UMA NOVA FORMA DE GERENCIAMENTO: A
AVALIAÇÃO
Gabrielle Balazs
Jean-Pierre Faguer
Resumo:
A partir de entrevistas realizadas numa empresa de informática em momentos diferentes, dos anos oitenta aos anos noventa, junto a vários agentes que trabalhavam nesse local, este artigo expõe como, atrás das relações de trabalho aparentemente descontraídas, a busca pela "transparência" obriga cada um dos assalariados a trabalhar sob o olhar dos outros, e as avaliações constantes dos desempenhos são indicadores de tensões que suscita a intensificação da concorrência. Também é exigido do pessoal subalterno uma parte cada vez maior de atividade e de "comunicação". Enfim, verifica-se que as relações de trabalho são inseparavelmente relações de dominação, onde cada posto, ao mesmo tempo que implica o domínio de uma competência técnica específica, demanda as qualidades ordinariamente exigidas do pessoal de serviço.
Abstract
The present article is based on a series of interviews held in a computer company
during the 1980s and 90s with several employees from different levels. It shows that,
behind apparently relaxed work-place relations, the concern for "transparency",
which obliges every employee to work under the watchful eye of everyone else, and the
ongoing evaluation of individual performance are indicative of the tensions created by the
intensification of competition. Even the junior employees are required to devote more and
more time to service and "comunication". Relations in the workplace are
inseparable from relations of domination, where every job implies mastering a specific
technical skill but also calls for qualites normally demanded of personnel in the service
sector.
UMA NOVA FORMA DE GERENCIAMENTO: A
AVALIAÇÃO¨
Gabrielle Balazs©
Jean-Pierre Faguerª
O controle permanente dos desempenhos tende a se instaurar hoje em todos os locais de
trabalho, nas fábricas, nos escritórios, nos supermercados, e também nos empregos
subalternos da atividade intelectual e da mídia. A incerteza ligada com muita frequência
a estas formas de atividade obriga a investir e desinvestir continuamente, mobiliza, ao
mesmo tempo, a crença no futuro e a ameaça de perder o seu emprego. A disponibilidade e
a flexibilidade suscitam auto-avaliação e reconversão. As relações de trabalho são
inseparavelmente relações de dominação, onde, cada posto, ao mesmo tempo que implica o
domínio de uma competência técnica específica, requer as qualidades exigidas
ordinariamente de um profissional de serviço.
Assim, com a informática, exige-se até do pessoal subalterno uma parte cada vez mais
importante de atividade de serviço e de "comunicação". Tornando-se
aparentemente mais autônomo, cada assalariado deve acumular as qualidades contraditórias
implicadas no domínio técnico do posto e na consideração das relações entre colegas,
assumindo inclusive tarefas de enquadramento. Cada um deve saber negociar o seu trabalho,
auto-avaliar-se, "vender-se".
Uma empresa de "alta tecnologia", assim como todas as empresas de produtos
culturais - editora, jornal, emissora de televisão, grande loja especializada em discos,
livros ou espetáculos, casa de alta costura, etc. -, aparece como um espaço onde a
aptidão para teatralizar a apresentação de si é um trunfo essencial para o sucesso de
sua carreira. Nesse universo que recruta um pessoal jovem, o corpo é um capital que deve
ser conservado, desenvolvido e mantido. A manutenção do corpo "em forma" é um
trabalho dispendioso, cansativo, uma ascese a que ninguém pode escapar. Mas tudo indica
que se trata de uma aptidão que é distribuída de modo muito desigual, de acordo com a
origem social ou o sexo, na medida em que o controle das expressões corporais ou das
emoções, que se aprende desde a primeira infância, é um indício particularmente
seletivo da origem de classe. Parece, no entanto, que as mulheres de origem operária
conseguem melhor se apropriar destas novas formas de "espírito da casa" do que
os homens que têm a mesma trajetória social. Tudo aquilo que lembra os atributos de
operários é rejeitado por ser "arcaico". Os operários vestidos com macacão
de trabalho, que insultam e "xingam" seus superiores - comportamento frequente
numa empresa comum -, não têm lugar aí. Tais formas de luta são imedatamente
desqualificadas, num ambiente que é feito justamente para eufemizar tudo aquilo que
evoque situações conflituosas ou a "vulgaridade".
O que se propõe aos executivos que se fazem na empresa, através da avaliação contínua
dos desempenhos, refere-se mais a princípios de vida que engajam implicitamente o futuro
de toda a família, do que a um plano de carreira. Num período em que as possibilidades
de promoção social estão freadas pela situação do mercado de trabalho, tais empresas
podem surgir como substitutas da escola. É o caso das atividades culturais, esportivas,
em particular em férias e finais de semana, mas, sobretudo, das atividades de
sociabilidade ligadas ao exercício da profissão: missões e postos no exterior,
possibilidades de moradia em cidades universitárias, ricas em equipamentos escolares ou
em possibilidades lingüísticas que são também condições de acesso ao estilo de vida
e aos "instrumentos" de reprodução social das camadas médias.
TRABALHAR NA URGÊNCIA
Na empresa de informática observada , onde as relações de trabalho são
aparentemente sem tensão, a preocupação com a "transparência" que obriga
cada um dos assalariados a trabalhar sob o olhar dos outros, a passagem dos horários
livres aos horários fixos, e, para uma parte do pessoal, ao trabalho noturno, a
avaliação constante dos desempenhos, que não se limita à avaliação anual ou à
divulgação dos resultados obtidos por cada equipe, são indicadores da tensão que a
intensificação da concorrência suscita.
Esta filial de uma multinacional instalada em Grenoble, no início dos anos setenta,
fundada perto de São Francisco em 1939, caracteriza-se por uma proporção de executivos
e de engenheiros sensivelmente mais elevada do que a das outras empresas da região, sendo
a maior parte do trabalho de produção sub-contratado. O que parece definir os produtos
sofisticados, como aqueles da informática, é o importante papel da relação com a
clientela, sobretudo no que concerne à manutenção, que leva a unir estreitamente, num
mesmo espaço, concepção, produção e comercialização dos produtos . O essencial do
trabalho operário (conforme um relatório do departamento de pessoal, em 1990, os
operários representavam 22% dos efetivos contra 44% de engenheiros e gerentes ) é
consagrado à montagem e ao controle de qualidade dos produtos. Amplamente majoritárias
dentre os funcionários (81%), as mulheres são tão numerosas quanto os homens nos
empregos de operários (50%); mas elas ocupam somente 23% dos empregos reservados a
engenheiros e gerentes.
