante vários anos, não se encontrará uma resolução da UCC que trate estritamente da
questão da obrigatoriedade escolar; este debate não esteve em pauta na sociedade
quebequense durante vários anos. Mas, se a obrigação inscrita na lei preocupa menos, a
freqüência permanece um ponto de preocupação. O problema da negligência dos pais, da
não freqüência escolar no meio rural e da reduzida assiduidade dos alunos foi assim
abordado no jornal La terre de chez nous, em 1934. Partindo da constatação de que o ano
letivo das crianças do meio rural é muito curto, pois estas só freqüentam a escola no
período compreendido entre o Dia de Todos os Santos e a época do plantio, no melhor dos
casos, o artigo baseado numa enquete aborda o problema da assiduidade dos alunos:
"Mas, durante estes seis meses demasiadamente curtos, quanto dias elas faltam? Os
cadernos de assiduidade nos revelam que os meninos de 11, 12, 13 anos estão ausentes
quase a metade do tempo ".
Esta situação explica, segundo os autores do artigo, o abandono escolar dos filhos dos
agricultores. "Indagamo-nos se não seria urgente exigir que a criança freqüente a
sala de aula um número de dias determinados. Não se trata de escola obrigatória e nem
de instrução obrigatória, mais de um meio de forçar (a expressão pode parecer forte)
os pais a enviar seus filhos à escola ".
A importância da aquisição de certos conhecimentos julgados necessários para as
crianças é, portanto, reconhecida e o espectro da obrigatoriedade escolar aparece. A UCC
teme sempre que essa medida conduza inevitavelmente à perda de controle do aparelho
escolar e à instauração de uma escola neutra controlada pelo Estado. Verifica-se aqui
uma distinção que surge entre a escola obrigatória e a instrução obrigatória. Ela é
habitualmente compreendida da seguinte maneira: enquanto que a instrução obrigatória
implica a obrigação de freqüentar a escola durante um certo tempo, até uma certa idade
e até um determinado nível escolar na escola de sua escolha, a escola obrigatória
implicaria a obrigação de freqüentar tal tipo de escola, e, para a UCC, isso poderia
levar direto à escola laica e neutra. Observa-se claramente que os redatores do artigo
parecem rejeitar a priori ambas ao mesmo tempo, a escola e a instrução obrigatórias. O
elemento essencial do argumento permanece o seguinte: se nossas crianças freqüentam a
escola, o Estado não virá nos impor a freqüência obrigatória.
Será necessário esperar até 1942 para que a UCC volte a abordar diretamente o problema
da instrução obrigatória sob forma de resoluções. No exato momento em que foi
discutida publicamente a questão da freqüência escolar obrigatória, a UCC se manifesta
da seguinte maneira:
"O congresso geral da União Católica dos Cultivadores exprime o desejo de que os
círculos (agrícolas: unidade de base da UCC, T.Hamel e M.Morisset) realizem uma campanha
em favor da freqüência escolar, pelo menos até o certificado obtido no sétimo ano, a
fim de evitar a freqüência obrigatória ".
Mais uma vez, a mesma lógica é aplicada. A UCC favorece a freqüência da escola na
medida em que isso permitiria evitar a obrigatoriedade da freqüência. Passando à ação
para opor-se à "negligência dos pais" face à educação de seus filhos, em
1943, a UCC solicita que se organize uma campanha de educação "para fazer com que
os agricultores e os delegados de escolas compreemdam melhor seus deveres em matéria de
educação ".
Como se sabe, a lei foi votada no ano seguinte, apesar da oposição da UCC. Respeitosa
diante da lei ou então resoluta frente à adversidade, a UCC dá a impressão de aceitar
a situação desde a votação. Pouco tempo depois, dá a palavra a Alfred Bouchard,
agricultor de Laterrière, no congresso da diocese da UCC de Roberval em 06 de setembro de
1943 . E ainda, a União publica essa conferência para assegurar sua distribuição.
Nessa reviravolta, Bouchard dizia que o futuro das crianças "depende em grande parte
da escola" e que a instrução obrigatória, que acaba de ser votada, responde à
negligência e à incúria dos pais, testemunhadas pela pesquisa conduzida pelo
Departamento da Instrução Pública antes da votação da lei . Bouchard concluía:
"O governo tem o direito de exigir um mínimo de instrução para o bem-comum, como
dizia sua eminência (...). Tinha-se o direito de ignorá-la. Ela é a lei agora; e é
nosso dever submetermo-nos a ela ".
