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Pensando o futuro

"Quem controla o passado controla o futuro, quem controla o presente controla o passado" (Orwell, 1984)

Alexandre Gomes
Como já deve ter percebido o leitor - se é que há algum - tenha muito interesse por ficção científica. Com certeza entre os livros que mais reli (como diz Borges o importante é reler, não ler) estão os clássicos da área como os já mencionados anteriormente Time Machine, Brave New World e 1984.
Mas o meu interesse por este tema vai além do mero prazer de deleitar-se com um bom livro porque um livro de ficção científica é mais do que um bom livro. Ele não nos fala apenas sobre o enredo, mas retrata também a visão que se tem para o futuro.
E justamente por esta característica ele se torna algo mais que um livro, é como uma promessa - ou uma ameaça, que por sinal é mais comum - que ao ser lida passa a influenciar o seu meio. Um veículo interessante para se aanlisar este impacto sobre a soiciedade é a teoria sociológica da "profecia que se cumpre por si mesma" que é capaz de avaliar a grosso modo como nossa perspectiva de futuro imaginário acabou por influenciar a concretização daquele ou de um outro futuro.
A advertência de Wells no Time Machine a respeito da Guerra não sensibilizou o mundo a evitar as carnificinas de 1914 e 39, mas certamente o Admirável Mundo Novo e 1984 foram advertências ouvidas e sentidas. O fantasma do totalitarismo não foi contido nos primeiros anos após Brave New World ser editado (vale lembrar que o livro se antecipou a Hitler e à fase mais truculenta de Stalin posterior aos Processos de Moscou) mas serviu como uma advertência permanente no pós-guerra, quando ao seu alerta se juntou o alerta de Orwell.
Dolly já estava prevista no "Ilha do Dr. Moreau" escrito por Wells no início do século, antes de sequer fosse conhecido o DNA e os mecanismos mais intrincados da genética. Mas não se tratava de advinhação, Wells era amigo dos Huxley, família de notórios biólogos da qual saiu um escritor talvez por alguma mutaçào genética, que estavam na vanguarda da pesquisa genética da época.
Ainda assim a advertência de Wells não foi ouvida e sabe-se lá quantos Moreaus não andam perdidos por aí fazendo experimentos com a melhor das intenções. Aos poucos a opinião pública, fascinada à cegueira pela ciência e ainda mais pelo cientificismo, começa a achar normal que no futuro aja uma raça de super-homens geneticamente melhorados.
Com exceção de Time Machine, todos estes livros falam de uma única coisa, nem sempre percebida pelo leitor desatento: controle. Não existe outro objetivo de toda a parafernália hipnopédica e embrionária de BNW senão a de controlar os homens, assim como o Ministério da Verdade do Grande Irmão e suas onipresentes teletelas não tem outro objetivo senão controlar mentes. Da mesma forma a manipulação genética do Dr. Moreau ao tentar isolar o gene do mal não tem outra intenção senão controlar as pessoas.
As intenções variam. No admirável mundo novo de Huxley os controladores querem manter os grilhões para permitir que os homens sejam felizes, ainda que isto lhes custe a vontade própria. Em 1984 os dirigentes tem preocupações mais egoístas - e portanto realistas - de manter o controle para garantir sua permanência no poder, sem subterfúgios.
Reduzidos à essência a principal preocupação destes dois autores visionários é com a existência de um futuro no qual os homens terão perdido a capacidade de decidir por si próprios e se tornarão escravos da vontade de outrem. As advertências, infelizmente, parecem ter apenas servido para refinar os mecanismos de submissão porque embora hoje ninguém aceite que lhe seja posto um grilhão totalitário e a era das ditaduras parece estar chegando ao fim, ainda assim boa parte da humanidade já perdeu seu poder de decidir.
A mídia, em especial a TV, tem se revelado uma teletela muito mais eficiente que a do Grande Irmão. Essa depende do medo para ser efetiva, aquela controla a mente com a sutileza de um grilhão que não pode ser visto, portanto quebrado.

Matrix - Ainda uma nota sobre Matrix, outro excelente documento de ficção científica que certamente se tornará um clássico. Quem olhar com atenção todo o processo de "descoberta" de Neo, da busca inicial até a disciplina mental que lhe permite ignorar a ilusão da Matrix, nada mais é que uma alegoria à jornada do místico rumo ao conhecimento da verdade. Esta trajetória, descrita de formas variadas, enfases distintas e cenários diversificados pelas diversas escolas esotéricas, pode ser perfeitamente reconstituída da primeira à última cena do filme.
Sem nenhuma referência com o tema anterior, mas ainda sobre Matrix: vale a pena conferir o site do filme na internet: www.whatisthematrix.com


Alexandre Gomes é editor do PRIMEIRA PÁGINA

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