A LEGALIZAÇÃO DE "DROGAS RECREATIVAS"; DEVERIA OCORRER?

Por: Silvio Saidemberg*

A resposta a esta indagação é não! A relação direta entre consumo de drogas e o aumento da criminalidade está bem estabelecida. Devemos nos lembrar que a maioria dos crimes no Brasil é cometida sob a influência de bebidas alcoólicas, uma droga recreativa já legalizada. Também, que o grupo na comunidade mais propenso à violência é o dos dependentes químicos. Acidentes fatais ou com vítimas nas estradas têm como fator causal preponderante o uso de bebidas alcoólicas, mas, em segundo lugar o uso de outras drogas psicoativas.

No Brasil, em junho de 1998, o governo federal criou a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) e firmou compromisso junto às Nações Unidas de eliminar o "flagelo das drogas", no prazo de 10 anos. No entanto, essa Secretaria conta com recursos econômicos e materiais insuficientes para dar início à tarefa a que se propõe realizar; além disso, a sua base de pesquisas essenciais não foi definida.

Os defensores da legalização de drogas recreativas indicam que apesar dos esforços contínuos, o uso vem aumentando. A verdade é que o Brasil não vem empreendendo uma luta realmente eficaz contra as drogas. Em vez de um esforço concentrado nas medidas de educação sobre prevenção ao uso em nossas escolas, lares e locais de trabalho, nós constatamos atitudes que variam entre a indiferença e a ambivalência. Cada vez mais, a juventude de hoje não vê nenhum problema em usar drogas.

O mito favorito associado ao movimento pró legalização é que a arrecadação pela venda oficial e pelos impostos ajudará a impulsionar a economia. Mas, o benefício econômico caso exista, seria eclipsado pelos bilhões de reais ou de dólares gastos para reparar os prejuízos sociais, incluindo-se entre eles os danos severos à saúde, a incapacitação precoce e perdas de milhões de vidas causadas pelo abuso da droga. Além do mais, tanto a disponibilidade de uma substância quanto a poderosíssima cultura favorável às drogas são muito mais importantes que a genética e as condições psiquiátricas que predispõem ao uso.

Foi pela percepção de óbvia nocividade que o governo chinês em 1839 estabeleceu a proibição ao comércio de ópio. Tal medida provocou uma intervenção militar britânica no sentido de novamente liberar tal comércio; sendo exigidas do governo chinês diversas concessões, inclusive territoriais, a título de reparação pelos prejuízos causados à coroa britânica. O narcotráfico por sua parte não assume responsabilidade pelas suas vítimas.

Ironicamente, a guerra mais eficaz contra as drogas tem levado o crime a um gradual aperfeiçoamento. Somos lembrados que durante a "Lei Seca" reduziu-se mais o consumo de bebidas de menor concentração alcoólica, tais como a cerveja, enquanto o mercado das bebidas concentradas contrabandeadas ou ilicitamente destiladas ("bootlegging" ou "moonshine") predominou; ainda que drasticamente reduzido quando comparado aos níveis anteriores de consumo. Logo após a abolição da "Lei Seca", retornou-se ao padrão de maior consumo das bebidas de baixa concentração alcoólica, próximo aos níveis prévios a 1920. No entanto, o consumo geral de bebidas alcoólicas só recuperou a sua intensidade dez anos após a abolição da Lei Seca. (Conhecida nos EUA como "Prohibition", foi o resultado da ratificação da 18ª. Emenda à Constituição dos EUA, que proibiu a fabricação e venda de bebidas alcoólicas; implantada de 1920 a 1933). Uma lição que deve se derivar da "Prohibition" é que a comunidade precisa ser acionada como uma parte ativa na prevenção ao uso de substâncias recreativas.

E ainda, sem nossa própria demanda não haveria nenhuma produção externa voltada para o mercado interno. Sem a produção nacional não haveria nenhuma demanda atendida, seja ela interna ou externa. Em vez de se assumir que a própria demanda e produção são a causa real do problema, exporta-se também a culpa. Há uma conclusão persecutória principal: "as nações desenvolvidas não estão reduzindo a demanda e nossas nações vizinhas não estão diminuindo a produção e o tráfico."

Os Legalizadores defendem que a venda ilegal seria imediatamente substituída pelo fornecimento das substâncias a preços extremamente baixos ou por sua distribuição, totalmente subsidiada pelo governo. A ampla corrupção gerada pelo narcotráfico será abolida. Estabelece-se ação governamental eficiente e sem burocracia; entrepostos fartamente supridos com todas as substâncias, incluindo-se as mais letais e ainda por cima funcionando 24 horas por dia. Nenhum espaço sobrará para o narcotráfico. Há lugar para a dúvida?

O tráfico de drogas é um fantástico negócio, provavelmente o maior de todos. O lucro enorme depende de clientes fiéis. Se houver pouca repressão, a disponibilidade da substância será elevada, o preço será acessível e muitas crianças e adolescentes escolherão ser usuários.

Examinem-se para detectar a sua curiosidade de mudar algo em si através das drogas. Em vez de queixarmo-nos de que o outro está em falta, vamos agir mais e dar o apoio total à luta contra o tráfico de drogas ilícitas e de maneira geral, contra a cultura favorável às drogas recreativas.

* O Dr. Silvio Saidemberg, psiquiatra e psicoterapeuta, professor de psiquiatria na Faculdade de Ciências Médicas; PUC Campinas.

E-mail: ssaidemb@yahoo.com

 

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