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Dr. Morte, versão Sus
Alexandre Gomes

"Penso que hei de morrer acima de meus recursos" (Oscar Wilde)
(com ilustração: morte.jpg crédito: AE)

O Sus (Sistema Único de Saúde) conseguiu mais uma vez cumprir sua obrigação de dar tratamento de saúde de primeiro mundo aos pobres brasileiros que dependem da Saúde Pública. Até a pouco tempo a morte planejada de pacientes era um privilégio de quem podia contratar os serviços do Dr. Morte, médico famoso nos EUA por praticar eutanásia.
Mas agora os infindáveis esforços do Ministro da Saúde José Serra - que vão muito além de gastar rios de dinheiro anunciando em propagandas milionárias em jornais e revistas - conseguiram democratizar mais este indispensável serviço de saúde. Pelo menos 131 pacientes já foram beneficiadas, em um único hospital - o Salgado Filho na cidade do Rio de Janeiro - com a versão tupiniquim do Dr. Morte.
Claro que nem sempre é possível garantir o mesmo padrão de serviço do Dr. Kerkovian, afinal trata-se apenas de um serviço público gratuito. Mas a injeção de cloreto de potássio do auxiliar de enfermagem - em vez de um médico, afinal trata-se do SUS - nada fica a dever ao seu inspirador.
O genial poder de improvisação do brasileiro Não deixou de estar presente, até melhorando a idéia original, compensando a falta de recursos com os mais modernos métodos de gerenciamento. Um exemplo: enquanto os clientes do Dr. Morte tem de dispensar boa soma para partir para a outra vida no Brasil chegou-se a um custo módico de R$ 100 e nem é o paciente que paga.
Na hora de pagar a conta é que o Enfermeiro Mortal demonstra estar completamente sintonizado com o espírito da era da globalização, simplesmente estabeleceu uma parceria com uma funerária que gentilmente desembolsava os R$ 100/morte, sem nem pestanejar.
Tudo era (é?) feito com muita discrição, afinal nem sempre a população ignara é capaz de compreender todo o esforço dos seus governantes para dar a todos mais um tratamento de primeiro mundo. Ninguém notou, por exemplo, o número de mortes excessivas durante o plantão do enfermeiro, habilmente disfarçada numa taxa de mortalidade bem alta que já era rotina. Tampouco na funerária alguém percebeu a extraordinária produção de cadáveres do enfermeiro nos 11 anos que trabalhou no hospital.
O SUS cometeu apenas uma injustiça nesta história: não estender mais este serviço humanitário com padrão de primeiro mundo aos demais hospitais do país (ou se o fez pelo menos isto não apareceu naquelas propagandas fantásticas do Ministério da Saúde que costumam brilhar nas revistas semanais). Deveriam convidar Edson Guimarães para treinar auxiliares de enfermagem por todo o país nas suas técnicas, desde a aplicação discreta do cloreto de potássio à negociação de parcerias com as funerárias, desonerando os cofres públicos.



Alexandre Gomes é editor do PRIMEIRA PÁGINA

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