1 de setembro de 1999
Acordei às onze horas, ainda bem que só
vou assistir aula à noite hoje. Fiquei fazendo o trabalho
de sociologia até às quatro da tarde e depois,
rapidamente, fui para a musculassauro. Terminei às cinco.
O dia foi sem muito o que contar, pois cada atividade minha me
tomou muito tempo, portanto, fiz poucas coisas. Fui pra faculdade
às cinco e meia.
Cheguei lá e encontrei com umas amigas minhas, fiquei
conversando e depois fui procurar Laura para entregar minha parte
do trabalho. Não a encontrei. Eu estava de muito bom humor,
nem parecia a mesma pessoa do dia anterior.
Assisti a primeira parte da aula e assinei a minha lista de
presença. Virei para o Paulo, que estava do meu lado e
pedi para que ele passasse a lista, para que o pessoal da tarde
que estava assistindo aula naquela noite assinasse. Para deixar
ela rolando pela sala.
- Não, eu não acho lógico fazer isso.
- Por favor, você pode passar a lista pela sala? - perguntei
novamente.
- Que que você tem? - perguntou ele para mim.
Um relâmpago passou pela minha cabeça. O que eu
tenho? O que eu tenho? Por que ele não podia fazer uma
ação tão simples que eu pedi para ele?
- O que eu tenho é que eu tô te pedindo para você
passar a lista e você está me devolvendo.
- Eu não vou passar, depois o pessoal da tarde vai e procura
ela para assinar na mesa do professor.
Eu estiquei um pouco o braço para a amiga dele que estava
do seu lado e pedi para ela passar. Ela perguntou: "é
a lista da tarde?" eu disse que sim e ela passou para a
pessoa do seu lado. E assim foi pela sala toda, sem problema
nenhum e o pessoal que estava assistindo aula fora do seu horário
assinou.
Intervalo. Meus amigos confirmaram comigo se eu iria na festa
surpresa que eles estavam preparando para a Laura. Eu disse que
sim. Ela iria estragar a festa, pois resolveu ir para casa na
hora do intervalo, e não no final da aula, como se esperava.
Fizeram umas armações, arranjaram uma boa desculpa
e praticamente todos os convidados foram pra casa com ela, o
mais incrível, ela não percebeu nada. Só
eu fiquei na faculdade.
Não voltei para a aula depois do final do intervalo e
fiquei conversando com várias pessoas da noite lá
no bar, inclusive Paulo, Nívea e seu amigo que tinha chegado
no dia anterior quando eu ia falar com ela. Ficamos conversando
muito e eu estava realmente, de muito bom humor. Tentaram ferrar
o Paulo por ele não ter ido falar com sua namorada no
dia anterior, mas como eu tinha visto que ele passou no local
combinado e até esperou um tempo por ela, mas no final
não a encontrou pois ela não tinha chegado no horário,
o defendi. Ele disse que eu estava legal. (engraçado que
quando eu o defendo, estou legal, quando eu o critico, estou
"menstruado"... tudo bem). O pessoal que estava na
lanchonete quis ir para um bar, beber cerveja, mas eu, Paulo
e uma amiga dele resolvemos voltar para a sala. Até aquele
dia eu não tinha assistido uma aula inteira daquele professor,
estava em dívida.
No final, fomos para o ponto e eu fui pegar meu ônibus
para ir à festa. Desci no ponto e tive que passar por
uma ruazinha muito barra pesada, perto de umas obras inacabadas
e de um matagal. Quando eu estava passando, uma menina com um
fichário, vinha no sentido contrário e disse:
- Você tem horas?
Eu parei (e esse talvez tenha sido meu erro) e respondi:
- Sim, são dez para a meia noite.
- Obrigado.
Ela sorriu e ameaçou continuar a andar, quando seu estojo
caiu do meio do fichário. Meu segundo erro, eu me abaixei
para pegar. Quando eu ia me levantando, vi que seu pé
vinha em direção ao meu rosto e me acertou em cheio...
que chute. Eu caí para trás segurando minha mochila.
Coloquei a mão no rosto e senti que meu nariz sangrava.