No setor da informática, a renovação dos produtos é constante e implica um ciclo de
produção cada vez mais curto, e a busca da inovação estimula uma intensificação do
ritmo de trabalho. Neste mercado, que tende a ser o exemplo mais bem-sucedido de um
mercado mundial, a busca da qualidade e a do lucro estão cada vez mais estreitamente
ligadas (retorno à produção em série, trabalho noturno, redução dos horários
"flexíveis", busca constante da baixa dos custos de produção...). O
"gerenciamento por objetivos" se apóia na busca da qualidade. Tudo se passa
como se a autoridade estivesse diluída em todos os níveis do pessoal, incluindo os
subalternos: cada supervisor, que, aliás, não tem este cargo garantido por toda a vida,
é, por sua vez, submetido à autoridade de um outro supervisor; ainda, cada
supervisionado pode recorrer ao supervisor de seu supervisor.
Durante os anos setenta, o crescimento foi rápido, os efetivos passaram de uma centena de
assalariados a cerca de dois mil. A maioria deles admitidos em início de vida ativa, os
assalariadas envelheceram progressivamente junto. Os efeitos da idade são ainda mais
sentidos por virem acompanhados pelo abandono da gestão "humanista" à qual os
operários estavam muito ligados - principalmente as mulheres -, recrutados dentre o
pessoal demitido das empresas regionais de setores em declínio (Têxtil, alimentação,
etc.). Nos anos oitenta, os operários e os funcionários descobriram coletivamente os
problemas ligados à constituição e ao envelhecimento das famílias: licenças de
maternidade, absenteísmo ligado ao atendimento das crianças de pouca idade, divórcio.
Como a maioria dos grupos altamente escolarizados, é um pessoal que retardou o
calendário dos nascimentos. A maioria das mulheres teve seu primeiro filho somente depois
dos trinta anos. Se todos os assalariados começaram sua carreira profissional solteiros,
o sentido que se deve dar a esta forma de celibato provisório é diferente para os homens
e para as mulheres. Para estas, é provável que a contratação não pudesse ter ocorrido
se fossem mães de crianças pequenas.
O que nos interessou nesta pesquisa se refere menos a um estudo preciso dos postos do que
às trajetórias de assalariados definidas por um conjunto de variáveis que as categorias
consideradas nas estatísticas do mercado de trabalho não levam em conta. Em primeiro
lugar, a maior parte do pessoal não é oriunda da região. Recrutados num mercado
nacional e mesmo internacional - recrutamento facilitado por estreitos laços da empresa
com o mundo escolar , os assalariados têm poucos vínculos de família ou de amizade com
a população local. Em segundo lugar, mesmo que uma parte dentre eles ocupe postos que
exigem diplomas mais elevados do que aqueles que possuem, eles estão longe de ser
autodidatas, de acordo com a idéia que se tem habitualmente dos executivos que se fazem
na empresa. Ao contrário, todos aqueles que tivemos a ocasião de encontrar tinham boa
formação escolar, inclusive de nível superior. Os responsáveis pelo recrutamento
insistem na importância maior que atribuem às competências escolares que permitem
"evoluir" ("o potencial") do que aos diplomas. Enfim, as
características "individuais" ligadas a engajamentos cívicos e a investimentos
culturais, associativos ou religiosos, um bom conhecimento do inglês falado
desempenharam, para cada um deles, um papel importante.
A EMPRESA VISTA ATRAVÉS DA ENFERMARIA
O espírito da empresa é visível logo na entrada do estabelecimento. A voz, a postura
são "trabalhadas"como se qualquer relaxamento corporal fosse o sinal de um
relaxamento moral. Na recepção, o tom é dado pelos alto-falantes cujas mensagens, em
inglês e em francês, evocam as vozes de aeroportos. As telefonistas são ao mesmo tempo
recepcionistas e "recebem" os visitantes - clientes, fornecedores,
representantes comerciais, funcionários de outras empresas, etc. -, anotando seus nomes,
o da companhia que representam, a hora de chegada, e lhes dão um crachá. Os controles se
operam, assim, de maneira discreta. Para elas, o essencial está na postura e na eficácia
(apesar de numerosas chamadas telefônicas, do grande número de visitantes e da passagem
rápida da língua francesa à inglesa, nunca se deve correr ou elevar o tom). O trabalho
e o esforço não devem ser percebidos pelos que vêm de fora. Não se deve dar sinais de
irritação ou de cansaço. A organização do espaço (arranjos florais, exposição de
"produtos" em vitrines, salas de recepção com algumas obras de arte) e o modo
do pessoal agir com os visitantes fazem sentir, desde a entrada, que se está num universo
distante não apenas daquele da empresa industrial tradicional, mas também daquele da
função pública. Mesmo entre colegas, a descontração não deve se transformar em
familiaridade. É preciso saber manter distância, o que um ambiente de "alta
tecnologia" (correio eletrônico, microcomputador em cada sala, etc.) facilita.
Como observa uma das funcionárias, "não se pode ser excepcional trezentos e
sessenta e cinco dias por ano. Observem as avaliações dos desempenhos, eles chegaram
até mesmo a nos enquadrar: é aceitável, bom ou muito bom, chegam ao último nível onde
as pessoas são excepcionais. Eu lhes disse: "Esperem aí, isso é uma brincadeira!
Excepcional, a gente é excepcional uma vez de tempos em tempos", (...). Eu sei lá,
num restaurante, um dia você diz ao chef: "Ah! tua comida estava excepcional
hoje!" porque, bom, ele teve um dia, aquele dia, foi a genialidade do dia. Eu digo:
"Mas, enfim, excepcional trezentos e sessenta e cinco dias do ano, não é
aceitável, não é possível, portanto não deveria ter ninguém!" E tem pessoas que
estão no nível do excepcional".
As tensões podem ser tanto mais intensas por ser preciso trabalhar num ambiente
"jovem", "esportivo", onde a competição profissional é inseparável
do culto do corpo . Um conjunto de atividades são propostas no horário do almoço ou
durante os fins de semana e as férias: stretching, escaladas, tênis (uma parede de
escalada e quadras de tênis foram construídas na fábrica), e o pessoal, mesmo os
operários, cuidam de sua forma física, dedicando-se a atividades esportivas consideradas
como atividades de "formação permanente" dentre outras. O trabalho com o corpo
tem também uma dimensão moral; o esforço para dominá-lo, o controle das emoções são
expressões do projeto de ascensão social. O vestuário, geralmente "prático",
a postura física, as atitudes "descontraídas" referem-se a exigências de
saúde, de gosto pela natureza e pelo lazer sádio, que estão em afinidade com a
representação, nas imagens publicitárias, do corpo dos executivos.
A infermaria é um dos únicos lugares onde os assalariados podem se subtrair
momentaneamente à pressão que é exercida sobre eles e deixar provisoriamente de
fiscalizarem-se. "Num escritório, você está com dois ou três, você desaba com
dois ou três; se você cai em produção ou se você começa a gritar porque tem uma
crise de nervos,o prédio inteiro pára e olha, são as cabeças que surgem de cima das
divisórias e dizem: "Ei, o que está acontecendo?". Não se deve esquecer que
as tensões são ainda mais fortes porque o mercado de trabalho, mesmo na eletrônica, tem
se tornado progressivamente mais seletivo. Os assalariados interiorizaram tanto mais o
medo do desemprego por verem em torno deles cada vez mais trabalhadores interinos ou com
contrato temporário, enquanto um número cada vez mais significativo de tarefas é
confiado a empresas externas.
