A Igreja do primeiro século e metade do século II, é aquela que entendemos por Igreja Primitiva. Fortemente influenciada pelo testemunho e pregação dos apóstolos e discípulos. Particulamente baseando-se na Vida, Obra e Ensino de Jesus Cristo, que fornecem a pedra angular sobre a qual a Igreja foi criada e chamada a existir pela fé no Cristo ressurrecto.
Segundo Mateus, a origem da Igreja remontaria ao próprio Jesus, Mt. 16:18. Entretanto, para alguns estudiosos, surgem problemas históricos com respeito a esta passagem, porque somento no texto mencionado e em Mt. 18:17, Cristo usa o vocábulo "ekklesia", e parecem não existir boas razões para a omissão destas palavras em Marcos. Argumenta-se que se Jesus esperava que Deus estabelecesse Seu Reino em breve, o qual era o assunto principal da Sua pregação, não teria previsto a necessidade de instituir uma Igreja com regulamentos de ligar e desligar.
O mundo onde os primeiros cristãos trabalham o Evangelho, não é desfavorável à propagação do mesmo e a expansão da Igreja, através das fronteiras de Jerusalém e da Palestina.
Os romanos, senhores do mundo, haviam instituído a "pax romana". Suas legiões dominavam os vários povos, que tinham certa autonomia de govêrno local, desde que não fosse contrário ao Imperador e a Roma. O Império Romano era cortado por estradas que levavam a todos os lugares e guardadas pelas legiões. As velas romanas singravam os mares, protegendo-os dos atos de pirataria, principalmente de Cartago. A lei romana, que enfatizava a dignidade do indivíduo, e do direito à justiça e cidadania, tendia a agrupar os vários povos politica e socialmente.
A contribuição intelectual dos gregos foi inegável, visto que embora o mundo fosse dominado por Roma, a cultura grega, superior a cultura romana pragmática, era disseminada pelos romanos por onde quer que fossem. Isto levou a uma linguagem popular quase universal, onde o grego koine, era falado em todos os níveis e classes sociais. E foi nessa linguagem que o N.T. foi cunhado.
O próprio Judaísmo, contribui
para a propagação do Cristianismo, em função
da sua fé monoteista, contrária a fé dos
povos, em geral politeistas. A esperança messiânica
e a tradição das Escrituras, formam um pilar da
Igreja Cristã.
A EXTENSÃO DA IGREJA PRIMITIVA.
A Igreja primitiva tem sua origem em Jerusalém, mas não se limita a ficar na cidade, seja quais forem os motivos de sua dispersão : perseguição ou convicção.
A Igreja se estende a Samaria, a Palestina, ao Oriente Próximo, a Ásia, etc; com isto o cumprimento do "Ide a todas as nações", de Jesus Cristo, vai se confirmando.
Por volta do ano 100 d.C., havia inúmeras
Igrejas espalhadas pela Ásia Menor, Síria, Macedônia,
Roma, Alexandria, e talvez na Espanha, mas não se tem registro.
1. A IGREJA DE JERUSALÉM.
A origem da Igreja, como um "organismo vivo", tem início do dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo, foi concedido aos discípulos reunidos no Cenáculo, cerca de 120 pessoas entre homens e mulheres, em Jerusalém. Certamente os quase 3000 que creram no discurso de Pedro naquele dia, foram imediatamente acrescidos à comunidade em formação.
A comunidade nascente não se atribuía inicialmente o nome de "ekklesia" para descrever a si própria. Muito provavelmente, devido a tradição judaíca, via-se como o remanescente eleito de Israel, aguardando "a restauração de todas as coisas".
Em princípio a comunidade era conhecida como uma seita herética dentro do Judaísmo, tendo sido chamada "seita dos nazarenos". Internamente chamavam a sua fé distintiva de "o caminho". O desenvolvimento da comunidade e a participação regular na instrução apostólica, bem como a comunhão familiar, fez com que a nova comunidade viesse a ser descrita como sendo "unânime no partir do pão e nas orações". A característica judaíca da Igreja primitiva de Jerusalém deve ser ressaltada : a membresia aceitava as obrigações da lei e a adoração no Templo, embora fosse distinta do judaísmo em termos de fé.