Assim, uma vez a lei aprovada, restava então conformar-se. A UCC, que jamais apoiou a
instrução obrigatória, resigna-se agora a essa nova legislação. Pode-se, ao mesmo
tempo, ir de encontro à lei ... e a sua eminência? Mas seus temores, contudo, não
desapareceram.
"Já li que existem países onde se estabeleceu a escola obrigatória, depois a
escola do Estado, em seguida a escola laica e por fim a escola neutra. Nós temos a
freqüência escolar obrigatória. Sabemos que há pessoas que querem ir mais longe.
Querem meter a mão em nosso sistema escolar. (...)Queremos enviar nossas crianças até
os 14 anos, muito bem, mas às escolas de nossa escolha. Não queremos crianças
fabricadas em série, como na Alemanha " .
Através deste posicionamento firme, Alfred Bouchard exprime e renova um dos principais
temores da UCC referentes à freqüência escolar obrigatória, não só à escola neutra
e laica, mas também à estatização e à perda de influência dos pais sobre a escola e,
entre outros, sobre as comissões escolares. O problema da perda de controle das
comissões escolares já havia surgido algumas vezes nas resoluções de congressos da
UCC. Assim, em 1941:
"O Congresso Geral da União Católica dos Cultivadores (UCC) se opõe à abolição
ou à tomada de controle das comissões escolares pelo Estado; solicita, antes de tudo, um
auxílio financeiro às comissões escolares que não têm como pagar um salário adequado
a seus professores ."
E ainda, no ano da votação da lei sobre a freqüência escolar obrigatória:
"O Congresso Geral da União Católica dos Cultivadores (UCC) :
1. Opõe-se energicamente a qualquer projeto que vise o desaparecimento das comissões
escolares rurais ou a diminuição de sua influência;
2. Declara-se favorável à criação de uma associação provincial das comissões
escolares rurais ".
A obrigatoriedade escolar era o presságio de uma vontade do Estado, do governo liberal,
de dissolver as comissões escolares? Na verdade, além da estatização, é a
centralização do poder em relação à educação que é temida pela UCC. Diversas
tentativas de fusão de comissões escolares, a partir dos anos quarenta, parecem estar na
origem dessas posições da UCC. Aliás, já em 1932, a UCC se pronunciara claramente
contra a centralização escolar. Para a UCC, a comissão escolar representava a garantia
da autoridade dos pais na educação, a certeza da escolha dos livros e dos programas por
eles, bem como do controle dos salários e da administração das escolas em geral.
Paralelamente a essas questões, a UCC privilegiava a manutenção do poder do Conselho de
Instrução Pública, que era considerado a garantia da autoridade religiosa junto ao
campo escolar. A partir de 1926 e até a Segunda Guerra, o poder exercido pelas
autoridades religiosas sobre as orientações da UCC é conhecido e seguramente explica em
parte tais posicionamentos quando se coloca a questão do poder sobre a organização da
sociedade civil. Através dessas duas instituições que são a comissão escolar e o
Conselho de Instrução Pública, o direito que se reservam os pais e a Igreja de
supervisionar a educação é pois preservado em favor da UCC. "A família, a escola,
a paróquia, a comissão escolar, o Conselho de Instrução Pública, eis as
instituições às quais queremos confiar nossas crianças ". Mas a freqüência
escolar obrigatória não resolve todos os problemas relativos à educação para os
agricultores.
Após ter dito que era dever dos agricultores submeter-se à lei relativa à instrução
obrigatória, Bouchard se apressa em acrescentar: "Ela resolve somente o problema dos
negligentes. Os outros problemas, pobreza, necessidades das famílias e das escolas
permanecem ". Com isso, Bouchard faz emergir um problema que durante muito tempo
preocupou a UCC e o mundo agrícola em geral.
De um ponto de vista formal, somente em 1956, muito tempo depois da votação da lei, a
UCC retomará sob forma de resolução o problema da instrução obrigatória.
"que a UCC e a UCF (União Católica das colonas [fermières]) unam seus esforços a
fim de divulgar e fazer com que seja acatada no meio rural a lei provincial relativa à
freqüência escolar até a idade de 14 anos ".
Essa mesma resolução será retomada no ano seguinte.