Eu nunca briguei na vida e não sabia nem o quanto doía
um nariz quebrado. E doía. Minha adrenalina deveria estar
no nível máximo, pressentindo o perigo, eu quis
revidar o golpe, mas hesitei, por ela ser mulher, foi meu terceiro
e último erro. De trás de um muro da obra saiu
um cara. Ele tinha uma arma na mão.
Meu nariz doía muito e eu não conseguia pensar
direito. Só me vinha na cabeça que alguém
passasse lá naquela hora, em pensamento, pedia muito por
ajuda, pois não poderia gritar e naquele momento, meus
dois únicos caminhos de saída estavam bloqueados.
O cara chegou para mim e pediu minha carteira. Eu entreguei.
Engraçado, que eu não tremia. Uma súbita
paz interior me arrebatou e eu não sentia medo, na verdade,
não sentia nada, só a dor no nariz. Ele abriu minha
carteira e constatou aquilo que eu já sabia. Eu só
tinha dois reais e uns passes de ônibus. Ele jogou minha
carteira longe, chegou perto de mim (então eu pude ver
que ele estava muito louco, ou por bebidas ou qualquer outra
droga) e me deu um soco forte no estômago. Eu soltei minha
mala no chão e me agachei de dor. Ele pegou minha mala,
jogou longe também, engatilhou o revólver e o encostou
na minha testa. Um fio de suor correu pela minha têmpora.
Tudo se passava em câmera lenta, eu olhei para seu rosto
e a lua brilhava atrás de sua cabeça. Só
não sei como eu consegui reparar nisso num momento daqueles.
Ele tirou a arma de perto de mim e me falou para eu levantar
e ir embora. Eu nem me preocupei em recuperar minha mala e minha
carteira, só queria era chegar na festa e, embora fosse
estragá-la, era por uma boa causa. Eu precisava de curativos.
Pensava também em como ia explicar tudo para meus pais.
Nunca nada daquilo tinha acontecido com um de nós. Eu
dei uns cinco passos para frente, os deixando para trás.
O rapaz gritou:
- Ô moleque!
Eu virei para trás, vi seu braço esticado na minha
direção e uma luz saindo de sua mão, acompanhada
de um barulho. Uns passarinhos que dormiam na árvore adiante
saíram em revoada, assustados. Eu vi um pedaço
de metal saindo de dentro do cano da arma e vindo em minha direção.
Notei também que não tinha ranhuras ao longo dela,
o que significava que a arma era "cabritada", isto
é, não tinha identificação, tornando
impossível a localização da arma pela bala.
É engraçado como você repara nessas coisas
nessas horas. O pequeníssimo projétil foi chegando
mais e mais perto até que entrou por um de meus olhos.
Eu não sei por onde saiu, pois já não estava
mais lá para ver.
A moça que tinha me parado, gritou e levou um tapa na
cara. Eles saíram correndo e eu os perdi de vista, quando
Nívea chegou para mim e disse que eu era bonzinho demais.
Durkheim veio e me falou que o crime não é uma
"doença social" e sim, um fato que está
presente em todas as sociedades. Hobbes disse que ninguém
tinha direito de tirar a vida de ninguém, Rousseau disse
que o soberano tinha. Eu olhei para eles e disse:
- O que me importa saber de tudo isso?
Elaine, uma ex-namorada minha apareceu também e me disse
que aquilo não era certo, embora adorasse ver. Eu pude
ver meus amigos na festa, também. Aliás, eu pude
ver todas as festas que eu fui e consegui o meu tão esperado
desejo, ler pensamentos. Eu me vi na minha primeira danceteria
e consegui ver uma menina que olhava para mim e pude ler em seus
pensamentos que se eu chegasse nela ela ficaria comigo. Mas eu
era tímido demais para isso. Pude pedir uma lista de todas
as mulheres que já gostaram de mim, ou pelo menos estiveram
afim de ficar comigo, mas não ficaram por bobeira minha,
desde aquele fato. Uma lista de cento dois nomes apareceram e
eu li todos em dois segundos. Inclusive tinham garotas lá
que eu nunca imaginei que tinham gostado de mim. Tinham algumas
que eu achei que nem iam com a minha cara! Era engraçado
aquilo e eu quis rir. Nesse momento eu já estava de joelhos.