A comunidade cristã primitiva
foi tolerada por quase 30 anos pelo judaísmo, quando o
seu relacionamento com os cristãos gentios ocasionou perturbação
junto às autoridades judaícas. Por volta do ano
49/50 d.C., acontece o Concílio de Jerusalém, onde
questões relativas ao cumprimento da lei por parte dos
gentios, que se convertiam ao Cristianismo, foram resolvidas.
Pedro, Paulo e Tiago, foram as figuras de destaque deste Concílio.
2 . A IGREJA DE ANTIOQUIA.
Não se explica, no livro de Atos dos Apóstolos, que descreve a evolução da comunidade primitiva, como surgiu a Igreja em Antioquia, composta de judeus e gentios, também chamada "ekklesia" de Antioquia.
Talvez fundada por judeus helenistas, foi nesta localidade onde os cristãos foram pela primeira vez chamados de "christianoi", homens de Cristo. Antioquia tornou-se um polo difusor do Cristianismo para todo o Oriente.
A principal figura da comunidade foi
Barnabé, citado entre os "profetas e mestres",
daquela Igreja, e talvez os únicos líderes.
3 . A IGREJA NA PALESTINA.
Segundo o relato bíblico, Filipe é levado pelo Espírito Santo a Samaria, a fim de pregar o Evangelho ao eunuco, oficial do govêrno da Etiópia. Após, foi para a cidade, pregando ao povo. O crescimento do Evangelho foi tão notável que Pedro e João foram chamados para auxiliá-lo. Não se tem registro histórico do trabalho ali realizado.
Pedro, segundo o relato de Atos, leva
o Evangelho a Cornélio, gentio de Cesaréia. Ali
o Espírito Santo é concedido, e muitos foram batizados.
Provavelmente houve a formação de uma Igreja naquela
localidade, mas não se tem documentação.
4 . AS IGREJAS PAULINAS.
As três ( ou quatro?) viagens missionárias de Paulo, são descritas nos livros do N.T., particularmente em Atos dos Apóstolos. Ele afirma que pregou "desde Jerusalém e circunvizinhanças até o Ilírico". Sabemos que fundava Igrejas por onde passava, segundo o padrão de Antioquia, nas províncias da Ásia Menor, na Macedônia. na Grécia e Ásia Ocidental. Sua base de operações era Éfeso, mas também atuava em Creta.
As Igrejas fundadas por Paulo estavam situadas nos grandes centros populacionais, de onde pela propagação da Palavra, atingia aos camponeses. Muitas vezes utilizava-se da pregação nas sinagogas destas cidades, quando lhe era permitido falar.
As Igrejas eram autonômas. Nenhuma congregação local tinha autoridade sobre as outras, mas reconhecia-se que Jerusalém era a "origem das bençãos espirituais".
O Antigo Testamento, como conhecido
na época, traduzido para o grego, era a Escritura sagrada,
usada em todas estas Igrejas. Havia também outras "tradições"
referentes ao ministério e aos ensinos de Jesus, que eram
entregues em cada Igreja. Não se sabe quem bativaza ou
administrava a Ceia, muito provavelmente os anciãos, porque
estas ordenanças eram observadas na Igreja primitiva. A
frequência de cultos, ou em que dias a Igreja se reunia,
é um ponto obscuro.
5 . OUTRAS IGREJAS.
Sabe-se que Paulo, Barnabé e Filipe, não foram os únicos missionários da Igreja primitiva. Apenas não temos informação sobre as realizações destes missionários, bem como dos outros apóstolos.
André, irmão de Pedro
pregou em regiões do Oriente Antigo. De acordo com tradição
posterior, foi crucificado numa cruz em forma de X que tomou o
seu nome. Nada se sabe das últimas atividades e da morte
de Tiago o Menor, filho de Alfeu. A tradição sobre
Judas Tadeu fala de suas atividades na Pérsia, onde teria
sido martirizado. Matias, que substituiu Judas, pregou na Etiópia
e aí conheceu o martírio. O nome de Bartolomeu é
associado à proclamação do Evangelho na Índia,
por uma tradição. Mateus talvez tenha trabalhado
na Etiópia também. O nome do mais cético
dos discípulos, Tomé, é ligado ao trabalho
em Parto, mas outros relatos colocam o seu trabalho e martírio
na Índia.
5.1 . A IGREJA DE ROMA.