3. A UCC e o financiamento da educação
Numa visão de conjunto, observa-se que a UCC, que se opôs durante muito tempo à
questão da freqüência escolar obrigatória, pouco abordou esse problema nas
resoluções de seus congressos . Em contrapartida, as questões relativas aos problemas
de financiamento da educação ocupam aí um grande espaço e são essenciais para
compreender a questão escolar tal como é vivenciada pelos agricultores. Com efeito, a
UCC esteve constantemente preocupada com o financiamento da educação em vários
sentidos. Os dois principais problemas que motivaram a maioria das resoluções referentes
ao financiamento do aparelho escolar diziam respeito ao sistema de taxação e às
subvenções do governo para fins de educação. Enquanto opunha-se à instrução
obrigatória, a UCC reclamava medidas que visassem a diminuição do encargo financeiro
representado pelas despesas e custos decorrentes da manutenção do aparelho escolar.
Essas duas questões não podem ser tratadas separadamente.
3.1. O sistema de taxação
As resoluções de congressos da UCC referentes ao sistema de taxação se concentram
principalmente no período da crise econômica. De 1932 a 1938, a UCC solicita anualmente
(com exceção de 1934) que se modifique o sistema de taxação que, em sua forma atual,
é considerado excessivamente pesado para os agricultores. O texto da resolução de 1932
será retomado mais ou menos nos mesmos termos nos anos seguintes; ele permite delimitar
precisamente os problemas vivenciados pelos agricultores diante da taxação municipal e
escolar.
"Considerando que o sistema de taxação atual atribui todos os encargos diretos à
propriedade fundiária;
Considerando que esse sistema é oneroso para a classe agrícola;
Considerando que, nas circunstâncias atuais, as taxas são demasiadamente elevadas para a
renda dos agricultores;
Considerando que um grande número de contribuintes que usufruem de todas as vantagens
asseguradas à comunidade pagam pouco ou nem pagam taxas;
Considerando que, muitas vezes, a renda destes contribuintes é muito superior a dos
agricultores;
Foi proposto e decidido que uma solicitação seja feita ao Governo da província no
sentido de estudar um sistema de taxação mais equitativo e mais adequado às
necessidades existentes, para que a divisão dos encargos esteja mais de acordo com a
renda de cada um ".
Como fica claramente expresso, o principal problema, para os agricultores, reside no fato
das taxas estarem baseadas na propriedade fundiária e não na renda. Em 1938, na
Comissão Montpetit (comitê de revisão do imposto), a UCC será ainda mais explícita em
sua crítica ao sistema de taxação. Com base em uma pesquisa efetuada pelo Colégio
Macdonald, em 1934, a UCC denuncia:
1. O fato das propriedades de baixa renda serem mais taxadas que as propriedades de renda
elevada; estas últimas pagam apenas 3% de sua renda em imposto, enquanto que as
propriedades cuja renda é inferior a $ 1.000 pagam 23,5% de imposto .
2. O fato dos avaliadores municipais supervalorizarem as pequenas propriedades agrícolas
e subvalorizarem as grandes propriedades, o que, ainda de acordo com a pesquisa do
Colégio Macdonald, apresenta a seguinte situação:
Valor da propriedade Taxa de avaliação fundiária
0 a $10.000 48.2%
$ 10.000 a $ 20.000 37.7%
$ 20.000 ou mais 30.1%
Total 36.8%
3. O fato das propriedades de alto valor por arpente serem menos valorizadas que as
propriedades de baixo valor.
4. A tendência a superestimar as propriedades cujas construções representam uma
fração considerável do valor total. Conforme a UCC, "este método de avaliação
está longe de ser equitativo, já que os prédios de fazenda acrescentam pouco, em geral,
ao rendimento de uma propriedade .
Para enfrentar esses principais problemas, a UCC preconizava entre outras coisas:
- que a avaliação fundiária também levasse em conta o rendimento das terras e não
apenas o "valor" fundiário;
- que o imposto fundiário fosse ajustado conforme os encargos familiares;
- que as municipalidades pudessem instituir um imposto sobre a renda para atingir
profissionais como notários, médicos, etc...
Além de criticar o modo de avaliação conforme o tipo de propriedade agrícola, a UCC
continuava então criticando a imposição baseada na propriedade fundiária e não na
renda, pois:
"Existe, em todas as cidades, um certo número de pessoas que têm muitas vezes
rendas consideráveis e que contribuem muito pouco ao sustento das escolas e à
manutenção do culto. É quase sempre o caso do médico, do notário, do comerciante, do
corretor de seguros, do hoteleiro, etc... ".