Os sinais clínicos levantados pelo pessoal médico são numerosos: o absenteísmo e as
interrupções de trabalho, que provêm sobretudo das mulheres, desde que os horários
passaram a ser fixos, os assalariados que vêm "explodir" na enfermaria, o
"desgaste dos executivos" que ameaça, na verdade, todos os assalariados, enfim,
as depressões e as doenças prolongadas.
De acordo com uma das enfermeiras, os funcionários recorrem muito a licenças de saúde,
"por depressão", "a lista de medicamentos a serem tomados é composta de
antidepressivos", e "há um mal-estar geral": "É o problema da
empresa, a partir do momento em que você não está bem, é preciso ter, ao menos, uma
base familiar ou uma vida pessoal sólida. Se, por acaso, se peca um pouco por este lado,
geralmente a gente vê as pessoas decaírem algum tempo depois, ao nível do trabalho,
não funciona mais porque, efetivamente, elas sofrem tanta pressão ao nível de seu
trabalho, se não tiverem uma compensação fora ou algo que as renove, que lhes faça
bem, é o fim, é o desmoronamento (...) não tem nenhuma estrutura (para atendê-los),
oficialmente, isso não existe. Em contrapartida, então, se vê com muita freqüência os
supervisores, diretamente, que assumem a responsabilidade das coisas e, então, nós, do
serviço médico, damos saltos quando eles vêm nos contar certas coisas (...), sei lá,
pessoas que começam a assumir praticamente o divórcio de um de seus funcionários."
(...) "Há executivos que vêm de Paris, por exemplo, X, olhem em que estado o
deixaram. Competitivo até a aposentadoria, infarto no aeroporto de Washington, e ele
ainda está aí, trabalha meio turno, mas acho que é alguém que realmente dá sua vida
até o fim pela HP. É o antigo diretor de.... Ele trabalha com moderação agora. Eu
diria que ele dá sua vida mesmo assim, com parcimônia agora, ou seja, seu incidente fez
com que, logo depois, ele dissesse: "Ah, agora chega! Eu quase morri, não, não
continuo mais", isto é, em 48 horas, ele pediu sua demissão da alta direção e
lhes disse: "Vocês me achem outra coisa, não quero morrer num avião!"
Ao mesmo tempo dentro e fora da empresa (ela é uma assalariada dentre outras, submetida
aos mesmos horários, ao mesmo ambiente de trabalho, aos mesmos critérios de
avaliação), a enfermeira, cuja entrevista retranscrevemos em parte aqui, deve a essa
posição na fronteira bem como à sua trajetória esta visão um pouco distante que faz
dela um informante sensível aos efeitos patológicos de um espírito da casa, ao qual ela
não pode totalmente aderir. Filha de um antigo operário que se tornou executivo numa
importante empresa local, casada com um engenheiro, mãe de uma criança, ela foi
admitida, após diversas experiências profissionais, das quais 5 anos na região
parisiense, com a esperança de encontrar enfim condições de trabalho mais compatíveis
com sua vida familiar ("eu tinha boas propostas, principalmente a da 'Prison de la
Santé'); seus primeiros empregos são "estressantes": um posto noturno em
serviço de reanimação, um trabalho junto a pessoas da "quarta idade", uma
substituição como enfermeira num canteiro de obras. Representante do pessoal, esta
mulher, que faz teatro durante suas horas livres, tem, no entanto, um ponto de vista sobre
a empresa que se deve muito à posição que ela ocupa nos únicos "bastidores"
de um lugar de trabalho onde a auto-apresentação faz parte da definição "no
estado prático" (aquela que não se encontra nos regulamentos internos, nem na
descrição dos "perfis de cargos") da competência profissional.
"Se recebemos, na verdade, tanta gente na enfermaria, é porque a enfermaria é um
dos raros lugares fechados. Uma vez, vi alguém receber uma ligação telefônica: sua
avó doente, muito doente, e logo começou a ter os olhos cheios de lágrimas; havia vinte
pessoas em volta, que não fizeram por mal, eu diria que isso faz parte do ser humano,
você sente que alguém recebeu um telefonema não muito bom, as coisas não vão bem, e
todo o mundo parou de falar. Conclusão: você não se desata em soluços no telefone,
você se abstém, você se retém até passar pela porta da enfermaria, depois é lá que
explode porque se precisa disso de vez em quando. (...)
Temos um pequeno sistema na enfermaria que vale pelo que é, porque, como estamos numa
equipe e não podemos propor grande coisa às pessoas, quando vemos que as pessoas estão
paradas, depois de três semanas, um mês, enviamos a elas uma cartinha de contato, na
qual colocamos: Bem, escute, você está parado desde o dia tal..., se você precisar,
gostaríamos muito de ter notícias suas, se você precisar, entre em contato." A
enfermeira que eu substitui gostaria muito de ter chegado a ter o estatuto de assistente
social, ela fazia a parte social, ela atendia as pessoas, era alguém que tinha um
dinamismo fantástico. Ela telefonava para as pessoas, fazia isso porque era antiga na
casa e porque, enfim, conhecia praticamente todo o mundo. Quando ela havia entrado, eram
uns cem, portanto, era uma pequena família. Eu cheguei, ela me disse: "Você
entende, às vezes telefono, me dei mal uma ou duas vezes, teve gente que me disse: o que
é? por que o serviço médico? você está se certificando de que eu estou mesmo doente?
E isso pode ser visto assim, como um controle." Então agora, decidimos: "uma
cartinha com duas ou três frases, se você quiser, chame, se não quiser...".
_ E depois, se isso continua?
_ Na maioria dos casos, as pessoas nos telefonam dizendo: "Estou realmente muito
contente, tenho a impressão de que alguém... vocês não estão me esquecendo
completamente." Infelizmente, o problema é que não podemos fazer mais do que isso.
Eu me pergunto, e um dia, vai nos acontecer que a pessoa vai realmente nos telefonar
dizendo: "Sim, tenho um grande problema, venham me ver!" E não sei como vamos
fazer.
_ Você dizia que tinha ligações privilegiadas com médicos da cidade, que tipo de
médicos? psiquiatras, clínicos gerais?