Havia uma Igreja bem estabelecida em
Roma, por volta do ano 56 d.C., quando Paulo escreve a carta aos
Romanos. Seus membros eram judeus e gentios, dentre eles Andrônico
e Júnias, parentes de Paulo, que foram convertidos ao Cristianismo
antes dele. O conhecimento sobre a Igreja de Roma, sua membresia
e seu estado, é problemático. Não se tem
informações.
5.2 . A IGREJA DA DIÁSPORA.
A epístola de Pedro, no N.T., mostra que havia um grupo de Igrejas espalhadas pela costa sul do Mar Negro e pelo seu interior : "Ponto, Capadócia, Ásia e Bitínia". Nesta região Paulo foi impedido de entrar, o que mostra que outra pessoa, provavelmente Pedro, ali lançou a semente.
Estas Igrejas eram constituídas
por judeus ou judeus-gentios. Quanto a responsabilidade de "alimentar
o rebanho", em cada uma dessas Igrejas, era tarefa exercida
pelos anciãos.
A VIDA DA IGREJA PRIMITIVA.
A comunidade cristã era um pequeno grupo de pessoas, no meio de uma vasta população paganizada. Socialmente constituída de pobres e escravos, muito poucos pertenciam as altas classes sociais.
Do ponto de vista diaconal, cuidavam de orfãos, viúvas, dos doentes e desamparados. As coletas e a administração dos fundos de beneficência, constituíam setor vital nas comunidades cristãs primitivas.
No seio da Igreja não havia distinção entre ricos e pobres; escravos e livres eram nivelados. As mulheres, antes desprezadas pela tradição judaíca, alcançaram posição de honra e de influência, que jamais conseguiram na sociedade secular.
A comunidade se distinguia por seguir os princípios de amor, delineados pelo Senhor da Igreja, Jesus Cristo. Havia fervor e pureza moral, entre os cristãos. Segundo carta de Plínio, o Jovem, dirigida ao Imperador, os cristãos "obrigavam-se por juramento, não a algum crime, mas à abstenção de roubos, rapinas, adultérios, perjúrios e sonegação de depósitos reclamados pelos donos".
Havia uma expectativa constante da volta de Cristo a fim de instaurar o Reino e restaurar todas as coisas. Isto se expressava até mesmo na saudação dos cristãos entre si, quando diziam : "Maranata", que significa, "Vem Senhor!".
Logo nos primeiros anos de vida a Igreja primitiva sofreu de terríveis perseguições, por parte dos judeus, bem como por parte do Império Romano. Visto que o Imperador era tido como um "deus", e a ele devia ser prestado culto e adoração. Os principais perseguidores do Cristianismo foram os imperadores Nero, Domiciano e Trajano. As perseguições resultaram na dispersão dos cristãos pelo mundo o que facilitou a propagação do Evangelho de Jesus Cristo.
"A pureza de vida, o amor e a coragem
da Igreja primitiva em permanecer fiel, e morrer se necessário,
exerceram um forte impacto sobre a sociedade pagã da Roma
imperial, o que durou três séculos, desde a morte
de Cristo até o reconhecimento oficial por Constantino
da importância do Cristianismo para o Estado, chegando ele
mesmo a convocar e presidir o Concílio de Nicéia."
O GOVERNO DA IGREJA PRIMITIVA.
Evidentemente, podemos atribuir a Jesus, a origem da administração eclesiástica, visto que escolheu 12 apóstolos, dentre muitos outros discípulos que o seguiam, objetivando a que estes fossem base de sustentação para a Igreja.
Os ofícios da Igreja são estabelecidos em função da iluminação do Espírito de Deus e as necessidades da Igreja. Os oficiais deveriam ser escolhidos pelo povo, ordenados pelos apóstolos e precisavam ter qualificações próprias que envolviam a subordinação ao Espírito Santo, portanto, eram vocacionados. Não havia classe especial de oficial, porque tanto os oficiais quanto os membros da comunidade eram sacerdotes com o direito de acesso direto a Deus através de Cristo. Podia-se perceber duas classes de oficiais.
Os "carismáticos", também identificados como presbíteros ou anciãos, cujas responsabilidades principais eram a preservação da verdade do Evangelho e sua proclamação inicial, em particular foram designados para o exercício de liderança. Houve por parte do apóstolo Paulo designação de quatro ou cinco destes ofícios, quais sejam : apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres. Pedro, Tiago, irmão de Jesus e João, o apóstolo, são mencionados como líderes da Igreja primitiva. Filipe é cognominado o evangelista. As filhas de Filipe, eram consideradas como profetisas. O ofício de ancião ou presbítero era o mais importante na congregação local. As suas qualidades vem descritas no N.T., pelo menos duas vezes.