Com isso, a UCC visava os notáveis da cidade que possuíam elevadíssima renda, mas cuja
quantidade de bens imobiliários era mínima (com freqüência limitada à residência),
enquanto que os agricultores tinham poucos rendimentos mas bens imobiliários bastante
significativos para obrigá-los a pagar impostos muito elevados.
Se insistimos neste aspecto relativo às reivindicações dos agricultores é porque a
situação do produtor agrícola com relação à taxação é extremamente importante
para compreender a posição da UCC face às reformas escolares. O sistema de taxação
municipal e escolar é baseado na avaliação municipal das propriedades tributáveis, e
só podem ser tributados os proprietários de bens imobiliários. Ora, os agricultores
eram, no início do século, proprietários de suas terras em 88% dos casos. Esta
proporção aumenta no decorrer do tempo para alcançar 96,9% em 1951 . Isso significa que
quase todos os agricultores pagavam taxas municipais e escolares. Então, esse problema
diz respeito a toda a classe agrícola.
Além disso, é preciso entender que a situação da renda dos agricultores apresenta uma
característica original em relação às outras classes da sociedade canadense: uma parte
importante de sua renda não é monetária. Aliás, essa particularidade assume um
caráter quase dramático durante os anos trinta que nos interessam aqui em particular.
Conforme os dados da Statistiques Canada, a renda bruta das fazendas no Canadá caíram de
maneira extremamente acentuada a partir de 1929; foi necessário esperar uma década para
alcançar novamente o valor das vendas de 1929. A renda líquida tomou naturalmete o mesmo
caminho, partindo de um índice de 104 em 1928, caiu até o índice de 42 em 1932 e 1933.
Em 1940, atingira apenas 98 de índice . E ainda, é preciso observar que a renda líquida
dos agricultores é constituída, em grande parte, de renda em produtos,ou seja,
não-monetária. Enquanto a proporção da renda líquida em produtos se aproximava, em
média, dos dois terços da renda líquida antes da crise, essa proporção atinge quase
toda (98%) a renda líquida no auge da crise em 1933. Isso significa, portanto, que não
restava mais renda monetária em média.
Durante esse período, se examinarmos a parte da renda monetária dos agricultores que é
gasta com impostos, a proporção é enorme. Os impostos fundiários e escolares consomem
até 87% da renda monetária líquida sem dedução em 1933. Se esse ano é excepcional,
é preciso assinalar que a proporção da renda líquida monetária sem dedução
atribuída a essa classe é radicalmente mais elevada durante os anos trinta do que
durante as décadas que precedem ou que seguem. A carga da taxação era então quase
insuportável durante esses anos. Após o início da guerra, a proporção tende a
diminuir cada vez mais.
Observa-se então que os períodos em que a relação imposto/renda líquida monetária
após dedução é mais elevada correspondem aos anos em que a UCC insiste na
modificação do sistema de taxação para fins escolares. Ora, os impostos escolares
representam mais ou menos a metade dos impostos que os agricultores têm que pagar. Para
estes últimos, as taxas representam pois um problema crucial; compreendem-se melhor a
insistências da UCC para a modificação do sistema de taxação e sua resistência em
pagar os custos de educação.
Isso é tanto mais verdadeiro porque os agricultores comparam sua situação àquela dos
notáveis da pequena cidade que têm renda monetária mais elevada e poucos bens
imobiliários, ao contrário deles que são extremamente taxados apesar de terem renda
modesta e, além disso, constituída, em grande parte, de produtos, ou seja,
não-monetária . E, finalmente, para completar, não se pode esquecer a retribuição
escolar mensal que pode parecer insignificante à primeira vista, 50 cents por mês e por
criança; de fato, ela se tornava muito considerável no meio rural e representava, em
termos monetários, uma proporção suplementar das magras rendas monetárias do produtor
agrícola.
A classe agrícola, organizada no seio da UCC, queria pois pôr fim a um sistema de
taxação que fazia com que recaísse em grande parte o financiamento do aparelho escolar
sobre os agricultores do meio rural, para serviços educativos que beneficiavam também as
crianças dos notáveis.
3.2. As subvenções do governo
Em conseqüência, além da modificação do sistema de taxação, a UCC solicitou
constantemente o aumento das subvenções governamentais para fins escolares. As
resoluções, que se escalonam durante todo o período, referem-se ao aumento das
subvenções para as comissões escolares, às concessões às escolas rurais, à
participação governamental para o salário dos professores primários e ao financiamento
pelo Ministério da Colonização do salário dos professores primários, da mesma forma
que o fazia o Conselho de Instrução Pública.