Eu olhei para o lado e vi Brás Cubas passando, galopando
num quadrúpede enorme, em direção há
uma tal marcha da humanidade. Eu não quis ir. Fiquei ali,
na noite, olhando minha própria vida. Eu quis entender
por que tudo acontecia de errado comigo? Como um cara como eu
podia ser tão mal sucedido amorosamente? A resposta veio
arrebatadora. "VIRTUDE!". Eu não entendi, e
fiquei esperando uma explicação. Tentei raciocinar,
mas não consegui, pois a parte do meu cérebro que
era responsável por aquele tipo de articulação
lógica estava num galho de árvore. Minha camisa
era escura e já estava toda ensopada de suor e sangue.
Eu tive medo, pavor, tremi, quis pedir ajuda, mas não
tive forças. Eu vi muita gente contente, vi gente chorando.
Vi amigos meus sofrendo, vi gente que eu queria bem se dando
mal. Analisei situações amorosas antigas e vi que,
a primeira garota por quem eu já senti alguma coisa, ainda
no primário, riu quando ficou sabendo. Eu era um baixinho.
Eu usava óculos. Eu chorava. Eu derretia por dentro. Depois
lembrei de uma outra. Uma namorada do meu primo, digo, namorada
não, pois aos nove anos de idade não se tem namoradas.
Foi assim: um amigo do meu primo tinha dito para mim que a namorada
do meu primo tinha falado de mim, que eu era bonitinho. E eu,
não lembro se durante uma briga, ou o que, contei para
meu primo. Ele riu também. E era mesmo mentira o que o
amigo dele tinha dito. Aí então eu entendi que
eu tinha começado a história mal e só tendia
a piorar. Depois eu vi meninas do meu colégio, que eu
não tive coragem de dizer nada por ser muito pouco para
elas e não saber como convencê-las a ficar comigo.
Vi amigas do Marcus, que ele apresentou para a gente e vi uma
delas, depois de ter ficado comigo, dizer: "Eu não
sinto mais nada por você". E me vi correr feito um
idiota, até cansar e entrar na igreja para respirar, pedindo
uma ajuda que até hoje não veio. Também
agora não vem mais. Vi a prima do Paulo, vi a menina que
eu namorei, mas ela já tinha namorado, vi uma amiga nossa
do colégio e parei. A Lua sumiu do céu. Eu morri
sem encontrar respostas para minhas questões. Morri sem
entender por que as coisas davam errado, embora eu tenha uma
leve impressão de que devo tudo ao "o que os outros
vão pensar?". Vi que todas as meninas que ficaram
com o Fábio o acham, hoje, um nojento. Embora eu preferisse
ficar com todas as meninas que eu quisesse e depois elas me achassem
nojento, do que todas me acharem muito legal, mas não
querem ficar comigo. Eu me lembrei de um monte de meninas que
me disseram : "Luiz, eu torço muito para que você
arranje uma namorada linda, que te faça muito feliz, você
merece!" E percebi que eu sou o tipo de garoto que toda
mulher quer ver se dar bem, embora nenhuma quer fazer com que
isso aconteça. Eu sou o cara que toda mulher quer ver
com outra, que me mereça mais... eu sempre chego na pessoa
errada...VIRTUDE! Vi que uma menina que queria ficar comigo
na faculdade. Não ficou por bobeira e me deixou com o
coração partido. Vi a menina de Batatais namorando.
Vi Paulo contando o fato à namorada. Vi Maurício
abraçando Marcus, que, depois de mais de dez anos de amizade,
eu via chorar. Vi Ângela atônita na faculdade. Vi
a sociais... não, na sociais eu só vi rumores do
acontecido. Pouca gente de lá foi no meu enterro. Vi Laura
mandando eu me matar, quando eu reclamei que a humanidade era
uma raça perversa que deveria ser exterminada da Terra.
Também a vi bêbada, desiludida da vida. As coisas
continuam e eu estava lá, caído, no meio da noite.
Meu coração já não batia mais. Assim
se sai do show da vida. É um priviégio, para mim,
poder sair contando como é sair daí. Vocês
conheceram pouco de mim, não deu tempo. Ainda tinha muito
o que contar. Agora acabou. Minha Vida fica assim e a única
coisa que eu posso dizer, é: Azar dos que ficaram. Essa
vida é um buraco.
Como costumo dizer, ao final da história. Estou cansado,
vou dormir, mas dessa vez, para sempre. FUI !!!