_ Então, no início, eu enviava... O psiquiatra, primeiro, na França, é contudo mal
visto, ir dizer a alguém: "Ouça, você deveria ir consultar um psiquiatra, isso lhe
faria bem", geralmente, é um pouco... agora, propor-lhe... a gente tenta enviar para
clínicos gerais, clínicos gerais que dispõem de tempo. Um bom generalista que dispõe
de uma hora para tentar compreender um pouquinho, bom, já é um verdadeiro passo, e
talvez, em seu consultório, através dele, as pessoas conseguiram melhorar lá fora. E
depois, é verdade também que os psiquiatras, eu conhecia alguns através do serviço de
recrutamento, porque o pessoal do recrutamento fez psicologia inicialmente, portanto, eles
têm conhecimentos nesta área, é verdade que eles conhecem pessoas que certamente são
boas, que lhe ajudam, mas que são excessivamente caras e que, para alguém que trabalha,
por exemplo, na produção, eu diria que é quase impossível, se isso deve lhe custar
600,00 francos (120,00 dolares) por semana, eu não vejo como alguém da produção possa
gastar isso (...). Em muitos casos, é uma coisinha que não vai bem num momento,
precisaria de um empurrão apenas e de alguém que lhe esclarecesse um pouco o problema,
que o visse de fora e que lhe dissesse: "Ouça, bom, talvez seja isso e aquilo as
coisas que devem ser trabalhadas", e depois, essas pessoas são psicoterapeutas, que
não são reconhecidos pela previdência social, é um problema...
_ E nunca lhe aconteceu de recorrer a um serviço de urgência psiquiátrica? pessoas que
realmente desmoronam?
_ Duas vezes, sim, duas vezes (...) então, não é um serviço de urgência
psiquiátrica, chamamos o SAMU (Serviço de Atendimento Médico de Urgência). Tivemos uma
vez, foi minha colega da noite que atendeu isso, alguém que estava muito deprimido e que
seu psiquiatra mesmo assim - porque a teoria atual, eles não estão errados, é verdade
que se alguém está muito deprimido, há um momento em que se tenta fazê-lo voltar ao
trabalho mesmo assim, porque se sabe muito bem que as pessoas, em casa, andam em círculos
e não conseguem sair disso, e depois, era alguém que estava sob um tratamento muito
forte, teve que dobrar seus medicamentos porque não estava bem e tinha que suportar
novamente, contudo, a pressão da HP, que, apesar de tudo, está aí, e então, ele chegou
à enfermaria num estado, estava quase delirando; como não há serviço de urgência
psiquiátrica em Grenoble, temos que transferir tudo para o "42-4242". É o
SAMU. Eles estão bem preparados para este tipo de coisas. (...) Por último, tivemos uma
garota do restaurante que, também, tinha tomado medicamentos, devia tomar meio
comprimido, acho eu, por dia, ela havia tomado seis. Ela não era realmente um problema
para nós, ela dormia. Não podíamos, contudo, deixá-la dormir o dia inteiro na
enfermaria controlando-a a cada quinze minutos! isso nos parecia bastante pesado."
CONTROLE E CUMPLICIDADE
A confiança constitui um dos componentes da qualificação profissional de um pessoal
intermediário cuja função essencial consiste em estabelecer o vínculo, em
"comunicar". Qualquer transmissão de informação, mesmo pessoal, "para
fora" pode ter consequências sobre a "imagem" da empresa; entendida como
comportamento inadmissível, embora não mencionado no regulamento interno, ela corre o
risco de ser considerada, em muitos sentidos, um erro profissional. Assim, para esta
sondagem, os assalariados só desejavam responder sob a condição de que seu supervisor,
ou um membro da direção, fosse informado previamente dos objetivos da pesquisa e lhes
desse a autorização de participar dela. As hesitações e as várias recusas de
entrevistas contrastavam com o tom aparentemente livre que existe entre a hierarquia e o
pessoal: presença de executivos de alto nível nos mesmos prédios, funcionários
separados em salas envidraçadas que expõem cada um a trabalhar sob o olhar dos colegas e
dos chefes, tratamento por "tu" (em francês, tratamento informal como
"tu" ou "você" em português), rituais de integração como o
"intervalo para o croissant" de manhã, os drinks para comemorar os sucessos de
uma equipe quando um "objetivo" é alcançado, liberdade de circulação dentro
dos prédios ou de reunião.
Os responsáveis pelas relações públicas controlam tanto as informações ligadas aos
produtos e a sua fabricação quanto aquelas que estão ligadas às relações do pessoal
e à "imagem" da empresa que pode ser, através deles, veiculada externamente.
Enquanto um horário havia sido marcado de Paris com uma secretária, durante as horas de
trabalho, esta chegou à recepção acompanhada pelo diretor de relações públicas que
veio tomar informações sobre nossos objetivos, com a preocupação de reverter
deliberadamente a situação de enquête.
O SISTEMA "PORTA ABERTA"
"Aqui, é o método US, é o sistema "porta aberta": você tem um
problema, bem, você não fica na sua cadeira, você vai falar imediatamente com o chefe.
O chefe ou outra pessoa. Mas todo o mundo deve recebê-lo e estar disponível porque, se
você vai lá, é porque normalmente justifica. Há dois dias, eu disse ao meu chefão:
temos realmente que conversar. Ele se levantou e nós nos sentamos numa mesa, no entanto,
ele estava mergulhado no trabalho. E então ele me disse: "É preciso estar
disponível", este é o seu trabalho; isso faz parte de seus objetivos. É preciso
saber se virar, é preciso que ele esteja lá." (Técnica de manutenção, nível
"baccalauréat", supervisora, representante do pessoal).
Seria necessário descrever também, ao mesmo tempo, os rituais de integração e os
sistemas de auto-avaliação aplicados por supervisores mais próximos de conselheiros
psicológicos que de contramestres, o leque das técnicas sociais de enquadramento que
conduzem ao superinvestimento dos assalariados. Este modelo de gerenciamento é a tal
ponto interiorizado que ele perdura apesar das transformações recentes de um trabalho
que se tornou mais diretivo para o pessoal operário por causa da crise (recurso ao
trabalho noturno, mesmo para as mulheres, e a um modo de trabalho tayloriano para linhas
de produção).
Se os princípios de avaliação de seus subordinados são comuns a todos os supervisores,
a percepção dos problemas, os limites de intervenção variam principalmente, pelo que
parece, de acordo com a maneira como eles "subiram" na empresa. Dois percursos
nos parecem exemplares desse processo de vinculação com a empresa e de adesão a seu
modo de gestão. Dois supervisores, ambos oriundos das camadas médias, têm, no entanto,
uma experiência diferente, "no masculino e no feminino", do exercício da
autoridade. O homem é titular de um "baccalauréat" em literatura (ele nos
tinha sido apresentado como um "exemplo positivo" de diplomado em literatura
capaz de conseguir sua reconversão numa empresa cujo capital profissional é de base
científica) obtido numa reputada escola de ensino privado da região parisiense; ele
pensa que sua função requer, em qualquer ocasião, manter distância de seus
subordinados: "Se o desempenho cai, creio que o que devemos fazer é constatar que
efetivamente ele está caindo. As pessoas começam a cometer erros, não estão mais
ligadas em seu trabalho, acho que é preciso fazer com que compreendam que estamos vendo,
que, efetivamente, há uma queda de desempenho, que isso não é aceitável, não é
normal; isso me aconteceu, há seis ou oito meses, com uma funcionária, eu disse a ela:
"Ouça, OK", ela me falou de seu problema, eu sabia o que estava acontecendo, eu
disse: "OK, seu desempenho, assim não dá, bom, não levo isso em conta para esta
avaliação, esqueço estes três meses, mas agora, é preciso que isso se resolva bem
depressa, porque não poderá durar eternamente assim" (...); temos, talvez,
tendência a ter uma certa piedade, e isso não funciona, é realmente um desastre. (...)