Em Quebec, e isso praticamente até o início dos anos sessenta, o financiamento escolar
repousava quase essencialmente nas comissões escolares, tendo o governo contribuído
apenas muito pouco para o financiamento das escolas. "Em 1940, as comissões
escolares custeavam sozinhas em torno de 80% dos custos da instrução pública ".
Ora, o financiamento das comissões escolares depende principalmente do imposto fundiário
e das contribuições mensais. A parte do governo provincial no financiamento da
educação representa, para os anos 1907-08, 1917-18, 1927-28 e 1937-38: respectivamente,
13%, 14,3%, 13,4% e 20,6% do financiamento total . Entre 1907-08 e 1937-38, portanto, o
governo entervem com, no máximo, um quinto das despesas em educação.Em 1944-45, a
participação do governo aumenta para 26,7% .
Teoricamente, as taxas levantadas pelas comissões escolares deviam ser suficientes para
pagar o salário dos professores primários, o que, no entanto, não era sempre o caso se
julgarmos pelas reivindicações formuladas pela UCC. Todos são unânimes ao descreverem,
nessa época, a situação da educação no meio rural como sendo precária e muito
difícil. Em 1943, a UCC chamava a atenção do Comitê Católico para o fato de várias
escolas rurais terem tido que fechar suas portas por falta de professoras. Além disso,
estas recebiam salários de fome e tinham um nível de instrução superior apenas ao das
crianças a quem ensinavam. A escola rural era, na maioria das vezes, um lugar insalubre,
não aquecido, com apena uma sala onde se amontoavam todos os alunos de todos os níveis.
E, ainda, quando a escola existia, pois a falta de escolas era notória nas regiões
rurais. Compreende-se assim a insistência da UCC para o aumento das subvenções
governamentais para o pagamento dos professores primários.
Além de terem que pagar pesadas taxas, os agricultores tinham que enfrentar condições
escolares verdadeiramente desastrosas, pois os dois fenômenos estavam interligados. Como
cada comissão escolar devia custear quase todas as despesas com educação, e isso pouco
importando as condições dos contribuintes para pagar, a UCC se via envolvida na seguinte
contradição: ou aumentar a carga financeira, já muito pesada para contribuintes
duramente taxados, de maneira a poder ao menos manter ou eventualmente melhorar os
serviços educativos dispensados; ou então diminuir os serviços já pouco numerosos e
precários em muitos casos.
Para a UCC, o problema complicava-se: ao mesmo tempo em que se temia o controle do Estado
em relação à educação, não se podia mais dispensar suas contribuições para
melhorar a situação da educação no meio rural. Na conferência já citada, Alfred
Bouchard mencionava: "Mas há coisas que sempre dependerão em parte dos créditos
dos governos: e a primeira coisa é a instrução . É por isso sobretudo que, antes das
estradas, pagamos taxas" . Ao exigir do governo que ele triplicasse suas subvenções
para as escolas rurais pobres, a UCC pretendia, contudo, reservar ao Estado, e isso
"de acordo com a doutrina social da Igreja", seu papel "supletivo"e
"subsidiário".
Para mostrar a complexidade do problema, podemos tomar um outro exemplo também
significativo, o da gratuidade da escola e dos livros. Ao passo que, em 1924, a UCC se
opõe firmemente à gratuidade da escola e dos livros, ela exige do governo concessões e
subvenções. Somente em 1956, ela decidirá solicitar, em uma resolução do congresso, a
gratuidade dos livros. Em 1943, Alfred Bouchard já dizia em sua conferência:
"Os abonos-família e um plano social de assistência poderiam aliviar o orçamento
familiar. O abono-família poderia ser pago às famílias com destino escolar para as
crianças em idade escolar, o que aliviaria particularmente as famílias numerosas e faria
fracassar os planos de gratuidade com tendências socializantes" .