Os "administrativos", eram
escolhidos "com o concenso de toda a Igreja" e surgiram
como necessidade, a fim de não sobrecarregar o trabalho
dos apóstolos. Suas funções diziam respeito,
principalmente, a beneficência da Igreja, eram responsáveis
pela prática da caridade junto a Igreja, e fora da Igreja.
Suas qualificações também são descritas
no N.T. As mulheres parecem ter sido admitidas como diaconisas
na Igreja primitiva.
O CULTO NA IGREJA PRIMITIVA.
Os cristãos primitivos não concebiam a Igreja como lugar de culto, como o fazemos modernamente. A Igreja significava um conjunto de pessoas em relação pessoal uns com os outros e com Jesus Cristo. Por isso os crentes primitivos se reuniam em casas, no Templo, nos auditórios públicos de escolas e nas sinagogas, até quando foi permitido. Haja visto que com a perseguição religiosa aos cristãos, estes se reuniam nas famosas catacumbas romanas.
No primeiro século, dois cultos eram realizados no primeiro dia da semana, adotado como dia de culto porque neste, Jesus Cristo ressuscitou dentre os mortos.
O culto da manhã certamente incluía a leitura das Escrituras, a exortação por um ancião, orações e cânticos. A festa do amor, ou agape, precedia a Eucaristia no culto da noite. Ao final do primeiro século, a festa do amor tinha desaparecido, sendo a Ceia celebrada no culto da manhã.
Plínio descreveu os cristãos
primitivos, como aqueles que se encontravam ao romper do dia,
cantavam hinos e prometiam viver corretamente.
A CRENÇA DA IGREJA PRIMITIVA.
A comunidade primitiva, recém-formada,
ainda não possuía fórmula ou confissão
de fé. Estas somente surgiram a partir do século
II. Podemos depreender do N.T. suas crenças e convicções,
que poderíamos assim enunciar :
Os Pais Apostólicos da Igreja
São de particular importância, neste período, no que diz respeito ao ensino e a manutenção da fé cristã frente ao Judaísmo e a doutrina gnóstica pregada pelos hereges, que logo surgiram no seio da Igreja.
Dentre estes citamos Clemente de Roma, Inácio e Policarpo. Seu significado é que eram homens que estiveram em contacto direto com os apóstolos e discípulos de Jesus, por isto sua doutrina é aceita no seio da Igreja primitiva.
Clemente de Roma, era o principal presbítero da Igreja em Roma. Alguns supõem que seja o mesmo citado em Fp. 4:3, tendo trabalhado com Paulo em Filipos. Outros acham que tenha sido o terceiro na linha papal em Roma. Escreveu uma carta em grego endereçada aos cristãos em Corinto, mais ou menos no ano 97, período da perseguição de Domiciano. Trata da ordem e da paz na Igreja, apelando para a lembrança da analogia da adoração ordeira do Antigo Israel e do princípio apostólico de apontar uma continuação de homens de reputação.
Inácio de Antioquia, era bispo, na Síria. Escreveu sete cartas às Igrejas asiáticas em Éfeso, Magnésia, Trales, Filadélfia e Esmirna, também para Roma. Inácio foi o primeiro a citar o termo cristianismo na epístola aos filadelfos. O conteúdo doutrinário das cartas opõe-se as heresias que ameaçavam a paz e a unidade das Igrejas.
Policarpo, era bispo de Esmirna. Foi
discípulo de João. Ensinou a Irineu. É uma
testemunha da vida e obra da Igreja primitiva. Foi martirizado
por não se retratar com respeito a Cristo, que só
lhe tinha feito bem, segundo os registros.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
1 - "O Cristianismo Através dos Séculos"; E. E. Cairns.
2 - "História da Igreja Cristã"; Robert H. Nichols.
3 - "Síntese Teológica do Novo Testamento"; W. G. Kümmel.
4 - "O Novo Dicionário da Bíblia"; R.P.Shedd, ed.
5 - "Vocabulário Bíblico"; J.J. von Allmen.
6 - "Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã"; W. A. Elwell, ed.
7 - "Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia"; R.N. Champlin; J.M. Bentes.
8 - "Documentos da Igreja Cristã";
H. Bettenson.