Não devemos de forma alguma envolver-nos com os problemas pessoais porque isso é o
fracasso garantido."
A mulher entrevistada, filha de pequenos comerciantes da região, admitida com 18 anos
como operadora na produção, com apenas um CAP (Certificado de aptidão profissional) de
estabelecimento de ensino público, tendo se tornado supervisora após ter sido assistente
técnica, esforça-se, ao contrário, para exercer sua autoridade na proximidade e na
cumplicidade. Antiga auxiliar de enfermagem, depois operária numa indústria de
alimentação, ela compartilha a mesma história profissional das mulheres que
supervisiona, para as quais essa empresa do setor eletrônico representou uma melhoria
sensível do salário, condições de trabalho, perspectivas de futuro: "Eu senti a
diferença quando entrei aqui, lá era realmente como a linha de produção, não se tinha
contato como se tem com nossos supervisores ou supervisionados. (...) As pessoas da 'Lou',
da 'Valisère', a diferença de trabalho aqui mudou um tanto suas vidas." Citando
seus irmãos, chefe de controle de estoque e chefe de equipe em duas empresas da
aglomeração de Grenoble, "comparando minha antiguidade e a deles, eles dizem que
realmente se tem sorte de trabalhar na HP". Seu estatuto de mãe solteira é bem
aceito, propuseram-lhe o cargo de supervisora no retorno de sua licença-maternidade:
"Não sei se é porque eu era solteira e então disponível ou o que." Ela
mantém vínculos pessoais com "seu pessoal", fora do horário de trabalho:
"Tenho contatos externos com meu pessoal, viagens, saídas, convidamos-nos mutuamente
para ir em casa, uma vez por ano, reunimos todo o mundo, tanto os supervisores quanto os
supervisionados, e saimos juntos para comer fora." Em seu trabalho, ela sabe anular o
caráter dramático do procedimento de avaliação dos desempenhos, que é em si fonte de
tensões ("eu utilizo um formulário padrão para todo o mundo"), e, ao mesmo
tempo, encaminhar para a enfermaria, para o serviço de pessoal ou, eventualmente, para um
advogado os assalariados "que têm problemas".
COLOQUEM-ME SOZINHO NUM CANTO
"Lembro de alguém em particular que, neste momento, sofre realmente de uma
depressão, um homem, ele está numa fase de reconstrução completa de sua personalidade
porque desmoronou completamente, não suporta mais essa vida em grupo, ele volta dizendo:
"Coloquem-me sozinho num canto". Postos assim, aqui, não temos... Ele era
supervisor e então, bom, desmoronou, eu não diria que a HP foi... enfim, constatamos
mesmo, no departamento médico, que nunca é por causa da HP. As pessoas dizem: "Ah,
ele desmoronou por causa de", não, mas a HP é, de vez em quando, a gota d'água que
faz transbordar o copo, isso é certo (...). O trabalho estava se tornando difícil de
gerir porque era alguém de quem se exigia cada vez mais e que, finalmente, exigia cada
vez mais de seus caras atrás, num determinado momento, começou-se a querer lhe passar um
discurso no qual ele mesmo não acreditava. E como é uma pessoa profundamente honesta,
foi ele que se demoliu. Ele não conseguiu mais passar a mensagem e logo foi ele que se
despedaçou. É alguém que volta agora dizendo: "Quero ficar num
canto..."Estão lhe procurando alguma coisa, mas não há nada! Há muitas pessoas
que sofrem com isso, tem gente que precisa trabalhar sozinho. Você é um pouco
introvertido, fechado. Aqui, mesmo quando você chega, é um grupo inteiro, é preciso dar
"bom dia pessoal!" todos os dias. (...) Há momentos que, justamente para quem
é tímido, são difíceis. Portanto, temos muita gente que trabalha, que já se sente
forçada quando chegam porque, logo na chegada, suspiram... "tenho que suportar os
outros durante oito horas", bom, é... quando você é alguém que prefere trabalhar
tranquilo em seu cantinho e que... e isso não quer dizer que sejam pessoas que fazem um
mau trabalho ou que não sejam rentáveis, mas esse tipo de cargo não existe, tudo passa
pelo grupo na nossa empresa (...) . Para um homem, começar a chorar não faz parte da
cultura. Mesmo uma mulher que começa a chorar numa linha (de produção), levam-na a nós
dizendo: "Bom, ela desabou..." Homens, bem, vimos alguns chorar na enfermaria,
mas lhe asseguro que eles esperam terem entrado na enfermaria para chorar assim. É
realmente assim: "O que é que está me acontecendo para chorar assim? Desculpe por
ter feito isso na tua frente." (...) É a grande lata de lixo onde se coloca tudo lá
dentre, lá atrás, um dia, ela transborda e, mais cedo ou mais tarde, bem, um dia isso
explode no trabalho porque, uma manhã, o chefe lhe faz uma advertência, é a
advertência que faltava e então é o fim. Eu tento passar a eles a mensagem dizendo:
"Atenção, é preciso se preocupar com ele", é preciso evitar o olhar dos
outros naquele momento, pois, quando você aparece no dia seguinte e que todo o mundo lhe
diz: "Tá melhor?" é o que ocorre infelizmente! Você tem uma crise de nervos
aqui, no dia seguinte, você tem trinta e cinco pessoas que passam por você:
"Então, você está melhor?"" (Enfermeira).
OS USOS DOS DIPLOMAS "PELA CASA"
Os princípios de responsabilização, de autonomia no trabalho, de autocontrole são
também maneiras de reconhecer a legitimidade dos diplomas sem reconhecer o título que
conferem. No caso dos assalariados de origem popular, a trajetória garante por si só a
presença das qualidades tradicionalmente vinculadas à mão-de-obra feminina
(dedicação, afinco no trabalho, modéstia, minúcia, auto-anulação). A presença de um
pessoal "supertitulado" é verificada mesmo no caso das mulheres que ocupam
postos de produção. Pode-se citar uma filha de agricultores oriunda de uma família
católica de muitos filhos, titular de um "baccalauréat" em Letras obtido como
"bolsista" numa escola de ensino privado ( ela tinha que fazer limpezas e
tarefas braçais para pagar sua escolaridade), admitida como operária logo nos primeiros
meses de abertura da fábrica. Após um ano de desemprego, separada de seu marido e tendo
dois filhos pequenos para criar, ela foi contratada sem ter dito que havia feito o
"baccalauréat" e iniciado os estudos de assistente social para ter mais chances
de obter um emprego ao nível de "brevet". Depois de dezessete anos na
produção, graças à formação permanente, ela subiu para um posto de telefonista
bilíngue.