Assim, a gratuidade da escola e dos livros, que se pode tomar como exemplo, era vista como
uma medida socializante que resultava no controle do Estado, enquanto que o financiamento
do governo, através de subvenções e concessões, era encarado como eminentemente
necessário. Essas duas posições aparentemente contraditórias, no entanto, se explicam
e permitem compreender a importância atribuída pela UCC ao controle da educação. Para
a UCC, as subvenções governamentais são menos perigosas, pois as comissões escolares
"asseguram" o poder dos pais sobre a utilização desses recursos. Efetivamente,
as comissões escolares eram consideradas as garantias do poder local e do controle dos
agricultores sobre a educação de seus filhos. Por outro lado, a gratuidade escolar e
sobretudo a dos livros conduzem diretamente, para a UCC, ao controle do Estado; este se
torna o único juíz na escolha dos livros, eis uma medida socializante. Além disso, o
fato de solicitar abonos-família "com destino escolar", mais do que a
gratuidade escolar, significa que se privilegiam as subvenções às pessoas necessitadas
ao invés de um regime universal de gratuidade escolar, pois o indivíduo usa seu livre
arbítrio para utilizar os fundos de que ele dispõe.
3.3. Uniformidade dos livros
O problema da uniformidade dos livros é também muito interessante e sintomático
dessa mesma contradição. A UCC, aliás, assim como a Confederação dos Trabalhadores
Católicos do Canadá (CTCC), será obrigada a modificar totalmente sua posição de forma
muito rápida, apesar de uma oposição com base nos princípios já evocados. Enquanto,
em 1924, ela se opõe à uniformidade, julgada "socializante" demais, a partir
de 1940, diante da "multiplicidade dos livros e da diversidade dos manuais" que
obrigam a despesas inúteis, "resolveu-se solicitar ao Executivo da UCC que faça
encaminhamentos junto às autoridades competentes, visando remediar essa situação"
. Esta resolução, que vai no sentido da uniformidade dos livros, será explicitada em
outras resoluções em 1953, 1956 e 1957.
Deve-se observar que será necessário praticamente que a lei de freqüência escolar
obrigatória tenha sido votada (1943) para que a UCC favoreça essa medida, quando ela era
considerada muito importante para a fração do movimento operário reunida no Congresso
dos Ofícios e do Trabalho do Canadá. Isso distingue claramente o mundo agrícola do
mundo operário. É porque, atrás da gratuidade e da uniformidade dos livros, esconde-se
o problema do controle do conteúdo da educação e do monopólio do Estado sobre o
aparelho escolar. Mesmo querendo defender-se contra essa "calamidade", a UCC
não pode se permitir desembolsar ainda mais para pagar os livros escolares de uma escola
que já lhe custa muito caro.
3.4. O trabalho das crianças
A UCC jamais mencionou o problema do trabalho infantil nas resoluções do congresso,
salvo em 1934, no congresso provincial dos lenhadores, onde se menciona como sendo grave o
trabalho das crianças com menos de 16 anos . Lembramos que, em 1935, a UCC reunia 3.608
lenhadores. No mesmo ano, num artigo no La terre de chez nous de 19 de dezembro,
menciona-se que as crianças só vão à escola entre o Dia de Todos os Santos e o
período da semeadura e que, na verdade, os pais mantêm seus filhos em casa para
trabalhar ora na fazenda, ora nas atividades domésticas (para as meninas).
Como explicar o fato de que a UCC insiste tão pouco no trabalho das crianças, apesar da
importância desse fator nas posições sobre a obrigatoriedade escolar. A forma de
produção dominante em Quebec, na agricultura (até a Segunda Guerra Mundial), é
caracterizada pela fazenda familiar, onde o trabalho assalariado ocupa apenas um lugar
irrisório na produção que se apoia, principalmente, na mão-de-obra familiar
(explorador, a mulher e seus filhos). Em 1931, a mão-de-obra agrícola era composta de
50% de agricultores proprietários, 40% dos membros da família e os contratados
constituiam apenas 10% da mão-de-obra agrícola total . A produção agrícola está
assim baseada em 90% no trabalho não-assalariado dos membros da família. Além disso,
para uma importante fração dos agricultores, mais particularmente nas regiões pobres, o
trabalho agrícola era completado, durante o inverno, pelo corte da madeira nas
estâncias. Ora, para esse trabalho, o agricultor levava freqüentemente com ele seus
filhos, que se tornavam assim seus auxiliares nas estâncias. Isso explica a resolução
do Congresso de 1935 dos lenhadores.
Em tal tipo de produção, compreende-se que a escola e a instrução obrigatória tenham
se tornado de certo modo concorrentes da exploração agrícola, pois o cultivador
precisava absolutamente de seus filhos para o trabalho na fazenda, pelo menos por um
período do ano letivo.Além disso, devido ao tipo de produção agrícola, principalmente
centrada na auto-subsistência e muito pouco ligada ao mercado (em 1951, 44% das fazendas
quebequenses são ainda fazendas de subsistência) , a necessidade de uma instrução
mesmo muito elementar não parecia primordial para muitos. A criança, no meio rural, era
muito mais produtiva na fazenda do que nos bancos escolares, pensavam eles.
