"A imprensa é como uma torrente em fúria, submerge a planície e devasta as
colheitas. Mas se o efeito da pena sem controle é a destruição, o efeito é ainda mais
nocivo quando existe um controle exterior, o controle só pode ser legítimo se for
exercido interiormente" (Gandhi, Memórias)
Poucas instituições provocam tanto ódio quanto a imprensa. Balzac já assinalou no seu
"Ilusões Perdidas" - livro cuja leitura é essencial a qualquer um que se
pretenda chamar de jornalista - que não há profissional mais detestado em segredo que o
jornalista e que o quanto ele é adulado é diretamente proporcional ao ódio de quem
adula por ele.
Talvez o maior paradoxo da profissão de jornalista é que nem todo profissional percebeu
ainda o quanto a vaidade causa danos a si próprio, embora explore cotidianamente a
vaidade dos outros. Isto porque a matéria prima do jornalismo é a vaidade, quase tudo -
senão tudo - que se faz num jornal reflete-se sobre a vaidade alheia, seja alimentando-a
ou atacando-a.
A única diferença entre atingir a vaidade alheia ou promovê-la é a questão de
perspectiva. Ao se alimentar a vaidade se visa apenas à vítima, ao se atacá-la visa-se
contentar o público leitor, ávido por sangue. O conceito atual de assessoria de
imprensa, muito em voga, carece geralmente de um postulado essencial à notícia: o
interesse público.
Pense, caro e raro leitor, nas dez reportagens que mais lhe chamaram a atenção na sua
vida. Duvido que entre elas encontrará alguma que seja "positiva". Os
panegíricos tão habituais na imprensa - uns adquiridos pelo seu peso em ouro, outros por
preço vil - não interessam a ninguém mais além de a quem os compra.
De cara já se deve ressaltar que este 'aparente desvio" não se deve a nenhuma
propensão sádica do público. Não faz sentido bajular um político porque ele é
honesto e trabalhador, afinal ele é paga - e bem pago - para trabalhar mesmo e a
honestidade deveria ser o pressuposto para a entrada de qualquer um na vida pública,
portanto ele no máximo faz a sua obrigação ao corresponder às expectativas da
comunidade.
Já quando ele não cumpre estas determinações básicas ele deve ser criticado, e com a
mais absoluta veemência na esperança que um dos dois - eleito ou eleitor - se emende.
Levando ao extremo este raciocínio, o jornalista deveria ser processado é quando elogia
alguém, porque certamente há neste elogio algum interesse outro que não o do público
leitor, não quando submete ao julgamento da comunidade as ações de alguma figura
pública.
O título de "assessor de imprensa" tão perseguido por muitos colegas e eu que
cheguei a ostentar num infeliz momento da minha carreira, sempre me pareceu pejorativo.
Nele está implícito o sentido de alguém que está subordinado, submisso, dependente de
outrém, função certamente muito menos prestigiosa do que a do jornalista, ainda que um
mero repórter no início da pirâmide hierárquica, que é o elo de ligação entre os
fatos e o leitor, não uma figura secundária.
Mas pelo jeito o país se degenerou a tal ponto que fatos corriqueiros - que deveriam
constituir uma obrigação - tornem-se notícias nas mãos destas assessorias. Só em uma
país degenerado social e moralmente é digno de nota o fato de um político se dizer
honesto, de um parlamentar ser enaltecido por ser trabalhador, de uma empresa investir na
qualificação de seus trabalhadores, de um administrador construir uma determinada obra
que prometeu durante a campanha, de uma escola realmente ensinar aos seus alunos, de quem
uma pessoa pague seus compromissos em dia.
Tudo isto deveria ser a regra em qualquer lugar civilizado e as poucas exceções à
obediência destes princípios básicos é que deveriam ser noticiados de forma
contundente. Mas o Brasil anda tão mal moralmente que o que era obrigação torna-se fato
digno de nota, até mesmo quando nem é verdade.
Muitas vezes se chega até o extremo de nem se apontar o fato delituoso, apenas
apresentando aquele que cumpre sua obrigação como se fosse um grande herói. Parece que
o Brasil está chegando àquele ponto profetizado por Rui Barbosa no qual as pessoas
sentirão vergonha de serem honestas