O esforço exigido é ainda maior para os funcionários e técnicos a partir do momento em
que sua competência foi reconhecida e que estes são colocados em concorrência com os
executivos. Assim, uma antiga técnica "sem título" (ela entrou na HP antes de
ter obtido um BTS para o qual ela não chega a prestar nem mesmo a prova oral), foi
encarregada, após um estágio nos Estados Unidos, de ensinar a engenheiros o modo de
utilização de um "produto" do qual ela é uma das únicas especialistas nesta
multinacional. Confrontada com homens seguros de si ("são pessoas que são formadas
não apenas na técnica mas também no estado de espírito, são ensinadas a dizer
"eu sou bom, sou o melhor""), ao pessoal da área comercial, a um público
internacional ao qual ela se dirige em inglês, muitas vezes mais atento às inovações
ligadas a esse produto, sua autoridade é constantemente questionada: uma falta de
legitimidade escolar ("eu poderia ter feito uma 'classe préparatoire'" ),
social (ela é filha de um motorista de ônibus que se tornou também instrutor) e
"identitária" (uma mulher solteira numa carreira de homem) faz com que ela viva
sua situação como impossível.
"Eles achavam que eu era bastante pedagoga, meus colegas, eles me diziam: "Oh,
você deveria se apresentar como instrutora." Então fui lá e fui aceita. Na
verdade, eles não deveriam ter me aceito, porque o serviço de pessoal era contra. Mesmo
assim, fui admitida no setor de treinamento e, com o passar do tempo, estou me dando conta
que o serviço de pessoal tinha razão: eu me adaptei muito mal, foi muito mal para mim
lá. Foi quase a mesma história do 'baccalauréat', eu não tenho confiança em mim,
pois, quando você está diante dos caras para formá-los, é preciso estar bastante
seguro, e este não era o meu caso, portanto, não vivi muito bem a situação. Fui
admitida e, logo depois, fui aos Estados Unidos para fazer um estágio. O curso não é
como na escola, é pior. Você tem um grupo, você tem seis máquinas e doze pessoas. Na
verdade, como tínhamos dificuldade em responder à demanda, tínhamos muitas vezes
quatorze, dezesseis pessoas. Os cursos que eu dava duravam 5 semanas! Eu passava,
portanto, 5 semanas sozinha, na minha sala, com meus 14 caras, porque eram só homens - eu
tinha sido admitida, mas era a primeira mulher que eles admitiam e, na Europa, eu era a
única (...) A aula se dividia sempre em duas partes: de manhã, teoria, e à tarde, o que
a gente chama de "laboratório", são os trabalhos práticos; de manhã,
explicava-se o funcionamento da máquina: nossas salas de aula têm todas um
retroprojetor, e projetamos transparências, era eu quem criava a aula, era eu que
escrevia minha aula. Preparar uma aula é loucura: eu etava sempre atrasada, eu entrava em
pânico. São 5 semanas, 8 horas por dia, à noite, você vai então preparar seu material
para o dia seguinte! Então, ao final de 5 semanas, é muito simples, eu estava doente!
Estava morta, não aguentava mais... Porque, para fazer esse trabalho, as pessoas que se
saem bem são pessoas que não se preocupam com nada, enfim, que têm um certo
desligamento, que têm uma certa faculdade de se desligar daquilo que está acontecendo,
que ficam recuadas, sei lá... E se você é um pouco... Em pedagogia, eu não era ruim,
não era um problema de pedagogia que eu tinha. Não, quando eu explicava alguma coisa, os
caras compreendiam bem... quando eu sabia (risada). É quando eu não sabia que a coisa se
passava mal! Os outros colegas também não sabiam, mas eles nem ligavam para isso,
diziam: "Oh, isso você não precisa saber", enquanto que eu fazia um bicho de
sete cabeças das coisas que não sabia. Era preciso ensina 25 semanas (...). Não
suportei muito bem, no primeiro ano, era horrível, então, no segundo ano, eu já estava
começando a procurar outra coisa para fazer porque eu sentia que ia completamente...
Durante o curso, era horrível: de manhã, eu chegava, ia chorar no banheiro, e depois,
como era a hora de ir para a aula, eu ia para a aula! Era horrível! Eu tomava
medicamentos, enfim, em resumo, não aguentava mais. Eles contrataram uma outra garota
para o curso, e ela vinha de uma escola de engenharia, era engenheira. Eles a pegaram para
trabalhar comigo justamente: éramos encarregadas dos mesmos produtos, dos mesmos cursos,
eu tinha que formá-la. No final de seis meses, ela foi embora. Mas ela não aguentava
mais, como eu: ela resmungava todo o tempo! (risada). Era realmente a dupla
infernal!"
Outro exemplo tomado dentre as secretárias, a assistente de um diretor de departamento
tem todos os atributos de uma pessoa que ocupa um cargo de confiança, cargo cuja função
depende em parte da carreira do responsável para quem ela trabalha. Trata-se menos de
realizar tarefas técnicas do que exercer com discrição um trabalho "de
comunicação", essencialmente em inglês (telefone, correio eletrônico),
"administrar a agenda" de um gerente levado a viajar muito ("é uma coisa
difícil quando se tem um chefe brilhante mas que é completamente desorganizado"),
preparar reuniões com toda a equipe, substituir o chefe durante sua ausência. Um longo
período de desemprego, a experiência de pequenos empregos (entrevistadora para um grande
centro de compras, trabalhos temporários para um estudo europeu num organismo
internacional, tradução assistida por computador) e sua trajetória familiar de filha de
operário, titular de um diploma de língua obtido em 4 anos de estudo superior
('maîtrise de langue'), um ano passado na Inglaterra e um DESS (Diploma de Estudos
Superiores Especializados, obtido com 'Maîtrise' + 1 ano) em economia do trabalho,
explicam o fato de ter aceito ingressar na HP como secretária interina, de "nível
'baccalauréat'", esperando o reconhecimento posterior de seus títulos.