É preciso também saber que, em Quebec, a agricultura era de longe o primeiro empregador
da força de trabalho jovem; 69,9% das crianças que trabalhavam em 1921, 68,3% em 1931 e
72,8% em 1941 estavam na agricultura . O setor econômico agrícola utilizava, sobretudo,
a mão-de-obra infantil masculina, ou seja, 79,2% dos meninos que trabalhavam em 1921;
78,5% em 1931 e 81,9% em 1941 . Os dados mencionados, obtidos pelos recenseamentos
federais, permitem englobar apenas uma parte do problema, pois a exclusão do trabalho no
campo nos recenseamentos, exceto quando ele é considerado por ocupar a maior parte do
tempo (o que os pais nem sempre declaravam), esconde-nos uma parte do trabalho
efetivamente realizado pelos filhos dos agricultores, em particular nos períodos
intensivos, como os do plantio ou da colheita. Em 1921, o próprio texto du recenseamento
estipulava:
"As crianças de dez anos ou mais empregadas em trabalhos domésticos na casa dos
pais ou em trabalhos do campo, ou em qualquer outro trabalho ou tarefa, quando não
freqüentam a escola, não devem ser inscritas como tendo um emprego.Todavia, quanto às
crianças que passam a maior parte de seu tempo com sua família e que ajudam
materialmente seus pais no trabalho, além do trabalho doméstico, a ocupação a qual
consagram seu tempo deve ser declarada" .
O trabalho no campo é tão importante que o texto da lei que decreta a instrução
obrigatória preverá isenções para as crianças que trabalham na fazenda de seus pais.
Assim, sob solicitação por escrito dos pais, do tutor ou guardião da criança,
poder-se-á dispensá-la da obrigação de freqüentar a escola:
"Por um ou vários períodos não excedendo ao todo seis semanas por ano letivo,
quando os serviços dessa criança são requeridos para os trabalhos do campo ou para
trabalhos urgentes e necessários em casa ou para o sustento dessa criança ou de seus
pais. A dispensa é concedida por um certificado relatando os motivos"
3.5. Instrução mínima
Considerando o que acabamos de dizer, observa-se claramente que a UCC mantinha uma
relação complexa e ambígua com a escola e com a instrução em geral. De um lado, a
instrução escolar foi, por muito tempo, percebida como supérflua para o mundo
agrícola, pois alguns rudimentos eram suficientes para cultivar a terra. A UCC não
queria uma instrução primária que transformasse os filhos de agricultores em empregados
de bancos, comerciantes ou outro trabalhador clerical. Não ignorava, contudo, a questão
escolar.
Aliás, a UCC insistiu na ruralização do ensino primário, ou seja, na integração de
matérias agrícolas relativas ao mundo rural nos programas (conforme o programa de Mgr
Ross, de 1923). O ensino primário rural devia ser "perfumado com o cheiro do
campo". A UCC se opôs, inclusive, ao prefeito de Montreal, Médéric Martin, que, em
1927, previra, aliás assim como muitos outros, que a instrução em meio rural iria
favorecer o êxodo rural. Ao contrário, a UCC previa que agricultores mais instruídos
permaneceriam em suas terras e obteriam melhores colheitas, isso sob a condição expressa
de que esse ensino tivesse uma "tonalidade" rural.
Por outro lado, a UCC insistiu, em suas resoluções do congresso, na criação de escolas
de ensino médio agrícola, de escolas secundárias rurais para lutar contra o êxodo
rural e oferecer uma sólida formação agrícola aos filhos de agricultores. Em 1924,
numa resolução do congresso, a UCC considerava:
1. Que se devia descentralizar o ensino secundário agrícola, dito também "curso de
agricultores" ou "curso médio", fundando, na Província, três ou quatro
escolas de ensino médio agrícola". Essas escolas são reconhecidas como sendo de
uma necessidade absoluta e imediata no Abititi, no Lac St-Jean, nos cantões doLeste .
Em 1933, solicita-se, inclusive, a criação de escolas de artes e ofícios nos centros
rurais, sempre para lutar contra o êxodo em direção à cidade. A UCC também insistiu
na criação de cursos pós-escolares agrícolas para dar continuidade ao ensino primário
(que, com freqüência, representava o único nível de ensino alcançado pelos
agricultores), visando a aquisição de uma formação profissional. A ênfase era dada
então à formação profissional agrícola e à ruralização do ensino primário.
Mesmo que a utilização das crianças nos trabalhos do campo limitasse os
"fervores" dos cultivadores pela instrução obrigatória, estes chegam até
mesmo a incentivar pouco a pouco uma boa freqüência escolar e a exigir um nível escolar
mais elevado. Em 1937, no congresso sobre o ensino agrícola, a UCC pede que se exija o
certificado de ensino primário para a admissão na escola da região. Em 1954, exige que
o Conselho de Instrução Pública assuma a instrução das crianças de quatorze a
dezessete anos. Em 1956-57, a UCC solicitava também o acesso ao nono ano para todos os
jovens rurais. Assim, pouco a pouco, uma necessidade mínima de formação escolarizada se
faz sentir entre os agricultores; a escola deve, entretanto, estar em conformidade com as
exigências específicas da vida no meio rural.
4.0. DESAFIOS PARA A UCC
A UCC representa, portanto, os interesses da classe agrícola, centrada na produção
não-mercantil, durante o período estudado, e isso influencia diretamente sua posição
sobre os problemas escolares. Embora a argumentação da UCC sobre a obrigatoriedade
escolar se apresente nos mesmos termos daquela dos principais opositores da lei da
freqüência escolar obrigatória e retome os principais argumentos pregados pela doutrina
social da Igreja, essa organização não pode ser considerada um simples porta-voz da
Igreja. Mesmo se a Igreja desempenhou um papel importante na UCC, e principalmente a
partir de 1926, esta última teve, face à obrigatoriedade escolar, ao trabalho das
crianças, ao financiamento da educação e às diversas questões educativas, posições
que refletiam os interesses e as exigências específicas dos agricultores reunidos em
torno dessa asociação.
Para a UCC, a questão escolar estava ligada diretamente a um problema de ordem
financeira. Para os agricultores proprietários, pesadamente taxados, toda medida que
visasse generalizar o ensino era suspeita, se tivesse o risco de causar um peso
suplementar para os pagadores de taxas. O exemplo da gratuidade escolar demonstrava esse
mesmo problema. A obrigação escolar, que conduzia a um aumento dos efetivos escolares,
tinha conseqüências imediatas sobre o aumento das taxas para os agricultores . Ora, a
escola rural se encontrava numa situação extremamente difícil, pois, como as comissões
escolares mal tinham meios para pagar os professores primários, ela representava um
pesado compromisso financeiro. Estava fora de discussão, para a classe agrícola, ver as
taxas aumentarem uma vez mais para a absorção de uma nova chegada de alunos. As taxas
representaram assim um grande obstáculo à expansão escolar, e a necessidade de
subvenções mais "generosas" da parte do governo se impunha cada vez mais a
seus olhos. Por outro lado, tomada por uma contradição insolúvel, a UCC pretendia
manter o controle das comissões escolares e do Conselho de Instrução Pública sobre o
aparelho escolar e não queria, de modo algum, abrir a porta ao monopólio do Estado na
educação.
Assim, contrariamente a uma fração da classe trabalhadora representada pelo CMTC,
Congresso dos Oficios e do Trabalho do Canadá, a UCC não insistiu com a mesma
intensidade nos problemas relativos ao custo dos livros e da contribuição mensal que, no
entanto, oneravam também o frágil orçamento dos agricultores. Se o controle do
conteúdo da educação estava em jogo para a UCC, era também porque as prioridades
pareciam integrar a luta contra o sistema de taxação.
Enfim, a obrigatoriedade escolar corria o risco de conduzir à escola neutra e laica e ao
controle do Estado sobre a educação. Ora, a centralização e a estatização da
educação eram temidas pela UCC, a comissão escolar era a garantia dos interesses dos
pais em educação, os quais detinham um certo poder nessa estrutura local e
"descentralizada".
A UCC recusa, portanto, a freqüência escolar obrigatória, conforme os interesses muito
específicos dos agricultores. Na classe agrícola, em relação a outros segmentos da
sociedade, fatores particulares vêm induzir uma relação específica a uma formação de
tipo escolar. O recurso constante ao trabalho das crianças no campo, o sistema de
taxação escolar, assim como as percepções que os agricultores tinham da utilidade de
uma formação dispensada pela escola, explicam, em parte, sua resistência em apoiar essa
medida.
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