"Fiquei quase um ano e meio desempregada, (...) cada vez que eu me apresentava para
um cargo, o que acontecia, o que não dava certo era minha formação. Eu conseguia passar
por todas as etapas, tinha várias entrevistas e, na última etapa, sempre havia alguma
coisa que trancava, era sempre a formação; enchi o saco e me inscrevi na Ecco (empresa
de estágios), e depois cheguei um dia na HP assim (...). Um mês depois, o contrato
terminou, e eu, no intervalo, continuava minhas buscas, (...) e então, mais ou menos seis
meses depois, voltaram a entrar em contato comigo dizendo: "Olha, tem uma vaga de
secretária, sei que gostariam muito que você pegasse, então, venha ver." Foi
assim, sem passar pelo serviço de pessoal, era um dos dois chefes para quem eu ia
trabalhar que queria que fosse eu (...); foi tudo bem, ele deu OK. Bom, eu disse para mim
mesma: "Enfim, deu, maravilha." E depois, para maior segurança, passei no
serviço de pessoal com meu curriculum, sem ter dito que eu tinha um DESS. E foi lá que,
eu me lembro muito bem, a responsável do departamento pessoal me disse: "Para mim,
está fora de questão que você seja contratada", e então passei depois no setor de
marketing, fui falar com eles, eu disse: "Bom, sinto muito, deu mas não deu."
Em seguida, teve toda uma fase de negociação, eu estava sem trabalho. E então, no
dossiê, está bem assinalado: "Me forçaram, eu contratei." Eu até compreendo
a idéia deles de empregar pessoas que vão progredir depois, então ela me disse:
"Estou absolutamente certa de que, quando você estiver aqui, você o fará, mas com
relação a sua formação, mais cedo ou mais tarde, você ficará frustrada." E foi
mais ou menos o que aconteceu posteriormente, eu era então a secretária de dois
departamentos. E é verdade que, dois anos depois, eu já tinha experimentado tudo no
trabalho e estava realmente frustrada."
O "FORA DO TRABALHO" NO TRABALHO
Para o médico trabalhista empregado pelo estabelecimento, a "filosofia" da
empresa se resume na "idéia de promover as pessoas e de fazer com que possam
administrar sua vida pessoal. É uma idéia muito personalista, excelente. Aqui não se
deseja e não se quer assistir à pessoa (...). É preciso admitir isso, cada um deve
encontrar seu lugar num sistema que é formalizado por certos aspectos e que, para outros
aspectos, é perfeitamente informal. Aquele que não encontra seu lugar tem
dificuldade". De fato, o estresse foi várias vezes evocado pelos entrevistados que o
relacionam com a ausência de "plano de carreira". Cada um é levado
insensivelmente a misturar trabalho e "fora do trabalho", a equipar seu
domicílio como um anexo do seu escritório (telefone, fax, note book, impressora) , mas
sobretudo, devido às incertezas da vida profissional, a submeter vida familiar e tempo
livre aos imperativos do cargo. Na seguinte passagem, uma jovem líder sindical,
engenheira de pesquisa, de uma família de funcionários públicos parisienses e que fez
grande parte de seus estudos no exterior, evidencia como essa incerteza e essa avaliação
permanentes podem produzir um afastamento do pessoal que envelhece ("o desgaste dos
executivos"), uma dificuldade, para as mulheres, de tomar conta da família, e pode
constituir, enfim, um obstáculo a um engajamento político ou sindical.
"Depois de um certo tempo, é verdade que há alguns executivos que têm mais de 50
anos. São pessoas que não puderam se reconverter, então hoje, não têm as
competências de que HP necessita. Parece que já houve um caso de out-placement§ . Há
casos de pessoas que não têm nada a fazer, como assim, que foram chutadas para escanteio
em sua tarefa atual por serem considerados não competentes, e a gente se pergunta...
Tem-se a impressão que esperam que essas pessoas tenham um colapso nervoso para fazer
alguma coisa. Isso não é bem administrado e o problema é que todo o pessoal do
gerenciamento deve raciocinar em prazo muito curto, porque eles têm objetivos a curto
prazo, eles estão saturados pelos negócios (...). Era mesmo uma espécie de
reivindicação da parte da HP dizer: "Não administramos as carreiras porque não é
necessário". Não há nenhum problema de recolocação para nossos executivos. Era
mesmo algo que era dito alto e forte. Hoje, eles começam a se dar conta que seria
necessário talvez que fossem capazes de ter planos de carreira para as pessoas. Ninguém
tem plano de carreira. E quando você pede isso, isso me aconteceu, eu disse para mim
mesma: deve haver especialistas, em algum lugar, que podem me ajudar a saber o que quero
fazer da minha carreira, não era problema do serviço de pessoal. Cabia ao supervisor
fornecer a assistência... (e para as mulheres), é preciso ser uma wonder-woman, com
filhos que ficam um pouco largados, etc (isso acontece com muita frequência nos Estados
Unidos), para se ter efetivamente uma carreira, uma progressão, creio que a escolha é
real, não quero fingir que não vejo isso; é uma deficiência e é difícil justamente
com toda esta cultura de sessenta horas e este peso que se sente quando não se dá o
máximo de si a HP, estamos num contexto psicológico muito difícil de suportar e creio
que, pessoalmente, é preciso fazer uma escolha: ou não dedicar o tempo que se deveria à
família, ou então é preciso saber que sua carreira sofrerá as consequências... É uma
forma de renúncia, quando eu estiver diante de uma família, minha carreira ficará, eu
mesma, minha carreira ficará atrás, isto cortará minha carreira. Manterei uma a
atividade profissional seja como for, por muitas razões, em caso de situação difícil e
tudo o mais, porque eu acho que a independência das mulheres é algo... Eu sou muito
sensível a isso e quero sempre manter os meios de ser independente em caso de situação
difícil e, para isso, é indispensável manter um pé na indústria, se relaxamos nesse
contexto aí... Não podemos voltar se paramos de trabalhar três anos, está acabado.
Três anos, a gente é completamente largado, três anos, a gente fica completamente
largado no plano das competências, parar três anos significa não ter trabalho depois.
As pessoas têm muito medo de se lançar em ações do tipo líder do pessoal, porque tudo
é individualizado, a fixação de objetivos, a evolução de carreira, a avaliação de
desempenho, o aumento salarial, e tudo é extremamente dependente. Eu acabo de sofrer isso
porque eu tinha más relações com meu supervisor (...). Eu fui candidata nas eleições
municipais, logo voltando da licença, lá para as eleições cantonais, é claro que eu
não estava num estado físico e nervoso brilhante, e eu emendei na campanha das
eleições municipais, e meu supervisor mudou completamente seu comportamento, era
impossível, eu não era mais confiável para ele, não era possível (...) eu trabalhava
quatro dias ao invés de cinco e isso significava muito claramente trinta horas, eu
realmente não fazia hora extra, não era possível e, para ele, trinta horas era meio
turno, não chegava a quatro quintos, porque um executivo faz sessenta horas, um executivo
está sujeito a tudo. Eu era alguém que fugia às cinco horas da tarde para exercer
"minha segunda vida", como ele dizia..."
Para as mulheres, as exigências do celibato prolongado ou de gravidez adiada, quando
elas têm responsabilidades profissionais, bem como as tensões que todos os assalariados
sentem entre sua vida privada e as exigências de disponibilidade além do horário de
trabalho, são particularmente ilustradas pelos casais formados entre assalariados (HP é
apresentada, com humor, como a "maior agência matrimonial de Grenoble"), que
compartilham os mesmos gostos, seja apenas pelo fato de terem sido selecionados segundo os
mesmos critérios de formação e de expectativa de mobilidade social.
Pode-se tomar como base o exemplo do casal, secretária e técnico, oriundos de famílias
operárias espanhola e italiana. Tendo decidido continuar a trabalhar em turno integral,
após o nascimento de seu segundo filho, a mulher é, desde sua volta, assistente de
direção, "um papel de suporte administrativo a um dos gerentes e a todo o seu
staff", um trabalho que mudou completamente "sua ótica profissional":
"Através deste cargo, eu tive a chance, é realmente uma chance, de poder ver o
conjunto da organização, do início ao fim, partindo da locomotiva até o último
vagão."
Ao contrário do emprego de seu marido, recrutado dois ou três anos depois dela para a
"área de compras" com um diploma de desenhista industrial, uma área onde a
"passagem a executivo" está "mais ou menos traçada", o interesse de
seu trabalho depende da diversidade das tarefas e de sua disponibilidade: "No cargo
que ocupo, há muitas coisas que, talvez, não são escritas em preto no branco, mas que
são feitas pela pessoa que ocupa este cargo. É tipicamente esse gênero de função, as
funções de secretariado, as raras funções de HP que se tornam aquilo que a pessoa quer
fazer delas. É extraordinário. Se eu quisesse ter um trabalho rotineiro, poderia muito
bem ocupar este mesmo cargo, no mesmo lugar, e fazer esse tipo de trabalho. A rotina, eu
confesso que fujo disso. Ser dirigida naquilo que faço, também não gosto muito. O que
eu gosto é de ter meu trabalho e me organizar como quero para fazê-lo e também tentar
trazer coisas novas, isso corresponde exatamente àquilo que procuro. Não tenho nenhuma
vontade de me tornar executiva. Atualmente, eu não vejo o que isso me
acrescentaria." Ela tem o sentimento de ser um "elo de uma enorme
corrente". É preciso ter "espírito de equipe", saber
"comunicar", o que é facilitado pela disposição dos locais, "ninguém
fica fechado na sua pequena redoma", e ser discreto. Sua função a coloca em contato
com informações confidenciais, "são coisas que guardo para mim, (...) se eu sei
certas coisas relativas ao futuro da divisão ou seja lá o que for, penso que faz parte
do meu trabalho não dizer a ninguém, nem mesmo ao meu marido (...). Eu represento um
olho, um ouvido e dedos que batem à máquina, é tudo, é assim que é preciso ver as
coisas, é a maneira mais certa de proceder".
Trabalhar na mesma empresa facilita, ao seu ver, a colaboração do casal para encarar de
frente, junto, vida familiar e carreira profissional. O tempo passado em casa, pela manhã
e, sobretudo, na volta do trabalho, exige uma disciplina familiar tão rigorosa quanto a
disciplina dedicada durante o tempo de trabalho: "A gente tenta fazer o possível
para conciliar os imperativos familiares com os imperativos profissionais, a gente tenta
se equilibrar entre os dois." Apesar de diferenças de horários, eles se obrigam
habitualmente a fazer os trajetos juntos de carro, deixando as crianças na escola e na
creche e depois buscando-as na volta. "Enquanto um está no banheiro com um, o outro
deve fazer outra coisa, preparar comida, por exemplo, não existe especialização entre
nós, se uma das crianças está com um pouco mais de vontade de ficar com o pai ou com a
mãe, a gente faz em função das crianças, a gente se adapta de acordo com a vontade
deles (...); cada um entende perfeitamente as exigências que se pode ter, isso permite
que nos organizemos se as crianças ficam doentes ou se há um imperativo em algum lugar.
A gente sabe muito bem o que deve fazer. Penso que isso nos facilita muito a tarefa".
Várias vezes, quando um de seus filhos adoeceu, ela se organizou para poder trabalhar em
casa: "Eu vinha pela manhã, tomava o trabalho do dia, pegava um note book e
trabalhava em casa. Eu não estava no local de trabalho efetivamente, mas meu trabalho
pôde avançar. Pude fazer coisas que eu nem sempre tenho tempo de fazer quando estou
aqui." Ao inverso, aconteceu-lhe de vir ao escritório excepcionalmente no sábado,
sem jamais perder, no entanto, o senso dos limites entre tempo de trabalho e vida de
família: "É preciso saber onde se tem que parar".
As mulheres, talvez mais do que os homens, nas entrevistas, são sensíveis ao contraste
entre a doação de si exigida de todos e a concorrência sistemática dos agentes de
produção com jovens interinos, prontos a tudo para conservar seu cargo, ou dos
"executivos formados pela empresa" com diplomados das 'Grandes Écoles' cujas
esposas, muitas vezes inativas, podem se encarregar da família. A enfermeira faz
espontaneamente a ligação entre a degradação das condições de trabalho e a patologia
que ela pode observar no dia a dia: "Caímos cada vez mais em depressão, acho que
são as pessoas que envelhecem; na produção, eu diria que as pessoas cansam, e isso se
torna cansaço físico porque é duro, as linhas de produção se tornam cada vez mais
difíceis. Giram muito com interinos, interinos que, mesmo que lhes digam "não tem
emprego, etc", em algum lugar sempre tem aquela pequena esperança, portanto, quando
se tem 18-20 anos, se é interino e se trabalha, se dá duro, se faz com que, quando se
dá duro, os outros sejam obrigados a dar duro, há um cansaço físico que se instala. E
depois, os executivos caem cada vez mais em depressão, porque eles envelhecem, aos
quarenta anos. Eu não sei se você viu a escada que está no nosso hall de entrada, mas,
na verdade, a carreira na HP, realmente, a partir de quarenta anos, você está no alto da
escada e depois... não estava previsto assim, mas é simbólico, é bem engraçado, sim,
na verdade, esta escada estava prevista para estar contra uma parede (...) e como fizeram
uma vitrine atrás, foi afastada e, finalmente, se tornou muito simbólica, de frente para
o vazio..., poderíamos escrever em baixo: "carreira HP"."
Notas da tradutora:
* Baccalauréat: Na França, o primeiro dos graus universitários, sancionado por um
diploma que marca o término dos estudos secundários.
* CAP: Certificado de Aptidão Profissional, formação técnica ao nível do ensino
secundário.
* Brevet: Na França, diploma ou certificado que sanciona uma formação, em nível
secundário, de operário ou funcionário qualificado ou técnico.
* BTS: Brevet de Técnico Superior
* Classe Préparatoire: classe de preparação para acesso às 'Grandes Écoles'.
* Grande École: estabelecimento de ensino superior caracterizado por uma seleção de
ingresso através de concurso ou de títulos, por um alto nível de estudos e por efetivos
reduzidos.